quarta-feira, 28 de julho de 2010
Os capitães do bacanal
Ninguém mais agüenta ouvir falar no caso Eliza Samudio & Bruno Fernandes, o "pão e circo" policial de 2010, que ocupa todos os noticiários para preencher a lacuna deixada pelo fim da novela da garotinha arremessada do sexto andar. O produto mais interessante dessa história não foi a atuação histriônica de Ércio Quaresma, o advogado de defesa que confunde Contagem com Hollywood, mas sim uma reportagem que o Fantástico exibiu [vídeo acima], há cerca de duas semanas. Como Bruno disse que conheceu Eliza em uma suruba, a Rede Globo foi atrás da história e descobriu a América: essas festinhas são mais comuns entre os jogadores de futebol do que se pensa.
A reportagem carregou no tom de julgamento moral, sob medida para o telespectador conservador de classe média. Zeca Camargo franziu a sobrancelha ao falar a palavra "orrrrgia", enquanto Patrícia Poeta sentenciou que se tratava de um "submundo de sexo sem limite e drogas", com a fisionomia dramática de quem faz uma seriíssima denúncia. A narração em off continuou a descrição do que seria "uma rede de silêncio e mistério", enquanto prostitutas e agenciadores explicaram como se desenrolam as picantes reuniões, dando os detalhes sórdidos que fizeram a alegria da audiência. Mesmo já tendo participado de filmes eróticos, uma entrevistada disse que se sentiu "suja de estar ali", referindo-se à experiência de ter sido convidada para uma dessas festas.
Vejam só que engraçado: os promíscuos da sociedade, os adeptos de perversões sexuais, os disseminadores de doenças venéreas, as ameaças ao sagrado paradigma da família brasileira... não eram nós, os homossexuais? Sempre foi em nossa direção que se apontaram os dedos. Vivemos um patrulhamento constante, que reverbera inclusive dentro do nosso próprio meio. Quando um blogueiro como Uomini ousa assumir seus desejos e experiências sexuais com franqueza, sem o pudor do politicamente correto, chovem comentários recalcados, apedrejando-o como o mau exemplo que denigre toda a classe LGBTT [já escrevi sobre isso neste post]. Cobram dos gays que se encaixem na moral dominante, que sejam os melhores exemplos de recato e honradez - para que, quem sabe, contando com a boa vontade alheia, eles sejam merecedores da benevolência e da aceitação social.
A verdade, escancarada pela matéria do Fantástico, é que os homens héteros não são diferentes de nós, ou moralmente superiores. Nem mais, nem menos: são iguaizinhos. Podem até adotar uma postura social irrepreensível, porque têm o imperativo da família para castrá-los, mas isso não significa que possuam menos instintos ou vontades. Muitas vezes, reprimem esses desejos, ou então os exercem na surdina - e, nisso, não são "melhores" do que nós, apenas mais hipócritas. No meio gay tudo é mais escancarado, porque já nos acostumamos a estar à margem e temos um estilo de vida mais livre, mas isso não quer dizer que os héteros não aprontem as mesmas coisas. Das esquinas freqüentadas por travestis aos puteiros chiques do Campo Belo, as histórias se repetem. Perguntado pela reportagem sobre as tais surubas no futebol, o ex-jogador e atual técnico do Bahia, Renato Gaúcho, foi taxativo: "Todo clube tem, é inevitável".
Ter fantasias sexuais turbinadas, querer se lambuzar num mar de corpos, saliências e extremidades, isso é da natureza do homem, seja ele hétero ou gay. O que não quer dizer que ele não seja capaz de se envolver afetivamente e praticar a monogamia, como uma escolha, uma decisão consciente. Ou que todos os homens tenham desejos libertinos insaciáveis: a libido e o tesão são fruto da combinação de uma variedade de fatores físicos, psíquicos, sociais e culturais que se manifestam de forma diferente em cada indivíduo, e também oscilam com o tempo. Agora, mais uma vez, nada disso tem a ver com orientação sexual. Há homens gays e héteros rodadíssimos, assim como há homens gays e héteros bastante recatados.
Mas a sociedade é implacável nos seus julgamentos, e adora dar seu pitaco sobre o que é certo e errado na vida privada das pessoas, ferindo o livre-arbítrio de cada um. No caso do ex-goleiro do Flamengo (que, colocado em outro contexto, é um cafuçu altamente umidificante, #prontofalei), não será surpresa se, antes de ser julgado pelo envolvimento (ou não) na morte da maria-chuteira, ele já for condenado porque curte uma boa bacalhoada. No mínimo, isso já será encarado pelos bastiões da moral e dos bons costumes como um mau antecedente, capaz de pesar negativamente na avaliação do delito em discussão.
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27 comentários:
Nossa, fico de cara como vc escreve bem e coloca cada palavra em seu devido lugar exatamente onde ela deve estar, na hora e no exato momento, até a sua acides como a bacalhoada cai como uma cereja em cima do bolo.
Bom seria que todo o planeta lesse esse texto, afinal é isso mesmo, somos taxados de sujos e promíscuos, enquanto heteros são tratados como os certinhos, de família que terão mulher e filho e construirão uma família assim como a sociedade quer, e muitos deles são piores que os taxados gays sujos.
Em compensação, graças ao moralismo e, principalmente, ao machismo da sociedade brasileira, acredito que muitos vejam a atitude do Bruno (se é que foi ele mesmo) como compreensiva, aceitável, já que a Eliza 'era mesmo uma biscate'.
Muitos condenarão o Bruno por suas orgias, mas, sem dúvida, a Eliza será a vítima favorita, será ela mais julgada por seus feitos sexuais. A mulher é sempre mais atacada quando se trata de postura sexual – ai dela de não ser recatada. E outra, não podemos nos esquecer que jogador de futebol, no Brasil, é herói e, por isso, mais facilmente perdoado.
VOCE VIU O VIDEO PORNO DELA?
DANDO O CU PRO CARA QUE FEZ VIDEO COM A
LEILA LOPES....
http://www.xvideos.com/video510096/eliza_samudio_ggs_brasil
Não censurei o comentário acima, pois não foi ofensivo. Mas não me responsabilizo pelo link - fica a critério de cada leitor clicar ou não nele, com todos os riscos envolvidos.
REALMENTE NADA MAIS ESCROTO QUE A ZECA CAMARGO SE FAZENDO DE ASEXUADA!
ACHEI QUE A SAMUDIO NO VIDEO NAO E MUITO BOA DE FODA MEIO PREGUICOSA.
Simplesmente fantástico esse post. Eu sempre odiei esse discurso de que gay é promíscuo etc, etc etc. Enviarei para algumas pessoas não tão inteligentes, mas tão ignorantes quanto.
Genio!
Você não acha que quanto mais abrangente e popular o veículo, mais "leigo" e indulgente à mentalidade do seu público ele é?
A Globo é uma TV pra classe-média-consumidora-de-iogurte. Essa reportagem é um perfeito exemplo disso.
E o pior é quando eu como homossexual me sinto inferior, me achando libertino demais, quão agradável que isso soa, é do nosso próprio cromossomo, é fato. Já era o tempo de pensar que o mundo gay só quer se atirar na pegação, pelo menos na minha ótica. Parabéns pelo post!
Só acho que escapou na análise (e talvez na matéria da tv) o que "une" as histórias das orgias dos jogadores com prostitutas e o assassinato de uma delas. O mesmo homem que compra sexo com uma puta, e que com certeza se acha no direito de fazer o que bem entender, acabou virando o homem que (hipoteticamente) manda matar aquela que ousou avançar a linha que separa uma puta profissional de uma piriguete maria chuteira. É uma questão de poder, e isso foi talvez o que mais chamou atenção para o caso, o cara vai, paga, come, engravida, mata, ele decide tudo, já que ele tem poder. No meio gay tbm é assim com quem usa os serviços de michês, por baixo da linda aura libertária dos desejos desenfreados, há o poder, o de quem paga e o de quem é pago.
SEMPRE PERFEITO! ASSINO ONDE? rs
Mundo maluco esse mesmo... exatamente neste momento, Mamis está conversando com uma amiga aqui na cozinha exatamente sobre a promiscuidade toda envolvida nesse caso.
Como disseram ali em cima, usam desse fator para fazer uma certa aceitação da atitude dela, apenas pelo meio em que ela estava inserida. Como se isso fosse suficiente para apagar toda uma vida repleta de morais e costumes que muito além disso ai que apresentam...
Excelente post. A putaria é um antecendente, quase uma causa do homicídio, assim como a AIDS, nos anos 80, era resultado da homossexualidade. Ainda bem que não vejo a Globo há tempos. Esta semana o Profissão Repórter falou sobre Prostituição masculina e eu vi que iriam numa sauna gay de michês.. imagino como deve ter sido a abordagem
Rafa: caso você esteja curioso, o Tony Goes postou a íntegra da reportagem do Profissão Repórter sobre garotos de programa no blog dele!
Homens são homens, não importa se sejam hétero ou homossexuais. Homem quer trepar. Ponto.
Quando meus amigos héteros dizem que gays "transam demais", eu digo: imagine uma boate onde só tem mulher. Você é o único homem. Mulheres de todos os tipos: feias, bonitas, gordas, magras. Algumas a fim de você, outras não - mas todas a fim de transar. Todas. Legal, né? Onde fica esse paraíso? Agora transforme todas em homens: isto é uma boate gay.
O Marcos Carioca, meu colega de podcast, entrou numa polêmica certa vez com o Caio Blinder porque o apresentador do "Manhattan Connection" disse que os gays eram muito promíscuos. O Marcos se ofendeu, esperneou, disse que promíscuo era a mãe, aquilo tudo que a gente sabe. Pois eu iria na argumentação contrária: os HOMENS é que são promíscuos. Os héteros só não são mais porque não têm tantas oportunidades.
Mas esse nosse agrupamento humano, que chamamos de sociedade brasileira, já melhorou muito. Acredito que o sexo será tratado de uma forma cada vez mais livre. Não há como frear este processo (nem a tal da AIDS) conseguiu. Salve, Dionísio!
Nada contra o sexo e as surubas, as orgias etc. Mas ser contra drogas tem nada a ver com "caretice" ou politically-correct. As boates gays faturam horrores desde que viraram bocas de fumo meio escondidas com direito a musica house para promover a colocaçao ainda mais e sem o mundo gay "das lutas" estar pouco se lixando. Eis uma verdade: é a colocaçao de sexta e sa'bado a noite e nao a falta de camisinha o maior culpado de uma doença chamada AIDS. Mas favor ninguem mele a festa ou fale de droga...o verdadeiro culpado das DST e da alienaçao das baladas onde so' da para fazer sexo sem se conhecer como pessoas.
A moça foi morta, pq debochar dela... "maria-chuteira"...falando em julgamento hein!?
Arthurzinho, cadê o deboche? Marias-chuteiras são meninas que se interessam por jogadores de futebol. E já foi noticiado que a meta da moça era se casar com um, e ela havia tentado com vários. Nenhum julgamento, apenas uma constatação. Qual é o problema?
E as mulheres, não têm desejos e instintos sexuais também não? Isso com certeza não é só coisa de homem. Tudo depende da pessoa, independente do sexo. Há os que transam mais e há os que transam menos, seja homem, mulher, gay ou hétero.
mas não há dúvida que estamos num país moralista e preso a conceitos antiquados... é nosso maior problema.
Avaliação certeira, prática e objetiva.
Essa é a sociedade que é conhecida pelo carnaval de mulheres semi-nuas, mas que se comporta como uma freira-de-clausura quando o assunto é direitos gays, aborto ou outras polêmicas.
Infelizmente será mais uma leva de gerações até o Brasil e sua sociedade estarem avançados nesses quesitos.
Abração!
Assino embaixo tb. E, caso tenha tempo, procure por fotos dos outros irmãos do goleiro Bruno. É A FAMÍLIA cafuzu dilícia!
Quanto a uma eventual condenação, continuo achando que prevalecerá a máxima de que não há crime sem corpo.
Ótima postagem...você tem um poder de redigir nossa.
É a primeira vez que passo por aqui, voltarei outras vezes.
abraços
Hugo
Tiago, pano pra manga esse post. É bom ver a galera discutindo. Cada um com um ponto de vista. Cada um com o seu argumento.
Fato é que a imprensa deve direcionar as reportagens mais para o crime do que para o universo que envolvia o jogador e as meninas que os seguiam. Pq assim eles soam menos sensacionalistas e falsos puritanos.
Sou gay também e sei muito bem como somos vistos. Mas isso vai mudar. De repente é até bom as pessoas verem que sacanagem acontece em todos os universos.
Primeira vez aqui e gostei bastante da forma como vc escreve. Bem trabalhado, cara.
Um abraço
Filipe Eloy
http://tantoquetransborda.blogspot.com
Que mundo podre este que vivemos.
Mas sem pré julgamentos, prefiro fazer minha parte e tudo aquilo que acredito me fazer bem e que não agrida os outros. Se cada um sabe o que faz da vida (ou pelomenos acha que sabe), quem somos nós para julgar.
O jeito é seguir em frente, mandar luz para as pessoas e sempre manter uma coisa que é primordial, o respeito.
A partir do momento que toda a sociedade olha individualmente para si, cuidar de sua vida promovendo mudanças internas, com certeza todo o podre virá a tona e será mandado embora.
Thiago, concordo com algumas de suas palavras. Mas não com todas, o que é natural em temas de alta complexidade.
Acho que boa parte dos heteros é, sim, promíscua. Mas heteros representam 97% da humanidade e ali, sim, a diversidade come solta. Os heteros têm opções, podem ou não cair na gandaia.
Já os gays têm uma tendência clara à promiscuidade. Não sejamos hipócritas. É muito, muito difícil achar alternativa. Sempre levo porrada quando critico o sexo compulsivo e rotativo da maioria dos gays (ou dos gays encontráveis por aí, o que acaba dando no mesmo).
Não conheço um único movimento contra a promiscuidade gay. Não conheço uma campanha em prol das relações estáveis, do respeito etc. O que existem são campanhas para tornar a putaria mais segura, como se isso fosse possível. E quando adoecem, quando sofrem golpes, lá se vão os gays em marcha culpar o Papa, os homofóbicos, as sociedade etc. Ou seja, a hipocrisia não é privilégio dos heteros (ou de alguns deles). Os gays usam truques retóricos para nivelar por baixo certos padrões de comportamento que são, sim, doentios e indefensáveis. E ainda querem sair bem na foto, posando de moderninhos, autênticos etc.
O nome que eu dou a isso é auto-engano. Tenho vários amigos nessa linha e não gosto do que vejo. Levam vidas miseráveis, com direito a golpes e perigos. Viajam nas férias com 10 fodas marcadas por lugar (praticam overbooking pois sabem que metade vai micar). Vivem em academias, tomando bombas, indo a praias... A mim ninguém convence de que isso é normal, porque é patente a infelicidade deles e de seus parceiros.
A conduta de heteros promíscuos não legitima a promiscuidade nem "avaliza" a conduta gay.
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