quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Doze endereços para comer bem em Buenos Aires

Quando amigos que vão conhecer Buenos Aires nos próximos dias me pediram dicas gastronômicas, percebi que meu roteiro andou mudando e deixou antigos clássicos de lado. O Broccolino, por exemplo, foi meu favorito por décadas, e hoje está em franca decadência, infelizmente. Faço aqui um apanhado dos lugares que mais agradaram nas minhas últimas viagens. Aos que estiverem se aventurando, recomendo cautela especial no trato com o dinheiro. Em tempos negros de inflação e dólares proibidos pelo governo, o risco de receber notas falsas está maior do que nunca. Comprem seus pesos ainda no Brasil.

SORRENTO Não sou lá muito fã de Puerto Madero - lugares caretas e sin onda, frequência de turistas desavisados, preços acima da média - mas sempre abro exceção para o Sorrento. A especialidade são pratos à base de peixes e frutos do mar. Meu favorito absoluto são os Raviolis Neri con crema de gambas: massa feita com tinta de lula e recheada com creme de salmão e camarão, servida com molho à base de creme de leite, um toque de vinho, camarão e ovas de caviar. As mesas externas têm a vista fabulosa do rio que todo mundo quer, mas o vento pode incomodar e esfriar rápido a comida. Onde: Alicia Moreau de Justo, 410, Puerto Madero.

i FRESH MARKET e i CENTRAL MARKET Depois do renascimento de Puerto Madero, a região do outro lado do rio, chamada de Madero Este, vive um boom de verticalização e investimentos - em cinco anos, a área estará irreconhecível. Estas duas casas-irmãs são um misto de empório, delicatessen e restaurante: dá para comer algo ligeiro nas mesas da entrada, comprar flores ou um bom vinho, ou então partir para uma refeição mais elaborada, nas mesas do fundo ou no terraço com vista para o rio. O menu, versátil, tem sanduíches, saladas e pratos que mudam periodicamente, como o risoto de ternera (vitela) con champignons y tomates secos. A limonada com hortelã e gengibre e os licuados de frutas com iogurte são sensacionais. Onde: o i Fresh Market fica no Boulevard Azucena Villaflor, esquina com Olga Cossetini. O i Central Market fica na Pierina Dealessi, esquina com Macacha Güemes.

SIPAN A onda nipo-peruana não dá sinal de cansaço em Buenos Aires. Enquanto alguns lugares pendem para a metade oriental, caso do pretensioso Osaka, este aqui abre mais espaço para pratos quentes peruanos. Claro que os ceviches e tiraditos estão no menu, mas não deixe de provar algo como o salteado de arroz com camarões ao molho de tamarindo. A porção é grande e, se complementada por uma porção de Rolls Costa Verde (deliciosos e sem sinal de cream cheese, na foto), serve três pessoas. A carta de drinques é uma atração à parte. Onde: Paraguay, 624, Microcentro (fica escondido dentro de uma galeria comercial, com entradas pela Paraguay e Florida; há uma filial em Palermo, mas essa é um "ceviche bar" e não tem o mesmo cardápio).

CRIZIA Com luz baixa e pé-direito altíssimo, cumpre bem a função de restaurante bacanudo para aquele jantar mais especial. A cozinha tem matriz argentina e acento contemporâneo. Para quem gosta de ostras, as de lá são ótimas. O risoto de langostinos y mascarpone [foto principal] é um arraso absoluto. Os pratos de cordeiro, os ñoquis de queso y ricota gratinados con brie, crema, tomates secos caseros y parmesano e o linguini com caranguejo e creme suave de limão também agradaram. É a casa mais cara deste roteiro, mas os preços não são maiores que os de um bom jantar tipo Carlota. Reservar é fundamental. Onde: Gorriti, 5143, Palermo Soho.

IRIFUNE A ideia de ir até Buenos Aires para comer sushi lhe parece absurda? Pois é, a cidade sempre foi meio capenga nesse quesito, mas finalmente encontrei um japa de responsa para chamar de meu. Na parte de enrolados, eu e minha mãe nos surpreendemos com o equilíbrio de sabores do Tropical Roll, de camarão, manga, kiwi e redução de maracujá com saquê. A cozinha vai bem também nos pratos quentes, com opções feitas na wok, tempuras e ramens. Também escondido numa transversal da Florida, vive cheio e demora para servir a comida, portanto não vá com pressa. Onde: Paraguay, 436, Microcentro.

LOTUS NEO THAI Muita gente não sabe, mas Buenos Aires também tem sua Chinatown, que fica dentro do bairro de Belgrano. O Lotus tem tudo o que você espera de um bom restaurante tailandês: drinques exóticos, entradinhas para dividir, curries verdes e vermelhos com a picância controlada pelo leite de coco e, para quem não é fã de temperos fortes, deliciosas tiritas de lomo salteadas com molho de ostra. O ambiente, com paredes pintadas, tem poucas mesas (algumas delas bem baixas), então é melhor ligar antes e fazer reserva. Onde: Arribeños, 2265, Belgrano.

EL FEDERAL Intimista e invernal, mostra a culinária típica de outras regiões da Argentina, sobretudo da Patagônia, em interpretações modernas. Uma entrada interessante é o trío de provoletas (de vaca com brotos de rúcula, de cabra com chutney de tomates e de ovelha com cebola e bacon crocante). Entre os principais, o cordeiro patagônico ao Malbec é o hit da casa, e o fantástico cuchinillo (leitão assado durante seis horas em forno de barro, servido com suflê de milho e purê de mandioca, na foto) desmancha ao simples toque do garfo. Onde: San Martín, 1015, Microcentro.

bBLUE DELI Boa parada para um lanchinho entre as compras em Palermo Soho. Não faz a raspberry lemonade incrível do Mark's, mas também não tem a lotação e o atendimento horroroso do concorrente. A pegada do cardápio é saudável, com criativos licuados de frutas, sopas, saladas e sanduíches. Leve para casa os clafoutis (espécie de cookie) de chocolate branco com arándanos (mirtilos/blueberries), perfeitos para quem prefere doces não tão doces. Onde: Armenia, 1692, Palermo Soho.

NUCHA Outro bom endereço para um intervalo calórico em Palermo, tem tortas salgadas e doces, quiches, brownies (deliciosos!), muffins, cookies e, claro, alfajores. Para uma refeição mais substancial, os pratos do dia são escritos numa lousa. A quiche de presunto e queijo é sensacional - leve uma para fazer um lanchinho fora de hora em casa ou no hotel. Onde: Armenia, 1540, Palermo Soho (e outros cinco endereços).

CLUNY Restaurante charmoso e agradável, com menu contemporâneo a preços honestos. O cardápio do almoço é um pouco menor que o do jantar, mas felizmente não deixou de fora o meu prato predileto: o risoto parmesano (de vitela cozida em vinho Malbec com misto de cogumelos). Os ráviolis de cordeiro também valem o confere. Como a cozinha não fecha entre o almoço e o jantar, é uma opção segura para aquele dia de horários desregrados em que você só vai ter fome no meio da tarde. Onde: El Salvador, 4618, Palermo Soho

FILO Não dá para deixar esse clássico de fora. O ambiente festivo e colorido, com música descolada e garçonetes bonitas, e o cardápio de saladas, panini, massas e pizzas lembram muito o Piola. Mas a comida é melhor. Gosto especialmente das pizzas, com massa fina, molho saboroso e bons ingredientes. Boa pedida para jantar sem gastar muito: se os apetites não forem tão grandes ou a noite for terminar em balada, uma pizza média basta para dois e uma grande, para três. Aliás, no balcão do bar, você encontra todos os flyers e guias de bolso de que precisa para se situar na noite portenha. Onde: San Martín, 975, Microcentro.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Calorzinho menos calórico

Uma boa chocolatada feita na panela e engrossada com leite condensado, com textura aveludada, para encher a xícara e repetir. Massas com molhos espessos, sem economizar no creme de leite. Suflês gratinados com bastante queijo gruyère. Fondue. Petit gâteau. O frio abre o apetite, e as comidas que apetecem são as mais calóricas possíveis. O problema é que o inverno passa rápido, mas livrar-se dos quilos acumulados demora bem mais - sobretudo quando já não se é mais um(a) garotinho(a). Como estou engajado no projeto Tio+20 para envelhecer com dignidade, tratei de buscar alternativas de comidas quentinhas que não fizessem tanto estrago na balança. Divido com vocês duas dicas paulistanas que caem superbem nos dias frios e não comprometem tanto a silhueta.

A primeira é o Tea Connection, um lugarzinho pra lá de aconchegante na Alameda Lorena, nos Jardins. Primeira filial brasileira de um negócio que tem meia dúzia de endereços em Buenos Aires, eles têm o foco principal no chá, com uma carta extensa de opções, entre chás pretos, vermelhos, verdes e infusões, com aromas que convencem até os mais céticos, como eu. O cardápio de comidas é interessantíssimo, com uma pegada saudável, sem ser natureba, com saladas, wraps e pratos com um pé no étnico e outro no moderninho. Comi ali uma das duas ou três melhores saladas da minha vida: rúcula, queijo brie, cogumelos portobello, pistaches assados e um chutney de tomate saboroso dando liga nos demais ingredientes. Valeu por uma refeição, sem pesar. Para o calor, eles têm chás gelados, sucos e umas águas de frutas bem refrescantes; para os momentos de indulgência, servem sobremesas como a argentiníssima chocotorta.

O outro lugarzinho estratégico é o Lamen Kazu, clássico bom-bonito-e-barato da Liberdade. Trata-se de um restaurante japonês especializado em lamen. Não pensem em macarrão instantâneo tipo Miojo: aqui, a massa é artesanal e vem numa panela de porcelana, imersa num reconfortante caldo que pode ser à base de sal, missô ou shoyu (segundo a escolha do freguês), junto com cebolinha, nabo, lombo cozido e outros ingredientes pedidos à parte. Minha pedida de sempre é o shoyu tyashu, com caldo de shoyu, três fatias extras de lombo, mais milho e manteiga por minha conta. Você toma o caldo com uma colher de porcelana e ao mesmo tempo vai pinçando os ingredientes sólidos com hashis. Comfort food de japonês é isso aí. O lugar é pequeno, vive cheio e fecha cedo (às 22h30, mas antes disso eles param de aceitar clientes que já não estejam lá dentro). A qualidade da comida e o preço realmente honesto ajudam a explicar o sucesso do lugar.

sábado, 30 de junho de 2012

Improvável, imperfeito e inesperado



A Delicadeza do Amor, em cartaz há algumas semanas, é um desses filmes bonitinhos, mas que fazem pensar. A protagonista, Nathalie (Audrey Tautou), apaixona-se por um esportista bonitão e vive o casamento dos sonhos, bruscamente interrompido quando ele morre em um acidente. A partir daí, ela mergulha no trabalho e encontra ali seu refúgio de tudo, inclusive dos sentimentos. Em outro lance inesperado do destino, ela beija sem querer um colega de trabalho, Markus (François Damiens), que se apaixona por ela e passa a fazer várias investidas, tentando fazê-la baixar a guarda e lhe dar uma chance.

Eis o detalhe que tira essa história da banalidade: Markus é a completa antítese de tudo o que Nathalie tinha no marido. Apesar de ser sueco, o rapaz passa bem longe dos padrões de beleza vigentes. Tem um sorriso bisonho, veste-se como um jovem senhor, é desajeitado, tímido e nada atraente. Em certa noite, ele está no bar com Nathalie quando outro homem se sente confortável para abordá-la como se ele não estivesse ali; Markus tenta se impor e acaba apanhando. Ele é, enfim, um anti-herói que tem no bom coração e na sensibilidade suas únicas armas - e é com elas que tentará conquistar Nathalie.

Não vou contar aqui o filme inteiro. O que chamou minha atenção foi justamente como se deu essa conquista. Nathalie deixa claro de início que o beijo havia sido um erro e ela não quer nenhum tipo de aproximação. Markus pede que ela apenas aceite um jantar despretensioso com ele (num restaurante horrível, por sinal) e depois ele não a perturbará mais. Sem expectativas, naquela noite ela se permite conhecê-lo, e constata que o rapaz é gentil, bem-humorado, enfiim, uma companhia agradável. Aos poucos, o azarão acaba virando o jogo.

Talvez alguns leitores já imaginem onde quero chegar. Quantos de nós se permitiriam viver uma história de amor improvável como a de Nathalie? Cada um tem seus filtros e requisitos, mas eles frequentemente nos prendem à superficialidade e nos impedem de conhecer as outras pessoas de verdade. Ir além da aparência, do corpo, de um primeiro julgamento apressado, e se deixar surpreender. Visuais por natureza, muitos homens fetichizam tanto suas escolhas que acabam se relacionando com um par de peitos, um braço, uma bunda, sem jamais descobrir o que existe por trás ou por dentro. E sem considerar outros pretendentes, com quem poderiam ter afinidades que nem imaginam. Com doçura e sutileza, A Delicadeza do Amor nos convida a refletir sobre nossas escolhas amorosas e, por que não, repensar algumas certezas e convicções.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Universo perfeito

No sábado retrasado, vários grupos de jovens vestidos de branco da cabeça aos pés tomaram as calçadas e metrôs da cidade. Não era réveillon e não havia nenhuma justificativa aparente para o estado de animação em que se encontravam. Seria algum congresso nacional de enfermagem? Um processo de seleção para cabeleireiros da rede Soho? Em que planeta moravam? A explicação para tal cena - tratava-se de uma grande festa de música eletrônica, chamada Skol Sensation, que exigia traje 100% branco - só era conhecida por aqueles que estavam por dentro da noite e sabiam da existência do evento. Os rapazes e moças de branco, entretidos com a expectativa do Skol, destoavam da paisagem e pareciam viver num mundo paralelo, alheios ao que se passava ao seu redor.

É mais ou menos assim que eu vejo uma boa parcela da comunidade LGBT de hoje, ao final de mais uma semana de Parada Gay: cada vez mais voltada para dentro de seu próprio mundinho. Não me refiro especificamente à falta de engajamento político - o que, convenhamos, não é nem de longe exclusividade do meio gay - mas ao desinteresse em se mesclar com o resto da sociedade. Não quero cair na armadilha do saudosismo, mas, em anos anteriores, havia um diálogo bem maior com a cidade e a comunidade num sentido mais amplo. Queríamos ocupar espaços, marcar presença, dar o nosso recado. Depois de décadas marginalizados, queríamos dizer ao mundo que existíamos, e festejávamos nossa visibilidade. Nesse sentido, a presença nas ruas, que culminava com a Parada em si, era uma oportunidade única de congraçamento.

Agora, os desejos mudaram. Não queremos mais ser visíveis, mas sim nos esconder em um canto que seja só nosso, onde não sejamos incomodados por quem é diferente de nós. Debandamos em massa do desfile na Paulista, uma festa coletiva, de união, de mistura, em favor das nossas celebrações particulares. Aliás, a Parada em si virou um simples pretexto para a realização dessa maratona de festas, e são apenas elas que atraem a massa de visitantes à cidade. Por isso, se a Paulista recebeu um milhão a mais ou a menos, se os candidatos a prefeito incluíram o evento em suas agendas, nada disso importa para nós. Só queremos ser deixados em paz para encher a cara e beijar horrores, dentro do nosso mundinho cada vez mais homogêneo, ultrassegmentado, que exclui inclusive outras tribos do próprio espectro LGBT. Barbies festejam com barbies, ursos com ursos, meninas com meninas, uns não cruzam o caminho dos outros, héteros não precisam comparecer, e assim fica todo mundo satisfeito. Não precisamos conquistar mais nada: já temos o nosso Universo Perfeito, onde somos reis, e isso nos basta.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Bah: um contemporâneo com identidade (dos Pampas)

Não é mais tão fácil se surpreender em um restaurante de "cozinha contemporânea". O rótulo virou um clichê que se repete e perde força a cada dia. Um medalhãozinho aqui, um risotinho ali, uma frutinha acolá para dar um toque de ousadia comedida. Tudo isso virou lugar-comum. Alguns chefs visionários criaram receitas que se tornaram icônicas, e os outros foram atrás - pensemos no suflê de goiabada com calda de Catupiry de Carla Pernambuco, que gerou uma onda de reinterpretações do binômio goiaba-queijo Brasil afora. Poucas são as casas recentes que conseguem se diferenciar e imprimir uma identidade realmente própria.

O Bah, de Porto Alegre, é uma dessas gratas exceções. A casa lança mão de ingredientes típicos do Rio Grande do Sul, como o charque de Bagé, a nata e a manteiga de butiá, para propor uma releitura moderna da culinária daquele Estado. Tudo em porções honestas e com preços justos. O Bah fica dentro do novo Barrashopping Sul [aliás, a cidade deu uma repaginada geral em seus centros de compras; até o Iguatemi está irreconhecível, com cara de mall americano], mas não tem cara de "restaurante de shopping". São dois andares. O térreo é classudo, mas impessoal, com cadeiras de couro que dão um ar de "almoço de negócios". No andar superior, há uma gostosa varanda, com sofás e vista para o rio Guaíba - cenário perfeito para um almoço de domingo longo e preguiçoso.

Como primeiro prato, provei a versão deles para o clássico tortei de moranga, uma espécie de ravióli. Ali, a massa é recheada de abóbora e charque de Bagé, depois passada na manteiga de sálvia, e finalizada com queijo grana padano e farofa de biscoitos Amaretto. Bem interessante. Depois, caí de boca num risoto de paleta de cordeiro com crocante de alho-poró e cogumelos - cremoso e úmido, como deve ser. Também dei umas garfadas nos pratos dos meus amigos gaúchos, que incluíam um filé à milanesa com molho de nata e queijo gruyère, mais batata gratinada, e um camarão salteado com páprica picante, acompanhado de pappardelle ao creme de nata com um toque de laranja e gengibre. Nham!

Fechei meu almoço em grande estilo, com um manjar de morango. Numa taça alta, alternam-se camadas de creme de ovos (a boa e velha baba-de-moça), morangos fatiados e nata batida. Uma delícia, com aquele jeitão meio antiquado de sobremesa de mãe. Lutei com todas as minhas forças para não pedir uma segunda porção, sabendo que o fim de semana seria bem engordativo. No fim das contas, o almoço saiu uns 30% mais barato que uma refeição similar em São Paulo. O Bah já entrou para a minha lista dos favoritos em Porto Alegre.

sábado, 26 de maio de 2012

Carnes gaúchas selecionadas

Quando amigos gays me pedem dicas de Porto Alegre, costumo fazer uma ressalva: "os gaúchos são lindos, mas preferem sair da toca bem longe de casa. Não esperem encontrar nos clubes da cidade a profusão de galãs que se vê nas festas do verão de Floripa ou do Rio". Já disse isso no blog, também. Depois da minha última visita à capital gaúcha, no final de semana passado, tive de rever meus conceitos. Fui conhecer o Madam, boate que deu uma sacudida na cena gay da cidade, e me surpreendi. O lugar não é especialmente grande ou bonito, embora seja adequado ao porte de uma cidade de pouco mais de 1 milhão de habitantes. Mas a frequência... bem capaz, me caíram os butiá do bolso, tchê! Um mooonte de homem bonito, de rosto e de corpo, em várias cores e tamanhos. Não sei se dei sorte naquela noite, ou se o movimento estava melhor que o normal por conta do DJ convidado (Paulo Pacheco, da The Week, por sinal um gaúcho expatriado). Só sei que a noite foi boa o suficiente para eliminar qualquer resquício de má vontade que tivesse ficado das minhas visitas anteriores a Porto Alegre. Falando em DJ, vale acrescentar que a prata da casa não ficou devendo nada à atração de fora. A única nota destoante foram os três (!) blecautes que a boate sofreu ao longo da noite. Mas os gaúchos são tão educados, mas tão educados, que não rolou nenhuma mão-boba não solicitada durante os apagões. Imaginem se isso tivesse acontecido em algum clube aqui no Sudeste...

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Barato de mentirinha

Paraísos Artificiais se propõe a ser um retrato da juventude frequentadora de raves e festivais de música eletrônica, com todos os excessos hedonistas que costumam vir no pacote. É louvável que um filme brasileiro tenha coragem de falar sobre esse assunto, que sempre foi abordado pela mídia de forma parcial e sensacionalista. Pena que não o tenha feito dez anos antes, quando as tais festas estavam no auge e representavam um fenômeno pertinente. Hoje, a cena já mudou tanto que o filme soa um tanto datado, para não dizer anacrônico. De qualquer maneira, a direção de Marcos Prado e a produção de José Padilha (Ônibus 174 e Tropa de Elite) já foram suficientes para instigar minha curiosidade. 

O enredo: uma DJ e sua amiga vão a um festival eletrônico numa praia paradisíaca. Lá pelas tantas, conhecem um gatinho, vivem um momento intenso regado a sexo e drogas, e só voltarão a se encontrar anos mais tarde, por acaso, em Amsterdã. Esse quadro vai sendo construído aos poucos, já que a narrativa é todinha retalhada, cheia de idas e vindas no tempo (sim, mais um filme não-linear... até quando, meu Deus???). As atuações dos protagonistas não chegam a ser sublimes, mas têm seus momentos de entrega, e não vou estranhar se a carreira televisiva dos três decolar logo, logo. Até porque eles são lindos como o povo gosta. A fotografia é exuberante, com locações no Rio, em Pernambuco, Alagoas e Amsterdã, e a trilha sonora tem faixas escolhidas a dedo. Posto dessa maneira, parece mesmo a alquimia perfeita.

Apesar disso, a bala do filme não bateu em mim. A artificialidade antecipada pelo título estava em toda parte, a começar pela tal "grande rave no paraíso": um amontoado de figurantes bonitos, magros, sarados, de pele dourada e sotaque carioca, saídos diretamente do departamento de RH do Shopping Leblon. Para dar o arremate, um cinquentão hippie estereotipado oferecia conselhos enlatados para a galere, numa atuação constrangedora que só faria algum sentido dentro do set de Malhação. É verdade que nessa fase da vida os jovens vivem o momento e fazem loucuras, mas o consumo de drogas é retratado de maneira tão excessivamente romantizada, ingênua, pueril, que se torna pouco crível, sobretudo por quem já teve algum contato com o universo eletrônico. Além disso, ao colocar um casal hétero tomando GHB em uma rave de trance, o diretor erra a mão na caricatura e mistura referências de épocas e tribos diferentes e inconciliáveis, mais ou menos como se os Beatles comessem acarajé no Sónar. Simplesmente não cola.

Por fim, para um filme que se pretende tão moderninho, a mensagem subliminar é surpreendentemente careta e moralista. Sim, é claro que o uso de drogas tem seu preço e pode trazer consequências como acidentes, mortes, prisões e famílias desestruturadas. Há exemplos ao redor de todos nós. Mas mostrar todas essas consequências acontecendo ao mesmo tempo é um pouco meio muito, não? E o que dizer do garoto que se envolve com o tráfico só porque tinha um irmão que serviu de exemplo... e depois ainda se arrepende e se salva no final do filme, quando aliás todos os personagens que não morrem sofrem algum tipo de redenção? Só faltou aparecer o brasão do Governo Federal.

Talvez eu tenha me decepcionado porque vi os nomes de Marcos Prado e José Padilha e esperei algo mais próximo de um documentário, que se pudesse levar a sério, como análise de um fenômeno de comportamento ou mesmo de uma geração. Mas Paraísos Artificiais não segura a onda - é tanta caricatura junta que não convence nem como obra de ficção.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Tesão reprimido

Tive a maior boa vontade do mundo para dar uma chance à Virada Cultural. De toda a (extensa) programação, o que mais me chamou atenção foi o "festival gastronômico" armado no Minhocão. A ideia parecia irresistível: chefs de restaurantes renomados venderiam quitutes como steak tartare, polenta com cogumelos e sanduíche de picadinho em barracas, a preços populares (entre R$5 e R$15). Deu muito errado, como todos sabem: a demanda foi bem maior do que os organizadores podiam sequer sonhar. Pensar que míseras 500 porções de galinhada com a assinatura de Alex Atala dariam conta do recado foi de uma ingenuidade atroz. Ainda mais com o interesse cada vez maior do paulistano leigo por gastronomia.

Nem me abalei a pagar esse mico anunciado, mas esperava que durante o domingo as coisas fossem mais calmas, com o movimento diluído ao longo do dia. Cheguei com dois amigos às 14h30 e mal dava para se movimentar pelo Minhocão, que estava completamente abarrotado. Filas indianas impensáveis serpenteavam em frente às barracas. O caos. Ficamos quinze minutos e acionei um plano B que salvou o dia: o Bar da Dona Onça, que também estava lotado, mas recompensou a espera com uma comida infinitamente superior à das outras vezes em que eu havia estado lá.

Enquanto cruzávamos o Centro até o Copan, percebíamos a dimensão que a Virada havia tomado. Qualquer atração atraía multidões, indiscriminadamente; não dava pra chegar perto dos palcos. As pessoas estavam ávidas por qualquer coisa que lhes fosse oferecida. São Paulo é uma cidade privada; os lazeres e prazeres são praticamente todos privados, e se celebra muito pouco o espaço público (ao contrário do que acontece no Rio, e nesse sentido não estou falando apenas de praia). Quando se acena com a menor migalha que seja, nota-se o quão absurda é a demanda reprimida que temos, de tudo. Uma estação de metrô é inaugurada e, em menos de doze meses, já atinge a saturação (a Paulista já superou a Sé). É muito depressa. E como explicar o inchaço da Parada Gay, tomada de assalto por uma multidão que, em boa parte, não está ali para apoiar a causa LGBT? São pessoas que veem no evento uma rara oportunidade de lazer grátis, com música e bebida barata. Qualquer coisa que vier é lucro. Se fizéssemos três Paradas e três Viradas por ano, certamente todas elas lotariam. Em São Paulo, estamos todos famintos, à espera de pedaços de galinhada.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Sexo na obra

Na noite de ontem foi inaugurado no centro de São Paulo o Chilli Pepper, que se vendia como o "primeiro hotel para gays solteiros da cidade". O negócio anterior do proprietário, a extinta sauna 269, tinha sido um grande sucesso de crítica e público; quando fechou as portas para dar lugar a um empreendimento imobiliário, deixou uma legião de fãs saudosos e uma lacuna no mercado que ninguém mais soube preencher. A notícia da casa nova gerou frisson no mundinho, que entrou em clima de contagem regressiva. Os detalhes anunciados para a imprensa só aguçavam a curiosidade: três andares, 2300m² de área construída e requintes como aquecimento elétrico nos pisos, ofurôs e piscinas de verão e inverno davam a impressão de uma casa suntuosa.

Até certo ponto, eu sabia que era preciso filtrar essas informações. O rótulo de "hotel" mais parecia um truque para afastar o estigma de sauna e proteger a casa contra uma provável hostilidade da vizinhança, como acontecera com a 269 na rua Bela Cintra. Como bom conhecedor do Centro, eu sabia que o entorno do empreendimento era bastante degradado e achei graça quando o empresário disse que se tratava de "uma área privilegiada do Arouche, nosso Village/Soho" [sic]. Pode até ser uma região com expressiva presença gay (a preços bem mais viáveis do que os do eixo Paulista-Jardins, néam?), mas essa comparação é, no mínimo, exagerada. Assim, o que eu esperava era encontrar o mesmo conceito de complexo de pegação da 269 - mas elevado a um patamar muito superior de conforto e sofisticação.

E o que vi foi uma casa ainda em obras, que não estava pronta para ser aberta. A fachada estava coberta pelo que pareciam ser grandes sacos de lixo. Não havia vestiários ou armários: os clientes tinham que se despir em um espaço improvisado e colocar sua roupa em sacolas plásticas, que um funcionário guardava em prateleiras do outro lado do balcão. As saunas propriamente ditas não funcionavam; a jacuzzi estava cheia, mas de água fria. O que havia para ser "desfrutado" era um bar (onde a pouquíssima luz tentava disfarçar a falta de acabamento) e um segundo piso com corredores e cabines - esse completamente no escuro, obrigando as pessoas a tatear e adivinhar a disposição de um espaço que elas desconheciam. Não dava pra ser claro demais, é verdade, mas pequenas luzes vermelhas sinalizando o chão teriam sido suficientes para dar alguma segurança aos frequentadores.

O imóvel, que abrigava uma agência bancária, é gigante e tem todas as condições de virar uma supersauna para ninguém botar defeito, sem deixar saudades da 269. Empregar transexuais na equipe foi um gesto de inclusão social simples e simpático, que outras empresas deveriam seguir. Também gostei da originalidade da trilha sonora, que ousou fugir do surrado bate-cabelo gay (nunca pensei que ouviria Talking Heads num espaço como aquele!). Mas, depois de ter prometido um luxo nababesco, a casa jamais poderia ter sido aberta ao público naquele estado - e, pior, cobrando dos clientes o preço normal de entrada. Entendo que obras são demoradas e caras, e talvez o dono já estivesse com a corda no pescoço, precisando colocar algum dinheiro em caixa. Mas teria sido melhor segurar a inauguração por mais duas semanas e entregar o lugar em condições adequadas, evitando a má impressão de que foi aberto às pressas, sem o menor cuidado com o consumidor.

domingo, 8 de abril de 2012

A hora de Lana

Se em 2011 só deu Adele, este parece ser o ano de Lana Del Rey. Pelo menos entre as bilus que estão sempre procurando uma nova cantora para chamar de sua. Vários amigos meus já adotaram, e eu acho que ela tem mesmo potencial para virar uma diva gay. O clipe de "Born To Die", com aquela aura de mistério e todo aquele carão poderoso, é queer até a medula, e certamente será refeito por drag queens em palcos diversos mundo afora. O disco, irregular, tem alguns bons momentos, mas não tem apelo radiofônico. O que é ótimo, pois a superexposição pode ser uma praga: vide a própria Adele, que orkutizou tanto que virou tema de novela e até nome de rua em Santo Amaro.

É evidente que tudo em Lana Del Rey é fabricado, dos lábios botocadérrimos à tal "aura de mistério" do vídeo. Mas ingênuos seríamos nós de acreditar que o universo pop ainda tem artistas crus, seminais e autênticos. A própria noção de autenticidade virou clichê, assim como o rótulo de "alternative rock" que rádios e lojas dos Estados Unidos colam em bandas que há muito viraram mainstream, como Green Day e Foo Fighters. Alternativo a quê, cara-pálida?

Melhor deixar essa discussão de lado e se inspirar pela voz lânguida e derramada de Lana, que, se bem trabalhada, pode render até bons hinos de pista. O André Garça fez um rework de "Video Games" que me deixou simplesmente pretérito. Ele jogou uma linha de baixo rebolativa, acrescentou uma percussãozinha pra dar aquela latinizada (bem sutil e chique), e transformou o que era um momento introspectivo e invernal em um vulcão house, sofisticado e sensual. E o melhor, soube fazer isso sem descaracterizar Lana. As guei vão tudo pirar: o remix ficou perfeito para colocar uns óculos bem caros e sair jogando o ombrinho e dando close por aí. Confira o resultado aqui.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Doce bombardeio

Ceviches, omeletes, bruschettas, cupcakes, brigadeiros... São Paulo vive uma onda de casas dedicadas a um único tipo de iguaria. Das novidades que andei provando, uma das que mais me agradaram é a Faire La Bombe, em Pinheiros.

Como o nome indica, a especialidade são as bombas (ou éclairs, em francês). Os sabores disponíveis são divididos em três categorias: clássicas (chocolate, creme e brigadeiro), vintage (cappuccino, doce de leite, limão siciliano, frutas vermelhas) e especiais (blueberry com mascarpone, amêndoa, jabuticaba, pistache). Em tamanho normal, os preços vão de R$ 6 a R$7; as menores, como as da foto, custam entre R$4 e R$5.

Das opções diferentonas, recomendo a de pistache: recheio do creme da fruta e cobertura de chocolate branco, com lasquinhas de pistache por cima. Mas, se você está precisando se sentir realmente recompensado(a), aí não tem outro jeito: tem que ser a bomba de brigadeiro. A cada mordida, o cremosíssimo recheio vai escapando e fazendo você lamber os dedos. Comfort food na sua mais pura expressão.

domingo, 1 de abril de 2012

A volta dos comentários (assim espero)

Bem que eu achei estranho que meu blog não estava recebendo mais nenhum comentário. Até pensei que era o "efeito Facebook": como eu sempre aviso ali quando há uma nova postagem, muitos amigos passaram a responder no meu mural e deixaram de comentar aqui. Confesso que prefiro quando comentam no blog mesmo, mas nunca reclamei, porque acho que cada leitor tem que fazer como achar melhor.

Mas aí um amigo veio perguntar o que eu tinha feito com o comentário dele, e eu não tinha recebido comentário algum, e não entendi nada. Comecei a fuçar e descobri que o blog tinha mudado sozinho as minhas configurações - e havia um monte de comentários presos, esperando moderação, e eu não tinha recebido nenhum aviso por e-mail. Problema resolvido, tudo voltou ao normal.

Aos leitores que fizeram perguntas e ficaram sem resposta, peço desculpas, vou resolver isso agora mesmo. E amanhã tem post novo! Estou mais devagar com as postagens por conta de uns freelas que andei pegando, mas não perdi o interesse no blog, não! Então peço que tenham paciência com a demora nas postagens [a página do blog no Facebook sempre avisa dos posts novos] e não desistam de mim :-)

quarta-feira, 28 de março de 2012

Shame: o desejo que devora

Shame, filme de Steve McQueen em cartaz nos cinemas brasileiros, usa um tom sóbrio e sofisticado para falar de um tema espinhoso: a compulsão por sexo. Brandon, o protagonista, é um executivo bonitão que vive com a antena ligada 24 horas por dia. Está sempre atrás de parceiras, no metrô, em bares, na internet. Não consegue focar no trabalho. Conforme o filme se desenrola, vemos que seu desejo constrói uma prisão solitária. Brandon se isola, repele a aproximação das outras pessoas, sabota qualquer possibilidade de relacionamento e, assim, perpetua o ciclo de solidão. A chegada inesperada da irmã desestabiliza sua rotina e evidencia que em seu mundo não há espaço para mais ninguém.

Michael Fassbender está muito bem no papel principal. O olhar de predador quase psicopata das primeiras cenas passa a imagem de um macho-alfa com o tesão à flor da pele; aos poucos, porém, ele vai se despindo dessa exuberância sexual e expondo sua angústia e tristeza. A presença incômoda da irmã o confronta com sua incapacidade de se relacionar, e ele sofre. O sexo continua aparecendo como fuga, em cenas elegantes, com enquadramentos sutis - a intensidade é explorada sobretudo pela trilha sonora.

A questão central parece ser onde está o limite do que é saudável. E essa é uma medida diferente em cada um. Muitos podem se reconhecer em certas passagens, sobretudo alguns espectadores gays. (O velho chavão de que todo homossexual é promíscuo constitui uma falácia que só interessa ao fundamentalismo religioso, mas não dá para negar que o meio gay é hipersexualizado e acaba alimentando certos comportamentos). Mas talvez nem todas as pessoas que mantêm um ritmo sexual semelhante ao de Brandon vivenciem a mesma angústia. Alguns podem ter as mesmas dificuldades de relacionamento, outros não.

Em sua coluna semanal na Folha de S.Paulo, o psicanalista Contardo Calligaris escreveu que Shame, ao retratar o desejo de Brandon como uma patologia, é um filme moralista. "Em matéria de sexo, patologizar é o jeito moderno de estigmatizar e policiar". Ele explica que a ideia de dependência sexual surgiu nos anos 70, como uma reação à liberação sexual da década anterior, e foi recebida com desconfiança pela psiquiatria e pela psicologia. "A associação de sexo com vergonha e culpa é um bordão cultural muito antigo, no qual somos convidados a acreditar por todo tipo de poder. A exigência de domesticar o desejo sexual parece ser, aos olhos de todos, um pré-requisito básico de qualquer ordem social".

Entendo o ponto dele, mas não sei se eu iria tão longe. Não tenho a menor pretensão de entrar no mérito sobre a existência ou não dessa compulsão. Mas conheço pessoas que têm dificuldades reais em administrar a própria libido em relação aos demais departamentos da vida - e isso não passa, necessariamente, por uma culpa 'católica'. Talvez o problema seja de outra natureza - mas, de um jeito ou de outro, ele está presente na vida de muitas pessoas, nestes tempos em que somos todos vistos como pedaços de carne. No mínimo, o filme vale pela reflexão sobre qual o peso que o sexo desempenha na vida de cada um.

terça-feira, 6 de março de 2012

Update portenho 2012

Voltei a Buenos Aires depois de dois anos e tomei um susto com a disparada dos preços. Um sorvete pequeno na Persicco custa AR$21. A corrida de táxi do Microcentro até Palermo não sai por menos de AR$55. Num bom restaurante, um prato principal (não a conta!) vai de AR$60, se for massa, a AR$110, se tiver ingredientes como centolla. Muitos podem argumentar que, convertendo para reais, nada sai mais caro do que no Brasil. É verdade. Mas antes tudo era bem mais barato. E os preços subiram rápido demais - o bilhete de metrô, por exemplo, teve uma alta de 127% de uma só vez, desencadeando uma grita geral em janeiro. Por supuesto, o poder aquisitivo dos argentinos não acompanhou a inflação. Várias companhias aéreas passaram a operar voos diretos daqui para o Aeroparque, que fica dentro da cidade, bem mais prático que o aeroporto de Ezeiza (e com direito a duas belas lojas duty free). Uma corrida de táxi até o Centro custa AR$40, por um taxímetro honesto. Os remises (carros de cooperativa com preço tabelado) cobram AR$76. Já os táxis comuns que fazem ponto no aeroporto são 100% adulterados - pegamos um, o taxímetro acusou AR$85 e o motorista ainda teve a pachorra de nos cobrar mais AR$10 pelas malas. O Microcentro continua com aquele jeitão meio abandonado e decadente; a Recoleta parece parada no tempo; Palermo mantém seu charme, com ciclovias surgindo aqui e ali. Agora eu não me deparo mais caras com de interrogação quando me apresento para pessoas novas: o nome Thiago chegou por lá, e parece que está na moda para batizar novos rebentos. Se, há alguns anos, todos os restaurantes bacanas praticavam cocina de autor, hoje a palavra de ordem é culinária nipo-peruana, um modismo que já dava as caras em 2010 e hoje está fortíssimo. Fomos a duas casas do tipo: piramos com a comida do Sipan, e lamentamos ter deixado de repetir a dose para conhecer o Osaka - lugarzinho metido a besta, com comida inferior, preços estratosféricos e ambiente antipático e sin onda. No Microcentro, além da pizza do Filo e dos sorrentinos do Broccolino, que são clássicos do meu roteiro, vale conferir a culinária argentina moderna do Mott e do Dadá. Em Puerto Madero, nosso favorito absoluto é o Sorrento - os raviólis negros com creme de camarão estavam sensacionais. Resolvi gastar um pouco mais com um táxi até Belgrano, que esconde o bairro chinês da cidade. Não me arrependi: a comida tailandesa do Lotus Neo Thai valeu o investimento - melhor até que a do Green Bamboo, meu queridinho de outros tempos. Já em Palermo, o destaque foi o contemporâneo Crizia, que fechou nossa viagem em grande estilo. Mandei um linguini com creme de limão e caranguejo, e agora quero voltar para provar o risoto de langostinos e mascarpone. A conta mais cara da viagem - AR$245 por pessoa - ainda saiu menor do que teria sido num jantar de categoria compatível em São Paulo. Desta vez não me emocionei com os sorvetes portenhos, como em outros tempos. Não que os de lá tenham piorado: os de São Paulo é que estão muito melhores do que eram antes. Para não perder o hábito, eu me esbaldei, mas não me preocupei em trazer na mala para o Brasil. Meus cinco preferidos: crema irlandesa da Freddo, mousse de chocolate da Un'Altra Volta, banana split da Persicco, cheesecake de maracuyá da Freddo e dolcatta da Persicco. Já minha mãe ficou passada com os sabores mousse de arándanos (blueberry) e Malbec con frutos rojos da Freddo. Em matéria de compras, Buenos Aires nunca foi assim uma Nova York, mas a alta dos preços deixou as sacolas ainda mais magras. Agora a gente só leva aquilo que achou realmente bacana. (Aliás, o desespero da inflação é tanto que os argentinos que moram em Mendoza estão cruzando os Andes de carro para abastecer suas casas no Chile). A Av. Santa Fe (que virou mão dupla, mirá vos!) está meio caidinha, a calle Florida continua o paraíso dos pickpockets, as Galerías Pacífico agora têm todas as marcas locais que importam. E comprar em Palermo está tão caro como no Brasil. Os brasileiros andam deslumbrados com o novo pólo de outlets que se formou em Villa Crespo, nas quadras que cercam o cruzamento da Gurruchaga com as calles Aguirre e Loyola. Mas a verdade é que muitas marcas praticam nos seus pontos dali os mesmos preços cobrados nas demais lojas. Com a desvantagem que ali dificilmente se consegue o formulário de tax free para devolução do ICMS no aeroporto. Na noite gay, os clubes Glam e Amerika continuam como sempre estiveram. E as cabines do inferninho subterrâneo Zoom ainda garantem a clássica xepa da madrugada.Human e Rheo deixaram de ser baladas fixas: agora abrem em noites esporádicas, cujas datas são anunciadas nos respectivos sites. Também pipocam pela cidade festas com som pop e público mais jovem (uma tendência mundial, aliás), como Plop!, Dorothy, Fiesta Puerca e Ambar La Fox. E o hotel gay Axel segue com suas pool parties dominicais, em esquema bem mais comportado do que o das similares brasileiras (dá para ir de bermuda, os mais saradinhos até tiram a camisa, mas ninguém chega a perder a compostura). Na cena eletrônica, bambambãs do circuito internacional se apresentam nas festas State, que rolam no Alsina (aquele clube em forma de catedral que se chamava Palacio), e no Crobar, no Paseo de la Infanta. O Bahrein segue firme e forte, e tem escalado ótimos nomes do progressive house, que ainda é o gênero favorito dos hermanos (e meu também). O Pacha passou por uma reforma (para recuperar o direito de uso da marca, que tinha perdido) e será reaberto no próximo dia 24, com festona pilotada pelo top Dave Seaman. Para ficar por dentro da agenda eletrônica, dois links providenciais: a seção de próximos eventos do fórum NightClubber, útil para os que ainda estão planejando a data da viagem, e o Buenos Aliens, para quem já está na cidade, pois mostra apenas a agenda dos próximos dias. E terminamos este boletim com uma ótima notícia: os mullets finalmente saíram de moda na Argentina! Uhu! Já não era sem tempo...

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Sobre o Carnaval carioca

Meu carnaval de 2012 foi mais light do que nos anos anteriores. Eu não estava com vontade de me jogar com tanta força, e por isso fui na contramão da maioria dos meus conterrâneos. A bicharada paulistana desceu em peso para Florianópolis e eu escolhi o Rio. Foi ótimo poder dar uma olhada num bloco aqui, numa festinha ali, e também poder fazer outras coisas, ver amigos, comer umas comidinhas leves. Adorei os petiscos asiáticos do Mekong e o japa em caixinhas do Bentô. Abriram em Ipanema uma filial do 00, em formato bistrô, e outra do Balada Mix, num casarão antigo que se esforça para imitar o Gula Gula da Henrique Dumont. Por incrível que pareça, o New Natural da Farme deu uma boa melhorada - teve até atum selado no bufê.

Os blocos de rua já vinham crescendo ano após ano, e a prefeitura limitou o número para tentar controlar a baderna na cidade. A novidade deste ano foi que os gays finalmente resolveram se juntar a esse tipo de folia. No sábado anterior ao Carnaval, o bloco de Preta Gil levou meio milhão de pessoas ao Centro, com presença fortíssima das colegas. No carnaval, muitas bees se infiltraram, não só na Banda de Ipanema (que está cada vez mais família) mas também em blocos menos óbvios, como o Boitatá. Em relação às festas, a The Week não se preocupou em repetir o brilho das produções de Florianópolis. Quem mais se destacou foi a B.I.T.C.H., considerada a melhor festa da temporada; a última Pool Party se estendeu até 7h da quarta-feira de cinzas e também agradou.

O lado ruim do Carnaval: a cidade não soube fazer frente a esse crescimento tão rápido. Aspectos como limpeza das ruas e sobretudo segurança deixaram muito a desejar. Multidões sempre foram propícias a furtos, mas neste ano a coisa parecia descontrolada - no domingo, em questão de 40 minutos, dois amigos meus perderam os celulares nas imediações da Farme, e ambos eram cariocas da gema, bastante vividos e calejados. Chego a ter dúvidas se o Rio está mesmo preparado para sediar os eventos de grande porte que vêm por aí. Parece-me que a cidade ainda tem muito o que melhorar para não dar vexame.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Pausa...

Vou fazer uma pausa aqui para curtir o Carnaval e tirar umas breves férias. Minha primeira parada será o Rio de Janeiro. Depois, Buenos Aires. Até a volta!

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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Desejos de Carnaval

A revista A Capa acaba de soltar sua edição 53, com um especial de Carnaval que traz uma colaboração minha. O editor me pediu um texto que comparasse os carnavais gays de Florianópolis e do Rio de Janeiro, descrevendo o perfil de cada lugar, o tipo de diversão e os principais atrativos e mostrasse os preços de tudo, desde passagens e acomodação até gastos com festas e comida. Na reportagem "Os opostos da folia", além de fazer esse raio X bem detalhado, conversei com pessoas de vários Estados para saber qual seria o destino escolhido e o que havia motivado essa decisão.

O que mais chamou minha atenção quanto aos entrevistados que preferiram Floripa foi que a escolha deles foi feita exclusivamente em função das festas da The Week. Seus desejos, suas expectativas, tudo girava em torno do clube, que para eles já justifica a viagem. Eu já vi a coisa bem de perto - dos quatro carnavais que passei na ilha, dois deles foram sob o reinado de André Almada - e sei que a experiência da esmagadora maioria se reduz a isso mesmo. Ninguém quer sair de perto da bagunça um dia sequer para fazer outras coisas, ver outras praias, outras pessoas. Se você enjoa e tenta dar um tempo desse esquema, acaba ficando só. Quem está indo para Floripa em 2012 não se cansou disso, muito pelo contrário: não quer saber de outra vida.

Na contramão, vão os que já se cansaram da brincadeira. Alguns não têm mais disposição para viver os perrengues de um lugar sem estrutura para tantos turistas, outros simplesmente não querem uma jogação tão intensa. Essas pessoas estão fazendo o caminho de volta para o Rio de Janeiro. O balneário tem as label parties de sempre para uma jogação clássica, mas também oferece outros tipos de diversão, além dos confortos de uma cidade grande. Quando alguém argumenta que o Rio não tem o fator novidade, eles logo respondem que Floripa também está ficando repetitiva.

Para quem pensava que Florianópolis iria atropelar o Rio com um rolo compressor, a matéria mostra que há espaço para dois grandes carnavais gays, com perfis bem diferentes. O mais curioso é que, há coisa de oito anos atrás, o Rio era o destino "oficial" e Floripa, uma proposta "alternativa", e hoje muitos acham que esses papéis se inverteram. Aposto que a farra será ótima em ambos os lugares. E vejo um movimento, ainda tímido, de gente daqui começando a descobrir os carnavais do Nordeste. Alguns conhecidos gostaram do meu relato de Salvador e resolveram tirar a prova; outros vão experimentar Recife e até Fortaleza. Com nosso pink market saindo da infância, é natural que outros mercados, fora dos eixos consolidados, comecem a se desenvolver. Com isso, ganhamos todos nós.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Mexidão mineiro

Aproveitei uma boa promoção de passagens aéreas para passar o fim de semana em Belo Horizonte. Pude atualizar minhas impressões sobre a cidade e também dar uma olhada na gastronomia local. Toda arborizada e com um traçado viário bastante peculiar, a área central de BH, delimitada pelo anel da Avenida do Contorno, é uma das paisagens urbanas mais bonitas que já conheci no Brasil. As praças são uma atração à parte. A da Liberdade é a mais importante, por conta de ícones como o Edifício Niemeyer. Mesmo aquelas não tão ilustres, como a Floriano Peixoto, se enchem de vida nos fins de semana, quando viram sala de estar para famílias inteiras. O bairro mais nobre, Lourdes, é todo salpicado de bares e restaurantes. O epicentro do fervo é a confluência das ruas Bárbara Heliodora e Curitiba, onde as mesas são disputadas pelos belos e bem-nascidos da cidade. Os moradores da região usaram seu poder de influência e impuseram uma espécie de toque de recolher: para não incomodar o sono da vizinhança, os bares foram obrigados a encerrar o expediente antes da 1h da manhã. Com isso, os lugares começam a bombar já no fim da tarde. Enquanto o estilo de Lourdes fica entre Itaim Bibi e Higienópolis, Santa Tereza tem uma pegada mais alternativa. Verdadeira instituição boêmia, o Bolão sacia a larica da madrugada com pratos enormes, em ambiente ultradespojado. Aos poucos, porém, o bairro começa a ganhar points mais bonitinhos: o fofo La Crêpe e o novíssimo Obardô não fariam feio na Vila Madalena. Meu xodó na cidade continua sendo o Café Com Letras: charmoso, aconchegante, com boa cozinha, excelente custo-benefício e público totalmente gay friendly. Minha única ressalva é a noite de domingo: a casa promove jam sessions de jazz e o ambiente fica um pouco ruidoso demais para conversar. A poucas quadras dali, também na Savassi, gostei do contemporâneo 2011. Comecei com um drink sem álcool que levava morango, hortelã, sweet & sour mix e energético, bem refrescante. Depois, pedi o medalhão de mignon ao vinho do Porto com risoto de gorgonzola, pera e nozes. E fechei com o crocante de amêndoa com mesclado de mascarpone e doce de leite, sorvete de baunilha e frutas vermelhas. Tudo muito bom! Para um almoço farto e variado em Lourdes, minha dica é o Graciliano, que segue uma linha "quilo premium" parecida com a do carioca Couve-Flor. O bufê do último sábado tinha pato ao molho de laranja, fagotini de damasco e bacalhau cremoso com batatas portuguesas fininhas e crocantes, além de sushis bem corretos. As mesas da varanda têm vista para uma pracinha superagradável. Na hora do doce, uma epifania: eles têm uma mesa de pavês (!!!), com direito ao pudim mais incrível que já existiu. Ele desmancha na boca, em uma explosão mágica de leite condensado, e consegue ser ainda melhor do que o ex-campeão, o pudim do Riviera, quilo bem honesto que fica na rua Goiás, no centro da cidade. Outros achados em Lourdes: o franco-italiano Mes Amis (o menu é de dar água na boca, com pratos entre R$ 60 e R$70), as focaccias e pizzas do novo Carlotta, os bons sorvetes da Alessa e o ambiente mais que aprazível do café Santa Sophia. A nota destoante foi o Xapuri, restaurante mineiro famosão, que funciona num terreno enorme com cara de fazenda, na Pampulha. Eu e meu amigo pedimos um lombo assado e um mexidão, e ficamos muito, muito decepcionados com a comida. Em termos de noite gay, o circuito mainstream continua igual, com Andaluz na sexta e Josefine no sábado. O povo alternativo/indie toma uma cerveja no Imperial e se joga no Velvet, um clube escurinho que lembra o Wonka de Curitiba e A Lôca de SP. Amantes da música eletrônica têm como opção o Deputamadre, com Robinho e Anderson Noise entre os DJs residentes, mas lá ninguém pega ninguém. Aliás, se a ideia é pegação, o endereço mais quente de BH é o gigantesco Clube Odeon, antigo cinema de rua transformado em sauna e sex club, com estrutura bem superior à nossa extinta 269. Abre 24 horas, mas os períodos mais movimentados são o pós-balada e o fim de tarde de domingo.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Arturito, uma extravagância que vale a pena

Como o jornalismo é conhecido pelos baixos salários, na hora de ir a restaurantes mais caros nem sempre posso contar com a companhia dos meus novos colegas de profissão. Resolvi aproveitar a visita de alguns amigos de Brasília, uma cidade de gente abonada, para prestigiar um restaurante que estava parado na minha lista havia uns bons anos: o Arturito.

A casa é dos mesmos sócios do Sucre e do Gran Bar Danzón, dois restaurantes bem badalados de Buenos Aires. O salão escurinho, com muito cinza, marrom, paredes de cimento queimado e almofadas, entrega o DNA portenho, assim como as carnes do menu - todas feitas no forno à lenha e acompanhadas por variações de batata. Mas não espere um restaurante argentino "temático": os pratos também flertam com Itália e Espanha, sem firulas exageradas e com declarada atenção à qualidade dos ingredientes.

Apesar das recomendações do polvo e do cordeiro, as massas me apeteceram mais. Em busca de alguma emoção diferente, pedi um spaghettini verde com ragu de coelho e funghi porcini e fui muito feliz: a pasta tinha aquele gosto caseiro e o molho era bem cremoso, mas sem ser pesado. Mas o que me deixou de queixo caído foram os sorvetes, que são feitos ali mesmo. Nunca havia provado nada igual. Pedi uma degustação com três sabores: baunilha, doce de leite e uma versão do clássico crema tramontana, com base de baunilha, flocos de chocolate e doce de leite mole. Que sabores, que texturas... um espetáculo!

Os preços: R$66 pela massa e R$28 pelos sorvetes, o que significa uma conta que chega fácil a R$150 por cabeça, isso sem extravagâncias etílicas. Mas existe a opção, bem mais em conta, do almoço durante a semana, com pratos interessantes (que tal coxa e sobrecoxa de frango assadas no alecrim, mais risoto de parmesão, mascarpone, espinafre e limão siciliano?) e o valor total da refeição entre R$42 e R$56, conforme o acréscimo ou não de entrada e sobremesa. Sendo que as opções de doce incluem uma bola dos tais sorvetes mágicos!

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O que você quer ouvir de verdade

A trilha sonora do meu mês de janeiro foi O Que Você Quer Saber de Verdade, último disco da Marisa Monte. Nunca fui um fã incondicional dela: detesto a fase Tribalistas, e tenho certa preguiça de artistas que agem como estrelas o tempo todo, como a imprensa dá a entender que é o caso dela. Mas amo o disco Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000), que tem uma delicadeza ímpar, e me soa como a tradução de uma tarde perfeita de outono entre a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Leblon.

Pois bem: O Que Você Quer Saber... é a continuação de Memórias. Todas as faixas poderiam estar naquele disco: "Descalço no Parque", "Amar Alguém", "Verdade, Uma Ilusão" e "Bem Aqui" são irmãs mais novas de "Abololô", "Gotas de Luar" e "Sou Seu Sabiá". Se ainda estivéssemos na época dos compactos, a melancólica "Depois" seria o lado B perfeito para "O Que Me Importa". Há uma diferença, e ela já se nota na faixa de abertura, que dá nome ao álbum: os arranjos estão bem mais sofisticados, o que só realça as qualidades vocais de Marisa. "Era Óbvio" é uma das faixas mais bonitas da carreira dela, sem dúvida.

Para tudo ficar ainda mais gostoso, ela deixou de lado aqueles sambinhas insossos e focou no que sabe fazer de melhor: baladinhas com um pé na MPB e outro no pop. "Ainda Bem", "Aquela Velha Canção" e "Era Óbvio" grudam rápido no ouvido. "O Que Se Quer", minha favorita do disco, tem uma segunda voz idêntica a Tom Jobim (é Rodrigo Amarante). As letras mantêm a qualidade habitual, com destaque para "Depois", que retrata o fim de um relacionamento com uma sensibilidade arrepiante, e para o quase-forró "Hoje Eu Não Saio Não".

O disco é apaixonante e ganha mais corpo e unidade a cada nova audição. Não tem uma única faixa piorzinha que mereça um skip para a seguinte. OK, sou obrigado a reconhecer que, do ponto de vista artístico, não houve um pingo de ousadia: Marisa se manteve em território seguro, fez mais do mesmo, repetiu uma receita testada e aprovada, palatável para as rádios e trilhas de novela. Mas ela está cada vez melhor naquilo a que se propõe. Talvez eu me enjoe se ela lançar um terceiro disco igual aos anteriores. Desta vez, porém, ela soube entregar tudo o que eu queria ouvir de verdade.

domingo, 29 de janeiro de 2012

O lanche fashionista do Chez Burger

Provei e aprovei o Chez Burger, nova cria dos sócios da Surface to Air e do Lorena 1989. A lanchonete tem cardápio minimalista: oito sanduíches, três saladas, dois milkshakes e três sobremesas. Só. Eu e minha mãe apostamos no secreto burger, com pão soft roll (em forma de roseta, bem macio), uma carne suculenta (com menos que as 200g anunciadas), queijo gruyère derretido no ponto certo (casamento perfeito!) e, para dar o arremate, uma compota de cebola deliciosa, meio agridoce, que vem num potinho à parte. Bem mais gostoso que o venerado hambúrguer do Ritz, que foca no mesmo público fashionista-de-óculos-nerd. Aliás, já entrou pro meu pódio de favoritos, junto com o St. Louis e o Zé do Hambúrguer.

Preciso dizer que não fiquei apaixonado pelo ambiente. Quem frequenta o Lorena 1989 vai reconhecer no Chez Burger as mesmas paredes brancas de acabamento grosseiro e cadeiras desconfortáveis daquele restaurante. No dia da visita, o serviço foi bem mais lento que o admissível, mas os meninos foram simpáticos e explicaram que o sistema de pedidos da casa estava com defeito. Sem problema: voltarei várias vezes para repetir o secreto burger - e, depois do fim da minha dieta pré-carnaval, para testar os milk shakes de pistache e gianduia, que parecem ser incríveis também.

[Foto: Mario Rodrigues/VEJA]

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Jogação jóia

Já foi conhecer o Cine Joia, aquele cinema dos anos 50 que Facundo Guerra e Lúcio Ribeiro reformaram e transformaram em casa de shows? Parece que o lugar ficou uma beleza, com decoração caprichada e uma vocação híbrida, que também serve como clube. Eu estava esperando alguma boa oportunidade, e ela chegou. Amanhã, véspera do feriado de aniversário de São Paulo, quem se apresenta por lá é Gui Boratto, um dos DJs brasileiros de maior sucesso no mundo hoje.

No Full Live Show, as batidas tocadas pelo DJ serão acompanhadas por projeções, criando uma "odisseia audiovisual". Consta que serão usadas 2 toneladas de equipamento para a performance. A balada também vai contar com a dupla inglesa Layo & Bushwacka, que já tocou várias vezes no Brasil e sabe fazer uma pista de festa acontecer como poucos. Já animei aqui! Vamos?

[Uma curiosa coincidência: o Rio de Janeiro também tem um Cine Joia antigão que voltou à vida. Ele fica em plena Av. Nossa Senhora de Copacabana e, ao contrário do xará paulistano, está funcionando como cinema mesmo, passando filmes alternativos ao circuitão blockbuster, como Medianeras e O Garoto da Bicicleta. Mais detalhes no blog dele.]

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Club Yacht celebra a volta do kitsch

Com uma abarrotada festa de inauguração para convidados, veio ao mundo ontem o Club Yacht, nova empreitada de Facundo Guerra, Cacá Ribeiro e Bob Yang, que estão por trás de sucessos da noite paulistana como Vegas, Lions, Ultralounge e o também recente Cine Joia. A boate, que fica no coração do Bixiga, a poucos metros do Glória, aponta tanto para os fashionistas e órfãos do Ultra como para os descamisados que ouvem house tribal. Os sábados começam bem pop, com o projeto Champagne Deck, e prosseguem no after Bonjour, a partir das 4h30, com residência de João Neto (que saiu da The Week em circunstâncias pouco esclarecidas). O tema náutico orienta toda a concepção estética, como se vê nas fotos que ilustram este post, feitas por Edu Girão para a revista Casa Vogue.

A decoração da casa inclui uma fachada em estilo art déco, paredes com rebuscadas esculturas em alto relevo, painéis que imitam a fuselagem de um navio, um corredor de espelhos com desenhos de escamas de peixe, um aquário no final da pista e um cavalo-marinho gigante na área externa. Tudo é tão cenográfico que, em um primeiro momento, eu me senti em uma daquelas suítes temáticas de motel. Aos poucos, fui entrando no clima e entendendo melhor qual era a proposta do lugar.

A opulência visual do Yacht parece ilustrar uma mudança de paradigma na noite paulistana. Sai o minimalismo low profile de casas como D-Edge e Sonique e entra a retomada de uma estética kitsch, teatral e exagerada - movimento que foi iniciado pelo Lions e amplificado pelo The Society. Nesse contexto, o que era considerado francamente over e cafona há poucos anos ressurge como desejável. A nova ordem sugere mais glamour e montação - como talvez tenha sido a atmosfera dos clubes do final dos anos 70, de onde vieram os equipamentos de iluminação do Yacht, restaurados de casas antigas.

No fim das contas, a vida é feita de ciclos e tudo que some, um dia, reaparece: até o cinto tressê voltou a ser tendência (e não deve demorar a dar as caras por lá, pelas mãos das fashion victims de plantão). Eu acredito no potencial do Yacht. Com ousadia e originalidade indiscutíveis, a casa deve fazer uma bela carreira dentro do seu nicho. Só não dá para ir lá usando nada listrado - a overdose navy é tão intensa que você periga ser confundido com parte da decoração.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Três formas de amar 2.0

Triângulo Amoroso, do diretor alemão Tom Tykwer (de Corra Lola Corra), foi a primeira boa surpresa do meu ano no cinema. Tykwer usa uma narrativa ágil e enxuta para contar a história do simpático casal Hanna e Simon. Na intensa vida social que eles levam em Berlim, sobra cada vez menos espaço para estarem um com o outro. Por um golpe do destino, os dois conhecem Adam em ocasiões diferentes (ela em um congresso, ele em um vestiário) e começam a se envolver com ele, sem que o outro saiba. Isso provoca transformações surpreendentes na relação do casal.

Com personagens carismáticos e situações críveis, o filme propõe um olhar bastante atual sobre os desafios que cercam as relações afetivas. Não é preciso ter vivido um caso extraconjugal para se identificar com a história - e repensar suas velhas certezas sobre a tal da fidelidade. Tykwer passa longe de lições de moral e propõe uma sexualidade fluida, livre de rótulos e cheia de possibilidades. O resultado é leve, divertido e altamente inspirador. Assim como o simpático Três Formas de Amar (1994), Triângulo Amoroso é um desses filmes visionários que antecipam mudanças comportamentais de um futuro cada vez mais próximo.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Kayomix, o sushi salvador da madrugada

Voltei do Rio bem tarde no domingo e bateu aquela vontade de comida japonesa. Como passava da meia-noite, a primeira coisa que me ocorreu foi a clássica solução de baixo custo da madrugada: um temaki. Toquei pro Itaim, meu bairro vizinho. Fiquei surpreso ao constatar que as duas casas que eu frequentava nesse horário, Ícone e Koni Store, simplesmente não existiam mais. Tentei a Temakeria & Cia. (meio a contragosto, pois acho bem ruinzinha), mas já estava fechada. Lembrei de um Jap's que ficava dentro de um posto de gasolina na Peixoto Gomide e tinha me salvado algumas vezes; também fechado. Então tive um estalo e desenterrei um restaurante onde eu não aparecia havia uns bons dez anos: o Kayomix.

Como nos velhos tempos em que a rua da Consolação fervia, o lugar continua funcionando até as 3h, com tatames em um dos cantos e um burburinho agradável no salão. A R$21, o cone de salmão custa praticamente o dobro do que cobram as temakerias expressas. Logo vi de onde vinha a diferença: o frescor do salmão não lembra nem de longe o gosto de peixe congelado dos concorrentes mais baratos. Empolgado, pedi uma porção de uramakis de salmão com shimeji e tive outra boa surpresa. Estava bem mais gostosa que a do Koi, que tinha uns cogumelos enormes, de gosto amargo e péssimo aspecto.

Continuei zapeando pelo cardápio e vi a opção do rodízio, por R$40 no almoço e R$47 no jantar. Fiquei impressionado com as opções quentes - a variedade oferecida é enorme, vai muito além do combo missoshiro-guioza-yakissoba-tempurá e inclui vários pratos de peixe preparados no alumínio [eu não os anotei, pensando que poderia ver o menu na internet, e me dei mal!]. Confesso que eu não gostava muito da comida do Kayomix, mas, depois dessa boa experiência, fiquei tentado a voltar para dar uma chance ao rodízio. Até porque o meu favorito de sempre, Mori Sushi, anda errando a mão nas invencionices e deu umas derrapadas feias nas minhas últimas visitas. O Kayomix pode até não ser um dos dez melhores japas de SP, mas o horário simpático já serve para destacar a casa no meio da multidão.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Desejos na fogueira

O ano de 2011 não foi fácil para os gays. Mais chocante que a escalada da violência homofóbica nas ruas foi a ofensiva do fundamentalismo religioso, que sofremos no plano político. A bancada evangélica desfigurou o PLC 122 (que criminalizaria a homofobia) até conseguir tirá-lo de votação, impôs o descarte ao "kit anti-homofobia" do MEC e ainda tentou emplacar em São Paulo o Dia do Orgulho Hétero, uma aberta provocação que gerou projetos semelhantes por todo o País. Para não dizer que não falei de flores, houve também o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, mas essa vitória isolada veio pelas mãos corajosas do Judiciário, única instância de poder a lembrar que o Brasil é um Estado laico - a própria Dilma deu as costas aos gays, depois de tê-los usado como moeda de troca para tentar proteger o ex-ministro Palocci de mais um escândalo.

Enquanto eu acompanhava as catástrofes do noticiário, tentava entender por que os evangélicos gastam tanta energia perseguindo os homossexuais e tentando combater a conquista de seus direitos civis. Seria uma luta aberta por mais visibilidade e poder político, ou pura questão de convicção pessoal? Quem esses fanáticos pensam que são, para saber o que é "bom" para todos e estabelecer como deve se comportar toda a população de um país, incluindo até mesmo aqueles que não são seguidores de sua seita? Por que não se contentam em cuidar da própria vida e administrar o dinheiro dos fiéis? Quem me deu uma luz foi o psicanalista Contardo Calligaris, em uma das suas últimas colunas de 2011 na Folha de S.Paulo [íntegra para assinantes, aqui].

Calligaris afirma que existem duas razões pelas quais o fundamentalista busca impor suas convicções aos outros. Ele precisa que os outros respeitem essas normas pois não consegue impô-las a si mesmo - "ou seja, incapaz de obedecer a seus próprios princípios, ele quer validá-los pela obediência forçada dos outros". E também quer se livrar da inveja que sente da vida dos que não respeitam essas mesmas normas.

O artigo conclui que o debate não se dá entre duas ideias, mas entre os que querem cuidar da vida dos outros e os que acham que cada um deve pensar e agir como quiser, nos limites da lei. Afinal, "os homossexuais não pretendem que os evangélicos passem todos a transar com parceiros do mesmo sexo ou a frequentar baladas gays, enquanto os evangélicos pretendem que os homossexuais se convertam e renunciem ao seu desejo, e sejam privados de viver segundo suas próprias convicções". Por enquanto, como sabemos, quem está levando a melhor são os evangélicos. Mas a evolução da sociedade em direção à tolerância, pelo menos entre a população mais esclarecida, me faz acreditar que há motivos para ter esperança. É só uma questão de tempo.

Espero que neste ano que se inicia todos nós, homossexuais ou evangélicos, possamos ser menos vítimas do preconceito, seja ele vindo de fora ou de dentro, e mais protagonistas dos nossos próprios desejos.