Atendendo aos leitores que têm pedido mais temas gays no blog, hoje falo sobre a Splash 720, megassauna que abriu as portas neste mês na Lapa, aqui em São Paulo. Com três andares, capacidade para 400 pessoas e funcionamento 24 horas, ela tenta ocupar a lacuna deixada pela extinta 269, verdadeiro complexo de pegação que marcou época na Rua Bela Cintra. As fotos divulgadas nos portais de notícias GLBT e os preços ousados (R$58 pela entrada mais barata, com direito a um armário) davam pistas de que o lugar tinha grandes ambições. Aproveitei uma pool party organizada ali há alguns dias para conhecer a casa.
As instalações, que abrigavam uma sauna hétero, foram repaginadas e têm cara de novas. As saunas propriamente ditas, uma seca e outra a vapor, são amplas e confortáveis. Mas não vi o requinte que imaginava: o vestiário é pobrinho e os chuveiros não mantêm a temperatura. O único luxo é a piscina, suavemente aquecida e iluminada por luzes dicróicas que mudam de cor. Se a ideia é uma brincadeira mais íntima, o piso superior tem 40 quartos e 80 cabines que dão conta do recado com folga (dá para se perder lá). Não existe um espaço para "confraternização coletiva" como havia na 269, mas o conforto parece ser maior. Só não entendi o primeiro item do regulamento da casa, que proíbe a prática de ato obsceno...
A Splash tem tudo para ficar abarrotada durante o feriado da Parada Gay, em junho. Mas terá de enfrentar alguns desafios, se quiser sobreviver até lá. A localização, fora do "bolsão gay" da cidade, pode ser conveniente para quem sai da The Week às 7 da manhã (a sauna fica a poucas quadras de distância da boate), mas é fora de mão para o bofe de soja que dava aquela escapada furtiva depois do expediente, antes de voltar para os braços da patroa. Além disso, com a popularização dos smartphones, muitos deixaram as saunas de lado para caçar parceiros pelo aplicativo Grindr. Talvez a casa devesse prolongar o desconto promocional de 50% por mais alguns meses, até seu público se consolidar. Essa tabela de preços pode acabar sendo um tiro no pé.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
Apostas cariocas
Com a chegada do verão, as atenções se voltam para o Rio de Janeiro. A pacificação de alguns morros soprou uma brisa de otimismo e autoestima sobre a cidade. E os preços, que já vinham subindo por conta da euforia com a Copa e as Olimpíadas, estão mais salgados do que nunca: no réveillon, tem albergue cobrando R$1.200 por uma vaga em quarto com nove camas. Aos cariocas e turistas que estão de malas prontas, o jornal O Globo fez um apanhado das novidades que devem bombar na temporada.
As apostas do verão incluem esportes ao ar livre, dicas de gastronomia, moda, passeios e festinhas. Algumas tendências já são velhas conhecidas dos paulistanos, como os ceviches, os drinks com jabuticaba e os óculos arredondados. Outras são tipicamente locais - blocos de rua, rodas de samba e ensaios de Carnaval são alguns exemplos. O BikeRio, projeto de aluguel de bicicletas similar ao de cidades como Paris e Barcelona, foi lançado em outubro e já tem estações espalhadas por toda a Zona Sul. Para sair pedalando, é preciso usar um cartão de crédito.
Com a retomada de espaços antes dominados pelo narcotráfico, áreas como Pavão-Pavãozinho, Rocinha e Vidigal se abrem para o mundo e entram no roteiro de diversão da cidade. Tem trilha para escalada, restaurante japonês, sessão de jazz e banquete de feijoada - a R$50 por pessoa, e mediante reserva. Tia Léa, que pilota as panelas, contou ao jornal que trabalha "como personal organizer, vulgo faxineira". Adorei essa!
As apostas do verão incluem esportes ao ar livre, dicas de gastronomia, moda, passeios e festinhas. Algumas tendências já são velhas conhecidas dos paulistanos, como os ceviches, os drinks com jabuticaba e os óculos arredondados. Outras são tipicamente locais - blocos de rua, rodas de samba e ensaios de Carnaval são alguns exemplos. O BikeRio, projeto de aluguel de bicicletas similar ao de cidades como Paris e Barcelona, foi lançado em outubro e já tem estações espalhadas por toda a Zona Sul. Para sair pedalando, é preciso usar um cartão de crédito.
Com a retomada de espaços antes dominados pelo narcotráfico, áreas como Pavão-Pavãozinho, Rocinha e Vidigal se abrem para o mundo e entram no roteiro de diversão da cidade. Tem trilha para escalada, restaurante japonês, sessão de jazz e banquete de feijoada - a R$50 por pessoa, e mediante reserva. Tia Léa, que pilota as panelas, contou ao jornal que trabalha "como personal organizer, vulgo faxineira". Adorei essa!
domingo, 18 de dezembro de 2011
Balada Mixta, uma festa sem preconceitos
Quando eu soube que a Balada Mixta faria sua última edição ever (na noite de ontem), não quis perder a chance de conhecer uma das mais faladas festas pop da cidade. Ela começou tímida, na Funhouse, e em 2 anos de vida chegou a atrair 1,5 mil pessoas, já no Espaço Emme. Cresceu tanto que os produtores decidiram parar, antes que a brincadeira perdesse a graça. Aproveitei o convite feito pela minha amiga Katylene, uma das 21 atrações que comandariam a maratona de 10 horas de jogação, e fui lá ver qual era o babado.
A cena com que me deparei não me convenceu logo de cara. Um exército de late teenagers de visual massificado - grandes golas V, listras horizontais, a inevitável camisa xadrez, óculos Wayfarer ou redondos e o eventual bigode "que faz a cabeça dos modernos" (zzzz) - requebrava ao som de... "Dança Juliana Dança". Achei tão surreal aquele monte de discípulos da revista Junior cair no pagodão que pensei que o entusiasmo era fake. Mera reprodução de alguma tendência tida como cool, espalhada pelas redes sociais como a modinha a ser seguida. Mais ou menos como a atriz da Globo que dança na pista vip do show de rock, aparentando amar a banda - mas, quando o repórter pergunta qual sua música preferida, gagueja e desconversa, porque só estava fingindo gostar daquilo.
Mas a vodca está aí para alterar convencimentos e derrubar preconceitos - os meus, no caso. Aos poucos, percebi que a animação das pessoas ao meu redor era genuína, por mais improvável que fosse a trilha sonora, e ninguém ali se levava muito a sério. "Tira a calça jeans, põe o fio dental!" Quando a Banda Uó subiu ao palco, confesso que torci o nariz para aqueles meninos que encarnavam todas as referências estéticas hipster de uma só vez. Quem me fez baixar a guarda foi "Rosa" - a impagável versão tecnobrega que eles fizeram para "Last Night", dos Strokes. Com direito a muita pinta no palco, é claro. Depois, Katylene assumiu as pickups e emendou Deborah Blando, "Mila", Katy Perry, Michel Teló e "Total Eclipse of The Heart". "Tira a roupa, se joga no chão e morre!", comandava, pelo microfone. A essa altura, eu já tinha assimilado o espírito da festa e me deixei levar.
É verdade que a testosterona do ambiente era zero: o clima era lúdico, inofensivo, com pouca gente se pegando. Aquele era um lugar de gente feliz. Quando revistas femininas como Nova propagam clichês do tipo "as baladas gays são os melhores lugares para dançar, eles são superdivertidos, você vai adorar", é em festas como essa que as leitoras deveriam se aventurar, e não nos megaclubes, onde a combinação de altas doses de hormônios, carão e aditivos produz um ambiente pesado, hostil e excludente.
A despedida da Balada Mixta iria até 8h, com café da manhã a partir das 6h, mas não aguentei ficar até o final. Quando meu fígado começou a cantar "assim você me mata", um cafuçu fofo de óculos geek me ajudou a pegar um táxi (sim, gente, na Balada Mixta até o cafuçu é hipster!) e voltei para casa, feliz por ter participado daquilo. Essa festa pode ter acabado, mas outras iniciativas parecidas certamente continuarão, porque existe um público imenso. Tem muita coisa nova e interessante acontecendo fora dos clubes gays de sempre. Nunca é tarde para rever velhos paradigmas e se abrir a outras possibilidades.
[Foto: Marcelo Fubah. Não levei minha câmera e, enquanto procurava na internet imagens da festa para usar no post, achei essa foto, de uma edição mais antiga, mas que transmite bem o clima divertido de ontem]
A cena com que me deparei não me convenceu logo de cara. Um exército de late teenagers de visual massificado - grandes golas V, listras horizontais, a inevitável camisa xadrez, óculos Wayfarer ou redondos e o eventual bigode "que faz a cabeça dos modernos" (zzzz) - requebrava ao som de... "Dança Juliana Dança". Achei tão surreal aquele monte de discípulos da revista Junior cair no pagodão que pensei que o entusiasmo era fake. Mera reprodução de alguma tendência tida como cool, espalhada pelas redes sociais como a modinha a ser seguida. Mais ou menos como a atriz da Globo que dança na pista vip do show de rock, aparentando amar a banda - mas, quando o repórter pergunta qual sua música preferida, gagueja e desconversa, porque só estava fingindo gostar daquilo.
Mas a vodca está aí para alterar convencimentos e derrubar preconceitos - os meus, no caso. Aos poucos, percebi que a animação das pessoas ao meu redor era genuína, por mais improvável que fosse a trilha sonora, e ninguém ali se levava muito a sério. "Tira a calça jeans, põe o fio dental!" Quando a Banda Uó subiu ao palco, confesso que torci o nariz para aqueles meninos que encarnavam todas as referências estéticas hipster de uma só vez. Quem me fez baixar a guarda foi "Rosa" - a impagável versão tecnobrega que eles fizeram para "Last Night", dos Strokes. Com direito a muita pinta no palco, é claro. Depois, Katylene assumiu as pickups e emendou Deborah Blando, "Mila", Katy Perry, Michel Teló e "Total Eclipse of The Heart". "Tira a roupa, se joga no chão e morre!", comandava, pelo microfone. A essa altura, eu já tinha assimilado o espírito da festa e me deixei levar.
É verdade que a testosterona do ambiente era zero: o clima era lúdico, inofensivo, com pouca gente se pegando. Aquele era um lugar de gente feliz. Quando revistas femininas como Nova propagam clichês do tipo "as baladas gays são os melhores lugares para dançar, eles são superdivertidos, você vai adorar", é em festas como essa que as leitoras deveriam se aventurar, e não nos megaclubes, onde a combinação de altas doses de hormônios, carão e aditivos produz um ambiente pesado, hostil e excludente.
A despedida da Balada Mixta iria até 8h, com café da manhã a partir das 6h, mas não aguentei ficar até o final. Quando meu fígado começou a cantar "assim você me mata", um cafuçu fofo de óculos geek me ajudou a pegar um táxi (sim, gente, na Balada Mixta até o cafuçu é hipster!) e voltei para casa, feliz por ter participado daquilo. Essa festa pode ter acabado, mas outras iniciativas parecidas certamente continuarão, porque existe um público imenso. Tem muita coisa nova e interessante acontecendo fora dos clubes gays de sempre. Nunca é tarde para rever velhos paradigmas e se abrir a outras possibilidades.
[Foto: Marcelo Fubah. Não levei minha câmera e, enquanto procurava na internet imagens da festa para usar no post, achei essa foto, de uma edição mais antiga, mas que transmite bem o clima divertido de ontem]
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
As tapas italianas do Bottagallo
Continuando a minha missão de investir em bares com boas comidinhas, neste mês fui conhecer o concorrido Bottagallo, no Itaim. Dos mesmos sócios do Astor, Pirajá e Original, o bar serve comida italiana em porções menores, como se fossem tapas. A ideia é que os convivas peçam e dividam vários pratos diferentes (com o cuidado de não perder o controle, senão a conta fica salgada). Chamei um amigo que não vive de dieta e mandamos ver.
Entre as porções, provamos o uovo guido (ovo empanado, mole por dentro, servido com creme de trufas, à esquerda na foto), as costelinhas suínas ao forno (bem gordas, como devem ser), o risoto de queijo burrata (supercremoso) e os nhoques dourados (passados no azeite, com cubos de tomate fresco, ricota e rúcula, perfeitos para o verão). Depois, pedimos dois pratos individuais: ele foi de pappardelle com ragu de costela bovina, e eu investi no tonarelli alla trapanese (espécie de espaguete com bordas quadradas, servido com queijo pecorino, amêndoas, manjericão, alho e tomate fresco).
Foi uma noite bem agradável. O lugar é aconchegante e os garçons, eficientes, explicavam as opções do cardápio com desenvoltura. Gostamos especialmente dos nhoques dourados (que também saem como prato individual) e do tonarelli alla trapanese. Se fosse menos barulhento, o Bottagallo seria confundido com um restaurante. Mas a graça do lugar é justamente essa: oferecer comida italiana sem a caretice de uma cantina. Em porções menores, intercaladas por excelentes caipiroskas, para você passar horas a fio conversando e, quem sabe, flertando com os maurícios e patrícias que enfeitam o ambiente.
[Foto: Revista ÉPOCA São Paulo]
Entre as porções, provamos o uovo guido (ovo empanado, mole por dentro, servido com creme de trufas, à esquerda na foto), as costelinhas suínas ao forno (bem gordas, como devem ser), o risoto de queijo burrata (supercremoso) e os nhoques dourados (passados no azeite, com cubos de tomate fresco, ricota e rúcula, perfeitos para o verão). Depois, pedimos dois pratos individuais: ele foi de pappardelle com ragu de costela bovina, e eu investi no tonarelli alla trapanese (espécie de espaguete com bordas quadradas, servido com queijo pecorino, amêndoas, manjericão, alho e tomate fresco).
Foi uma noite bem agradável. O lugar é aconchegante e os garçons, eficientes, explicavam as opções do cardápio com desenvoltura. Gostamos especialmente dos nhoques dourados (que também saem como prato individual) e do tonarelli alla trapanese. Se fosse menos barulhento, o Bottagallo seria confundido com um restaurante. Mas a graça do lugar é justamente essa: oferecer comida italiana sem a caretice de uma cantina. Em porções menores, intercaladas por excelentes caipiroskas, para você passar horas a fio conversando e, quem sabe, flertando com os maurícios e patrícias que enfeitam o ambiente.
[Foto: Revista ÉPOCA São Paulo]
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
Redescobrindo o Drosophyla
Não sei se é a idade ou apenas o momento que estou vivendo, mas tenho tido menos interesse em sair para dançar e mais vontade de descobrir novos bares, com ambiente aconchegante e sobretudo boas comidinhas. Enquanto não sobra tempo para conhecer lugares como o Suíte Savalas, tenho gostado de ir ao Drosophyla, um velho conhecido que andava meio esquecido no meu roteiro.
O bar fica escondido numa travessa entre a Consolação e a Bela Cintra, perto do Sonique. É um casarão antigo, com decoração kitsch e uma fauna eclética e bem friendly, sem afetação. As mesas do quintal são disputadas, mas eu gosto mesmo é dos sofás de couro da parte interna da casa, que aparecem na foto. Lugar para reunir meia dúzia de bons amigos e deixar a noite passar. E o melhor é que a cozinha tem opções bem interessantes.
Eu costumo abrir os trabalhos com uma das caipiroskas diferentonas do cardápio. Depois, emendo um penne oriental, que leva cubos de frango, shoyu, gengibre, cogumelos e abobrinha, e arremato com o sensacional pudim de ovomaltine, uma das sobremesas que mais chamaram minha atenção neste ano. Da última vez, apareci sozinho, só para jantar - coisa que eu dificilmente faço em um bar!
O bar fica escondido numa travessa entre a Consolação e a Bela Cintra, perto do Sonique. É um casarão antigo, com decoração kitsch e uma fauna eclética e bem friendly, sem afetação. As mesas do quintal são disputadas, mas eu gosto mesmo é dos sofás de couro da parte interna da casa, que aparecem na foto. Lugar para reunir meia dúzia de bons amigos e deixar a noite passar. E o melhor é que a cozinha tem opções bem interessantes.
Eu costumo abrir os trabalhos com uma das caipiroskas diferentonas do cardápio. Depois, emendo um penne oriental, que leva cubos de frango, shoyu, gengibre, cogumelos e abobrinha, e arremato com o sensacional pudim de ovomaltine, uma das sobremesas que mais chamaram minha atenção neste ano. Da última vez, apareci sozinho, só para jantar - coisa que eu dificilmente faço em um bar!
terça-feira, 15 de novembro de 2011
A salada sexual da Trip
Comportamento é um dos meus assuntos favoritos como jornalista e a Trip, uma das revistas que eu mais curto, depois da Época São Paulo. Assim, eu não pude deixar de comentar a última edição, a 204, dedicada à diversidade sexual. Mesmo já conhecendo a linha editorial deles, e sabendo que eu poderia esperar um olhar fresco e moderno, tive uma boa surpresa quando li a revista.
O que mais chamou minha atenção foi que eles não se limitaram a um olhar meramente gay. Em vez disso, foram a fundo no tema "diversidade" e trouxeram expressões menos óbvias da sexualidade, como o homem que só se relaciona afetivamente com travestis (como rotulá-lo? é mesmo preciso rotulá-lo?) e os artistas que viveram uma relação a três nos anos 70. Mesmo quando o assunto é homem com homem, a equipe foi além da estética mainstream do homem-malhado-consumista: falou com ursos, com surfistas, enfim, foi capaz de pensar pautas diferentes, não tão previsíveis. E ainda falou de psicanálise, da Nostro Mundo e até do Monza série especial do Clodovil.
Talvez a explicação disso esteja no fato de que eles não têm o olhar viciado de quem vive imerso nesse mundinho. Olhando de fora, conseguiram fazer uma representação menos chapada e homogênea do que a das revistas voltadas ao público gay. Mesmo não sendo parte da patota, eles deram conta de assuntos como o mundo bear sem gafes ou escorregões. E, melhor ainda, fizeram a ponte com um público diferente, afinal o leitor típico da Trip é heterossexual. Não tenho dúvidas de que essa revista ajudou a quebrar preconceitos, seja com a corajosa capa, uma das mais bonitas da história da publicação, seja com o dossiê homofobia, ilustrado com imagens contundentes. Pode não ser perfeita (as colunas das últimas páginas não mantiveram a relevância das reportagens), mas é um claro sinal de que as coisas estão mesmo melhorando para todos nós.
O que mais chamou minha atenção foi que eles não se limitaram a um olhar meramente gay. Em vez disso, foram a fundo no tema "diversidade" e trouxeram expressões menos óbvias da sexualidade, como o homem que só se relaciona afetivamente com travestis (como rotulá-lo? é mesmo preciso rotulá-lo?) e os artistas que viveram uma relação a três nos anos 70. Mesmo quando o assunto é homem com homem, a equipe foi além da estética mainstream do homem-malhado-consumista: falou com ursos, com surfistas, enfim, foi capaz de pensar pautas diferentes, não tão previsíveis. E ainda falou de psicanálise, da Nostro Mundo e até do Monza série especial do Clodovil.
Talvez a explicação disso esteja no fato de que eles não têm o olhar viciado de quem vive imerso nesse mundinho. Olhando de fora, conseguiram fazer uma representação menos chapada e homogênea do que a das revistas voltadas ao público gay. Mesmo não sendo parte da patota, eles deram conta de assuntos como o mundo bear sem gafes ou escorregões. E, melhor ainda, fizeram a ponte com um público diferente, afinal o leitor típico da Trip é heterossexual. Não tenho dúvidas de que essa revista ajudou a quebrar preconceitos, seja com a corajosa capa, uma das mais bonitas da história da publicação, seja com o dossiê homofobia, ilustrado com imagens contundentes. Pode não ser perfeita (as colunas das últimas páginas não mantiveram a relevância das reportagens), mas é um claro sinal de que as coisas estão mesmo melhorando para todos nós.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Oba, começou mais um Mix Brasil
Começa hoje em São Paulo a 19ª edição do Mix Brasil, o festival de cinema dedicado à diversidade sexual. Se hoje a sociedade ainda tem problemas para ver dois homens trocando carinhos na tela, nos primeiros anos do Mix as expressões artísticas da homossexualidade eram ainda mais underground. O festival ajudou a preencher essa lacuna, trazendo referências importantes para um público que começava a se reconhecer e construir sua identidade nos grandes centros urbanos.
De lá para cá, a mostra ganhou espaço e amadureceu, sem perder seu maior mérito, o de ser um panorama do vasto universo LGBT ao redor do mundo. Diferentes culturas, nacionalidades, tribos, épocas e estilos de vida ganham representação nas telas e nos lembram que existem muitas outras formas de viver, amar e se expressar. Nesta edição, chama atenção o grande número de filmes que retratam a transexualidade, ilustre desconhecida mesmo dentro do nosso meio. Outra novidade é que a programação passa a incluir peças teatrais, preparando o terreno para a transformação do Mix em algo mais amplo, um festival de cultura, o que deve acontecer em 2012.
E tem as festas, claro. Afinal, ferver com os amigos cinéfilos e conhecer gente nova é sempre divertido. Na abertura, daqui a pouco no The Society, quem marca presença é a dupla Arisa [foto], de Israel, que faz uns vídeos superdivertidos [como este, este e este] e é um dos ícones da cena gay de Tel-Aviv. Vale dar uma olhada nos clipes no YouTube - e encher os olhos com a beleza estarrecedora de Eliad Cohen, o bofão da direita, que tem lugar cativo no meu pódio de machos mais perfeitos do planeta.
A programação do festival, você encontra aqui.
De lá para cá, a mostra ganhou espaço e amadureceu, sem perder seu maior mérito, o de ser um panorama do vasto universo LGBT ao redor do mundo. Diferentes culturas, nacionalidades, tribos, épocas e estilos de vida ganham representação nas telas e nos lembram que existem muitas outras formas de viver, amar e se expressar. Nesta edição, chama atenção o grande número de filmes que retratam a transexualidade, ilustre desconhecida mesmo dentro do nosso meio. Outra novidade é que a programação passa a incluir peças teatrais, preparando o terreno para a transformação do Mix em algo mais amplo, um festival de cultura, o que deve acontecer em 2012.
E tem as festas, claro. Afinal, ferver com os amigos cinéfilos e conhecer gente nova é sempre divertido. Na abertura, daqui a pouco no The Society, quem marca presença é a dupla Arisa [foto], de Israel, que faz uns vídeos superdivertidos [como este, este e este] e é um dos ícones da cena gay de Tel-Aviv. Vale dar uma olhada nos clipes no YouTube - e encher os olhos com a beleza estarrecedora de Eliad Cohen, o bofão da direita, que tem lugar cativo no meu pódio de machos mais perfeitos do planeta.
A programação do festival, você encontra aqui.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Por uma universidade livre... da lei?
"A revolução na FFLCH (Faculdade de Fashionistas com Looks Copiados dos Hipsters) está próxima. Próxima de terminar. O perfil do novo revolucionário é bem definido: usando óculos escuros Gucci, moleton da Gap e “skinny jeans” da Ellus, eles pisam fundo — com seus tênis Nike — no acelerador de suas SUVs e Kia Souls para chegar ao campus de batalha. E as palavras de ordem contra o imperialismo não vêm de livros ou cartilhas marxistas. Agora, a revolução é tramada e tuitada direto de seus iPhones e iPads (e viva Steve Jobs!, já que a Microsoft está a serviço do imperialismo). Assim surgiu a “Gap Revolution”, uma rave que contou com vários patrocínios (e “paitrocínios” também).
Só que tudo tem limite. Após duas semanas de intensa batalha, os revolucionários estão cansados, sujos e mal alimentados (McDonald’s todo dia não dá, né?). Sim, chegou a hora de ir para casa. Lá tem banho quentinho, comida feita na hora e roupa lavada todo dia. Mas os nossos bravos lutadores que não esperem conforto no colinho da mamãe. Será praticamente impossível que escapem de umas belas palmadas e de um belo castigo ao chegarem em casa. Na reunião entre os pais dos alunos revolucionários, ficou decidido que todos os carros, iPhones e videogames serão confiscados e estão todos proibidos de ir para a balada, tuitar e atualizar o perfil do Facebook".
Não resisti à tentação de transcrever parte do post que foi publicado ontem em um blog de humor do Jornal da Tarde. Fiquei sabendo dele por uma colega de curso que o considerou "desnecessário" e de mau gosto. Ela estava indignada com a ofensiva da polícia para colocar fim à ocupação da reitoria da USP, hoje cedo: "Trezentos policiais para tirar 70 alunos?!" Não sei em que medida essa caricatura feita pelo post representa a realidade do aluno da FFLCH de hoje, mas vou aproveitar a deixa para dar meu pitaco sobre a confusão que se instalou nos últimos dias por lá.
Sou ex-aluno da USP e acho que a universidade tem que ser um território livre para a discussão de ideias e a manifestação política. Na época da ditadura, a infiltração da polícia nos campi inibia o debate e cerceava essa liberdade de pensamento. Qualquer aluno com a cabeça mais arejada corria o risco de ir parar nos porões do DOI-CODI - e alguns que foram nunca mais voltaram. Tantas invasões e ocupações violentas deixaram um trauma: hoje se abomina a ideia de que a PM faça qualquer tipo de intervenção no espaço universitário.
Só que tudo tem limite. Após duas semanas de intensa batalha, os revolucionários estão cansados, sujos e mal alimentados (McDonald’s todo dia não dá, né?). Sim, chegou a hora de ir para casa. Lá tem banho quentinho, comida feita na hora e roupa lavada todo dia. Mas os nossos bravos lutadores que não esperem conforto no colinho da mamãe. Será praticamente impossível que escapem de umas belas palmadas e de um belo castigo ao chegarem em casa. Na reunião entre os pais dos alunos revolucionários, ficou decidido que todos os carros, iPhones e videogames serão confiscados e estão todos proibidos de ir para a balada, tuitar e atualizar o perfil do Facebook".
Não resisti à tentação de transcrever parte do post que foi publicado ontem em um blog de humor do Jornal da Tarde. Fiquei sabendo dele por uma colega de curso que o considerou "desnecessário" e de mau gosto. Ela estava indignada com a ofensiva da polícia para colocar fim à ocupação da reitoria da USP, hoje cedo: "Trezentos policiais para tirar 70 alunos?!" Não sei em que medida essa caricatura feita pelo post representa a realidade do aluno da FFLCH de hoje, mas vou aproveitar a deixa para dar meu pitaco sobre a confusão que se instalou nos últimos dias por lá.
Sou ex-aluno da USP e acho que a universidade tem que ser um território livre para a discussão de ideias e a manifestação política. Na época da ditadura, a infiltração da polícia nos campi inibia o debate e cerceava essa liberdade de pensamento. Qualquer aluno com a cabeça mais arejada corria o risco de ir parar nos porões do DOI-CODI - e alguns que foram nunca mais voltaram. Tantas invasões e ocupações violentas deixaram um trauma: hoje se abomina a ideia de que a PM faça qualquer tipo de intervenção no espaço universitário.
Isso não significa, porém, que esse seja um espaço diferenciado, impenetrável, onde as leis que regem o resto da sociedade não têm validade. Os alunos da FFLCH se revoltaram porque alguns deles consumiram maconha no campus e foram reprimidos pela PM. Em outras palavras, a molecada queria ter um salvoconduto para fumar seu bequezinho em paz, sem ser incomodada, sob o manto dessa pretensa "imunidade geográfica universitária".
Creio que existiu aí uma confusão de valores, ingênua ou mal intencionada. Sou defensor ferrenho da liberdade de pensamento, da autonomia universitária e também simpatizo com a descriminalização das drogas. A universidade é um lugar propício para esse debate. Mas não dá para querer "liberar geral", por conta própria, usando a USP como escudo. Por enquanto, o consumo de drogas ainda é um ilícito penal - e o papel da polícia é reprimir a prática de crimes, seja na favela dos pobres, seja na faculdade dos ricos. Encapuzados como delinquentes, os alunos da FFLCH ocuparam a reitoria, depredaram o que viram pela frente, peitaram a polícia e ainda acharam ruim quando ela se impôs e deu a última palavra. Mas o que seria de uma sociedade em que a polícia não consegue dar a última palavra diante de um bando de adolescentes que cometem um delito? Se no resto do país não pode, por que ali pode? Por acaso os colegas uspianos são cidadãos diferenciados?
É uma pena que a juventude bolchevique do Butantã não consiga direcionar sua fome de revolução e engajamento para causas mais amplas que o baseadinho de cada dia.
[UPDATE: Como o assunto continua rendendo, tenho lido outras opiniões sobre o caso e me deparei com textos que expõem outros lados da questão, e que nem sempre chegam aos ouvidos da opinião pública, como os excessos cometidos pelos policiais e a crise política dentro da USP. Este, este, este, este e este são alguns exemplos, cada um em uma direção bem diferente. São contrapontos interessantes que enriquecem o debate].
Creio que existiu aí uma confusão de valores, ingênua ou mal intencionada. Sou defensor ferrenho da liberdade de pensamento, da autonomia universitária e também simpatizo com a descriminalização das drogas. A universidade é um lugar propício para esse debate. Mas não dá para querer "liberar geral", por conta própria, usando a USP como escudo. Por enquanto, o consumo de drogas ainda é um ilícito penal - e o papel da polícia é reprimir a prática de crimes, seja na favela dos pobres, seja na faculdade dos ricos. Encapuzados como delinquentes, os alunos da FFLCH ocuparam a reitoria, depredaram o que viram pela frente, peitaram a polícia e ainda acharam ruim quando ela se impôs e deu a última palavra. Mas o que seria de uma sociedade em que a polícia não consegue dar a última palavra diante de um bando de adolescentes que cometem um delito? Se no resto do país não pode, por que ali pode? Por acaso os colegas uspianos são cidadãos diferenciados?
É uma pena que a juventude bolchevique do Butantã não consiga direcionar sua fome de revolução e engajamento para causas mais amplas que o baseadinho de cada dia.
[UPDATE: Como o assunto continua rendendo, tenho lido outras opiniões sobre o caso e me deparei com textos que expõem outros lados da questão, e que nem sempre chegam aos ouvidos da opinião pública, como os excessos cometidos pelos policiais e a crise política dentro da USP. Este, este, este, este e este são alguns exemplos, cada um em uma direção bem diferente. São contrapontos interessantes que enriquecem o debate].
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Minha primeira matéria publicada
Hoje tive minha primeira reportagem publicada no Estadão. E já comecei escrevendo sobre algo de que gosto muito: comida. Quando estive em Santa Cruz do Sul, descobri que a cidade estava criando um selo de origem para as suas cucas. Para quem não sabe, a cuca é uma espécie de pão doce de origem alemã, muito comum na região Sul do Brasil. Achei que a ideia de uma "cuca D.O.C." poderia render uma boa pauta. Fiz um texto mais conciso para o Curso, e fui conversar com o pessoal do Paladar, o caderno de gastronomia do jornal. Eles se interessaram. Expandi a minha apuração sobre as cucas, falei com outras fontes dentro e fora de Santa Cruz do Sul e fiz um segundo texto, dividido em retrancas, com uma pegada mais próxima à do suplemento, que tem um certo "molho" de revista. A matéria ganhou a capa e ocupa as duas páginas centrais do caderno - os meus textos estão na página P4. Pena que meu nome não pôde aparecer: a coordenação do Curso proíbe os focas de assinarem as reportagens publicadas no jornal. Mesmo assim, estou feliz. Mais um pequeno passo da minha nova carreira! [Quem não estiver com o jornal impresso por perto pode ler a matéria no site do Paladar, aqui]
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
O panda dos trópicos
Se o bom jornalista é aquele movido pela curiosidade, nosso personagem já tem a bagagem necessária para se dar bem. Com o frescor de quem acabou de sair do banho, ele é um rapaz aberto para o diferente e pronto para o que der e vier. Quer conhecer o mundo – e todo mundo. Aterrissa em um círculo social novo e logo trata de colocar suas asas para fora. Faz contatos, dispara flechadas, mostra seu lado brincalhão e conquista a simpatia de todos.
Ele não tem tempo para perder com sentimentos ruins. Passa por cima dos defeitos alheios; prefere tentar descobrir o que cada um tem de melhor. Talvez seja esse o segredo da sua expressão quase plácida, capaz de neutralizar o tédio, o cansaço, a irritação e mesmo a indiferença. Em qualquer situação, está sempre se divertindo. Quando o assunto lhe agrada, seu rosto se acende e ele abre um sorriso cheio de dentes muito alvos, numa explosão de entusiasmo à qual é difícil resistir.
O rosto arredondado sugere pureza e bondade. A pele em tom de cappuccino é coberta por uma barba malfeita, que confere um toque rústico ao que seria um semblante quase infantil. Esse urso panda dos trópicos tem uma cabeça esperta, inquieta, que funciona a mil por hora. Nela, real e virtual se cruzam, rendendo mil referências, pontes e conexões. De fora do cardápio, ficam apenas as velhas verdades e o senso comum.
Enquanto pensa onde quer chegar, vai vivendo com a liberdade e o desprendimento que tanto preza. Tudo é permitido e nenhuma possibilidade precisa ser descartada. A mochila vai sempre nas costas e contém todo o necessário para uma mudança inesperada de rota. Dentro de si, ele carrega uma doçura sem par. Fala baixinho, semeia gentileza, preocupa-se com o próximo, ajuda os colegas a ficarem bem. Quando conversa comigo, ele elogia o meu bom gosto, ri das minhas tiradas e faz com que eu me sinta uma pessoa especial. Não é de se admirar. Visto pelos seus olhos brilhantes, o mundo inteiro se torna um pouquinho menos ordinário.
*Atendendo ao pedido de um leitor, publico aqui o retrato que fiz de Davi Lira, meu amigo pernambucano do Curso do Estadão. A proposta era que cada aluno descrevesse um colega, sem identificá-lo.
Ele não tem tempo para perder com sentimentos ruins. Passa por cima dos defeitos alheios; prefere tentar descobrir o que cada um tem de melhor. Talvez seja esse o segredo da sua expressão quase plácida, capaz de neutralizar o tédio, o cansaço, a irritação e mesmo a indiferença. Em qualquer situação, está sempre se divertindo. Quando o assunto lhe agrada, seu rosto se acende e ele abre um sorriso cheio de dentes muito alvos, numa explosão de entusiasmo à qual é difícil resistir.
O rosto arredondado sugere pureza e bondade. A pele em tom de cappuccino é coberta por uma barba malfeita, que confere um toque rústico ao que seria um semblante quase infantil. Esse urso panda dos trópicos tem uma cabeça esperta, inquieta, que funciona a mil por hora. Nela, real e virtual se cruzam, rendendo mil referências, pontes e conexões. De fora do cardápio, ficam apenas as velhas verdades e o senso comum.
Enquanto pensa onde quer chegar, vai vivendo com a liberdade e o desprendimento que tanto preza. Tudo é permitido e nenhuma possibilidade precisa ser descartada. A mochila vai sempre nas costas e contém todo o necessário para uma mudança inesperada de rota. Dentro de si, ele carrega uma doçura sem par. Fala baixinho, semeia gentileza, preocupa-se com o próximo, ajuda os colegas a ficarem bem. Quando conversa comigo, ele elogia o meu bom gosto, ri das minhas tiradas e faz com que eu me sinta uma pessoa especial. Não é de se admirar. Visto pelos seus olhos brilhantes, o mundo inteiro se torna um pouquinho menos ordinário.
*Atendendo ao pedido de um leitor, publico aqui o retrato que fiz de Davi Lira, meu amigo pernambucano do Curso do Estadão. A proposta era que cada aluno descrevesse um colega, sem identificá-lo.
domingo, 23 de outubro de 2011
Fumaça boa e fumaça ruim
Eu e meus colegas do Estadão passamos a semana no interior do Rio Grande do Sul. Um dos patrocinadores do nosso curso é uma multinacional do ramo fumageiro e mantém ali seu parque industrial, que fomos visitar. Tivemos a oportunidade de conhecer de perto todas as etapas do processo de produção de cigarros e pudemos conversar com representantes dos diversos elos da cadeia, desde a família de agricultores de olhos azuis que mantém uma plantação de fumo até os sindicatos e associações que cuidam dos interesses do setor.
Como era de se esperar, fomos bombardeados com argumentos em defesa do cigarro e de sua indústria. Chamaram nossa atenção para a função social da atividade, que dá trabalho e garante a subsistência de milhares de pessoas. Garante a compra do tabaco produzido, remunera muito bem e dá um bom padrão de vida aos agricultores. Propicia a inserção social, exigindo que eles e seus filhos frequentem a escola. Coíbe o trabalho infantil. Zela pelo meio-ambiente e estimula a produção sustentável. Direciona seu produto apenas a adultos, maiores de 18 anos. Gera uma receita tributária formidável para os cofres do País. Tudo isso, nós ouvimos da boca daqueles orgulhosos defensores do tabaco (a maior parte deles não fumante, mas ok, abafa o caso).
Tento não ser maniqueísta em relação ao tema. Não ignoro que existe uma boa parcela de demagogia naquele discurso pronto, que tem preocupações muito mais econômicas do que sociais. Mas também reconheço que ninguém é obrigado a aderir ao cigarro - quem começou a fumar o fez porque quis, sabendo do perigo do vício, sobretudo de 30 anos para cá, quando já havia informação suficiente nesse sentido. São escolhas que não me cabe julgar. Além disso, ao proibir o fumo em lugares públicos fechados, a nova legislação tende a reduzir os malefícios à esfera individual, protegendo a saúde daqueles que fazem parte do convívio do fumante.
O que me intrigou foi outra coisa. Todos os argumentos do segundo parágrafo, usados para mostrar por A+B que o cigarro era socialmente defensável, também poderiam ser perfeitamente aplicados à exploração do cultivo da maconha - da geração de empregos à coleta de impostos. No entanto, a maconha ainda é proibida. Questão de saúde? Ora, a letalidade do cigarro é bem maior, e isso não detém o governo, para quem a arrecadação fiscal justifica até os gastos com a saúde dos fumantes. Por que a mesma lógica não vale para a maconha, inclusive com a possibilidade de empregar as receitas obtidas com a tributação em políticas públicas de saúde? Dois pesos e duas medidas? Por uma questão de coerência, ou se legaliza a maconha, ou se proíbe o cigarro. Esse é um exemplo claro de como decisões políticas podem ser pouco racionais e absolutamente incongruentes.
Como era de se esperar, fomos bombardeados com argumentos em defesa do cigarro e de sua indústria. Chamaram nossa atenção para a função social da atividade, que dá trabalho e garante a subsistência de milhares de pessoas. Garante a compra do tabaco produzido, remunera muito bem e dá um bom padrão de vida aos agricultores. Propicia a inserção social, exigindo que eles e seus filhos frequentem a escola. Coíbe o trabalho infantil. Zela pelo meio-ambiente e estimula a produção sustentável. Direciona seu produto apenas a adultos, maiores de 18 anos. Gera uma receita tributária formidável para os cofres do País. Tudo isso, nós ouvimos da boca daqueles orgulhosos defensores do tabaco (a maior parte deles não fumante, mas ok, abafa o caso).
Tento não ser maniqueísta em relação ao tema. Não ignoro que existe uma boa parcela de demagogia naquele discurso pronto, que tem preocupações muito mais econômicas do que sociais. Mas também reconheço que ninguém é obrigado a aderir ao cigarro - quem começou a fumar o fez porque quis, sabendo do perigo do vício, sobretudo de 30 anos para cá, quando já havia informação suficiente nesse sentido. São escolhas que não me cabe julgar. Além disso, ao proibir o fumo em lugares públicos fechados, a nova legislação tende a reduzir os malefícios à esfera individual, protegendo a saúde daqueles que fazem parte do convívio do fumante.
O que me intrigou foi outra coisa. Todos os argumentos do segundo parágrafo, usados para mostrar por A+B que o cigarro era socialmente defensável, também poderiam ser perfeitamente aplicados à exploração do cultivo da maconha - da geração de empregos à coleta de impostos. No entanto, a maconha ainda é proibida. Questão de saúde? Ora, a letalidade do cigarro é bem maior, e isso não detém o governo, para quem a arrecadação fiscal justifica até os gastos com a saúde dos fumantes. Por que a mesma lógica não vale para a maconha, inclusive com a possibilidade de empregar as receitas obtidas com a tributação em políticas públicas de saúde? Dois pesos e duas medidas? Por uma questão de coerência, ou se legaliza a maconha, ou se proíbe o cigarro. Esse é um exemplo claro de como decisões políticas podem ser pouco racionais e absolutamente incongruentes.
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Thiago Lasco, por Talita Duvanel*
Já parecia um veterano naquela quinta-feira, quando o vi pela primeira vez. Ele explicava a outra candidata como chegar aqui no Estadão. A moça não virou Foca, mas descobriu o melhor trajeto para o jornal. Quem sabe ano que vem eles se encontrem de novo; veteranos sempre recebem novatos.
Notei 33 anos naquele rosto maduro com uma barba desenhada, cabeça quase nua, com apenas poucos cabelos claros. Ingenuamente, achei que se tratava de alguém que participaria da seleção junto com o coordenador do curso. Preconceito achar que é preciso ter 20 anos para arriscar.
Duas semanas depois, estávamos juntos de novo. Entre neo-adultos de vinte e poucos anos, ele trouxe na mochila duas faculdades, um registro na OAB, um conhecimento incrível sobre meios de transporte de São Paulo (e do meu Rio de Janeiro também), além de um guia mental de restaurantes das duas cidades. Para mim, muita sorte. Ganhei um professor.
- É só pegar o ônibus X, descer no ponto Y e andar até Z. Talita, eu entendi o que você quis dizer, mas essa gíria não é usada aqui. Aquela sorveteria perto da sua casa tem um dos melhores sorvetes da cidade, viu?
Morro de saudade quando ele fala com carinho (e propriedade!) da minha terra. Nunca esquecerei o dia de uma palestra sonolenta em que me cutucou e mostrou um papel recheado de bairros do Rio, aqueles que a gente costuma desconfiar que nem Deus lembra. A sua carioquice latente me disse, naquele momento, que no fundo eu estava perto de casa e dos amigos que deixei.
Ele prova a mim e aos outros 28 que aquela história contada no primeiro dia sobre direito, atropelamento, mudança e jornalismo dá lide.
E o resto da matéria, ele vem nos contando a cada dia.
Notei 33 anos naquele rosto maduro com uma barba desenhada, cabeça quase nua, com apenas poucos cabelos claros. Ingenuamente, achei que se tratava de alguém que participaria da seleção junto com o coordenador do curso. Preconceito achar que é preciso ter 20 anos para arriscar.
Duas semanas depois, estávamos juntos de novo. Entre neo-adultos de vinte e poucos anos, ele trouxe na mochila duas faculdades, um registro na OAB, um conhecimento incrível sobre meios de transporte de São Paulo (e do meu Rio de Janeiro também), além de um guia mental de restaurantes das duas cidades. Para mim, muita sorte. Ganhei um professor.
- É só pegar o ônibus X, descer no ponto Y e andar até Z. Talita, eu entendi o que você quis dizer, mas essa gíria não é usada aqui. Aquela sorveteria perto da sua casa tem um dos melhores sorvetes da cidade, viu?
Morro de saudade quando ele fala com carinho (e propriedade!) da minha terra. Nunca esquecerei o dia de uma palestra sonolenta em que me cutucou e mostrou um papel recheado de bairros do Rio, aqueles que a gente costuma desconfiar que nem Deus lembra. A sua carioquice latente me disse, naquele momento, que no fundo eu estava perto de casa e dos amigos que deixei.
Ele prova a mim e aos outros 28 que aquela história contada no primeiro dia sobre direito, atropelamento, mudança e jornalismo dá lide.
E o resto da matéria, ele vem nos contando a cada dia.
Talita Duvanel, 25 anos, jornalista carioca, veio a São Paulo para o 22º Curso Estado de Jornalismo. Quando tivemos que fazer o retrato de um colega de classe, ela me escolheu. Fiquei honrado!
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Mustang (e o novo cada vez mais menos novo)
Os rapazes da foto são a dupla belga Mustang, minha paixão eletrônica do momento. O caldeirão deles mistura house music com disco, italo house e electropop. [No Soundcloud, dá para ouvir e baixar várias mixtapes deles - minhas favoritas são as de maio, julho e agosto deste ano]. E eles não estão sozinhos nessa onda. De uns 2 anos pra cá, depois de uma época fria e minimalista, tem sido forte nas pistas o resgate de elementos da disco music, bases à la Giorgio Moroder, linhas de baixo e vocais, deixando o resultado mais "orgânico" e, por que não, acessível. Na mesma linha vai o produtor Aeroplane, outro belga que também frequenta o meu iPod.
Quando compartilhei o som do Mustang no Facebook, um grande amigo meu ouviu e não gostou. "Não vi nada de novidade ou inusitado. Parece um revival do que eu ouvia em Miami, Nova York e até mesmo no Rio de Janeiro nos anos 90! O som é datado". Respeitei a opinião dele, mas argumentei que a música, assim como a moda, passa por ciclos, em que são explorados elementos de períodos específicos. Com esse resgate da disco, o resultado inevitavelmente soa familiar e até meio datado, mas isso não precisa ser um demérito. Mesmo fora da eletrônica, o pop relê o passado e requenta referências o tempo todo. "One Night Stand", do Hot Chip, lembra Devo. "Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)" do Arcade Fire é "Heart of Glass" do Blondie, sem tirar nem pôr. E o que dizer de Amy Winehouse, Adele e Duffy? Poderiam ter sido lançadas 50 anos atrás!
Sobre esse assunto, vale a pena ler uma matéria escrita pelo André Barcinski na Folha, há algumas semanas. Ele conversou com o crítico musical britânico Simon Reynolds, autor do livro Retromania - Pop Culture's Addiction to its Own Past, que examina por que tanta música nova parece cópia de música mais antiga. Reynolds constata que todo grande movimento cultural se inspira em alguma manifestação do passado, mas os artistas atuais estão buscando suas referências num passado cada vez mais próximo. Ele acha que isso é um sinal dos novos tempos, em que a música passou a ter uma importância secundária na vida das pessoas. Antigamente, ela era mais valorizada; hoje, com o acesso gratuito pela internet, ela virou mero pano de fundo para as atividades do cotidiano. Isso teria dado origem a uma vivência musical mais dispersa e bem menos criativa.
Quando compartilhei o som do Mustang no Facebook, um grande amigo meu ouviu e não gostou. "Não vi nada de novidade ou inusitado. Parece um revival do que eu ouvia em Miami, Nova York e até mesmo no Rio de Janeiro nos anos 90! O som é datado". Respeitei a opinião dele, mas argumentei que a música, assim como a moda, passa por ciclos, em que são explorados elementos de períodos específicos. Com esse resgate da disco, o resultado inevitavelmente soa familiar e até meio datado, mas isso não precisa ser um demérito. Mesmo fora da eletrônica, o pop relê o passado e requenta referências o tempo todo. "One Night Stand", do Hot Chip, lembra Devo. "Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)" do Arcade Fire é "Heart of Glass" do Blondie, sem tirar nem pôr. E o que dizer de Amy Winehouse, Adele e Duffy? Poderiam ter sido lançadas 50 anos atrás!
Sobre esse assunto, vale a pena ler uma matéria escrita pelo André Barcinski na Folha, há algumas semanas. Ele conversou com o crítico musical britânico Simon Reynolds, autor do livro Retromania - Pop Culture's Addiction to its Own Past, que examina por que tanta música nova parece cópia de música mais antiga. Reynolds constata que todo grande movimento cultural se inspira em alguma manifestação do passado, mas os artistas atuais estão buscando suas referências num passado cada vez mais próximo. Ele acha que isso é um sinal dos novos tempos, em que a música passou a ter uma importância secundária na vida das pessoas. Antigamente, ela era mais valorizada; hoje, com o acesso gratuito pela internet, ela virou mero pano de fundo para as atividades do cotidiano. Isso teria dado origem a uma vivência musical mais dispersa e bem menos criativa.
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Webjet: o pau-de-arara dos ares
Com a aprovação da Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC), a compra da Webjet pela Gol está próxima de se concretizar. Falta apenas o aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que deve ser dado nos próximos dias (o acordo deveria ter saído no dia 5, mas foi adiado). Com isso, espera-se que a Gol ocupe os slots (posições) da Webjet nos aeroportos e tire a marca de circulação.
Quando o anúncio da aquisição foi feito, no dia último 8 de julho, minha primeira reação foi lamentar. Afinal, com uma rival a menos no jogo, a competição de preços diminui e quem perde é o consumidor. Mas depois disso usei a Webjet algumas vezes, e fui obrigado a mudar de opinião.
Lembram da Webjet que eu descrevi aqui? Com pontualidade, poltronas confortáveis e até brownie com calda de chocolate? Esqueçam tudo o que eu disse: a empresa está irreconhecível. Para começar, nas transações feitas pelo site, eles tentam fazer venda casada de seguro com a passagem, prática proibida por lei. Se quiser escolher seu assento, terá de pagar uma taxa extra (!).
No aeroporto, a impressão é ainda pior. O atraso nos voos é recorrente e pode passar de uma hora e meia, sem que seja dada qualquer satisfação aos passageiros. Dentro do avião, eles espremeram mais fileiras de assentos, então não há mais espaço para os joelhos. E, horror dos horrores: eles removeram o sistema de inclinação de todas as poltronas de todas as aeronaves! Ou seja, você passa o voo inteiro apertado e com o tronco reto. Ah, até água e refrigerante são cobrados à parte.
Minhas últimas experiências foram tão traumáticas que prometi a mim mesmo que só voltaria a voar de Webjet em caso de emergência. Por isso, espero mesmo que a Gol engula logo a Webjet e tire de circulação esses paus-de-arara alados. A única coisa que não pode acontecer é a Gol nivelar a qualidade por baixo. O encosto das poltronas da classe econômica nunca reclinou grande coisa, mas sem poder deitar 15 graus que sejam a viagem fica muito, muito pior. Não pretendo passar por isso nunca mais.
Quando o anúncio da aquisição foi feito, no dia último 8 de julho, minha primeira reação foi lamentar. Afinal, com uma rival a menos no jogo, a competição de preços diminui e quem perde é o consumidor. Mas depois disso usei a Webjet algumas vezes, e fui obrigado a mudar de opinião.
Lembram da Webjet que eu descrevi aqui? Com pontualidade, poltronas confortáveis e até brownie com calda de chocolate? Esqueçam tudo o que eu disse: a empresa está irreconhecível. Para começar, nas transações feitas pelo site, eles tentam fazer venda casada de seguro com a passagem, prática proibida por lei. Se quiser escolher seu assento, terá de pagar uma taxa extra (!).
No aeroporto, a impressão é ainda pior. O atraso nos voos é recorrente e pode passar de uma hora e meia, sem que seja dada qualquer satisfação aos passageiros. Dentro do avião, eles espremeram mais fileiras de assentos, então não há mais espaço para os joelhos. E, horror dos horrores: eles removeram o sistema de inclinação de todas as poltronas de todas as aeronaves! Ou seja, você passa o voo inteiro apertado e com o tronco reto. Ah, até água e refrigerante são cobrados à parte.
Minhas últimas experiências foram tão traumáticas que prometi a mim mesmo que só voltaria a voar de Webjet em caso de emergência. Por isso, espero mesmo que a Gol engula logo a Webjet e tire de circulação esses paus-de-arara alados. A única coisa que não pode acontecer é a Gol nivelar a qualidade por baixo. O encosto das poltronas da classe econômica nunca reclinou grande coisa, mas sem poder deitar 15 graus que sejam a viagem fica muito, muito pior. Não pretendo passar por isso nunca mais.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Elogio ao acaso
Tirei a noite de ontem para ver dois filmes argentinos, Um Conto Chinês e Medianeras, cada um deles bonitinho à sua maneira. As histórias são bastante diferentes entre si, mas trazem um denominador comum: brincam com a questão do acaso, que aproxima pessoas, cruza seus caminhos - ou não.
No primeiro filme, um chinês está prestes a pedir sua amada em casamento, num barquinho típico no meio de um lago, quando uma vaca cai do céu (!?), muda tudo e ele vai parar em Buenos Aires, onde é roubado pelo táxi, termina na sarjeta e conhece o personagem vivido pelo onipresente Ricardo Darín. No segundo, um cara urbanóide-descolado mora no prédio em frente a uma garota urbanóide-descolada, eles têm tudo a ver e tudo para ficar juntos, só que não se conhecem e não sabem disso. Um argumento parecido com o do curta abaixo, que rodou a internet alguns anos atrás.
As duas histórias comportam interpretações que variam com a fé de cada um. Quem acredita no acaso certamente julgará que os personagens foram unidos por casualidades: a bovina calhou de cair do céu logo em cima daquele barquinho, e os pombinhos moderninhos foram entrar no chat justamente na mesma hora. Já quem acredita em destino poderá, tranquilamente, sustentar que as coisas "eram para ser" da maneira que foram, estava tudo escrito.
Saí do cinema ainda mais confuso e indeciso, sem saber em que acredito. Às vezes acho que sou totalmente dono do meu futuro, que tenho milhares de bifurcações diante do meu nariz e o dom de mudar meu caminho a cada nova escolha. Outras, sinto que as bifurcações existem, mas desde o começo já estava escrito quais direções eu iria tomar e onde iria chegar. Seja lá como for, a ignorância parece ser uma bênção. Já quis muito saber como será o amanhã; hoje, acho que sofro menos vivendo um dia de cada vez, fazendo menos planos longos e deixando a vida me levar. Já tenho coisas suficientes para lidar no presente, sem saber o meu futuro.
No primeiro filme, um chinês está prestes a pedir sua amada em casamento, num barquinho típico no meio de um lago, quando uma vaca cai do céu (!?), muda tudo e ele vai parar em Buenos Aires, onde é roubado pelo táxi, termina na sarjeta e conhece o personagem vivido pelo onipresente Ricardo Darín. No segundo, um cara urbanóide-descolado mora no prédio em frente a uma garota urbanóide-descolada, eles têm tudo a ver e tudo para ficar juntos, só que não se conhecem e não sabem disso. Um argumento parecido com o do curta abaixo, que rodou a internet alguns anos atrás.
As duas histórias comportam interpretações que variam com a fé de cada um. Quem acredita no acaso certamente julgará que os personagens foram unidos por casualidades: a bovina calhou de cair do céu logo em cima daquele barquinho, e os pombinhos moderninhos foram entrar no chat justamente na mesma hora. Já quem acredita em destino poderá, tranquilamente, sustentar que as coisas "eram para ser" da maneira que foram, estava tudo escrito.
Saí do cinema ainda mais confuso e indeciso, sem saber em que acredito. Às vezes acho que sou totalmente dono do meu futuro, que tenho milhares de bifurcações diante do meu nariz e o dom de mudar meu caminho a cada nova escolha. Outras, sinto que as bifurcações existem, mas desde o começo já estava escrito quais direções eu iria tomar e onde iria chegar. Seja lá como for, a ignorância parece ser uma bênção. Já quis muito saber como será o amanhã; hoje, acho que sofro menos vivendo um dia de cada vez, fazendo menos planos longos e deixando a vida me levar. Já tenho coisas suficientes para lidar no presente, sem saber o meu futuro.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Rapidinhas gastronômicas
BUTCHER'S MARKET [foto] O segmento de hamburguerias diferenciadas está cada vez mais concorrido em SP. A novidade do pedaço é essa casa, com jeitão de bar e acabamento falsamente rústico, com tijolos aparentes e decoração dentro do tema "açougue". É pequeno e está na moda, ou seja, a espera é inevitável. Testei o mushroom burger, que custa R$27 - sem batatas fritas, pagas à parte. O hambúrguer veio no ponto pedido (gosto da carne realmente malpassada), mas sem sal; por cima, uma fatia de queijo quase desonesta de tão fina, e cogumelos apenas cozidos, sem qualquer tempero. Pelo preço praticado, deveria ser bem melhor. Onde: Rua Bandeira Paulista, 164, Itaim.
COSÍ Escondido em uma rua improvável de Santa Cecília, tem fachada envidraçada e ambiente clean, mas aconchegante. O cardápio, curto, apresenta massas, carnes e risotos, com roupagem contemporânea. Adorei os raviólis de pupunha com creme de limão e camarão - massa delicada, molho leve, recheio surpreendentemente interessante (não sou lá muito chegado em palmito) e camarões carnudos. Gostei tanto que pedi uma segunda porção. A casa abriu recentemente uma filial na Vila Nova Conceição, com preços 20% mais caros. Onde: Rua Barão de Tatuí, 302, Santa Cecília.
PIAZZA 36 Quem trabalha ou circula pelo centro velho da cidade tem poucas opções charmosas para o almoço. Faltam lugares que preencham o hiato entre os quilos populares e os restaurantes mais tradicionais, caros para o dia-a-dia. Esta casa fica no meio do caminho: por um preço fixo (R$49 por pessoa) oferece uma convidativa de mesa de saladas, antepastos e petiscos, e mais dois pratos quentes por dia - normalmente uma massa e um risoto, que podem ser acompanhados por um grelhado. Tudo bem apresentado e gostoso. Onde: Praça da República, 36, Centro (fica na esquina da Rua Basílio da Gama).
NOU Uma graça esse lugar! Casa pequena, com cara de residência adaptada e algumas mesas no quintal, na parte mais tranquila de Pinheiros. O cardápio segue uma linha até trivial, mas com pitadas de bossa. Um exemplo bem ilustrativo é o bife à milanesa, empanado numa macia crosta de pão e acompanhado por um risoto de limão-siciliano de delicado perfume. Durante a semana, serve almoço executivo a R$27,90 - as opções do dia, escritas numa lousa, incluem truta com linguini ao pesto de rúcula e medalhão ao gorgonzola com batata rösti. Onde: Rua Ferreira de Araújo, 419, Pinheiros.
FIGO A poucos passos do Parque do Ibirapuera, esse restaurante bonitinho é outro que segue a linha contemporânea, com pratos como a fraldinha na cerveja com cebola caramelizada e o camarão thai ao curry, com leite de coco, abacaxi e arroz de jasmim. As mesas mais disputadas ficam numa espécie de varanda coberta, na frente da casa. Muito simpática, a chef passa pelas mesas para saber se a comida agradou. Onde: Rua Diogo Jácome, 372, Vila Nova Conceição.
[Foto: Fernando Moraes/VEJA]
COSÍ Escondido em uma rua improvável de Santa Cecília, tem fachada envidraçada e ambiente clean, mas aconchegante. O cardápio, curto, apresenta massas, carnes e risotos, com roupagem contemporânea. Adorei os raviólis de pupunha com creme de limão e camarão - massa delicada, molho leve, recheio surpreendentemente interessante (não sou lá muito chegado em palmito) e camarões carnudos. Gostei tanto que pedi uma segunda porção. A casa abriu recentemente uma filial na Vila Nova Conceição, com preços 20% mais caros. Onde: Rua Barão de Tatuí, 302, Santa Cecília.
PIAZZA 36 Quem trabalha ou circula pelo centro velho da cidade tem poucas opções charmosas para o almoço. Faltam lugares que preencham o hiato entre os quilos populares e os restaurantes mais tradicionais, caros para o dia-a-dia. Esta casa fica no meio do caminho: por um preço fixo (R$49 por pessoa) oferece uma convidativa de mesa de saladas, antepastos e petiscos, e mais dois pratos quentes por dia - normalmente uma massa e um risoto, que podem ser acompanhados por um grelhado. Tudo bem apresentado e gostoso. Onde: Praça da República, 36, Centro (fica na esquina da Rua Basílio da Gama).
NOU Uma graça esse lugar! Casa pequena, com cara de residência adaptada e algumas mesas no quintal, na parte mais tranquila de Pinheiros. O cardápio segue uma linha até trivial, mas com pitadas de bossa. Um exemplo bem ilustrativo é o bife à milanesa, empanado numa macia crosta de pão e acompanhado por um risoto de limão-siciliano de delicado perfume. Durante a semana, serve almoço executivo a R$27,90 - as opções do dia, escritas numa lousa, incluem truta com linguini ao pesto de rúcula e medalhão ao gorgonzola com batata rösti. Onde: Rua Ferreira de Araújo, 419, Pinheiros.
FIGO A poucos passos do Parque do Ibirapuera, esse restaurante bonitinho é outro que segue a linha contemporânea, com pratos como a fraldinha na cerveja com cebola caramelizada e o camarão thai ao curry, com leite de coco, abacaxi e arroz de jasmim. As mesas mais disputadas ficam numa espécie de varanda coberta, na frente da casa. Muito simpática, a chef passa pelas mesas para saber se a comida agradou. Onde: Rua Diogo Jácome, 372, Vila Nova Conceição.
[Foto: Fernando Moraes/VEJA]
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Chateaubriand, coerência e companhias
Ontem participei de uma entrevista coletiva com o José Nêumanne Pinto, jornalista e escritor que lançou em agosto o livro O que eu sei de Lula. A obra faz uma interpretação muito pessoal do processo de ascensão política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de aspectos insólitos colhidos nos bastidores - e, por isso, vem causando certo alvoroço no meio político. Ainda não li o livro, mas, nas entrevistas que tem feito, Nêumanne (que é uma figura!) acaba dando uma boa ideia do que se pode esperar da leitura - nesta aqui, por exemplo, ele deu várias declarações repetidas ontem diante de nossos bloquinhos e gravadores.
Nêumanne conhece Lula desde 1975 e acompanhou de camarote sua escalada política, desde as primeiras conquistas até a construção de sua figura mítica e intocável. Ele nutre sentimentos ambíguos pelo ex-presidente: ao mesmo tempo, acha o cara um gênio, "o maior político brasileiro de todos os tempos", "o maior self-made man da história do capitalismo" e também um grande picareta, por razões que comenta publicamente, mas talvez tenha preferido não registrar no livro. Mas não deixa de reconhecer, e até admirar, os méritos e predicados que ajudaram o metalúrgico a chegar onde chegou. Lula nunca teve hábitos de leitura, mas aprendeu rápido pelo ouvido, absorvendo o que lhe era dito. Tornou-se um excelente comunicador, falando a língua do outro. E subiu na vida apoiando-se sobretudo em sua vocação para conciliar.
"O Brasil teve grandes conciliadores, e Lula reúne as virtudes de todos eles. Ele tomava cachaça com dona Marisa num boteco em São Bernardo e conseguia unia correntes sindicais que não se bicavam”, recordou Nêumanne. “Foi o primeiro cara que uniu a esquerda", continuou, lembrando que depois Lula fez alianças até mesmo com as figuras políticas mais execráveis, como Collor e Sarney. Uma manobra desonrosa, em que Lula traiu a própria história? Curiosamente, Nêumanne não pensa assim, e se justifica com uma das pérolas de autoria do sujeito que ilustra este texto. "Já dizia Assis Chateaubriand: a coerência é a virtude dos imbecis". Ou seja, esperto foi Lula, que transitou e manobrou conforme a conveniência. Sabendo se adaptar ao meio, chegou mais longe. Depois da entrevista, interceptei Nêumanne na entrada do elevador e perguntei se ele considerava esse ensinamento válido em todas as esferas, incluindo a vida privada. "Claro que sim", respondeu, enquanto a porta se fechava.
Fiz um rápido retrospecto e concluí que minhas relações pessoais haviam sido pautadas justamente pela coerência. Sempre fui a mesma pessoa, nunca usei máscaras e nem mudei o discurso no meio do caminho. Quando me deparei com pessoas que agiram contra valores que eu considerava importantes, afastei-me delas. Também tesourei aqueles que só estavam disponíveis quando lhes interessava, ou que queriam apenas se aproveitar de mim. Sempre fiz questão de não me cercar de gente falsa, calhorda, parasita, interesseira, com quem eu não pudesse contar. Para mim, só fazia sentido ser coerente. Por outro lado, se puser as coisas dentro dessa lógica do Nêumanne, concluirei que eu fechei portas sem necessidade e me isolei, quando deveria ter feito o contrário: tirado proveito dos outros e feito alianças circunstanciais. Talvez um dia eu me arrependa disso. Hoje, eu ainda acho que, ao se cercar más companhias, a gente mais perde do que ganha. Quem dorme com cães acorda com pulgas.
Nêumanne conhece Lula desde 1975 e acompanhou de camarote sua escalada política, desde as primeiras conquistas até a construção de sua figura mítica e intocável. Ele nutre sentimentos ambíguos pelo ex-presidente: ao mesmo tempo, acha o cara um gênio, "o maior político brasileiro de todos os tempos", "o maior self-made man da história do capitalismo" e também um grande picareta, por razões que comenta publicamente, mas talvez tenha preferido não registrar no livro. Mas não deixa de reconhecer, e até admirar, os méritos e predicados que ajudaram o metalúrgico a chegar onde chegou. Lula nunca teve hábitos de leitura, mas aprendeu rápido pelo ouvido, absorvendo o que lhe era dito. Tornou-se um excelente comunicador, falando a língua do outro. E subiu na vida apoiando-se sobretudo em sua vocação para conciliar.
"O Brasil teve grandes conciliadores, e Lula reúne as virtudes de todos eles. Ele tomava cachaça com dona Marisa num boteco em São Bernardo e conseguia unia correntes sindicais que não se bicavam”, recordou Nêumanne. “Foi o primeiro cara que uniu a esquerda", continuou, lembrando que depois Lula fez alianças até mesmo com as figuras políticas mais execráveis, como Collor e Sarney. Uma manobra desonrosa, em que Lula traiu a própria história? Curiosamente, Nêumanne não pensa assim, e se justifica com uma das pérolas de autoria do sujeito que ilustra este texto. "Já dizia Assis Chateaubriand: a coerência é a virtude dos imbecis". Ou seja, esperto foi Lula, que transitou e manobrou conforme a conveniência. Sabendo se adaptar ao meio, chegou mais longe. Depois da entrevista, interceptei Nêumanne na entrada do elevador e perguntei se ele considerava esse ensinamento válido em todas as esferas, incluindo a vida privada. "Claro que sim", respondeu, enquanto a porta se fechava.
Fiz um rápido retrospecto e concluí que minhas relações pessoais haviam sido pautadas justamente pela coerência. Sempre fui a mesma pessoa, nunca usei máscaras e nem mudei o discurso no meio do caminho. Quando me deparei com pessoas que agiram contra valores que eu considerava importantes, afastei-me delas. Também tesourei aqueles que só estavam disponíveis quando lhes interessava, ou que queriam apenas se aproveitar de mim. Sempre fiz questão de não me cercar de gente falsa, calhorda, parasita, interesseira, com quem eu não pudesse contar. Para mim, só fazia sentido ser coerente. Por outro lado, se puser as coisas dentro dessa lógica do Nêumanne, concluirei que eu fechei portas sem necessidade e me isolei, quando deveria ter feito o contrário: tirado proveito dos outros e feito alianças circunstanciais. Talvez um dia eu me arrependa disso. Hoje, eu ainda acho que, ao se cercar más companhias, a gente mais perde do que ganha. Quem dorme com cães acorda com pulgas.
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
Créu ou crau
No segundo dia do Curso Estado de Jornalismo, logo cedo pela manhã, uma mulher entrou na sala dos focas, que já a aguardavam. Encheu os pulmões de ar, abriu a boca e desatou a falar, falar e falar. Emendava uma na outra, ágil, esperta, verborrágica. Aquela era uma carioca que dançava o créu na velocidade 5, e nunca perdia o rebolado. Diante daquela criatura tão agitada, fiquei entre perplexo e maravilhado. "Mas o que foi que deram para essa mulher tomar?". Estávamos tão interessados que a aula evaporou e metade do grupo cercou a coitada, que quase perdeu a hora de almoço. A mulher parecia incansável, e queríamos sugar todo o néctar dela.
Não tive dúvidas: aquela era uma típica representante da minha nova profissão. Reconheci nela algo muito familiar, tive a mesma sensação que já experimentara quando me metia em rodinhas de jornalistas, nos bares e festas da vida. Verdadeiras metralhadoras giratórias, eles tiravam da manga os assuntos mais variados e díspares, cruzavam mil referências, estavam sempre ligados em tudo, em uma vígilia constante do que se passava no mundo, na TV, nas bolsas de valores, nas paradas de sucesso. Perto deles, eu era uma ameba lenta e analógica, sem a menor condição de acompanhar aquele comboio supersônico frenético que era mezzo enciclopédia, mezzo anfetamina.
Aos poucos, acredito que o Curso nos deixará mais próximos desses seres elétricos. Não falo aqui de experiência ou conhecimento, que só virão com o tempo e as inevitáveis cabeçadas, mas de sintonia, velocidade, ritmo. Estamos no décimo sexto dia, e até agora não tivemos um único dia de descanso - quando não tem aula, tem pauta para bolar na rua e reportagem para fazer. E olha que a brincadeira mal começou. Quando entrarmos nas redações, e tivermos que conciliar também as demandas do trabalho, os plantões, aí sim entenderemos porque nossos veteranos são tão acelerados, e entraremos no mesmo esquema. Não tem outro jeito: é créu ou crau, afinal o tempo urge e o fechamento se aproxima.
E quem disse que os jornalistas não gostam? Filomena Salemme, papisa do rádio que veio nos fazer uma visita um dia desses, não quer outra coisa da vida. "Sabe quando a gente fica feliz? Quando muda tudo, e a gente tem que sair correndo. Amamos essa adrenalina!". O que eu acho de tudo isso? Quando eu era advogado, havia alguma reviravolta no processo e eu tinha que sair correndo para apagar o incêndio, confesso que eu não gostava muito, não. Agora que deixei para trás aquele mundo de mogno, mármore e carpete, no qual eu parecia congelado para sempre, tudo ganha um novo sentido. Sinto-me vivo outra vez, novas possibilidades estão se abrindo e vejo uma onda de excitação me contagiar. Se for preciso correr, então vam'bora! O Jornalismo, que parecia tão distante, está prestes a me tragar em seu redemoinho. Não parem o mundo, que eu não quero descer.
Não tive dúvidas: aquela era uma típica representante da minha nova profissão. Reconheci nela algo muito familiar, tive a mesma sensação que já experimentara quando me metia em rodinhas de jornalistas, nos bares e festas da vida. Verdadeiras metralhadoras giratórias, eles tiravam da manga os assuntos mais variados e díspares, cruzavam mil referências, estavam sempre ligados em tudo, em uma vígilia constante do que se passava no mundo, na TV, nas bolsas de valores, nas paradas de sucesso. Perto deles, eu era uma ameba lenta e analógica, sem a menor condição de acompanhar aquele comboio supersônico frenético que era mezzo enciclopédia, mezzo anfetamina.
Aos poucos, acredito que o Curso nos deixará mais próximos desses seres elétricos. Não falo aqui de experiência ou conhecimento, que só virão com o tempo e as inevitáveis cabeçadas, mas de sintonia, velocidade, ritmo. Estamos no décimo sexto dia, e até agora não tivemos um único dia de descanso - quando não tem aula, tem pauta para bolar na rua e reportagem para fazer. E olha que a brincadeira mal começou. Quando entrarmos nas redações, e tivermos que conciliar também as demandas do trabalho, os plantões, aí sim entenderemos porque nossos veteranos são tão acelerados, e entraremos no mesmo esquema. Não tem outro jeito: é créu ou crau, afinal o tempo urge e o fechamento se aproxima.
E quem disse que os jornalistas não gostam? Filomena Salemme, papisa do rádio que veio nos fazer uma visita um dia desses, não quer outra coisa da vida. "Sabe quando a gente fica feliz? Quando muda tudo, e a gente tem que sair correndo. Amamos essa adrenalina!". O que eu acho de tudo isso? Quando eu era advogado, havia alguma reviravolta no processo e eu tinha que sair correndo para apagar o incêndio, confesso que eu não gostava muito, não. Agora que deixei para trás aquele mundo de mogno, mármore e carpete, no qual eu parecia congelado para sempre, tudo ganha um novo sentido. Sinto-me vivo outra vez, novas possibilidades estão se abrindo e vejo uma onda de excitação me contagiar. Se for preciso correr, então vam'bora! O Jornalismo, que parecia tão distante, está prestes a me tragar em seu redemoinho. Não parem o mundo, que eu não quero descer.
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Uma questão de tato
Uma das coisas que mais chamaram a minha atenção na minha última viagem aos Estados Unidos foi a falta de contato físico entre as pessoas. As pessoas se cumprimentam com distantes apertos de mão, isso quando não se limitam a um aceno com a cabeça. Beijos são reservados para pessoas muito íntimas (os de língua são horríveis, diga-se de passagem). Abraços, apenas quando se dá parabéns no aniversário, ou pêsames à viúva, e ainda assim estritamente protocolares. Num bar ou boate, a própria paquera se mantém dentro de limites: não se veem casais se beijando, abraçados ou mesmo de mãos dadas.
Concluí que eu era o destoante ali, pelo fato de ser brasileiro, supondo que nossa cultura era "latina", "passional", "caliente" e outras pérolas do senso comum. No entanto, já de volta ao Brasil, estou vivendo um choque cultural parecido, no curso que estou fazendo no Estadão. Somos 30 jovens jornalistas (a maioria entre 23 e 26 anos), de várias regiões do Brasil - metade do grupo veio de outros Estados do Sudeste, do Sul e do Nordeste, e há duas meninas de Brasília. Passamos oito horas por dia juntos, e a tendência é que o grupo se aproxime ainda mais, com a intensificação do ritmo de atividades e as viagens que foram programadas pelo curso. Estudamos, conversamos, almoçamos, rimos, eventualmente bebemos. Pois bem, já estamos nesse grude há quinze dias, e as pessoas ainda se cumprimentam com um "bom dia" dado de longe. Não há beijos ou apertos de mão, quem dirá abraços.
Não sei se outros colegas também estranharam isso. Talvez alguns tenham observado o comportamento contido do grupo e seguido o exemplo. Para mim, essa falta de contato é esquisita. Já me sinto à vontade com vários dos meus colegas, e tenho que ficar me policiando para não tocá-los. Sou um cara muito tátil. Sinto necessidade de expressar meu afeto e isso inclui buscar uma proximidade física, tanto com as garotas como com os rapazes. É natural para mim dar um abraço gostoso na hora de cumprimentar, ou mesmo para manifestar que minha convivência com determinada pessoa está sendo prazerosa, e que eu gosto dela.
Agora que comecei a reparar mais nisso, lembrei que já tinha amigos com quem também existia essa distância física. O mais curioso é que vários deles são pessoas com quem tenho muita intimidade, a ponto de dividir segredos e questões delicadas. Depois da terceira vez em que me dirigi a eles e recebi abraços frios, ossudos, sem aconchego, percebi que eles funcionavam de outra forma. Que gostavam de mim de verdade, mas não realizavam esse afeto no plano físico. Tive que me adaptar, mas às vezes ainda sofro um pouco. Sinto vontade de pegar neles, e com isso mostrar meu carinho, mas sei que nesse particular nós não falamos a mesma língua.
Talvez o ponto fora da curva seja mesmo eu. Parte disso vem da minha criação. Meu pai era um cara extremamente afetuoso, desses que acabam sendo a amálgama do grupo. Era ele quem agitava os encontros dos amigos da faculdade, uma turma que permanece unida até hoje. Tê-lo perdido cedo, com tanta coisa sem ter sido dita, me ensinou a não deixar passar as oportunidades de expressar meus sentimentos às pessoas de que eu gosto. Ainda assim, sou forçado a podar minha natureza para não me sentir inadequado. Afinal, não tem nada mais constrangedor do que não ser correspondido no abraço (como naquelas fotos famosas em que fãs da Britney Spears abraçavam a cantora e ela fazia cara de nojinho), ou mesmo se despedir de alguém ao telefone com "um beijo", e receber de volta "um abraço" ou mesmo um "até mais". Nessas horas, dá vontade de pedir desculpas e desaparecer. Ops, foi mal aê.
Concluí que eu era o destoante ali, pelo fato de ser brasileiro, supondo que nossa cultura era "latina", "passional", "caliente" e outras pérolas do senso comum. No entanto, já de volta ao Brasil, estou vivendo um choque cultural parecido, no curso que estou fazendo no Estadão. Somos 30 jovens jornalistas (a maioria entre 23 e 26 anos), de várias regiões do Brasil - metade do grupo veio de outros Estados do Sudeste, do Sul e do Nordeste, e há duas meninas de Brasília. Passamos oito horas por dia juntos, e a tendência é que o grupo se aproxime ainda mais, com a intensificação do ritmo de atividades e as viagens que foram programadas pelo curso. Estudamos, conversamos, almoçamos, rimos, eventualmente bebemos. Pois bem, já estamos nesse grude há quinze dias, e as pessoas ainda se cumprimentam com um "bom dia" dado de longe. Não há beijos ou apertos de mão, quem dirá abraços.
Não sei se outros colegas também estranharam isso. Talvez alguns tenham observado o comportamento contido do grupo e seguido o exemplo. Para mim, essa falta de contato é esquisita. Já me sinto à vontade com vários dos meus colegas, e tenho que ficar me policiando para não tocá-los. Sou um cara muito tátil. Sinto necessidade de expressar meu afeto e isso inclui buscar uma proximidade física, tanto com as garotas como com os rapazes. É natural para mim dar um abraço gostoso na hora de cumprimentar, ou mesmo para manifestar que minha convivência com determinada pessoa está sendo prazerosa, e que eu gosto dela.
Agora que comecei a reparar mais nisso, lembrei que já tinha amigos com quem também existia essa distância física. O mais curioso é que vários deles são pessoas com quem tenho muita intimidade, a ponto de dividir segredos e questões delicadas. Depois da terceira vez em que me dirigi a eles e recebi abraços frios, ossudos, sem aconchego, percebi que eles funcionavam de outra forma. Que gostavam de mim de verdade, mas não realizavam esse afeto no plano físico. Tive que me adaptar, mas às vezes ainda sofro um pouco. Sinto vontade de pegar neles, e com isso mostrar meu carinho, mas sei que nesse particular nós não falamos a mesma língua.
Talvez o ponto fora da curva seja mesmo eu. Parte disso vem da minha criação. Meu pai era um cara extremamente afetuoso, desses que acabam sendo a amálgama do grupo. Era ele quem agitava os encontros dos amigos da faculdade, uma turma que permanece unida até hoje. Tê-lo perdido cedo, com tanta coisa sem ter sido dita, me ensinou a não deixar passar as oportunidades de expressar meus sentimentos às pessoas de que eu gosto. Ainda assim, sou forçado a podar minha natureza para não me sentir inadequado. Afinal, não tem nada mais constrangedor do que não ser correspondido no abraço (como naquelas fotos famosas em que fãs da Britney Spears abraçavam a cantora e ela fazia cara de nojinho), ou mesmo se despedir de alguém ao telefone com "um beijo", e receber de volta "um abraço" ou mesmo um "até mais". Nessas horas, dá vontade de pedir desculpas e desaparecer. Ops, foi mal aê.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
SPRW: Prato meio vazio
Quem diria: estou perdendo o tesão na São Paulo Restaurant Week.
A cada nova edição do festival, eu repetia o ritual: entrava no site, estudava os cardápios de cada uma das centenas de casas participantes e montava uma programação, feito aqueles cinéfilos em véspera de Mostra. Depois, ainda dividia minha seleção no blog e no Facebook. Desta vez, não me sinto motivado a repetir a dose. Há erros e acertos, tive experiências que valeram a pena, outras nem tanto. Mas os inconvenientes têm pesado cada vez mais.
Pra começar, com a popularidade do evento, as casas estão invariavelmente lotadas, e muitas passaram a reservar mesas com antecedência, então você liga e eles já não têm mais vaga até o fim do festival. Em relação aos menus, sempre foi preciso fazer uma peneira para achar pratos interessantes. Para continuar fechando a conta no preço estipulado pelo festival, os restaurantes foram diminuindo o tamanho das porções, e hoje em dia a esmagadora maioria serve pratos tão reduzidos que o comensal nem chega a saborear a comida direito.
Isso sem falar que o fator economia, principal chamariz da SPRW, está cada vez mais relativo. A conta não fica nos R$32 ou R$42 por pessoa anunciados, pois o preço dos menus não inclui o couvert sorrateiramente deixado sobre a mesa, as bebidas cada vez mais inflacionadas (o Santa Gula cobra quase R$9 por um suco de tangerina!), nem o serviço. Movido pelo apelo de aproveitar a duração limitada do festival, você acaba comendo fora muito mais vezes e gastando muito mais dinheiro no fim do mês do que num período normal, o que significa que a SPRW acaba saindo uma brincadeira cara.
No fim das contas, acaba valendo mais a pena ir aos restaurantes fora da SPRW, nem que seja para pedir apenas o prato principal. Para gastar a mesma coisa do festival, você sacrifica a entrada e/ou a sobremesa, mas pelo menos recebe um prato feito e servido com boa vontade (ainda existem casas que tratam o cliente da SPRW como cidadão de segunda classe), numa porção honesta, sem cara de amostra grátis. E sem passar pelo perrengue de reservas, filas e lotação, que vai deixando a experiência de comer fora cada vez menos prazerosa.
A cada nova edição do festival, eu repetia o ritual: entrava no site, estudava os cardápios de cada uma das centenas de casas participantes e montava uma programação, feito aqueles cinéfilos em véspera de Mostra. Depois, ainda dividia minha seleção no blog e no Facebook. Desta vez, não me sinto motivado a repetir a dose. Há erros e acertos, tive experiências que valeram a pena, outras nem tanto. Mas os inconvenientes têm pesado cada vez mais.
Pra começar, com a popularidade do evento, as casas estão invariavelmente lotadas, e muitas passaram a reservar mesas com antecedência, então você liga e eles já não têm mais vaga até o fim do festival. Em relação aos menus, sempre foi preciso fazer uma peneira para achar pratos interessantes. Para continuar fechando a conta no preço estipulado pelo festival, os restaurantes foram diminuindo o tamanho das porções, e hoje em dia a esmagadora maioria serve pratos tão reduzidos que o comensal nem chega a saborear a comida direito.
Isso sem falar que o fator economia, principal chamariz da SPRW, está cada vez mais relativo. A conta não fica nos R$32 ou R$42 por pessoa anunciados, pois o preço dos menus não inclui o couvert sorrateiramente deixado sobre a mesa, as bebidas cada vez mais inflacionadas (o Santa Gula cobra quase R$9 por um suco de tangerina!), nem o serviço. Movido pelo apelo de aproveitar a duração limitada do festival, você acaba comendo fora muito mais vezes e gastando muito mais dinheiro no fim do mês do que num período normal, o que significa que a SPRW acaba saindo uma brincadeira cara.
No fim das contas, acaba valendo mais a pena ir aos restaurantes fora da SPRW, nem que seja para pedir apenas o prato principal. Para gastar a mesma coisa do festival, você sacrifica a entrada e/ou a sobremesa, mas pelo menos recebe um prato feito e servido com boa vontade (ainda existem casas que tratam o cliente da SPRW como cidadão de segunda classe), numa porção honesta, sem cara de amostra grátis. E sem passar pelo perrengue de reservas, filas e lotação, que vai deixando a experiência de comer fora cada vez menos prazerosa.
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Centrão, terra estrangeira
Minha primeira missão como "foca" do Curso de Jornalismo do Estadão começou às 9h30 da manhã do último sábado, em plena Praça da Sé. Eu e meus 29 colegas encontramos um de nossos professores para um rápido giro pelo Centro - que pelo menos metade do grupo não conhecia, já que muitos alunos são de outras regiões do Brasil. Depois do tour de contato, que foi bem pouco esclarecedor, o grupo se dispersou e cada um tinha que achar sua própria pauta e produzir uma reportagem, que seria entregue por e-mail no dia seguinte. Podia ser qualquer coisa, desde que surgisse no Centro. Decidi investigar como a cidade mais cosmopolita do país estava tratando seus visitantes estrangeiros, a menos de três anos da Copa do Mundo.
Para isso, tirei partido da minha genética calabresa e me passei por um turista gringo - James Hetfield, norte-americano, nice to meet you. Saí com cara de perdido, pedindo informações básicas (onde encontro um banheiro público? como faço pra chegar na Paulista?) e, como era de se esperar, a maior parte das pessoas não conseguiu interagir comigo. Na feira de artesanato da República, eu apontava a mercadoria e o dono da barraca me mostrava o preço digitando os algarismos no telefone celular. Nas bancas de jornal ou no comércio local, não foi muito diferente. Entre os bares e restaurantes, só lugares maiores, como Almanara, O Gato Que Ri e Bar da Dona Onça tinham cardápios em inglês - e nem sempre garçons que conseguissem se comunicar em outra língua.
Ainda como falso turista, testei um dos Centros de Informação Turística oferecidos pela São Paulo Turismo. O quiosque da República era novinho e a atendente, muito solícita, tinha um inglês bastante satisfatório - com erros de tradução tipicamente brasileiros, é verdade, mas nada que comprometesse seu trabalho. Eu disse que estava caindo de paraquedas na cidade e não tinha ideia do que fazer e ela, paciente, me deu explicações por quase uma hora. Ponto para ela. Quando pedi que me recomendasse uma boa balada, ela me disse para pegar a linha 4 (amarela) do metrô e o trem da CPTM até a Vila Olímpia - "os lugares de música eletrônica estão todos nessa área", explicou, desenhando um grande quadrado no mapa. Gafe dupla: a linha 4 não opera nos fins de semana, e a Vila Olímpia deixou de ser conhecida pelas baladas há muito tempo. Imaginei como um gringo desavisado ia pastar no meu lugar, andando desenganado pelo bairro. Quando perguntei sobre restaurantes, ela se limitou a dizer "Caminhe pelos Jardins, estão todos lá". Ah, tá.
Depois disso, me despi do personagem e saí à caça de turistas gringos para entrevistar. Queria saber como estavam sentindo a recepção e também suas impressões sobre o Centro. Cruzei com gente da Espanha, Holanda, Alemanha e até Nova Zelândia. Todos reconheceram que faltava gente que falasse inglês com eles, mas boa parte já tinha se preparado psicologicamente para isso, e alguns até carregavam aqueles livrinhos de português para viagem. Apesar das falhas de comunicação, a buena onda do brasileiro acabava pesando a favor na avaliação. Em relação ao Centro, atrações como o Mercado Municipal e a Pinacoteca agradavam, mas não faltaram comentários sobre a sujeira, os mendigos e o cheiro de urina em alguns lugares. E pensar que, antes da revitalização, a coisa era muito pior...
Terminei minha apuração conversando com os funcionários de alguns hotéis da região. Eles contaram que o eixo Paulista-Jardins ainda é o preferido pelos turistas, mas o Centro também tem uma clientela cativa, pela própria posição geográfica "perto de tudo", pelo fácil acesso à rede de metrô e pelos preços mais em conta. Quando perguntei se achavam que a cidade estava preparada para receber os turistas para a Copa, ouvi críticas das mais variadas, e uma delas chamou minha atenção. "Se uma simples feira de negócios como a Couromodas esgota os leitos da cidade, e obriga os visitantes a dormir em Santo André, Guarulhos e Itaquá, como será com os milhares de torcedores que virão ver os jogos?", perguntou a recepcionista do Marabá. Pelo visto, o buraco é mais embaixo do que eu pensava - e ainda temos muita lição de casa pela frente.
Para isso, tirei partido da minha genética calabresa e me passei por um turista gringo - James Hetfield, norte-americano, nice to meet you. Saí com cara de perdido, pedindo informações básicas (onde encontro um banheiro público? como faço pra chegar na Paulista?) e, como era de se esperar, a maior parte das pessoas não conseguiu interagir comigo. Na feira de artesanato da República, eu apontava a mercadoria e o dono da barraca me mostrava o preço digitando os algarismos no telefone celular. Nas bancas de jornal ou no comércio local, não foi muito diferente. Entre os bares e restaurantes, só lugares maiores, como Almanara, O Gato Que Ri e Bar da Dona Onça tinham cardápios em inglês - e nem sempre garçons que conseguissem se comunicar em outra língua.
Ainda como falso turista, testei um dos Centros de Informação Turística oferecidos pela São Paulo Turismo. O quiosque da República era novinho e a atendente, muito solícita, tinha um inglês bastante satisfatório - com erros de tradução tipicamente brasileiros, é verdade, mas nada que comprometesse seu trabalho. Eu disse que estava caindo de paraquedas na cidade e não tinha ideia do que fazer e ela, paciente, me deu explicações por quase uma hora. Ponto para ela. Quando pedi que me recomendasse uma boa balada, ela me disse para pegar a linha 4 (amarela) do metrô e o trem da CPTM até a Vila Olímpia - "os lugares de música eletrônica estão todos nessa área", explicou, desenhando um grande quadrado no mapa. Gafe dupla: a linha 4 não opera nos fins de semana, e a Vila Olímpia deixou de ser conhecida pelas baladas há muito tempo. Imaginei como um gringo desavisado ia pastar no meu lugar, andando desenganado pelo bairro. Quando perguntei sobre restaurantes, ela se limitou a dizer "Caminhe pelos Jardins, estão todos lá". Ah, tá.
Depois disso, me despi do personagem e saí à caça de turistas gringos para entrevistar. Queria saber como estavam sentindo a recepção e também suas impressões sobre o Centro. Cruzei com gente da Espanha, Holanda, Alemanha e até Nova Zelândia. Todos reconheceram que faltava gente que falasse inglês com eles, mas boa parte já tinha se preparado psicologicamente para isso, e alguns até carregavam aqueles livrinhos de português para viagem. Apesar das falhas de comunicação, a buena onda do brasileiro acabava pesando a favor na avaliação. Em relação ao Centro, atrações como o Mercado Municipal e a Pinacoteca agradavam, mas não faltaram comentários sobre a sujeira, os mendigos e o cheiro de urina em alguns lugares. E pensar que, antes da revitalização, a coisa era muito pior...
Terminei minha apuração conversando com os funcionários de alguns hotéis da região. Eles contaram que o eixo Paulista-Jardins ainda é o preferido pelos turistas, mas o Centro também tem uma clientela cativa, pela própria posição geográfica "perto de tudo", pelo fácil acesso à rede de metrô e pelos preços mais em conta. Quando perguntei se achavam que a cidade estava preparada para receber os turistas para a Copa, ouvi críticas das mais variadas, e uma delas chamou minha atenção. "Se uma simples feira de negócios como a Couromodas esgota os leitos da cidade, e obriga os visitantes a dormir em Santo André, Guarulhos e Itaquá, como será com os milhares de torcedores que virão ver os jogos?", perguntou a recepcionista do Marabá. Pelo visto, o buraco é mais embaixo do que eu pensava - e ainda temos muita lição de casa pela frente.
terça-feira, 30 de agosto de 2011
Rapidinhas candangas
A melhor época do ano para visitar Brasília, na minha opinião, é justamente nos meses de outono e inverno. A estiagem garante dias lindíssimos, de céu aberto, como na foto acima. Para driblar o tempo seco, basta levar no bolso um bom protetor labial e passar creme hidratante no rosto antes de dormir. Para marcar meu batismo brasiliense, nada mais típico do que uma autêntica passeata do MST. Ainda bem que a Esplanada dos Ministérios tem espaço de sobra, com oito faixas - o que significa um transtorno bem menor do que o das manifestações na apertada Av. Paulista. O turismo cívico é facinho de fazer: os prédios oficiais ficam próximos uns aos outros, e alguns oferecem visitas guiadas (para quem não estiver de bermuda, é claro). A decepção fica por conta da rampa do Palácio do Planalto, menor e menos glamourosa do que se supõe pela TV. O grande barato de Brasília é mesmo o projeto urbanístico do Plano Piloto. Os prédios, todos com 3 ou 6 andares, mostram como a contenção da verticalização deixa uma cidade muito mais agradável. A organização em superquadras é, no mínimo, curiosa. Não dá pra não se sentir em uma versão king size do campus da USP. Como as quadras são em geral parecidas entre si, a sugestão para o turista é visitar a 308 Sul, que serviu de modelo para as demais. Ela é enfeitada pela Igrejinha N. Sra. de Fátima, com desenho de Oscar Niemeyer e azulejos de Athos Bulcão, que rendem um ótimo pano de fundo para retratos. Mesmo se você não for muito chegado em igrejas, não deixe de visitar a Catedral Metropolitana, também desenhada por Niemeyer, e o Santuário Dom Bosco, com seus vitrais azuis. Não confundir com a minúscula Ermida Dom Bosco, um pequeno monumento erguido num terraço às margens do Lago Paranoá, com uma bela vista. Tecnicamente falando, o Distrito Federal não contém cidades, e sim regiões administrativas. Isso quer dizer que Brasília e as cidades-satélite vizinhas não têm eleições para prefeito - seus administradores são nomeados diretamente pelo governador do DF. Ou seja, quando a população elege um governador corrupto, ela se ferra duas vezes. As cidades-satélite têm uma cara completamente diferente do Plano Piloto. O noticiário nacional destaca sempre as mais pobres, como Ceilândia e Paranoá, essa última um cenário propício para quem curte um amor bandido. Mas há algumas com expressiva classe média, caso de Águas Claras, cujo boom desordenado de prédios altíssimos lembra um Tatuapé em construção. O brasiliense médio fala com sotaque capixaba, tem conta no Banco do Brasil mesmo se não for servidor público (pois ali há 8 agências do BB para cada 2,5 da concorrência) e ficou blasé com a escolha da capital federal para receber jogos da Copa. Ele considera os goianos meio jecas e provincianos, e é tido como carudo e esnobe por eles. Se há um lugar adequado para empinar o nariz logo pela manhã, é a pâtisserie do Daniel Briand, na 104 Sul, que serve saladas, quiches e doces franceses. O truque para não se sentir lesado pelos preços é dividir entre duas pessoas um único café-da-manhã completo (Première Formule, R$29), e pedir à parte a bebida extra do seu acompanhante. Tenho que admitir que os pães são realmente incríveis. Os chefs mais badalados de Brasília são a Mara Alcamim e o Dudu Camargo, cada um com seu pequeno império gastronômico (ela comanda três casas e ele, seis). Eu estava prestes a escolher um deles para o jantar de sexta, mas meus amigos locais sopraram no meu ouvido que a comida de ambos era meio overrated e não estava à altura dos preços praticados. Não desisti deles, mas deixei para a próxima. [UPDATE: voltei em janeiro de 2012, fui conhecer o Unanimitá, do Dudu Camargo, e amei a comida, quero voltar sempre!] E minha escolha não poderia ter sido melhor: Taypá, um digno representante da onda neoperuana que tem varrido o mundo. Comecei com um ceviche nikkey (salmão, abacate, leite de coco, molho de ostras e teriaki) e emendei um salmón novoandino (recheado de risoto de quinua, camarão, champignons e molho teriaki). Adorei tudo e pretendo voltar. Outra surpresa foi o Nossa Cozinha, um bistrô minúsculo, escondido no lado residencial da 402 Norte. Lugar charmoso, preços honestos, serviço atencioso (os próprios donos vêm falar com a freguesia) e uma das melhores cheesecakes que já comi. Outra guloseima digna de nota é o famoso sorvete de pistache da Saborella, com textura aveludada e sabor doce na medida. O precinho é bem brasiliense: R$11 por uma bola, R$106 por um quilo. Foi bem legal voltar ao Pontão do Lago Sul e ver aquilo fervendo em um lindo domingo de sol. O corredor gastronômico à beira do Paranoá ficou maior, com a chegada de filiais da rede carioca Devassa e do japonês ocidentalizado Soho, aquele mesmo de Salvador. Acabei conferindo o tradicional Bier Fass, que só valeu pelo cenário e pelas boas companhias: a comida, mediana, demorou inexplicáveis 80 minutos para chegar à mesa. Outras dicas: o italiano Villa Tevere, os peixes do Coco Bambu, o mexicano El Paso, o sushi do Kojima, o bife à parmegiana do Panelinha, as pizzas da Valentina, o vegetariano Naturetto, os sucos e wraps do Bendito Suco, os bolos da Casa dos Biscoitos Mineiros e, para uma extravagância maior, os menus fechados do Aquavit, que giram entre R$140 e R$192/pessoa. Quando o assunto é noite gay, o circuito brasiliense não chega a emocionar - Goiânia está bem melhor na fita. Entre os bares, o tradicional Beirute só satisfaz aquele público desencanado de boteco; já o Savana, que teoricamente seria a opção mais arrumadinha, precisa melhorar em tudo, do ambiente à cozinha. E a Blue Space, principal boate da cidade, fica num lugar simplesmente horroroso. Por isso, não é de se admirar que as label parties sejam aguardadas e vividas tão intensamente. No sábado, o fiel público da Fun! dançou até 10 da manhã, e muitos ainda continuaram a jogação em um chillout. Se a locação não contribuiu (era a Blue em si), os go-go boys eram deslumbrantes e o som me surpreendeu. Daniel Mendes fez um warm up ao mesmo tempo chique e acessível, conquistando a pista sem fazer concessões, e Grá Ferreira mostrou um som de festa totalmente seguro de si, digno de atração principal, com direito a versão de "Heart of Glass", do Blondie. As novas esperanças da noite repousam nos meninos do site Parou Tudo. Eles já abriram o Glow Lounge, um espaço multiuso que tem reunido os bonitos da cidade às quintas, e se unirão a Lili Santana, da festa que leva seu nome, para fundar um novo clube. O lugar se chamará Victoria Haus e preencherá a lacuna deixada pela Blue Space, que fechará as portas em breve, ainda bem. Quando for pedir sua vodquinha, muito cuidado: circula pela noite de Brasília um bizarro energético de garrafão que só pode ser coisa do Demo. Tomei menos de duas doses e não consegui pregar o olho por quase 24 horas. E quando o assunto é pegação, as bees brasilienses já estão plugadíssimas no aplicativo Grindr, com seus perfis mula-sem-cabeça. Se você prefere mais fibra e menos laquê, os cafuçus do cerrado frequentam uma certa sauna em Taguatinga, fica a dica. Só não vi mesmo o tal entardecer vermelho/laranja/roxo que aparecia em várias fotos de Brasília. Vai ver que isso era coisa da Embratur se jogando no Photoshop. Mas não há de ser nada. Fui tão bem recebido e conheci tantas pessoas legais, que já estou fazendo planos de voltar. E quem sabe dar uma esticadinha até Pirinópolis e mesmo Goiânia, que tem sido cada vez mais recomendada!
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Nesse país lugar melhor não há
Eu tinha que encerrar esse período sabático com uma viagem, néam? Pois estou embarcando logo mais para Brasília. Vai ser minha segunda vez na capital federal - a primeira rendeu um sobe-e-desce que dividiu opiniões no blog. "Mas o que você vai fazer lá?", ainda me perguntam alguns. Tenho bons amigos para rever. Desta vez, levo várias indicações gastronômicas no bolso, que pretendo conferir na medida do po$$ível. Entre as 20 dicas que reuni, fiquei mais empolgado com o peruano-contemporâneo Taypá, a comfort food do Panelinha e o sorvete da Saborella, que é uma verdadeira unanimidade. Vou aproveitar para me jogar na noite - a label party Fun, do querido Fernando Toledo, vai fazer sua última edição na Blue Space antes do fechamento do clube. E last but not least, espero finalmente poder conferir os pores-do-sol vermelhos que fazem a fama da cidade. Já sei que a Ermida Bom Bosco é um dos melhores cenários para isso. Com a estiagem dessa época do ano, não vou passar meus dias embaixo d'água, como da outra vez!
terça-feira, 23 de agosto de 2011
O fim do período sabático
Depois de treze anos de muita ralação, era justo que eu desse uma desacelerada e tirasse um tempinho para mim. Pela primeira vez na vida, eu me vi sem nenhum compromisso ou obrigação fixa. Dormi e acordei mais tarde. Li mais jornal e fui mais à academia. Viajei. Fiz coisas que nunca pudera, como percorrer a ciclovia da Marginal até Interlagos e dar um giro pelos principais bancos do mercado, atrás da melhor remuneração para minhas economias. Resolvi algumas pendências, incluindo a Carteira do Trabalho, que eu ainda não tinha. Aguentei o último filme do Lars Von Trier até o final da sessão. Conheci muitos restaurantes novos, sendo que alguns renderam assunto para o blog. Permiti um descanso do próprio blog, como vocês devem ter percebido.
E foi ótimo. Aproveitei cada minuto dessa pausa. Não senti a menor culpa de ficar debaixo do edredom, enquanto os demais mortais enfrentavam o frio da rua a caminho do trabalho. No fundo, eu sabia que os momentos de ócio seriam mais escassos quando a carreira de jornalista começasse a engrenar, então tinha que aproveitar essa chance. Todo mundo deveria se dar o luxo de um retiro sabático de vez em quando.
Agora minha folga está chegando ao fim. Fui aprovado para o Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado do Grupo Estado, responsável pelo jornal O Estado de S.Paulo. O curso, oferecido uma vez por ano a 30 jovens jornalistas, compreende pouco mais de três meses de treinamento, em período integral. Além de aulas e palestras, terei a oportunidade de participar da rotina da redação. Vou aprender muito, conhecer bastante gente, tenho certeza de que será uma experiência incrível, por menos que eu saiba sobre o que me espera por lá. Essa nova fase da minha vida começa no dia 1º de setembro. Estou muito feliz.
Será também uma boa oportunidade para repensar os caminhos deste blog. Ao longo dos últimos cinco anos, procurei desenvolver um estilo e deixar minha marca. Meus textos são longos; depois de burilar aqui e aperfeiçoar ali, eles levam horas para ficar prontos. Faço assim porque gosto, mas a nova rotina vai me levar a rever esse método. O ritmo da redação vai me condicionar a pensar e produzir com mais rapidez - e, de qualquer maneira, deixará menos tempo para o blog. Talvez seja hora de me render a um formato mais leve, ágil, com postagens mais ligeiras e maior possibilidade de interação com os leitores. Como tem sido no Facebook, onde escrevo coisas menores e acabo recebendo um feedback muito maior. Para durar, é preciso saber se adaptar aos novos tempos.
E foi ótimo. Aproveitei cada minuto dessa pausa. Não senti a menor culpa de ficar debaixo do edredom, enquanto os demais mortais enfrentavam o frio da rua a caminho do trabalho. No fundo, eu sabia que os momentos de ócio seriam mais escassos quando a carreira de jornalista começasse a engrenar, então tinha que aproveitar essa chance. Todo mundo deveria se dar o luxo de um retiro sabático de vez em quando.
Agora minha folga está chegando ao fim. Fui aprovado para o Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado do Grupo Estado, responsável pelo jornal O Estado de S.Paulo. O curso, oferecido uma vez por ano a 30 jovens jornalistas, compreende pouco mais de três meses de treinamento, em período integral. Além de aulas e palestras, terei a oportunidade de participar da rotina da redação. Vou aprender muito, conhecer bastante gente, tenho certeza de que será uma experiência incrível, por menos que eu saiba sobre o que me espera por lá. Essa nova fase da minha vida começa no dia 1º de setembro. Estou muito feliz.
Será também uma boa oportunidade para repensar os caminhos deste blog. Ao longo dos últimos cinco anos, procurei desenvolver um estilo e deixar minha marca. Meus textos são longos; depois de burilar aqui e aperfeiçoar ali, eles levam horas para ficar prontos. Faço assim porque gosto, mas a nova rotina vai me levar a rever esse método. O ritmo da redação vai me condicionar a pensar e produzir com mais rapidez - e, de qualquer maneira, deixará menos tempo para o blog. Talvez seja hora de me render a um formato mais leve, ágil, com postagens mais ligeiras e maior possibilidade de interação com os leitores. Como tem sido no Facebook, onde escrevo coisas menores e acabo recebendo um feedback muito maior. Para durar, é preciso saber se adaptar aos novos tempos.
sexta-feira, 29 de julho de 2011
Minhas descobertas gastronômicas de julho
MARCELINO PAN Y VINO [foto] Instalado num antigo casarão de esquina, tem cara de restaurante durante o dia e de bar quando escurece. O cardápio, assinado pela chef do Lola Bistrot, oferece sanduíches diferentões, saladas e uma seleção bastante concisa de pratos quentes, complementada pelas sugestões do dia escritas numa lousa. Para abrir o apetite, há vários petiscos - as bruschettas de queijo de cabra com compota de tomate são perfeitas. Investi num tortelli de mussarela com tomate fresco e manjericão que estava tão bom que tive que pedir outro (!). Pena que não sobrou espaço para o pavê de brigadeiro. Além do ambiente da foto, há uma varanda com mesas (nos dias frios, os comensais recebem simpáticas mantinhas) e um quintal com duas mesas comunitárias. Se não dá pra dizer que seja despretensioso (porque tudo na Vila Madalena tenta passar essa impressão, que é milimetricamente calculada), o lugar é bem aconchegante, perfeito para um late lunch de sábado. O efeito colateral é que as pessoas terminam de comer e vão ficando, e com isso sobra para quem está na fila esperando mesa. Onde: Rua Girassol, 451, esquina com Wisard, Vila Madalena.
NOOD Esta é a primeira filial brasileira de uma rede de cozinha asiática rápida com casas em Portugal e na Espanha. Quando vi as bobagens escritas no site ("um lugar para estar"! e alguém abre um lugar para as pessoas não irem, ó pá?!), fiquei com um certo pé atrás, mas a curiosidade foi maior e fui conferir. O cardápio atira em várias direções: tem entradinhas (gyoza, espetinhos, camarões empanados), massas servidas como sopa (tipo lamen) ou feitas na wok, carnes (frango, salmão) servidas no prato com arroz japonês e, é claro, o inevitável sushi. Eu e meu amigo testamos três pratos. O que mais agradou, o teriyaki de salmão, era também o mais simples de todos, difícil de errar. O ramen de frango está muito aquém daqueles servidos nos bons noodle bars da Liberdade, como o Lamen Kazu. Quem busca excelência culinária corre o risco de se frustrar. Mas o menu bem eclético, o clima moderninho e os preços corretos devem agradar a paladares menos exigentes. Onde: Rua Pedroso Alvarenga, 890, Itaim.
LA GRASSA Clara e moderna, sem deixar de ser acolhedora, essa cantina tem feito bastante sucesso em uma rua tranquila de Moema. Os sócios também são donos do restaurante Praça São Lourenço. Se naquela casa a opulência do lugar, feito sob medida para encantar turistas, ofusca a qualidade bem mediana da cozinha, aqui a comida está à altura do ambiente. O forte são as massas frescas, como o tagliolini à carbonara, e recheadas, como o tortelli de ricota com tomate fresco, pancetta e rúcula e o ravióli de abóbora na manteiga de sálvia com avelãs douradas. Os preços são justos, uma bênção nestes tempos em que as casas perderam completamente a noção. No almoço durante a semana, pelo preço do prato separado, você também ganha o couvert e a sobremesa - com uma bebida sem álcool e mais os 10% de serviço, sua refeição completa sai por cerca de R$40. Onde: av. Juriti, 32, Moema.
SMU No embalo do fervo do Baixo Augusta, este lugarzinho fofo se apresenta como um smoothie bar. O carro-chefe, portanto, são aquelas bebidas geladas à base de frozen yogurt batido com frutas. São dezenas de combinações, que podem vir com ou sem álcool. Para acompanhá-las, há sanduíches em pão bagel ou ciabatta, além de uma competente cheesecake com várias opções de calda (vá por mim: peça a de doce de leite com lascas de amêndoa!). A casa, que fica aberta até 0h30, tem um certo clima pré-balada, a começar pelo logotipo meio Dancin' Days que muda de cor e enfeita a fachada. As paredes revestidas de ladrilhos negros contrastam com as mesinhas brancas, iluminadas por luzes dicróicas que também mudam de cor, criando um efeito que lembra uma pista de dança. As cartolas dos funcionários dão um toque irreverente. Os preços são bem ok: o combo promocional com um smoothie, um sanduíche e um pedaço de cheesecake sai por R$27,90. Uma opção simpática e original para um lanche rápido na região. Onde: rua Fernando de Albuquerque, 89, Consolação.
BRIGADERIA Depois das temakerias e lojas de frozen yogurt, achei maravilhosa essa onda das docerias especializadas em brigadeiros, que são uma das minhas razões de viver. Mas ainda não tinha visto uma casa que realmente fizesse minha cabeça. A Maria Brigadeiro é pretensiosa, o tamanho de cada docinho é insuficiente, a consistência mais firme não agrada ao meu gosto pessoal e os preços são caríssimos. Esta aqui é a perfeita antítese da outra: os brigadeiros são mais generosos, bem molinhos, desmancham na boca e custam R$3 a unidade. Se a ideia é fazer um agrado a alguém, há embalagens que não deixam nada a desejar para as da concorrente. Entre os sabores, três me conquistaram: Bailey's, suave e nada enjoativo, Vanilla Cookie e Limão (esses dois são feitos com brigadeiro branco). Onde: nos shoppings Market Place, Pátio Paulista e Higienópolis.
NOOD Esta é a primeira filial brasileira de uma rede de cozinha asiática rápida com casas em Portugal e na Espanha. Quando vi as bobagens escritas no site ("um lugar para estar"! e alguém abre um lugar para as pessoas não irem, ó pá?!), fiquei com um certo pé atrás, mas a curiosidade foi maior e fui conferir. O cardápio atira em várias direções: tem entradinhas (gyoza, espetinhos, camarões empanados), massas servidas como sopa (tipo lamen) ou feitas na wok, carnes (frango, salmão) servidas no prato com arroz japonês e, é claro, o inevitável sushi. Eu e meu amigo testamos três pratos. O que mais agradou, o teriyaki de salmão, era também o mais simples de todos, difícil de errar. O ramen de frango está muito aquém daqueles servidos nos bons noodle bars da Liberdade, como o Lamen Kazu. Quem busca excelência culinária corre o risco de se frustrar. Mas o menu bem eclético, o clima moderninho e os preços corretos devem agradar a paladares menos exigentes. Onde: Rua Pedroso Alvarenga, 890, Itaim.
LA GRASSA Clara e moderna, sem deixar de ser acolhedora, essa cantina tem feito bastante sucesso em uma rua tranquila de Moema. Os sócios também são donos do restaurante Praça São Lourenço. Se naquela casa a opulência do lugar, feito sob medida para encantar turistas, ofusca a qualidade bem mediana da cozinha, aqui a comida está à altura do ambiente. O forte são as massas frescas, como o tagliolini à carbonara, e recheadas, como o tortelli de ricota com tomate fresco, pancetta e rúcula e o ravióli de abóbora na manteiga de sálvia com avelãs douradas. Os preços são justos, uma bênção nestes tempos em que as casas perderam completamente a noção. No almoço durante a semana, pelo preço do prato separado, você também ganha o couvert e a sobremesa - com uma bebida sem álcool e mais os 10% de serviço, sua refeição completa sai por cerca de R$40. Onde: av. Juriti, 32, Moema.
SMU No embalo do fervo do Baixo Augusta, este lugarzinho fofo se apresenta como um smoothie bar. O carro-chefe, portanto, são aquelas bebidas geladas à base de frozen yogurt batido com frutas. São dezenas de combinações, que podem vir com ou sem álcool. Para acompanhá-las, há sanduíches em pão bagel ou ciabatta, além de uma competente cheesecake com várias opções de calda (vá por mim: peça a de doce de leite com lascas de amêndoa!). A casa, que fica aberta até 0h30, tem um certo clima pré-balada, a começar pelo logotipo meio Dancin' Days que muda de cor e enfeita a fachada. As paredes revestidas de ladrilhos negros contrastam com as mesinhas brancas, iluminadas por luzes dicróicas que também mudam de cor, criando um efeito que lembra uma pista de dança. As cartolas dos funcionários dão um toque irreverente. Os preços são bem ok: o combo promocional com um smoothie, um sanduíche e um pedaço de cheesecake sai por R$27,90. Uma opção simpática e original para um lanche rápido na região. Onde: rua Fernando de Albuquerque, 89, Consolação.
BRIGADERIA Depois das temakerias e lojas de frozen yogurt, achei maravilhosa essa onda das docerias especializadas em brigadeiros, que são uma das minhas razões de viver. Mas ainda não tinha visto uma casa que realmente fizesse minha cabeça. A Maria Brigadeiro é pretensiosa, o tamanho de cada docinho é insuficiente, a consistência mais firme não agrada ao meu gosto pessoal e os preços são caríssimos. Esta aqui é a perfeita antítese da outra: os brigadeiros são mais generosos, bem molinhos, desmancham na boca e custam R$3 a unidade. Se a ideia é fazer um agrado a alguém, há embalagens que não deixam nada a desejar para as da concorrente. Entre os sabores, três me conquistaram: Bailey's, suave e nada enjoativo, Vanilla Cookie e Limão (esses dois são feitos com brigadeiro branco). Onde: nos shoppings Market Place, Pátio Paulista e Higienópolis.
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Responsabilidade
Claro que eu fiquei triste com a morte da Amy Winehouse. Eu não era um fã ardoroso - gosto de Back to Black de cabo a rabo, e de três músicas dele de forma especial, mas não do álbum anterior, e não quis ir ao show. Em vários momentos da carreira dela, enquanto eu lia as notícias de suas idas e vindas, eu pensei que talvez ela precisasse de mais amor, de braços para os quais ela pudesse correr em busca de carinho, proteção, atenção. Sim, ela tinha talento e sensibilidade. Sim, foi uma perda enorme. Sim, a dependência química é uma doença. Mais do que as homenagens que vieram e virão, Amy merece toda a nossa compaixão.
Por outro lado, por mais que eu tenha me sensibilizado com o que aconteceu, acho que, no calor da comoção, muitas pessoas erraram ao pintar Amy unicamente como uma vítima, como se suas atitudes não tivessem colaborado para que ela tivesse o fim que teve. As pessoas têm livre-arbítrio, e nisso se inserem as decisões de começar a beber e usar drogas. Essas são escolhas individuais, que oferecem riscos, assim como outras tantas atividades lícitas e ilícitas que fazem parte da vida do homem, incluindo fazer sexo, jogar bola e andar de avião. Todo mundo sabe que álcool e drogas oferecem recompensas, mas também fazem mal. Se alguém não sabe disso e/ou não é capaz de fazer o respectivo juízo de valor, então não tem maturidade para usar. Simples assim.
Não é porque certas substâncias afetam a nossa capacidade de avaliação que deixamos de ser responsáveis por aquilo que nos acontece. Cabe a cada um segurar a própria onda, nem que seja para ter alguém de confiança por perto nos momentos mais vulneráveis, evitando comportamentos de risco, como dirigir um carro, por exemplo. O bêbado não consegue tomar uma decisão prudente, o drogado não percebe onde está a zona de perigo? Oras, então não vá pirar o cabeção sozinho! À liberdade de agir como um adulto, corresponde o dever de se proteger e não fazer burradas. E quando a coisa foge de controle, se a pessoa não tem o discernimento e/ou a força para se segurar, o melhor caminho é buscar ajuda. Diferente de outras pessoas que não têm a mesma sorte e as mesmas condições, Amy teve acesso a todos os tratamentos possíveis. Mas isso não deu certo para ela.
É um dos riscos que se corre. Quantos de nós não bebem ou usam drogas, e ainda assim conseguem tomar conta de si, e se equilibrar sem fazer nenhuma besteira maior? Muitas pessoas vão conseguir conciliar o lado A e o lado B, explorar as sensações e minimizar os danos, e tocar suas vidas sem maiores sustos. Mas algumas vão se dar mal. Às vezes não é nem por falta de "vocação" pra ser um bom bebedor ou um drogado profissional, mas sim por uma questão biológica, de ter os receptores mais vulneráveis à adição, à dependência. É um terreno pantanoso, os perigos são reais, não é só glamour e oba-oba como as pessoas gostariam.
E antes que comecem com o mimimi nos comentários, não há nada de moralismo ou hipocrisia no meu discurso. Não estou apontando o dedo para o usuário, demonizando-o, dizendo que colhe o que planta e não merece pena. Não há que se falar em culpa, mas em responsabilidade. Sou um defensor ferrenho da liberdade individual, mas ela tem essa contrapartida: a responsabilidade. Não podemos eximir ninguém da responsabilidade pelos seus próprios atos. Nem mesmo Amy. Nunca estaremos como era estar no lugar dela, nunca saberemos o que ela sentia de verdade, como ela sofria, e por isso não podemos julgá-la. Só não vamos esquecer que nesse caminho triste, quem deu o primeiro passo foi ela, adulta e dona do próprio nariz.
Por outro lado, por mais que eu tenha me sensibilizado com o que aconteceu, acho que, no calor da comoção, muitas pessoas erraram ao pintar Amy unicamente como uma vítima, como se suas atitudes não tivessem colaborado para que ela tivesse o fim que teve. As pessoas têm livre-arbítrio, e nisso se inserem as decisões de começar a beber e usar drogas. Essas são escolhas individuais, que oferecem riscos, assim como outras tantas atividades lícitas e ilícitas que fazem parte da vida do homem, incluindo fazer sexo, jogar bola e andar de avião. Todo mundo sabe que álcool e drogas oferecem recompensas, mas também fazem mal. Se alguém não sabe disso e/ou não é capaz de fazer o respectivo juízo de valor, então não tem maturidade para usar. Simples assim.
Não é porque certas substâncias afetam a nossa capacidade de avaliação que deixamos de ser responsáveis por aquilo que nos acontece. Cabe a cada um segurar a própria onda, nem que seja para ter alguém de confiança por perto nos momentos mais vulneráveis, evitando comportamentos de risco, como dirigir um carro, por exemplo. O bêbado não consegue tomar uma decisão prudente, o drogado não percebe onde está a zona de perigo? Oras, então não vá pirar o cabeção sozinho! À liberdade de agir como um adulto, corresponde o dever de se proteger e não fazer burradas. E quando a coisa foge de controle, se a pessoa não tem o discernimento e/ou a força para se segurar, o melhor caminho é buscar ajuda. Diferente de outras pessoas que não têm a mesma sorte e as mesmas condições, Amy teve acesso a todos os tratamentos possíveis. Mas isso não deu certo para ela.
É um dos riscos que se corre. Quantos de nós não bebem ou usam drogas, e ainda assim conseguem tomar conta de si, e se equilibrar sem fazer nenhuma besteira maior? Muitas pessoas vão conseguir conciliar o lado A e o lado B, explorar as sensações e minimizar os danos, e tocar suas vidas sem maiores sustos. Mas algumas vão se dar mal. Às vezes não é nem por falta de "vocação" pra ser um bom bebedor ou um drogado profissional, mas sim por uma questão biológica, de ter os receptores mais vulneráveis à adição, à dependência. É um terreno pantanoso, os perigos são reais, não é só glamour e oba-oba como as pessoas gostariam.
E antes que comecem com o mimimi nos comentários, não há nada de moralismo ou hipocrisia no meu discurso. Não estou apontando o dedo para o usuário, demonizando-o, dizendo que colhe o que planta e não merece pena. Não há que se falar em culpa, mas em responsabilidade. Sou um defensor ferrenho da liberdade individual, mas ela tem essa contrapartida: a responsabilidade. Não podemos eximir ninguém da responsabilidade pelos seus próprios atos. Nem mesmo Amy. Nunca estaremos como era estar no lugar dela, nunca saberemos o que ela sentia de verdade, como ela sofria, e por isso não podemos julgá-la. Só não vamos esquecer que nesse caminho triste, quem deu o primeiro passo foi ela, adulta e dona do próprio nariz.
terça-feira, 19 de julho de 2011
Overdose
Ando sem cabeça pra postar no blog. E não só por conta dos freelas que, felizmente, começaram a pipocar. Confesso que estou meio cansado de algumas polêmicas, tipo ter ou não ter beijo gay na novela, ou a declaração inadequada desse ou daquele asno com visibilidade pública. Nesses assuntos, vários colegas meus já estão dando o recado com maestria, e não tenho nada de realmente novo a acrescentar, sem soar redundante. Continuo achando que se indignar, querer avanços, semear mudanças de mentalidade, vale a pena. Essa é uma luta cotidiana de todos nós. Mas também reconheço que estamos vivendo uma overdose do assunto na mídia, num espaço muito curto de tempo. Isso cansa os ouvidos dos leigos e, por conta disso, acaba enfraquecendo a própria discussão. Muita gente bem-intencionada e até francamente simpatizante não aguenta mais ouvir falar em causa gay o tempo todo. No fim das contas, isso dá munição para uma das falácias mais levianas usada contra nós: a de que estamos querendo instaurar uma ditadura da minoria, uma patrulha gay empurrada goela abaixo da maioria. Será que não estamos errando a mão?
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