quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Velhos e novos espaços do sexo


Durante os quase cinco anos em que este blog esteve em hibernação, um dos poucos posts que continuaram repercutindo e gerando comentários, para minha surpresa, foi este aqui, sobre minha visita a uma sauna em Recife. Naquela ocasião, fiquei admirado não só com o porte e a estrutura do lugar, superiores a tudo o que eu já havia visto no País, mas também como aquele era um local de socialização da comunidade. Ali, além de buscar sexo, os frequentadores encontravam os amigos, bebiam, comiam, assistiam a shows, como se estivessem em um clube. Acabei me divertindo em um sentido muito mais amplo do que eu havia imaginado.

No último verão, voltei à capital pernambucana e fiz uma nova visita ao lugar. Quase dez anos depois, as instalações já não impressionavam: pareciam abandonadas, paradas no tempo. Mas parado mesmo era o clima do pedaço. A debandada foi geral, e a faixa etária dos clientes remanescentes subiu um bocado - contrastando com a idade dos garotos que não estavam ali a passeio, e cuja presença me pareceu mais ostensiva. Um desavisado que for até lá atraído pelo meu relato de 2007 irá se decepcionar.

Mesmo sem ser frequentador assíduo da cena recifense, posso afirmar sem medo de errar que os culpados pela decadência da sauna são os mesmos que vitimaram muitos estabelecimentos gays nas grandes capitais do mundo: aplicativos como Grindr, Tinder, Scruff e Hornet. Eles permitem que homens interajam e marquem encontros de forma prática e objetiva, sem ter que percorrer a via-crúcis da noite: enfeitar-se, sair de casa, fazer a dança do acasalamento. O cardápio de carnes está na tela do smartphone, e dá para aceitar um convite ou descartá-lo para sempre com a mesma facilidade. Com isso, não só saunas, mas também bares e boates viram o público minguar - em Londres, a quantidade de lugares gays caiu praticamente à metade de dez anos para cá.

Enquanto isso, aqui em São Paulo, uma rápida incursão ao mundo do sexo mostra que a dinâmica dos espaços tradicionais não mudou. Pouca roupa, pouca conversa e pouquíssima luz - os ambientes são carregados de uma tensão que passa a anos-luz de distância daquela atmosfera festiva que um dia vi em Recife. Tudo frio, apressado, sem a possibilidade de um contato mais pessoal (ainda que passageiro), em uma penumbra que remete aos tempos em que os homossexuais se esgueiravam nas sombras do anonimato e da clandestinidade. E aqui, mais uma vez, a faixa etária vai dos 30 e poucos aos 50 e tantos.

Já as gerações seguintes, que hoje vivem seus primeiros anos de noite pós-maioridade, passam longe desse cenário. E estão se jogando em novos formatos que têm pipocado pela cidade de 2016 para cá. São festas que propõem uma expressão mais livre da sexualidade, em que socialização, sensualidade e sacanagem não precisam estar separados em compartimentos estanques. Dá para sair de casa para dançar com os amigos, conhecer gente nova e fazer sexo ali mesmo - e não estamos falando de se confinar em um dark room saído dos anos 90, mas sim em fazer isso em qualquer lugar da festa, com uma saudável naturalidade. Vestido, pelado ou no meio do caminho: pode ter montação, pode ter fetiche, pode ter fantasia, pode usar a roupa para seduzir e expressar o que der na telha.

Há pelo menos três projetos regulares nessa linha de balada com pegação aberta. As festas Kevin e Dando (nome sugestivo!) têm proposta musical voltada à house, electro e tech house, com público predominantemente gay masculino, que também bate cartão em outras festas da cena underground paulistana. Já a Pop Porn é mais eclética, com frequência LGBTT mesmo (travestis e transgêneros sentem-se à vontade ali, com a acolhida que raramente recebem em outros lugares) e uma sequência de DJs que mistura estilos sem a menor preocupação de construir um fio condutor: rola pop, funk, house, brasilidades, reggaetón... Tudo muito livre e muito solto, bem ao gosto de uma geração que se permite experimentar e escolher sem se prender tanto a rótulos.