segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Desejos na fogueira

O ano de 2011 não foi fácil para os gays. Mais chocante que a escalada da violência homofóbica nas ruas foi a ofensiva do fundamentalismo religioso, que sofremos no plano político. A bancada evangélica desfigurou o PLC 122 (que criminalizaria a homofobia) até conseguir tirá-lo de votação, impôs o descarte ao "kit anti-homofobia" do MEC e ainda tentou emplacar em São Paulo o Dia do Orgulho Hétero, uma aberta provocação que gerou projetos semelhantes por todo o País. Para não dizer que não falei de flores, houve também o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, mas essa vitória isolada veio pelas mãos corajosas do Judiciário, única instância de poder a lembrar que o Brasil é um Estado laico - a própria Dilma deu as costas aos gays, depois de tê-los usado como moeda de troca para tentar proteger o ex-ministro Palocci de mais um escândalo.

Enquanto eu acompanhava as catástrofes do noticiário, tentava entender por que os evangélicos gastam tanta energia perseguindo os homossexuais e tentando combater a conquista de seus direitos civis. Seria uma luta aberta por mais visibilidade e poder político, ou pura questão de convicção pessoal? Quem esses fanáticos pensam que são, para saber o que é "bom" para todos e estabelecer como deve se comportar toda a população de um país, incluindo até mesmo aqueles que não são seguidores de sua seita? Por que não se contentam em cuidar da própria vida e administrar o dinheiro dos fiéis? Quem me deu uma luz foi o psicanalista Contardo Calligaris, em uma das suas últimas colunas de 2011 na Folha de S.Paulo [íntegra para assinantes, aqui].

Calligaris afirma que existem duas razões pelas quais o fundamentalista busca impor suas convicções aos outros. Ele precisa que os outros respeitem essas normas pois não consegue impô-las a si mesmo - "ou seja, incapaz de obedecer a seus próprios princípios, ele quer validá-los pela obediência forçada dos outros". E também quer se livrar da inveja que sente da vida dos que não respeitam essas mesmas normas.

O artigo conclui que o debate não se dá entre duas ideias, mas entre os que querem cuidar da vida dos outros e os que acham que cada um deve pensar e agir como quiser, nos limites da lei. Afinal, "os homossexuais não pretendem que os evangélicos passem todos a transar com parceiros do mesmo sexo ou a frequentar baladas gays, enquanto os evangélicos pretendem que os homossexuais se convertam e renunciem ao seu desejo, e sejam privados de viver segundo suas próprias convicções". Por enquanto, como sabemos, quem está levando a melhor são os evangélicos. Mas a evolução da sociedade em direção à tolerância, pelo menos entre a população mais esclarecida, me faz acreditar que há motivos para ter esperança. É só uma questão de tempo.

Espero que neste ano que se inicia todos nós, homossexuais ou evangélicos, possamos ser menos vítimas do preconceito, seja ele vindo de fora ou de dentro, e mais protagonistas dos nossos próprios desejos.

4 comentários:

DANA & CESAR disse...

Amigo, acredito que a intolerância vem também do "medo do desconhecido" e de outros fatores. Um certo dia estava lendo um livro onde constava algo sobre a Igreja Católica em seu início e como ela começou a questionar o homossexualismo (que era até então aceito/tolerado) porque os homossexuais não se reproduzem. Como a Igreja Católica era novidade, eles precisavem da fiéis e passaram a disseminar a idéia de que somente os casais heterossexuais eram "válidos" e que o sexo era somente para fins de procriação (tudo para aumentar o rebanho católico). E daí vc já sabe o resto da história... Abs, Dana

wair de paula disse...

Thiago, infelizmente não acredito num recrudescimento da intolerância, talvez num controle maior da violência neste sentido. Uma amiga faleceu recentemente e, apesar de ter sido católica durante toda sua vida, o padre na missa se recusava a aceitar a companheira dela por 31 anos como a outra parte de um casal, ou da família. Ainda vivemos tempos estranhos, apesar da visibilidade.

Lucas disse...

O foda é não poder encher a boca pra dizer que religião alguma interfere na minha - ou nossas - vidas. Com a bancada evangélica que temos, esse assunto é vital para todo gay que tenha vergonha na cara e não vive alienado no seu mundinho cor-de-rosa. Não conheço gente ubber católica/evangélica/etc, e não tenho que lidar com nenhum colega de trabalho assim, mas acho praticamente impossível mudar a cabeça dessas pessoas através do debate. Por isso temos que nos agarrar no Judiciário.

TONY GOES disse...

A maioria das lideranças evangélicas não acredita sequer em Deus, quanto mais na interpretação retrógrada do evangelho que pregam. Estão somente interessadas no dinheiro.

E muitas delas nem são homofóbicas na vida particular...

Acontece que a imensa maioria do povo brasileiro, sem acesso a educação de qualidade, vivendo ainda sob formas arcaicas de patriarcalismo e no eco de milênios de pregação católica e machista, é homofóbica, sim.

Desta forma, as igrejas neo-pentecostais simplesmente reforçam preconceitos que já existem.

Os gays viram um alvo fácil, um bode expiatório, algo que todos concordam que é pecado.

As poucas igrejas que apóiam os gays não crescem muito...

Mas há algo de novo no ar. Edir Macedo já ameaçou algumas vezes dizer que a homossexualidade não é tão ruim assim (assim como já disse que "sexo é para ter prazer", algo condenado pela Igreja Católica - mas com que a imensíssíma maioria da população concorda, então para quê contraria o gosto da maioria?)

Dizem que o "bispo" (põe aspas nisto) Macedo estaria mudando de opinião por causa de um filho gay. Já eu acho que ele, esperto como é, está sentindo que a maré está virando, ou que virará mais cedo ou mais tarde. As novas gerações são muito menos homofóbicas. E a IURD perdeu 1/4 de seu rebanho nos últimos 10 anos. Precisa se adaptar aos novos tempos, se não quiser desaparecer. Simples a$$im.