quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O adeus do pai dos quilos chiques do Rio

Crédito: Paulo Nicolella/Agência O Globo

Quando comecei a desbravar o Rio de Janeiro, há quase 18 anos, a peculiaridade da cena gastronômica local que primeiro me fascinou não foram os botequins (sou ruim de copo), nem as casas de suco (nem sempre quero ter que ficar em pé o tempo todo). Foi o que chamei de "quilos premium" (numa época pré-gourmetização em que esse termo não havia se tornado um palavrão impublicável).

Eram restaurantes de comida a peso que não se encontrava com tanta facilidade em São Paulo, com receitas requintadas que fugiam do trivial. Saladas de uma criatividade que só o carioca tem, carnes com molhos depurados que poderiam estar na mesa de uma ceia natalina, bons risotos, sobremesas que zombavam do eterno imperativo de se manter seco & sarado o tempo todo.

O Couve-Flor sempre foi um bom representante dessa linhagem de quilos chiques, ao lado de algumas casas que já fecharam e outras que ainda sobrevivem, mesmo que sem o brilho de outros tempos - Fellini, Ataulfo, Papa Fina, Nanquim, Da Silva. Era fora de mão para um pós-praia, e as filas enormes desanimavam quando você já estava faminto. Mas era um programão para quando se estava pelo Jardim Botânico e tinha uma mesa de sushis que figurava entre as melhores da cidade.

Por isso, foi com pesar que recebi a notícia, publicada n'O Globo, de que a casa fechou as portas definitivamente nesta semana, depois de 31 anos de bons serviços prestados aos cariocas e a inúmeros visitantes e frequentadores da cidade, como eu. A casa foi uma das primeiras a trazer o sistema de cobrança a quilo para a Zona Sul.

Os motivos para o fim, conforme contou o proprietário do estabelecimento, foram a crise econômica, que cortou o movimento da casa pela metade no último ano, e a onda de violência que está varrendo a cidade. Não porque os comensais estivessem evitando o lugar com medo de assaltos, mas porque muitos dos funcionários do restaurante, moradores da Rocinha, vinham precisando faltar ao trabalho ou voltar mais cedo para casa, já que a favela vive um toque de recolher por causa da guerra entre traficantes.

Mais uma grande referência na paisagem urbana carioca que vai deixar saudades. Mais uma notícia triste que nos brinda essa má fase pela qual nosso querido Rio está passando.