terça-feira, 31 de julho de 2007

O sobe-e-desce de Salvador


Muitos só pensam em Salvador como destino de Carnaval: um lugar para se colocar um abadá, encher a cara de cerveja e sair beijando loucamente, sob o sol a pino, por cinco dias seguidos. Mas os encantos da cidade vão muito além da folia do circuito Barra-Ondina - e quem vem nessa época acaba não conhecendo Salvador, mas apenas o Carnaval de Salvador. A capital baiana tem história, cultura, gastronomia, praias e um povo bonito, simpático e de altíssimo astral. Se quem procura a beleza das praias tem opções melhores (Jericoacoara, Porto de Galinhas, Maceió e mesmo outros trechos do litoral baiano), para quem não vive sem um pouco de vida urbana poucas cidades do Nordeste são tão completas quanto Salvador. Aqui vai um resumo do que eu andei gostando e desgostando nas minhas três visitas...

UAU:

1) A CENA GASTRONÔMICA DO CONTORNO. Quando o arquiteto David Bastos transformou o primeiro galpão abandonado em restaurante, não podia imaginar que estava dando o pontapé inicial na formação de um corredor gastronômico concorridíssimo. Hoje, a Av. do Contorno concentra um punhado de restaurantes incríveis, com construções arrojadas que usam e abusam da vista espetacular da Baía de Todos os Santos. O Trapiche Adelaide, pioneiro, ainda é considerado um dos melhores da cidade; no excelente japonês Soho, campeão de badalação, o piso transparente da varanda deixa ver as águas verdes lá embaixo; e os mais recentes Amado e Lafayette caíram rápido nas graças dos baianos com seus pratos contemporâneos - os do Lafayette levam a assinatura de Carla Pernambuco (Carlota/SP). Com boa comida e visual deslumbrante, é difícil não adorar comer no Contorno.

2) O CONVENTO DO CARMO. Em um investimento pra lá de ousado, um grupo hoteleiro português restaurou um convento carmelita do século 16, transformando-o no primeiro hotel de luxo histórico do Brasil. O resultado: um palácio suntuoso, faraônico, cheio de obras de arte e com direito a uma charmosa piscina redonda bem no meio do pátio central. Hospedar-se lá é para o bico de muito poucos, mas uma visitinha rápida à área comum do hotel é um programa indispensável quando você estiver batendo perna no Pelourinho.

3) O BAR DA PONTA. Se em Ibiza tem o Café Del Mar, Salvador tem o Bar da Ponta, que é muito mais cool. Moderno, estiloso e inteiro envidraçado, ele avança como um píer sobre a Baía de Todos os Santos - e você assiste de camarote ao pôr-do-sol enquanto come beliscos deliciosos como a porção de nirá com lula e o mix de bruschettas, com Bebel Gilberto sussurrando nos seus ouvidos. Também dá pra jantar (já que o menu também tem pratos e o bar abre das 17h30 à meia-noite), mas o bacana é ir no fim da tarde. O Spot e o 00 dariam o mundo para ter o visual embasbacante do Bar da Ponta.

4) AS TARDES NO PORTO DA BARRA. A melhor praia da zona central de Salvador cabe dentro de um quarteirão. Mas esse pequeno trecho de areia, emoldurado por dois fortes, é especial. Primeiro, porque é uma delícia mergulhar em suas águas mornas, calminhas e limpas - melhor do que isso, só voltando para o útero materno. Segundo, porque durante a semana é ali que se forma a babel humana mais absurda e divertida (e o canto direito da praia é maciçamente gay). E terceiro, porque no fim do dia o sol se põe dentro do mar, sempre que o céu está limpo.

5) AS MIL MANEIRAS DE VER O PÔR-DO-SOL. Toda cidade tem um bom lugar para se apreciar o pôr-do-sol: o Rio tem a Pedra do Arpoador, Porto Alegre tem o Guaíba, Curitiba tem o Parque Barigüí, Olinda tem o Alto da Sé... Agora, poucas cidades possuem TANTOS lugares incríveis para se ver esse espetáculo da natureza como Salvador. Você pode assistir aos belos sunsets soteropolitanos da muralha do Farol da Barra, da praia do Porto da Barra, do píer do Solar do Unhão, do alto do Parque do MAM, do terraço do Elevador Lacerda, de uma das mesas do Bar da Ponta, do mirante da Ponta do Humaitá, sentado em uma pedra em Itapuã... são diversas as possibilidades, uma mais linda do que a outra.

6) OS BAIANOS. Se a Bahia hoje ocupa posição de destaque no mercado turístico brasileiro, muito disso se deve ao enorme carisma de seus habitantes. Os baianos têm uma luz própria que nenhum outro povo do Brasil possui. Donos de um sorriso generoso e uma alegria de viver sincera, são sociáveis sem serem invasivos, simpáticos sem forçar a barra e craques em deixar o visitante extremamente à vontade. Para completar, são muito bonitos e donos de uma sensualidade natural, espontânea e nada vulgar. Resista se puder!

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1) SALVADOR NO INVERNO. Quer viajar nas férias de inverno? Vá para o Ceará, único Estado brasileiro que faz jus à imagem de "sol o ano inteiro" que as operadoras turísticas tentam vender para todo o Nordeste. O tempo em Salvador nessa época é perigosamente imprevisível - não pense em chuvinhas chatas, mas em verdadeiras tempestades, daquelas que te prendem embaixo da cama enquanto a casa está inteira batendo. Para completar, muitos lugares aproveitam para fazer reformas para o verão - enquanto escrevo estas linhas, estão fechados o Trapiche Adelaide (restaurante top da cidade), a Off Club (a principal boate gay) e até o Aeroclube (centro de diversões a céu aberto no estilo dos open malls da Barra da Tijuca).

2) O ASSÉDIO AO TURISTA. Não tem jeito: assim que der os primeiros passos no Centro Histórico, você será abordado por um incansável exército de pedintes e vendedores (se você tiver a pele clarinha, como eu, será devorado vivo). Os pedintes vão querer a sua esmola, a sua bebida ou o seu lanche; os vendedores tentarão a todo custo te empurrar lembrancinhas, amuletos e, claro, as famosas fitinhas coloridas do Senhor do Bonfim, que você amarra no pulso ou na canela, fazendo três pedidos. O pior é que as tais fitinhas não são mais feitas de algodão e sim de náilon - ou seja, elas NUNCA se desfazem (e com isso seus pedidos nunca se realizam). A minha, laranja, é de fevereiro de 2005...

3) O COMPLETO ABANDONO DO PARQUE DO MAM. O Museu de Arte Moderna da Bahia fica num dos mais bonitos pontos turísticos de Salvador, o Solar do Unhão. E o parque do museu, com sua vista incrível da Baía de Todos os Santos, tem um dos mais agradáveis fins de tarde da cidade, que termina com um lindo pôr-do-sol. Um lugar assim não pode ficar abandonado da maneira como está. As pastilhas coloridas dos bancos caíram (ou foram arrancadas), deixando buracos horrorosos; e a passarela que margeia a água, com várias tábuas de madeira podres e as grades de arame arrebentadas, foi interditada. É um absurdo que o descaso dos responsáveis tenha estragado um passeio tão bonito. Em janeiro o parque já estava nesse estado, e nada foi feito até hoje.

4) AS PRAIAS URBANAS. Se o seu negócio é sair do hotel, andar duas quadras, cruzar a avenida da orla e estar na praia, pode continuar indo pro Rio de Janeiro mesmo. O perímetro urbano de Salvador é recortado por várias praias, mas todas elas são feias, sem graça e pouco freqüentadas (com exceção do Porto da Barra). As praias legais mesmo ficam afastadas do centro, a quase uma hora de carro (ou mais, com o trânsito do fim-de-semana). Stella Maris e Flamengo/Aleluia têm areia boa, mar aberto e bastante agito em torno de suas barracas bem estruturadas, com todas as comodidades que você merece (a do Loro, na Aleluia, é a melhor para os héteros e a do Gaúcho, em Stella Maris, para os gays).

5) A FALTA DE OPÇÕES DA NOITE GAY/MODERNA. Não se trata nem de comparar com SP ou RJ, mas sim de considerar que Salvador tem 3 milhões de habitantes e um grande fluxo de turistas. Tudo girava em torno da Off Club; com o fechamento da boate para reforma, os gays ficaram sem chão. Se não tiver nenhuma festa rolando, o jeito é fazer o esquenta no bar Babalotim e depois se jogar no Boomerangue, um "bar dançante" de programação eclética, que faz algumas noites mixed. Ou então arriscar o circuito cafuçu, com o inferninho Tropical no sábado e o pagodão Originalis no domingo. Com tanta gente bonita e festeira, a cidade merecia muito mais do que isso.

6) O SERVIÇO. Clichês como o do "paulistano estressado" e o do "carioca malandro" podem até ter algum fundamento, mas devem ser vistos com ressalvas - senão, você se prende à generalização e deixa de conhecer um povo como ele é de verdade. No caso dos baianos, a lerdeza deles já virou folclore, mas você vai senti-la na pele quando estiver sentado num bar ou restaurante, esperando ser servido. Tudo chega com uma demora injustificável - o cardápio, as bebidas, os pratos, a conta. O baiano já aprendeu a ser amável com o turista, mas ainda está a anos-luz de qualquer noção de eficiência. Portanto, não se estresse (você está de férias, lembra?) e não programe nada com horários apertados - as chances de seu esquema original furar são enormes.

[Foto: artesanato típico à venda nas lojas do Pelourinho]

sábado, 28 de julho de 2007

A cor dessa cidade sou eu


Uma decisão-relâmpago tomada aos 44 do segundo tempo me mandou ontem para Salvador. Já trabalhei e agora estou só no desfrute. Eu já estava devendo uns posts sobre a cidade desde fevereiro, quando passei férias aqui e em Recife. Vou fazer um sobe-e-desce de Salvador, outro de Recife e ainda um post comparando os atrativos das duas principais capitais do Nordeste para o turista gay. Espere só um bocadinho, meu rei, que eu vou ali e já volto.

[Foto: minha amiga Mel no entardecer de Itapuã]

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Sonhando acordado na pista da The Week

Nosso meio gay é muito mais influenciado pelos Estados Unidos do que pela Europa. O que toca aqui não é a house gostosa que junta gays e héteros em Londres e Ibiza, e sim o tribal marcado e cheio de vocais que faz as barbies depiladíssimas dublarem nas circuit parties de Miami. Como muitos gays brasileiros só se divertem dentro do gueto, seus ouvidos acabam sendo condicionados a só gostar de batida com cara de Tony Moran e gritaria de diva. Assim, quando uma boate gay daqui traz um DJ de fora que destoa dessa estética, ela corre o risco de enfrentar a cara feia de quem saiu de casa para bater cabelo e acha qualquer coisa sem refrão "pesada demais".

Por conta de tudo isso, para uma casa como a The Week, é muito mais fácil manter o som na linha popular de Offer Nissin e derivados do que convidar um gringo que, mesmo agradando em cheio ao público de Buenos Aires (que tem um ouvido mais europeu), pode não cativar os paulistanos. Por outro lado, não são poucos os clientes da TW que sentem falta de um som mais underground na pista da casa. Essas pessoas acabam preferindo clubes como o Pacha e o Sirena para dançar, e só insistem na TW para ver os amigos e beijar na boca.

Assim, para deixar todo mundo feliz na TW, um DJ convidado tem que saber conciliar os desejos desses dois tipos de público. Deve construir uma base melódica rica e envolvente, gostosa de ouvir e se deixar levar - e o house progressivo costuma ser perfeito para isso. Mas esse som não pode ficar sombrio ou introspectivo demais, muito menos deixar de lado os vocais, porque eles dão uma cara mais leve ao set e, sem eles, quem prefere um som mais fácil acaba se sentindo meio perdido na pista. Assim, agradar a gregos e troianos, sem ser chamado de "pesado" por uns, nem de "bagaceiro" por outros, exige um equilíbrio bastante delicado.

Pouquíssimos DJs que passaram pela pista da TW até hoje entenderam esse equilíbrio tão bem como Aldo Haydar. O argentino não conhecia o público brasileiro mas, em questão de minutos, entendeu a pista que tinha nas mãos e deu conta do recado. O set começou fortemente progressivo, meio dark até, conquistando de cara os fãs do gênero e abrindo um sorriso familiar no rosto dos que já conheciam seu trabalho no Caix. Aos poucos, ele foi jogando vocais e o som ficou mais happy e para cima, mas sem perder a característica intensa e sofisticada. Foi uma deliciosa viagem de três horas, em que a TW viveu o sonho impossível de ter os tais gregos e troianos dançando juntos e felizes. Nas rodinhas em volta, todo mundo estava amando o som do cara.

A The Week acertou em cheio ao convidar Aldo, mas desperdiçou seu poder ao escalá-lo para tocar só a partir das 6 da manhã. Nesse horário, muitos já estavam indo embora, cansados depois de uma noite em que os próprios residentes Renato Cecin e João Neto tocaram mais pesado do que o habitual. Mesmo algumas pessoas que só tinham ido lá para ver o argentino acabaram não dando conta: de 13 amigos meus que já o conheciam de Buenos Aires e eram fãs do cara, apenas 3 tiveram pique para saborear seu som até o final.

Um amigo especulou que a idéia da casa ao colocar Aldo tão tarde era não bater de frente com a inauguração do clube Flex, que aconteceu na mesma noite. Outro contou que naquela ocasião a TW estava estreando seu afterhours - nada mais coerente, portanto, do que colocar o argentino para fazer sua especialidade, que é tocar ao nascer do dia. Nesse caso, porém, a casa deveria ter trabalhado melhor a divulgação do projeto e criado nas pessoas uma expectativa maior, que as fizesse ficar até mais tarde (ou mesmo chegar mais tarde) na boate. Muita gente que estava indo embora não sabia de after nenhum, muito menos de convidado de fora prestes a entrar no som.

Claro que a noite não deixou de ser brilhante por causa disso. Aliás, foi muito mais gostoso ter espaço na pista para poder saborear o manjar sonoro de Aldo Haydar sem empurrões, cotoveladas ou atropelos. Digo sem medo de errar que foi a segunda melhor noite na TW da minha vida. Por outro lado, a TW perdeu a chance de testar o poder de fogo do gringo diante de uma casa cheia - a resposta do público teria sido muito maior se o convidado tivesse assumido as pickups às 3 ou 4 da manhã. Muito mais gente teria ficado maravilhada com o som do argentino, e quem sabe a casa não passasse a considerar Aldo um nome forte para as festas da Parada de 2008. Tenho certeza de que ele seria uma excelente pedida, e farei a sugestão ao próprio André Almada assim que tiver oportunidade.

[Foto: pista principal da The Week bombando em uma outra noite]

sexta-feira, 20 de julho de 2007

O sobe-e-desce de Buenos Aires

Decidi não me alongar demais no assunto Buenos Aires, por enquanto. Se mais tarde eu perceber que muita gente resolveu ir para o festival Creamfields (que acontece todo ano no segundo sábado de novembro; neste ano, cai no dia 10), eu farei aqui um guia completo da cidade, nos mesmos moldes do guia de SP que preparei para a Parada Gay deste ano. Por enquanto, aqui vai mais um resumão clássico com o melhor e o pior.

UAU:

1 - A GASTRONOMIA. A fama das carnes e do dulce de leche argentinos já correu o mundo. Mas a mesa de Buenos Aires vai muito além do manjado bife de chorizo. Tem muitas massas deliciosas (fruto da expressiva imigração de italianos para lá), os sorvetes incríveis que eu comentei aqui e boa culinária contemporânea com sotaques que vão do escandinavo (no moderninho Olsen) ao asiático (nos tailandeses Empire e Lotus Neo Thai e no surpreendente vietnamita Green Bamboo). A cidade é capaz de agradar aos mais exigentes paladares, sem provocar um rombo no orçamento.

2 - A NOITE ELETRÔNICA. Buenos Aires está na rota das turnês de todo grande DJ que se preze e é a meca sul-americana do progressive house. Mas se esse não é seu gênero predileto, não tem problema: a agitada cena local curte tudo sem preconceito e também dança techno, minimal, electrohouse e até drum n'bass (nas terças-feiras do clube Bahrein, com residência do top Bad Boy Orange). A jogação vai de megaclubes como Crobar e Pacha a redutos underground como La Cigalle e Shamrock - e tem seu ápice no megafestival Creamfields, em novembro, que em 2006 juntou 65 mil pessoas e continua crescendo. Tudo isso embalado na buena onda dos argentinos, que quem já esteve no after do Caix conhece bem.

3 - AS BOAS COMPRAS. Com o dólar custando 1,90 para nós e 3,08 para eles, até artigos de valor "tabelado" como tênis e eletrônicos saem 30% mais barato do que no Brasil. A cidade é um bom lugar para rechear o guarda-roupa. Amantes de grifes não acham cuecas CK nem camisetas A&F, mas encontram tudo da Emporio Armani e Diesel (nas novas e atualizadas lojas próprias das marcas e também na Red Store, multimarcas que vende Diesel mais barato), além de artigos diferenciados da Puma, Nike e Adidas. Sem falar que grifes argentinas como Ona Saez, Bensimon, Kosiuko, Airborn, Tascani e Key Biscayne têm peças bacanas e diferentes para você usar em São Paulo sem estar igualzinho aos outros.

4 - PALERMO VIEJO. Nesse grande quadrado (formado pelas avenidas Santa Fe, Scalabrini Ortiz, Córdoba e Dorrego), foram aos poucos pipocando mais e mais lugares novos, entre bares, restaurantes, lojas de roupa e decoração, ateliês e galerias de arte. Hoje, é aqui que está o que há de mais cool na cidade: boas compras, jantares badalados e muita gente bacana. Se hoje a região não é mais segredo dos descolados, ainda são poucos os brasileiros que se aventuram por aqui. Vale a pena ser um deles.

5 - AS BEBIDAS (COM ÁLCOOL). Um povo de hábitos europeus como o portenho não poderia deixar de cultivar o gosto por bons vinhos. Os bares e restaurantes da cidade possuem uma boa oferta deles, entre rótulos argentinos, chilenos e europeus. Eu pessoalmente não ligo muito para vinhos, mas não resisto a uma boa jarra de clericot - versão da famosa sangría espanhola, feita com vinho branco, morango, kiwi, abacaxi e outras frutas picadas, açúcar e gelo. É leve, docinha e sobe rápido - como é que nenhum brasileiro pensou nisso antes?

UÓ:

1 - O CIRCUITINHO DO BRASILEIRO-PADRÃO. Pesquisar nas fontes certas antes de viajar é o único jeito de ter acesso ao lado bacana de Buenos Aires. Quem chega lá contando com as dicas dos guias da operadora local acaba se limitando a programas manjados, fazendo compras na calle Florida (que está bem caída e hoje só vale pelas boas lojas de tênis e pela melhor Zara da cidade) e, no máximo, indo jantar nos restaurantes de Puerto Madero - caros (como tudo que é feito para turista), caretas e, com algumas exceções, nada brilhantes em termos de comida. Isso se não for comer nos lugares indicados pelos guias, que ganham comissão por cada turista apresentado...

2 - A NOITE GAY. Não que Buenos Aires não tenha nada para o turista gay fazer. Dá para jantar em lugares gay friendly (entre eles, recomendo as pizzas do Filo e a comida tailandesa do Empire), tomar os primeiros drinks no Chueca (o bar gay mais fervido da cidade), ir dançar no Palacio Alsina (já comentado no post anterior) e fazer uma pegação básica no Zoom (um cruising bar digno de Primeiro Mundo, que faz a nossa Station parecer ainda pior do que já é). E tudo pode ser divertido. Mas quem ficar comparando tudo com SP e RJ corre o risco de voltar para casa decepcionado.

3 - O MICO DO VERÃO. O verão é, definitivamente, a pior época para se visitar Buenos Aires. O calor chega a bater recordes cariocas, mas a cidade quase não tem piscinas. Praias? Estão a 4 horas de carro, são feias e têm água gelada - não é à toa que os argentinos invadiram Santa Catarina. Outra má idéia é ir a BsAs para o Réveillon: a cidade não tem a animação de lugares como Rio e Nova York, e as (poucas) comemorações legaizinhas acontecem em espaços fechados, como em São Paulo. Programe sua viagem entre março e novembro.

4 - O MULLET. Aberração capilar popularizada no Brasil por Chitãozinho e Xororó, o mullet é uma verdadeira mancha na elegância dos argentinos e já fez a cabeça de gerações e gerações. Hoje, ainda é visto nas ruas e também nos estádios de futebol, onde vários jogadores da seleção desfilam corajosamente seus rabinhos. Felizmente, muitos argentinos acordaram para a vida e podaram seus mullets; ainda assim, a esmagadora maioria dos homens gosta de usar o cabelo bem compridinho dos lados e atrás.

5 - AS BEBIDAS (SEM ÁLCOOL). Se a cidade é a alegria dos amantes do vinho, quem não bebe álcool passa um mau bocado. Sucos e refrigerantes são surpreendentemente caros, mesmo para bolsos brasileiros beneficiados pelo dólar forte. Para piorar, o maior dos crimes: a água mineral tem gosto ruim, não importa a marca que você escolha. Como os refrigerantes também têm fórmula e gosto diferentes dos do Brasil, o jeito é escolher aquele com paladar mais agradável - eu, por exemplo, passei dez dias à base de Fanta Laranja.

[Foto: detalhe de uma varanda no Caminito, ruela turística de La Boca]

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Vale a pena se jogar em Buenos Aires?


A procura dos brasileiros por Buenos Aires vem desde o início dos anos 90, quando o calçadão comercial da calle Florida recebeu as primeiras levas de turistas falando português em voz alta e pelos cotovelos. Os gays que gostam de viajar já conhecem de cor os atrativos da cidade: arquitetura européia, comida excelente, boemia nonstop e preços muito mais viáveis do que os de Madrid e Paris, as tias ricas da capital argentina. Mas os gays baladeiros só acordaram para Buenos Aires quando a cena portenha começou a convidar DJs daqui para tocar. Robix e Patricinha Tribal voltaram do Palacio Alsina falando maravilhas sobre a vibe dos argentinos e, no mês passado, a carioca Ana Paula tocou no Pacha, numa festa do gay pride deles.

Com esse novo interesse dos gays por Buenos Aires, muita gente que ainda não conhece a cidade está cogitando ir para lá e experimentar a tão falada noite portenha. Aproveito a deixa para fazer alguns comentários e quem sabe ajudar os novatos a se decidir. As baladas de Buenos Aires são mesmo tudo isso? Vale a pena se jogar lá? Na minha opinião, vale sim e muito. Mas já adianto que nem todo mundo vai gostar do que vai ver. Enquanto a cena eletrônica da cidade é simplesmente maravilhosa, o circuito gay não está vivendo seu melhor momento.

Buenos Aires está cada vez mais gay friendly e tem um grande número de estabelecimentos simpatizantes, que vão muito além dos bares, boates e saunas: há hotéis, restaurantes, lojas de roupa e decoração, centros de estética e até escolas de tango que, se não estão voltados exclusivamente para o público GLS, conhecem bem as suas vontades e se esforçam para atendê-las bem, anos-luz à frente do mercado brasileiro. Todos esses pontos distribuem mapas de bolso da "Buenos Aires gay", com todos os endereços do bem convenientemente assinalados na planta da cidade. O turista que abre um mapa desses se empolga com a quantidade de opções, digna de Londres ou Nova York. Mas a verdade é que, se os lugares são muitos, poucos são os que realmente importam e acontecem.

A melhor noite gay fixa da cidade acontece às sextas e domingos no Palacio Alsina, um espaço imponente, com pé direito altíssimo, colunas e mezaninos, que parece uma catedral (aos sábados, o lugar se transforma em Big One, balada eletrônica predominantemente hétero). O ambiente é lindíssimo, tem todo o potencial para grandes festas e já viveu noites incríveis, abarrotadas de gente linda se jogando horrores. Mas, por algum motivo, as coisas andaram dando uma esfriada. Ainda é a boate gay que tem a freqüência melhor, mas nem sinal da lotação e do fervo fortíssimo de antigamente. As pessoas dançam e se divertem (o som é bem OK e nada caricato), mas o clima agora é totalmente low profile, inofensivo demais para o que se espera de uma boate gay (especialmente se você é um turista). Está faltando libido no Palacio Alsina. Ou então, eu é que fiquei mal-acostumado com a cultura de "jogação, babado & confusão" criada pela X-Demente e consagrada pela The Week.

As outras opções melhorzinhas na noite gay portenha são a Amerika e o Glam. A Amerika é uma boate grandona no estilo Level: um galpão com mezaninos, go go boys dançando em queijos, um palco central para shows e um som mais puxado pro bagaceiro. A casa já causou muito mas, quando adotou o sistema de canilla libre (bebida liberada), passou a atrair héteros sem noção e se desvirtuou completamente, a ponto de alguns nem a considerarem mais um lugar gay. Já o Glam é um casarão antigo, com uma pistinha na parte da frente e um grande bar nos fundos. O lugar é OK para conhecer gente, mas não empolga muito - a sensação é a de estar num casarão da Vila Madalena ou mesmo do Recife Antigo, com um povo ligeiramente envelhecido ouvindo um som meio comercial e datado.

Ou seja: Buenos Aires tem suas opções gays, mas nesse segmento São Paulo está vivendo um momento muito melhor. Com todos os seus defensores e acusadores, a The Week ainda rouba a cena e dá o que falar - nada se compara a um bom sábado da casa, onde a sensação é de que as coisas realmente acontecem. A Blue Space bomba todo domingo e a Bubu tem fila na porta toda sexta. Isso sem falar nas novas boates que estão chegando, a Flex e a Megga - provas de que a cena gay paulistana está em ponto de ebulição. Um entusiasmo que eu não vi em nenhum lugar na Argentina.

Se o gueto gay de Buenos Aires anda meio morno, o mesmo não se pode dizer da cena eletrônica de lá. Os argentinos têm verdadeira paixão por música eletrônica, e a dividir uma boa pista de dança com eles é uma experiência única. Eles saem de casa decididos a se divertir de verdade, e quando chegam nos clubes é isso que fazem, sem pose nem carão. Quando o DJ vai construindo as batidas, já começam os assobios e as mãos para o alto; quando ele dá a paradinha e explode, a pista literalmente vem abaixo - todo mundo pula, grita, se joga no sentido da palavra. E tudo isso, sem passar mal de droga: é uma onda inteiramente happy, sorridente. Se quem está no som é um nome de peso, então, o clima é de comoção coletiva. Com DJ bom e público bom, não dá para a noite não ser boa.

O lugar mais indicado para viver uma noite dessas é o Pacha, principal clube eletrônico de Buenos Aires. Foi o Pacha que iniciou na Argentina a era do culto ao DJ e colocou o país no mapa das turnês dos grandes nomes da e-music mundial. Na programação da casa, aparecem com freqüência tops estrangeiros, especialmente de house progressivo, gênero que alucina os argentinos. Agosto, por exemplo, já tem agendados dois bambambãs do prog: Jimmy Van M no dia 4 e John Creamer no dia 11. Eu tive a felicidade de pegar no dia 7 de julho uma apresentação do craque argentino Martín García, idolatrado por mim e por milhares de argentinos, e o que eu vivi ali foi uma noite de pura catarse, que não esquecerei jamais. Todo mundo deveria ir vê-lo tocando no Pacha BsAs pelo menos uma vez na vida (são quatro ou cinco vezes ao ano).

Depois de um sábado no Pacha, não dá para perder o afterhours Fiction, que acontece no clube Caix (Caix não é o nome do after, como pensam alguns). O público é bonito e totalmente mixed (os gays ficam do lado esquerdo do DJ, como no Pacha) e tem a vibe mais incrível que eu vi na vida - serotonina na veia, parece até o terraço da Space de Ibiza. O som ajuda muito, sempre ótimo e para cima. E o lugar ainda tem uma varanda, com o mesmo sound system de dentro, onde dá para dançar olhando para o Rio da Prata. A jogação vai das 8h às 13h, podendo chegar até 15h se a casa estiver muito cheia (como nos históricos afters que rolam após os festivais de música eletrônica Creamfields e Southfest, que também valem a viagem).

Enfim, vale a pena se jogar em Buenos Aires? Para quem faz questão de estar em ambientes 100% gays, a atual noite portenha pode acabar decepcionando, especialmente em comparação com a cena daqui. Agora, se você aprecia música eletrônica de qualidade (especialmente house progressivo) e curte lugares mixed, Buenos Aires é um paraíso. Vale lembrar que a presença gay é garantida no Pacha e no Caix, ainda que sem pegação ostensiva (e o after do Caix reúne os melhores corpos da cidade). Para sentir um pouco de cada um dos mundos, uma opção é encarar a sexta do Palacio Alsina e ir no sábado ao Pacha - tomando cuidado de guardar alguma energia para o after do Caix.

Aliás, quem quiser sentir um gostinho leve do que é o after absurdo do Caix, pode ir à The Week neste sábado. A casa vai trazer ninguém menos que o próprio residente, Aldo Haydar. O careca entra no som concentrado e enfezado, mas logo abre o sorriso quando vê que a pista está amando o som dele, cheio de vocais sem ser bagaceiro, sofisticado sem ser blasé, aquele tipo de som perfeito para uma boa pool party. Aliás, eu já tinha dado a dica do Aldo várias vezes aqui - será que o pessoal da The Week também lê o meu blog?

[Foto: o famoso canto esquerdo da pista do after do Caix]

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Os velhos prazeres de sempre


Meus amigos sempre me perguntam por que venho tanto para Buenos Aires. Alguns conheceram e gostaram daqui, mas não conseguem entender como eu posso continuar gastando dinheiro vindo pra cá - e, mais ainda, voltar sempre com o mesmo entusiasmo, mesmo com doze visitas no currículo.

Sempre que venho, acabo encontrando alguma coisa nova e boa: algum restaurante que eu não conhecia, alguma festita nova, ou mesmo os festivais de música eletrônica que sempre têm um line up diferente. Mas percebi que o que me faz querer voltar mais e mais vezes não são as novidades, e sim as coisas boas de sempre, meus favoritos pessoais - os clássicos portenhos de Introspective.

O primeiro entre tantos outros clássicos é a comida deliciosa do Broccolino. É um restaurante italiano honestíssimo, que fica no Microcentro e tem um quê das cantinas de Nova York. Preciso ir pelo menos 2 ou 3 vezes lá em cada viagem, para comer os fabulosos Sorrentinos Tony, com um saboroso recheio de presunto, mussarela e ricota moídos e um molho divino de tomates frescos, manjericão fatiado e mussarela. Uma receita simples, mas às vezes é nas coisas mais simples que um restaurante revela o seu verdadeiro talento.

Num roteiro pessoal de uns quinze bons restaurantes, nao só no Microcentro mas também em Palermo Viejo e Las Cañitas, tem uns cinco que não podem faltar nunca, mas o Broccolino é sempre o primeiro (comer o sorrentino é uma espécie de ritual, quando sinto que realmente cheguei em Buenos Aires) e o último (a refeição da despedida, para ir embora com esse gostinho bom na boca). O jantar de amanhã será lá.

Outro prazer gastronômico que não pode faltar são os sorvetes indescritíveis da Freddo e da Persicco. Os sorvetes da Freddo eram os melhores do mundo e parecia que não dava para melhorar nada - mas a família teve a capacidade de se superar quando vendeu a rede para um grupo estrangeiro e, cinco anos depois, lançou sua nova cria. O sorvete da Persicco é ainda mais gostoso - mas eu continuo tomando os dois. Na Freddo, vou de banana split (creme de banana e baunilha, flocos de chocolate e bolotas de doce de leite mole) e crema irlandesa (um creme perfumado com licor Bailey's); na Persicco, vou de mousse de chocolate (que é melhor do que o da Freddo), crema mascarpone (parece uma cheesecake, com frutas vermelhas e tudo) e tarta de limón (divino, parece uma lemon pie mesmo). E, quando o horário do meu vôo de volta permite, ainda levo mais sorvete para o Brasil, embrulhado em caixas de isopor com muito gelo seco em volta.

Mas Buenos Aires vale por muitas outras coisas. A beleza e o charme europeu da cidade fazem dela um ótimo passeio. E com o dólar custando 2 reais para nós e 3 pesos para os argentinos, as compras estão ótimas para os nossos bolsos - roupas, tênis, eletrônicos, tudo sai bem mais barato. O frio está uma delícia e tive a sorte de presenciar um acontecimento histórico, a neve - a última vez que havia nevado em Buenos Aires foi em 1918. E tem as baladas, claro. Mas essas vão merecer um post separado - da próxima vez que eu tiver paciência para enfrentar esses teclados em espanhol e atualizar o blog.

[Foto: brownies com 'dulce de leche' e merengue @ Marini Gourmet]

quinta-feira, 5 de julho de 2007

The Week Rio: com a faca e o queijo na mão


E o assunto mais comentado no mundinho gay (e nos blogs que gravitam em torno dele) é mesmo a inauguração da filial carioca do clube The Week, que acontecerá amanhã no balneário mais adorado e mais criticado do Brasil. A maior parte das pessoas espera a novidade com bastante entusiasmo, mas sempre tem aquelas malditas que chocham e rogam praga em tudo. Um dos argumentos que mais li contra a nova casa é que o Rio não teria "mercado" para isso, seja porque "o Rio é uma cidade mais diurna" (santo clichê, Batman!), seja porque o carioca não teria poder aquisitivo ou mesmo discernimento suficiente para uma casa "com o nível de São Paulo".

Esses pontos de vista, além de bairristas, demonstram um profundo desconhecimento do que é a cena carioca hoje. O Rio não só tem mercado para a TWRJ, como estava pedindo desesperadamente uma casa desse tipo. O house tribal tem uma legião enorme de fãs na cidade e, com o sucesso da DJ Ana Paula, está mais popular do que nunca. Sem falar que a cidade é a capital sulamericana das barbies: nenhum outro lugar no Hemisfério Sul reúne um número tão grande de corpos masculinos incansavelmente esculpidos e perfeitos. Qualquer festa tipo X-Demente que aconteça é garantia de babado & confusão, e nem precisa ser Carnaval.

Se a demanda era grande, a oferta não vinha dando conta do recado. Basta olhar para os clubes desse segmento que a cidade tinha até então. A Le Boy sobrevive bravamente porque não mete a faca nos preços, tem fama entre os gringos e garante pegação para quem está mais preocupado em ir logo aos finalmentes. Mas não é mais referência em nada - a não ser que você seja uma atriz global loucona que quer fechar a casa numa segunda-feira para comemorar seus cinqüenta e tantos anos de idade. O Cine Ideal até prometia ser uma "X-Demente permanente" quando começou a funcionar, lá pelos idos de 2001, mas por algum motivo os bons partidos foram debandando e o nível da casa caiu lá embaixo. Se hoje o Cine ainda vira, com certeza é porque "é o que tem". O que sobra de noites fixas são opções no subúrbio, como a 1140 - para a qual as bibas Zona Sul torcem o nariz.

Com esse cenário, uma parcela do público que é mais exigente acaba deixando para sair de casa só em festas especiais tipo X-Demente ou E.njoy - ou então vem se jogar aqui em São Paulo. De alguns anos pra cá, o número de cariocas que começou a invadir nossas pistas em finais de semana comuns (sem Parada Gay, Offer Nissin e coisas do tipo) só cresceu. Alguns até gostam da cidade e têm amigos aqui, mas a maioria vem mesmo porque quer uma opção de entretenimento com um padrão de qualidade que o Rio não tem. E esse povo todo acaba caindo justamente onde? Na The Week.

Por isso, confio plenamente que espaço para a The Week o Rio tem, sim. Agora, se a cena comporta a TW e também o Cine, a LB e mais os projetinhos ocasionais feitos na base do improviso em sauna e inferninho (diga-se de passagem que o Rio é a cidade do improviso, vide o Dama de Ferro que colocava a pia no meio da pista por falta de espaço), aí é OUTRA história. Vai rolar uma seleção natural mesmo, e a concorrência terá que suar a camisa se quiser continuar tendo um lugar ao sol. Uma cidade com o porte e o número de visitantes (brazucas e gringos) que o Rio possui merecia mesmo uma opção à altura. Todo mundo só tem a ganhar, incluindo a própria região do Cais do Porto, que pode ser revitalizada.

Não estarei lá na inauguração porque preferi ir para Buenos Aires ver meu DJ favorito de progressive house tocar seu long set impecável. Serão dez dias de férias, longe do Brasil e, possivelmente, longe do blog. Por enquanto, minha curiosidade com a TWRJ terá que se contentar com as impressões de vocês sobre a nova casa. Aguardo comentários aqui!

[Foto: Selmy Yassuda/VEJA]

terça-feira, 3 de julho de 2007

Livraria Cultura: fervo, charme e caos


As férias da faculdade finalmente me deixaram ir conferir uma das grandes novidades do circuito cultural da Paulista: a fantástica megastore que a Livraria Cultura abriu no Conjunto Nacional, no espaço físico que um dia abrigou o saudoso Cine Astor.

A nova loja ficou mesmo uma beleza. Tudo chama a atenção, a começar pela rampa sinuosa e cercada por arames que leva ao interior da livraria. Chegando lá, a visão é impactante: a loja é inteira construída em desníveis e você praticamente mergulha numa descida psicodélica, cruzando o carpete xadrez como se estivesse num game do Mario Bros. No meio do corredor, uma espécie de ilha com pufes coloridos convida a uma leitura descontraída. Um vistoso dragão de madeira pendurado no teto dá o arremate final. Em volta do "mergulhão" principal, há vários outros níveis com mais prateleiras de livros e, no mezanino, CDs e DVDs. Nos fundos da loja fica o café.

Essa disposição caótica pode ser visualmente atraente, mas também tem um defeito: é quase impossível encontrar o que você precisa sem depender da ajuda de um vendedor. Tudo bem que o staff da Cultura é pra lá de qualificado (como na Livraria da Travessa carioca, eles costumam recrutar gente que lê bastante e conhece o que vende), mas não são poucas as pessoas que gostam de fuçar as prateleiras sozinhas, sem incomodar e sem ser incomodadas. Esses clientes introspectivos precisarão de uma certa dose de paciência e teimosia até conseguirem se encontrar na bagunça da loja.

A verdade, porém, é que esse inconveniente fica pequeno perto do grande atrativo de lá: como toda boa novidade, a Livraria Cultura está um fervo só. Nesse final de semana em que estive lá, o clima era de pura badalação - a loja parecia um formigueiro humano, cheia de gente eufórica e de olhos arregalados, com sede de descoberta. E tinha pra todos os tamanhos, gostos, idades, credos e orientações sexuais. Para quem vê livraria como fonte de diversão e entretenimento (e não como uma simples loja em que você entra atrás de algo, pega e vai embora), a nova Cultura já é the place to be.

Pra completar, o café da loja - V Café, bandeira diferenciada da rede Viena - é charmoso, aconchegante e totalmente cosmopolita. Um ponto de encontro de ótimo gosto para juntar os amigos numa tarde fria de domingo, em meio a chocolates quentes, sanduíches caprichados de salmão defumado e guloseimas como o bom brigadeiro de colher. Os preços não estão lá muito camaradas - aliás, a própria livraria parece ter ficado mais cara do que o usual - mas é o que se paga para estar onde todo mundo quer estar.

[Foto: Divulgação]

domingo, 1 de julho de 2007

Ricos, covardes e acima da lei


Um dos tristes assuntos da semana no Brasil foi a barbaridade cometida por cinco jovens de classe alta da Barra da Tijuca, no Rio, contra uma empregada doméstica que esperava um ônibus às 4h20 da manhã. Sirlei Dias, 32 anos e um filho de 3, teve sua bolsa arrancada e levou cerca de 30 golpes, entre chutes, socos e pontapés por todo o corpo e também na cabeça e no rosto, enquanto era xingada e humilhada.

Diante do delegado, os rapazes disseram que espancaram a doméstica porque pensavam que ela era prostituta. Ah bom, agora está explicado. Investigações da polícia já descobriram que Sirlei foi apenas mais uma entre muitas vítimas da ignorância do grupo. E funcionários dos prédios onde os jovens moram disseram que eles sempre atacavam gente pela rua quando voltavam das suas baladas e chegaram a arremessar um coco (!) em um trabalhador na Avenida das Américas. Até no posto de gasolina da avenida eles já foram reconhecidos como baderneiros e violentos - segundo o gerente do posto, um deles costumava carregar duas pedras nas mãos para não ter que bater com o próprio punho no momento da briga.

Isso tudo me chocou, mas não me surpreendeu. A escrotice da molecada bem-nascida da Barra não é novidade - em 1993, Gabriel O Pensador já a cantava nos versos de "Retrato de Um Playboy". Na música, os filhinhos de papai cariocas maltratam empregadas domésticas, sacaneiam mendigos e atiram ovos em um trabalhador no ponto de ônibus (no videoclipe, os personagens descarregam um extintor de incêndio no coitado). E isso não é privilégio do Rio - os riquinhos de Brasília que atearam fogo em um índio pataxó que dormia na rua, em 1997, não me deixam mentir. Esses jovens monstros são criados dentro de feudos superprotegidos, onde só têm contato com pessoas semelhantes; com isso, não aprendem a conviver em sociedade e respeitar aqueles que são diferentes deles - sejam pobres, negros, homossexuais, nordestinos ou índios.

O que me deixou simplesmente atônito foram as declarações do Sr. Ludovico Ramalho, pai de Rubens Arruda, um dos delinqüentes: "Queria dizer à sociedade que nós, pais, não temos culpa. Não é justo manter presas crianças que estão na faculdade, estão estudando, trabalham, têm caráter. Não concordo com a prisão na Polinter, ao lado de bandidos. Vão acabar com a vida deles. Existem crimes piores (!). Peço ao juiz que dê uma chance para cuidarmos dos nossos filhos".

Vamos entender: o pai crê piamente que não tem nenhuma responsabilidade pelas atitudes do filho. E, mais ainda, não acha justo que ele seja punido pelo crime que cometeu. E isso porque ele "não é bandido" - bandidos são os pobres que superlotam as celas da Polinter; o filho dele não, ele tem "caráter", pois é um "garoto de família". Uma família que não deu limites para o filho e agora, depois que ele deixou um rastro de várias vítimas, quer "cuidar dele".

Que me desculpe o Sr. Ludovico, mas a chance de cuidar do filho e educá-lo ele já teve. E foi incapaz de dar conta dela: não o ensinou a agir com civilidade e, pelo que mostram suas infelizes declarações, é mais um dos que acreditam que as leis e os deveres não são os mesmos para todos e não valem para quem tem dinheiro. Se Rubens e os quatro outros adolescentes foram capazes de cometer essas atrocidades, muito disso se deve à visão de mundo que aprenderam dentro de casa. Isso vai ficando mais evidente a cada vez que o Sr. Ludovico abre a boca para defender o filho: "Sirlei é mais frágil por ser mulher, por isso fica roxa com apenas uma encostada. O homem é mais resistente". Já deu pra perceber a quem Rubens puxou?

Ao contrário do que alega o Sr. Ludovico, os cinco marginais da Barra da Tijuca não são mais "crianças" (tanto é que espancaram Sirlei como gente grande) e precisam ser punidos com rigor. Para que aprendam, finalmente, que seus atos têm conseqüências. E para que os muitos outros Rubens, Leonardos, Rodrigos, Felippes e Júlios que perambulam em seus carros zero pela Barra da Tijuca, pelo Plano Piloto ou por Alphaville aprendam que não são pessoas superiores aos alvos que perseguem - e não estão acima das leis que valem para o resto da sociedade.