quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Imparcialidade, boa vizinhança e rabo preso

A busca da imparcialidade é provavelmente o maior desafio de um veículo de comunicação. Os leitores mais inocentes acreditam que tudo que lêem é resultado direto de uma apuração descomprometida e uma avaliação sincera por parte do jornalista. Mas nem sempre isso é verdade. A publicação de uma notícia, resenha ou crítica mexe com tantos interesses que, muitas vezes, existe um verdadeiro "tráfico de influências" nos bastidores, que acaba sendo decisivo na direção que uma matéria vai tomar.

Guardadas as devidas proporções, essa problemática também afeta o blog. Especialmente quando ele faz crônicas sociais e seu dono está inserido demais no meio que comenta. Quando o blogueiro é conhecido por todos, as relações de amizade e interesse que ele constrói podem comprometer sua liberdade de opinião. Quando deixa de ser mais um na multidão e vira uma pessoa pública, mesmo que não queira prestar contas das suas palavras (e dos seus atos), o meio passa a cobrar isso dele.

Aí, das duas, uma: ou ele se mantém fiel à proposta de falar o que pensa, aceitando que fatalmente não vai agradar a todos, ou então vende a alma ao diabo e assume o posto de Miss Simpatia. Ser o paraninfo da turma tem muitas vantagens, mas também algumas desvantagens. Várias portas se abrem - talvez até fosse isso que ele queria quando começou a escrever. Por outro lado, ele de certa forma deixa de ser dono do seu espaço virtual. Não existe popularidade grátis.

Entre soltar fogo pelas ventas e fazer média com o mundo, a melhor saída não é nenhuma das duas, mas buscar o equilíbrio. E, para essa mistura fina, cada um tem sua receita. Blogueiro feliz é aquele que sabe dar seu recado com elegância, sem ser inflamado demais. Conforme o caso, fala bem sem virar o amigo da garotada e fala mal sem soar azedo e mal-comido. Procura ser justo com os outros, mas sabe que aquele espaço existe justamente para ele mostrar sua opinião. E não deixa de ser fiel a ela jamais. Afinal, sendo autêntico, não agradará sempre, mas será respeitado. E, sendo bom no que faz, terá admiradores: uma opinião bem defendida é sempre prazerosa de se ler, mesmo quando não é igual à nossa.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A boa do fim-de-semana


Depois de uma semana massacrante de trabalho, em que estou me sentindo o próprio bagaço sendo cuspido pelo espremedor de laranjas, o mais lógico seria descansar, dormir bem, ficar tranqüilinho. Mas vou fazer o contrário: me jogar em um monte de baladas, porque tenho saído muito pouco e, se descansar o corpo é importante, arejar o espírito também é. E o meu rosto tá ficando muito raro na noite...

Primeiro vou ao Vegas, coisa que não faço há mais de um ano. O Vegas não tem uma programação fixa como o D-Edge, suas noites são totalmente irregulares, então eu acabei não criando o hábito de ir lá. Hoje tocam Serge, Maurício Lopes e Márcio Vermelho. O Serge é amigo pessoal meu e um querido. DJ de electro e electrohouse, foi pupilo do Marcão Morcerf e do Pareto, tem épocas em que o som dele está bem sujinho (e eu fujo), mas hoje o moço já avisou que o set será bem houseiro, como eu gosto. E ele está voltando pro Rio, sua terra-natal, então hoje é despedida. Mau Lopes é praticamente um Mau Mau carioca: tem uma formação musical sólida, passeia por vários estilos com desenvoltura, toca techno, electro, house e o escambau, e atrai uma legião de fãs pra sua residência mensal no Fosfobox. O Márcio Vermelho eu não conheço bem, mas sei que ele foi no embalo dessas modinhas de minimal, microhouse e outras tendências muderrrnas que eu acho um saco e me fizeram parar de freqüentar o D-Edge.

A menos que alguém muito bacana me prenda por lá (ou o set do Mau esteja incrível), na metade da noite vou pra festa que o Glória vai fazer num inferninho do Centrão, na rua Nestor Pestana. Se eu vou pouco ao Vegas, ao Glória vou menos ainda: eles focam demais em electro (que eu não curto) e o povo é um pouco wannabe-fashionista demais pro meu gosto. Mas acho a varanda do clube uma delícia. Como o clube está fechado por tempo indeterminado (por conta de umas exigências bizarras da Prefeitura, que definitivamente não é amiga dos clubbers), eles estão fazendo as noites deles em outros espaços, em esquema mambembe. Curto essa idéia de invadir puteiros, acho essa mistura de decadência e luxúria muito interessante. E hoje, pra incrementar o line up da Alelux (que tem como residentes Alexandre Herchcovitch e Johnny Luxo, daí o nome, caso alguém não saiba), eles chamaram o Mau Mau, que é sempre garantia de música boa e bombação inteligente.

E amanhã, vou dar uma trégua dos muderrrrnos e fazer a festa na The Week. Eles vão trazer de novo o meu querido argentino Aldo Haydar pra tocar. Acho que eles ouviram as minhas preces (ou leram o meu blog?), porque vão colocar o Aldo de novo em esquema de after, mas desta vez começando um pouco mais cedo, às 5h da manhã. Vamos ver se assim a casa aproveita melhor o som dele - começando antes e com a pista mais cheia, ele tem mais chances de fazer o povo se animar e ficar até mais tarde, como um bom after pede. Adoro a TW de manhã, aliás acho que aquilo só começa a ficar bom mesmo da metade da noite pra frente. Então vai ser ótimo. Bom fim-de-semana a todos!

(UPDATE 26/08/2007: o Vegas superou todas as minhas expectativas. Serge tocou um electro houseiro, mas bem elegante e introspectivo; Maurício Lopes arrasou, fez um set de house realmente original, difícil de classificar, bastante sofisticado e dançante; mas foi logo o Márcio Vermelho que me surpreendeu - nada das cabecices de Pareto e Morcerf, e sim um mix delicioso de house, electrohouse e tech house, daqueles que poderiam fazer vibrar uma pista de festival. O lugar estava cheio na medida e acabei me dando tão bem por lá que descartei a festa do Glória. Já na The Week, Aldo Haydar cumpriu bem o papel, mas gostei muito mais do som dele na apresentação anterior. Ontem, ele começou divinamente, bem progressivo e viajante, mas depois foi mudando a linha e chegou a pesar demais a mão em alguns momentos. Faltou progressive pro meu gosto. A casa assimilou melhor a idéia do after - o argentino começou às 5h00, com pista cheia, e dizem que a música só parou de tocar às 10h30. Foi uma noite boa sim, mas quem perdeu a outra visita de Aldo infelizmente não teve uma idéia tão completa de como é bom o som dele.)

[Foto: clube Vegas visto do balcão do bar]

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Estadão, de costas para o futuro



Para promover o seu portal na internet, o jornal O Estado de S. Paulo lançou mão de uma nova estratégia publicitária. Ao invés de alfinetar a Folha de S.Paulo, seu principal concorrente no mercado, o diário paulistano resolveu atacar os blogs. No retrato feito pela campanha, os blogs são feitos por macacos treinados, que copiam e colam conteúdos da internet, aos olhos de cientistas maravilhados com a proeza. Moral da história: “ao invés de consultar um blog, recorra à informação confiável e íntegra do portal do Estadão”.

É lógico que uma propaganda como essa não deve ser levada a sério, mas sim pelo lado do humor. No fundo, se o jornal está sendo politicamente incorreto, meio escroto até, essa é apenas uma manobra para chamar a atenção e vender seu peixe. Bancar o engraçadinho é um truque que publicitários adoram usar para criar empatia com o público, especialmente quando o produto é algo sisudo como um jornal. Isso a gente já sabe.

No entanto, se a intenção era passar uma idéia de integridade, o tiro saiu pela culatra: a imagem que acabou sendo transmitida para o público foi de pura arrogância. Desnecessário dizer que, entre os blogueiros, a deselegante campanha provocou uma rejeição generalizada e uma enxurrada de posts raivosos e inconformados – vários deles, incitando boicotes ao jornal.

Por trás da atitude aparentemente segura de si do Estadão, existem questões bastante sérias que estão tirando o sono do jornal. Com a expansão das novas mídias, o espaço particular do jornalista – até então garantido por medidas protecionistas, como a própria exigência do diploma – acabou sendo invadido por pessoas comuns, que passaram a participar ativamente da produção de informação. Para ficar num exemplo fácil: o cidadão comum que trafegava pela avenida Washington Luís, quando o avião da TAM se espatifou contra o galpão, teve a chance única de sacar do bolso seu celular com câmera e documentar a tragédia em tempo real, muito antes que a imprensa pudesse deslocar suas equipes até lá. E produziu uma informação privilegiada e importantíssima.

Com os blogs, a atividade jornalística saiu dos feudos das grandes redações e se democratizou. Qualquer pessoa com um mínimo de articulação e senso crítico passou a ter o direito de manifestar suas opiniões, dividir seus conhecimentos, produzir informação e ter seus textos lidos pelo mundo – sem ter que se submeter ao crivo e às limitações dos interesses editoriais das grandes corporações. E é nessa independência que reside uma das maiores virtudes do blog. Ao contrário do que acontece na grande imprensa, seus textos não têm que pisar em ovos para não ferir suscetibilidades. Se aquele disco, show, restaurante, filme ou destino turístico é uma porcaria, o blogueiro tem total liberdade para falar o que pensa, sem dourar a pílula, porque não deve nada a ninguém. O relato do consumidor é uma referência muito mais confiável sobre um produto do que o press release feito para vendê-lo. E as grandes empresas dos Estados Unidos já aprenderam que esse é um canal de comunicação que vale ouro e precisa ser ouvido.

Além disso, o jornal é por excelência um veículo de massa, e por conta disso o seu conteúdo tem que ser pasteurizado para atender a um senso comum de leitores médios. Não há espaço para assuntos ou abordagens que não sejam presumivelmente de interesse de uma “maioria”. Já os blogs conseguem justamente o oposto: focar em nichos, falar a públicos segmentados, abordar assuntos específicos. São espaços altamente especializados – até pelo fato de que o blogueiro escreve sobre aquilo que gosta e, em geral, mergulha de cabeça no assunto. E quem é apaixonado por um assunto pesquisa mais e se torna uma fonte muito mais completa de informação do que aquele jornalista que recebe uma pauta no colo e tem que cobri-la, mesmo sem ter um interesse específico nela.

Obviamente, existem muitos blogs ruins, em vários sentidos. Não falo nem daqueles diários adolescentes, tipo “Suellen e seus miguxos”, porque esses são inofensivos e de alcance restrito. Mas há blogs levianos, irresponsáveis, que plantam mentiras e espalham fofocas. E blogs simplesmente pobres, que chupam conteúdo alheio, dão “copy-paste” em opiniões dos outros e assinam como se fossem suas, na cara dura. Agora, não dá para generalizar da forma como o Estadão pretende. Tem muita gente boa que não está na ativa na grande imprensa e escreve em blog. Ou mesmo grandes articulistas que escrevem em jornal, mas também têm seu blog, onde produzem textos mais pessoais e com mais liberdade.

Claro que isso não quer dizer que, da noite para o dia, o jornalista virou um profissional superado e sem utilidade. Ele tem uma responsabilidade social que o blogueiro não tem: de informar e educar a sociedade, discernir o que interessa como notícia para as massas e como isso deve ser apresentado a elas. Agora, não se pode ignorar que a produção jornalística pelo cidadão comum é uma realidade que veio para ficar – e o blog é o grande expoente desse novo fenômeno. A informação, definitivamente, deixou de ser monopolizada pelos jornais.

Nesse contexto, ao perceberem que sua supremacia está com os dias contados, as velhas mídias se apavoram e fazem o possível para garantir sua sobrevivência no mercado. Afinal, enquanto os blogs proliferam, conquistam um espaço maior e uma audiência cada vez mais qualificada, as vendas dos periódicos despencam vertiginosamente, num processo sem volta que, cedo ou tarde, terminará com o formato impresso como nós o conhecemos hoje. A antipática campanha contra os blogueiros-macacos é só mais uma prova desse desespero por que passam todos os jornais. O futuro está chegando e os blogs são parte dele; já o Estadão ainda precisa encontrar um meio de garantir seu lugar ao sol. Ao achincalhar o novo protagonista do mundo da informação, o velho periódico mostra que ainda não está preparado para lidar com esse futuro.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

O sobe-e-desce de Recife

Quando o assunto é viajar para o Nordeste, quantos de vocês pensam em Recife? Vários outros lugares vêm à nossa cabeça primeiro. Parte disso se deve ao próprio descaso do governo pernambucano com a promoção do turismo no Estado, e mais ainda na capital. Enquanto Bahia e Ceará souberam vender seu peixe e hoje riem sozinhos com o dinheiro dos visitantes, Pernambuco vê seu turismo ficar cada vez mais restrito à vila de Porto de Galinhas (Fernando de Noronha é um caso à parte) e não faz nada. Mas a capital pernambucana também tem seus atrativos. Sem falar que a proximidade com a charmosa Olinda (e a "usurpadora" Porto de Galinhas, claro) faz de Recife um destino turístico bastante completo. Afinal, você leva história, vida urbana, cultura, gastronomia e praias paradisíacas no mesmo pacote. Eu embarquei nessa viagem em fevereiro e deixo aqui algumas impressões.

UAU:

1) PORTO DE GALINHAS. Quem visita esse lugar, logo entende porque ele ofuscou rapidamente todos os outros pontos turísticos do Estado e tornou-se um dos destinos de praia mais cobiçados do Brasil. O mar, todo transparente em tons de azul e turquesa, é realmente lindo e você nada com os peixes nas piscinas naturais. Poucos lugares são tão versáteis e polivalentes: Porto é boa para famílias com crianças (que contam com praias de águas calminhas e ótimos resorts), para casais (que podem ir a praias mais sossegadas e jantar à luz de velas) e para a moçada (que cai na azaração surfista de Maracaípe, a Maresias pernambucana). Além disso, a vila já tem confortos desejáveis (bons restaurantes como o sensacional Beijupirá, Gelateria Parmalat, lojinhas tipo Chilli Beans e Blue Man) sem ter virado uma Porto Seguro ou Guarujá. Com essa fórmula de sucesso, Porto de Galinhas é campeã.

2) OFICINA DO SABOR. Nesse concorrido restaurante que foi a sensação gastronômica da minha viagem a Pernambuco, camarões graúdos e suculentos e peixes macios são preparados em saborosos cremes de maracujá, manga, coco ou gengibre e servidos à mesa dentro de uma abóbora gigante, o jerimum. É de comer de joelhos, de tão bom. Tudo isso num ambiente pra lá de agradável, especialmente nas mesas da varanda, com vista panorâmica de Olinda e Recife. Para completar seu dia perfeito em Olinda, suba as ladeiras cheias de casinhas coloniais coloridas, coma uma tapioca no Alto da Sé e espere pelo melhor pôr-do-sol da cidade.

3) THERMAS BOA VISTA. Eu não colocaria uma sauna gay com tanto destaque no meu roteiro se ela não fosse realmente incrível. Mas a TBV consegue surpreender mesmo os usuários mais exigentes. Primeiro, porque ela tem uma estrutura faraônica e irretocável, que eu só consigo imaginar em alguns poucos países de Primeiro Mundo. Segundo, porque sua limpeza, sua ampla gama de opções de lazer e seu bom astral quebram todos os estigmas negativos normalmente associados a casas do gênero (ela é praticamente um clube social, um verdadeiro complexo de entretenimento gay). E terceiro, porque ela tem uma freqüência ótima, que é o que mais importa no final. Esqueçam tudo o que vocês já viram antes - e depois, voltem para as outras saunas, se puderem. Mais detalhes, eu conto neste post.

4) CREPERIA ANJO SOLTO. Situada num gostoso pátio nos fundos da Galeria Joanna D'Arc (que nasceu com pretensões de Galeria Ouro Fino, mas depois foi perdendo seus pontos descolados), a Anjo Solto é o melhor lugar para saber qual é a boa da noite, tomar os primeiros tragos e, claro paquerar. A confluência de gente bonita de várias tribos, o serviço atencioso, as caipiroskas equilibradas e os crepes pra lá de criativos fazem de lá um dos melhores programas noturnos de Recife. Sabe quando você pergunta "onde as bonitas se esconderam?". Se não achá-las lá mesmo, ao menos você descobrirá a resposta.

5) O CIRCUITO CAFUÇU. Sabe aquela beleza masculina bem brasileira, com pele morena, corpo bem-feito, mãos viris e feições rústicas? Se teu negócio é cafuçu, Salvador está ligeiramente melhor, mas foi em Recife que o termo nasceu (e a Lindinalva só começou a usá-lo depois que eu voltei de Recife com os meus relatos!). O bafão rola mesmo é no domingo. Comece no Ponto G - que não é sex shop como em São Paulo, mas sim um "pagode de família", com bandas ao vivo, muita cerveja e corpos dourados, descamisados e cheios de amor pra dar. E, se você não sair de lá casado, vá conhecer a verdadeira emoção da noite recifense: o excitante, impagável, maravilhoso MKB ("Meu Kaso Bar"), uma mistura de Danger (SP), bordel de Tieta e quermesse de Caruaru, onde tudo pode acontecer (e acontece mesmo! é ba-ba-do). House-pancadão na pistona preta, hilárias músicas de corno no salão brega, shows na área externa, sexo hardcore no quarto escuro... e as figuras mais improváveis, desde a bichinha de blusa tomara-que-caia, rosa na cabeça e leque espanhol até o estivador rude, malvado e saradíssimo que abre garrafa com o dente e traça qualquer coisa com curvas. Ui!

6) O TAPETE VERMELHO AOS PAULISTANOS. Os cariocas nos esculacham, os baianos nos olham com pena porque não sabemos descansar, os gaúchos juram que são mais evoluídos que nós - e o povo dos outros Estados simplesmente nos despreza, porque acredita que paulistano é "tudo metido mesmo". Mas em Recife você terá, finalmente, o bom tratamento que merece. O recifense adoooora o paulistano e, mais ainda, é íntimo-de-oliveira de São Paulo. Vive vindo pra cá, conhece tudo daqui, ama a cidade de paixão - e vive igualzinho a gente (ande pela Agamenon de Magalhães e tente não se sentir em SP). Enquanto o resto do Brasil só idolatra o Rio de Janeiro, é bom saber que tem alguém que também gosta da gente.

:

1) O CALOR SENEGALÊS. É claro que faz calor em Recife (se eu quisesse passar frio, escolheria Gramado). Mas tem alguma coisa muito errada com o clima de lá, e até os nativos estão se queixando. O sol é insuportável - e não só aquele famoso sol do meio-dia, não. Como bom habitué das areias de Ipanema, você estica sua canga na praia, deita - e, em cinco minutos, a sua canga começa a queimar você. Sim, eu disse queimar. O jeito é passar o dia encolhido embaixo de um guarda-sol, enquando camelôs cruzam a sua frente com aqueles carrinhos de CD pirata do Largo 13/Uruguaiana tocando no último volume o que há de pior no gosto popular. Mas não se queixe: eles estão apenas "alegrando" a praia.

2) O ACAIACA. Assim como Copacabana e Ipanema, a extensa praia urbana de Boa Viagem, a principal da cidade, também tem sua divisão territorial por tribos. E o beautiful people de Recife fica todo em frente ao Edifício Acaiaca, prédio modernista dos anos 50 inconfundível em meio aos seus vizinhos com cara de Moema. Falaram tanto do Acaiaca, que eu cheguei sedento para ver um mar de beldades de sotaque arrastado. Mas vi só o sotaque arrastado - o tal "Posto 9 de Recife" deixa muito a desejar em termos de beleza humana. Eu, que tinha visto tanto pernambucano bonito no eixo Rio-SP, concluí que os melhores migraram pra lá mesmo. Ou foram ganhar a vida na Europa...

3) METRÓPOLE, "A MELHOR BOATE DO NORDESTE". Repito o que eu disse no post sobre Salvador: não se trata de esperar o nível de São Paulo. O segredo é aprender a apreciar a graça e a riqueza de cada lugar. Mesmo assim, a Metrópole, principal boate gay da cidade, decepciona. Especialmente porque tem a pretensão de ser uma boate legal, com muitos ambientes e tal. Mas a decoração é simplesmente cafona (excesso de pretensão?), o som não é sequer divertido e o público... só aquelas poc-poc bem novinhas e suas amigas fag hags (as rachas que acham suuuuper moderno ferver em boate gay). A Off de Salvador dá de dez. Em Recife, melhor ir dançar boa música eletrônica com os héteros na Nox e deixar a pegação para o circuito cafuçu ou a TBV (vide acima), onde pelo menos tem homem de verdade.

4) O LADO RUIM DE SÃO PAULO. Como bons alunos aplicados que são, os recifenses assimilaram o modo de vida paulistano nos mínimos detalhes - incluindo, infelizmente, os problemas que vieram no pacote. Chama a atenção, em especial, a falta de segurança, que coloca Recife na liderança do ranking de capitais mais violentas do País. E não é folclore não: eu mesmo quase fui assaltado - e olha que não estava na periferia atrás de algum cafuçu, mas sim flanando pelas imediações da Rua do Bom Jesus, coração turístico do Recife Antigo. Tudo bem que Salvador também é trash nesse aspecto, São Paulo e Rio nem se fala... mas Recife consegue passar uma sensação pior. Quem viu o fatídico show aberto de Ivete Sangalo em Boa Viagem ser transformado em um arrastão coletivo sabe bem do que eu estou falando.

5) BRENNANDS DE TÁXI. Os dois centros culturais mais importantes de Recife são a Oficina Cerâmica Francisco Brennand (onde o artista Francisco expõe suas impressionantes criações em cerâmica) e o Instituto Ricardo Brennand (um castelo onde o colecionador Ricardo expõe relíquias medievais como armas e tapetes). Se essas atrações não chegam a ser o motivo de sua viagem a Recife, elas podem salvar a pátria quando o dia não der praia. O problema é que os dois museus estão tão longe, mas tão longe de tudo, que só o que você gastará de táxi para ir e voltar já seria suficiente para você levar seu amor para jantar em SP com tudo o que tem direito - e pagar a conta sozinho. Isso faz o passeio deixar de valer a pena.

6) OS ATAQUES DE TUBARÕES. Não dava pra deixar isso de fora: as praias de Recife são alvo de ataque de tubarões. Mas não foi sempre assim: o problema começou depois que o governo pernambucano, para construir um porto, destruiu os manguezais onde esses peixes tinham seus filhotes e se alimentavam, no sul do Estado. A solução encontrada pelos fofuchos foi migrar para Recife e dar pinta em Boa Viagem, onde a água é quente e rica em tira-gostos (com duas pernas e dois braços, mas alguns são até bem carnudinhos). Assim, os banhistas têm que enxergar na maré baixa onde estão os rochedos (os tais arrecifes, que funcionam como barreira) ou então molhar os pés só até o joelho. Mas lembra do calor senegalês?

[Foto: Boa Viagem, principal praia e epicentro do turismo em Recife]

domingo, 12 de agosto de 2007

Carta a papai

Querido papai,

Se eu pudesse conversar com você agora, se tivesse apenas mais uma chance, eu teria muito a te dizer.

Acho que eu não me ocuparia tanto em te explicar o que estou fazendo da minha vida, ou como estou me saindo. Tenho fé que, na nuvem branca e fofinha que destinaram a você no Paraíso dos merecedores, você tem vista panorâmica dos entes queridos que você deixou, e é capaz de acompanhar nossos melhores lances, numa espécie de Big Brother celestial.

Mais do que isso, é capaz de nos enviar bons fluidos, guiar nosso caminho e torcer ao máximo por todos nós, como sempre torceu em vida, como o grande cara dedicado e amoroso que você sempre foi.

E às vezes, pai, é essa fé que me mantém vivo.

Então, eu acho que não seria preciso eu explicar que todos os seus amigos acompanharam de perto o seu final na Terra e compareceram em peso ao velório e ao enterro (e você sabe que não foram poucas as pessoas que voce conquistou, com seu coração enorme, sua ilimitada generosidade e sua profunda capacidade de amar), e que poucas vezes a equipe do Beneficência Portuguesa viu tanto marmanjo crescido chorando pelos corredores, inconsolável.

Não preciso contar também que o colégio me deu bolsa de estudos pra concluir o colegial, que eu suei a camisa durante um ano para passar na USP, mas que a escolha que eu fiz no formulário da Fuvest não me fez feliz, mas ainda assim eu estou aqui, vendo no que isso dá, estudando a hipótese de um plano B, ou tentando dar algum sentido ao plano A mesmo, já que com apenas 26 anos às vezes me falta coragem para reinventar minha vida.

Não preciso dizer também que a lacuna que você deixou em casa é enorme. Ninguém mandou você ser um marido tão fora de série e tão companheiro, e oferecer companhia para a mamãe até quando ela ia apenas comprar pão. Depois que você se foi, minha mãe não quis saber de mais ninguém. Apesar de ela ser jovem (quando você partiu, ela tinha apenas 41 anos), ela achou que a vida dela acabou, e todos os meus esforços para convencê-la do contrário não foram suficientes – acho que ela só não se entregou de vez porque as dificuldades do cotidiano não deixaram. Mas você sabe que no fundo a mamãe é uma mulher forte, e apesar de morta por dentro ela continuou bem viva por fora, pra terminar de criar o fruto do amor de vocês.

Não preciso dizer nada disso, pois, como eu creio piamente, você sabe de tudo.

O que eu gostaria, na verdade, era de poder ter dito todas as coisas que ficaram sem ser ditas, e que são muito mais importantes. Queria poder ter dito que sempre te admirei pacas. E que, se você era um pai todo orgulhoso das pequenas façanhas do seu filho-prodígio (e seus olhos brilhavam sempre, ao falar de mim para seus amigos, que eles me contaram), a recíproca era verdadeira, eu também aprendi a perceber o quanto você era incrível, como pai e como pessoa. Um cara que só tinha o bem dentro de si, que pagava pelas maldades e imperfeições dos outros com sua bondade, que oferecia seu amor para melhorar o mundo, e que com isso, sem perceber, fazia toda a diferença, transformando a vida de todos os que o rodeavam. Um coração enorme, sem limites, onde todos tinham espaço e encontravam abrigo e carinho. Que amigo excepcional você foi, para mim e para todos!!! Sempre disposto a dar o que tinha e o que não tinha (e você achava que tinha pouco! Pai, você tinha muito mais do que imaginava!!!) Que desprendimento, que nobreza de espírito, que pureza de caráter!!! Enfim, você foi um cara mais que especial, e pode ter certeza de que todos aqueles que tiveram a bênção divina de poder conviver com você JAMAIS te esqueceram ou esquecerão.

Sabe, cara, se eu tiver conseguido absorver metade dos teus valores, com certeza eu já terei me tornado um GRANDE homem.

E hoje, se eu estou aqui lutando para dar um sentido pra minha vida, enfrentando as agruras desse mundo que está mais feio do que o de dez anos atrás, e me deparando com todo tipo de gente que cruza meu caminho... pode ter certeza de que esses valores que você me passou são a minha bússola, e é acreditando na beleza das coisas e dando o melhor de mim que eu sigo em frente. Exatamente como você fazia.

Infelizmente, porém, a vida nos pegou de surpresa, aquele câncer galopante apareceu e em 4 meses te tirou de perto de nós, aos 49 anos, e eu não pude dizer nada disso.

Então, só me resta me conformar, e continuar crendo que, com seu desencarne, essas e outras verdades te foram reveladas, e torcer para que hoje você esteja plenamente ciente de que você cumpriu sua missão na Terra com maestria, e deixou aqui um fã incondicional, um carinha que te considera muito, te respeita muito e que sente muuuuuito a sua falta. Onde quer que você esteja agora, papai, saiba que eu te AMO MUITO e sempre vou te amar profundamente, e que eu tenho um orgulho DANADO de ser teu filho.

[postado no meu fotolog no Dia dos Pais de 2004]

sábado, 11 de agosto de 2007

Fora do gueto, ainda somos quase nada

Nos últimos tempos, eu vinha tendo a impressão de que o Brasil estava, aos poucos, aprendendo a lidar com a homossexualidade - de uma forma mais sadia, menos calcada em preconceitos e mais aberta à compreensão desarmada das diferenças. Quem mora nas grandes capitais está mais propenso a ter essa mesma impressão. Por vários motivos, elas sempre deram mais espaço para os gays serem quem são: uma população maior significa uma fauna humana mais heterogênea e, por conseqüência, mais tolerância com a diversidade; isso sem falar que é bem mais fácil viver sua vida no meio de uma multidão do que em uma cidade pequena onde todos se conhecem e cuidam da vida uns dos outros.

Outras duas coisas que me deixavam bastante otimista eram o avanço das paradas gays e a multiplicação das opções de entretenimento para esse público. Em São Paulo, a parada deste ano reuniu 3,5 milhões de pessoas e mesmo em cidades bem menores o movimento só faz crescer - em Porto Velho (RO), por exemplo, 40 mil pessoas foram às ruas no último dia 22. Enquanto isso, o mercado gay anda cada vez mais próspero. Boates novas abrem em São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Brasília. Construtoras fazem lançamentos imobiliários com campanhas dirigidas aos casais homo. Novas revistas gays pipocam por aí e até a Editora Abril está desenvolvendo a sua (a Romeu).

Se fatos como esses fazem parecer que estamos, enfim, conquistando o nosso espaço, o episódio envolvendo o jogador de futebol Richarlyson, do São Paulo, nos faz cair na real e mostra que ainda há muita coisa a ser feita. Para quem não está a par da polêmica, uma rápida explicação. Há algum tempo atrás, o jornal Agora São Paulo noticiou que um jogador de futebol estaria negociando com o programa de TV Fantástico, para revelar no ar a sua homossexualidade. Em junho, durante o programa Debate Bola, da TV Record, o diretor administrativo do Palmeiras, José Cyrillo Jr., foi questionado se o tal jogador gay era do Palmeiras, e respondeu: “O Richarlyson quase foi do Palmeiras”. Richarlyson, que afirma ser hétero, entrou com uma queixa-crime contra Cyrillo. Mas o juiz não a recebeu.

A queixa-crime do jogador partiu do princípio de que a homossexualidade denigre as pessoas. Claro que tal premissa é equivocada, mas engana-se quem pensa que foi por essa razão que a queixa foi rejeitada. Na verdade, o juiz negou seguimento à ação penal de Richarlyson porque consegue ser ainda mais preconceituoso do que ele. O que se vê na sentença é um festival de barbaridades homofóbicas que beiram a ignorância e são inadmissíveis para um profissional de tanta responsabilidade como o juiz criminal - a quem o Estado confere o poder de selar o destino de tantas pessoas.

Para justificar a rejeição da queixa-crime, o juiz, Manoel Maximiano Junqueira Filho, da 9ª Vara Criminal, afirma: "Futebol é jogo viril, varonil, não homossexual. Esta situação incomum do mundo moderno precisa ser rebatida (!). Quem se recorda da Copa do Mundo de 1970 jamais conceberia um ídolo seu homossexual. Quem presenciou grandes orquestras futebolísticas formadas não poderia sonhar em vivenciar um homossexual jogando futebol". Eu poderia falar aqui de vários homens gays que são uma fortaleza de virilidade, que se destacaram nos esportes, mas nem vou me dar ao trabalho. Quem lê este blog não precisa disso.

Em seguida, o juiz tenta mostrar que não tem preconceitos e só piora a situação. "Não que um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas forme o seu time e inicie uma Federação. Agende jogos com quem prefira pelejar contra si. (...) Também o negro, se homossexual, deve evitar fazer parte de equipes futebolísticas de héteros". Ou seja, a completa negação da inserção social: os gays não são dignos de ocupar o mesmo espaço do que os héteros, devem ser segregados em seus guetos - se querem jogar futebol, que criem uma liga cor-de-rosa. De preferência, com uniformes com brilho e paetês, meias de lurex, cheerleaders transformistas e a Elke Maravilha cantando o hino.

O magistrado se apóia em toda sorte de conceitos distorcidos sobre a homossexualidade: que é uma doença, que é um mal contagioso, que ameaça a educação das crianças. "O que não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro, porque prejudicariam a uniformidade de pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o ideal (?)... Para não se falar no desconforto do torcedor, que pretende ir ao estádio, por vezes com seu filho, avistar o time do coração se projetando na competição, ao invés de perder-se em análises de comportamento deste ou daquele atleta, com evidente problema de personalidade ou existencial (!!!); desconforto também dos colegas de equipe, do treinador, da comissão técnica e da direção do clube.". E conclui citando uma "estrofe popular" que diz, em suma, "cada macaco no seu galho".

A chocante sentença teve uma repercussão enorme. Entidades de direitos humanos protocolaram representações na Corregedoria do Tribunal de Justiça, que abriu sindicância interna para apurar a responsabilidade do Dr. Junqueira, já desligado do processo de Richarlyson. No final do longo procedimento, ele pode levar uma simples censura ou advertência ou até mesmo ser exonerado do cargo (pouco provável). De qualquer forma, a punição desse juiz é necessária. A sentença fere vários dispositivos legais, desde uma simples lei estadual anti-discriminação até a Constituição Federal, que consagra valores como a igualdade e a dignidade humana. Além disso, se puni-lo é dar um recado exemplar de que ninguém pode ficar impune pela homofobia (nem mesmo os juízes), não puni-lo é legitimar uma segregação que abre um precedente perigoso para vários outros tipos de discriminação. É preciso mostrar à sociedade que o raciocínio reacionário do Dr. Junqueira está muito, muito equivocado.

Enquanto alguns gays têm a infelicidade de ter seus direitos mais essenciais negados por pessoas como o Dr. Junqueira e outros tantos são brutalmente agredidos (como o rapaz que foi queimado vivo em Belo Horizonte na última segunda-feira), a maioria se refugia em suas redomas de irrealidade e jura que está tudo bem. A vida pode parecer bela quando se tem o corpo sarado, o jeans da moda e os aditivos suficientes para uma boa noite de festa, mas contentar-se em ser feliz dentro dos muros da The Week é muito pouco. Muitos gays torcem o nariz quando o assunto é militância ("coisa de ativista chato"), mas a verdade é que, enquanto estivermos preocupados apenas com nossos luxinhos consumistas, as portas continuarão sendo fechadas para nós.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Calma, gente!

A semana está sendo muito corrida (e emocionante). Mas tá acabando. Amanhã tem post novo, e se bobear será mais de um post no fim de semana. A minha baianidade já passou, eu juro.