segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

O adeus ao clubinho do coração

O site Rraurl.com noticiou que o Lov.e, verdadeiro divisor de águas na cena eletrônica do país, vai fechar suas portas definitivamente no final de fevereiro, com uma festa de despedida que reunirá os DJs que ajudaram a fazer a história da casa. A proprietária, Flávia Ceccato, deve abrir outro clube ainda em 2008 (especula-se que na região central).

Quando o Lov.e nasceu, em 1998, o país ainda não tinha clubes especializados, com noites segmentadas, da forma que existe hoje. No começo, o clubinho era freqüentado apenas pela nata do mundinho eletrônico, chegando ao cúmulo de ter uma door policy que barrava quem, aos olhos da hostess, não se encaixasse na proposta da casa. Mais difícil ainda era conseguir entrar na disputada sala VIP - que tinha um quartinho quadrado com paredes de pelúcia e um delicioso camão dourado, onde dava para relaxar a cabeça e engrenar gostosas conversinhas com quem mais estivesse literalmente jogado lá. Para consumir qualquer coisa, era preciso comprar fichinhas em forma de coração - como o pirulito cor-de-rosa que virou hit da casa.

Enquanto o Lov.e foi líder na cena, sua pista de lustres coloridos piscantes atraiu a fauna mais bacana da cidade. A velha guarda do Hell's Club, club kids que estavam descobrindo a música eletrônica, fashionistas, o pessoal das raves. A casa projetou nomes como Renato Cohen e DJ Marky e consagrou a carreira do top Mau Mau. O auge se dava nas manhãs de domingo, no afterhours Lov.e In Paradise, quando vinha gente de todos os lugares para continuar a jogação ali, incluindo até mesmo as barbies descamisadas da Level. A partir das 5 da matina, acontecia uma curiosa "troca da guarda" na pista, com o povo do sábado dando lugar ao povo do after, e tudo ficava deliciosamente ambíguo. As duas únicas cabines do banheiro ferviam com encontros clandestinos dos casais mais improváveis. Nas manhãs mais bombadas, a festa rolava até o meio-dia.

Com a fama, aconteceu o inevitável: começaram a aparecer os leigos, que queriam saber que diabos estava acontecendo ali. Os descolados, que detestam ver seus redutos invadidos, torceram o nariz. O primeiro grande golpe veio em 2003, com a abertura do D-Edge, que roubou do Lov.e o posto de melhor clube eletrônico da cidade. D-Edge, Vegas e Glória fisgaram os modernos e fashionistas, enquanto os afters do Ultralounge e depois a The Week atenderam ao público gay. Mesmo os mauricinhos eletrônicos iniciantes começaram a ter opções melhores no Manga Rosa e, mais tarde, no Pacha. As terças e sextas do Lov.e seguraram a onda por algum tempo, mas aos poucos o clube foi sendo renegado ao esquecimento - hoje sobrevive de noites de techno pesado (Lov.e Express, aos sábados) e black music (Black Lov.e, domingos), já com freqüência bem mais modesta.

O Lov.e é ícone de um tempo que já passou: os rostos que fizeram sua história hoje vão a outros lugares - isso quando já não envelheceram para a noite e sumiram de vez das pistas. Por isso, até surpreende que a casa não tenha fechado as portas antes. Mas a notícia de seu fim deixa uma certa nostalgia em quem acompanhou de perto sua história. Foram momentos especiais dentro do clube (noites históricas com Mau Mau, Marky, Laurent Garnier, Vitalic e tantos outros) e também fora dele (o trio elétrico na saudosa Parada da Paz, o projeto itinerante Lov.e por São Paulo e a Lov.e Tour pelo Brasil afora, com direito a uma festa incrível no Cine Ideal carioca). Não é exagero dizer que o Lov.e foi o responsável pela democratização da música eletrônica no Brasil, comandando a descoberta dessa cultura underground pelo mainstream e influenciando um grande número de outros clubes pelo país. Se hoje temos uma cena altamente diversificada e vibrante, muito disso se deve ao trabalho da equipe que comandou o famoso clubinho do coração.

11 comentários:

Wenk disse...

Percebi que gosta de uma boa culinária, então aqui vai uma dica: Poft Lounge e Café, no Shopping Vertical, 9º andar, dentro da Checklist. Peça um cookies assado na hora... hmmm

Anonymous disse...

o post tá uma delícia! Bjus ;-)Cris

Jack disse...

Não sei como um clube que tinha aquela door policy pode ser responsável pela democratização da música eletrônica no país, mas tudo bem.

Gui disse...

Eu nem era iniciado (98, ne?) na cena eletronica ou gay mas ja ouvia - e muito - falar do Lov.e aqui no Rio.

Alias, to precisando de um pouco de SP, sabia?

Rob disse...

minha primeira bala no Brasil foi tomada la...momento inesquecivel ...e muitas outras noites increveis passei la...vai trazer saudades vai virar historia com o os bafons do Massivo..Beijos da NZ

marcelo oliveira disse...

Bom...tantos primeiros eu posso dizer do Lov.e. Sem dúvida já deixou saudades. Boa Sorte para a Flavia no novo empreendimento. Espero que ela consiga mais uma vez trazer fresh air e democratizar um pouco mais a mesmice que andam as opções e mixar os públicos, como um dia foi.

Dedos cruzados!

Thiago Lasco disse...

Wenk: Shopping Vertical? Onde fica isso? Gostei desse nome Big Poft, parece que deram uma grande bofetada na cara! Poft!

Jack: a door policy foi só no comecinho, tipo no primeiro ano; a democratização veio depois ;)

Gui: Dentro dessas influências que o Lov.e espalhou pelo país, o Rio teve a Bunker, que teve um papel bem parecido dentro da cena carioca (e quem foi às raves da Bunker não esquece...)

Clebs disse...

Eu não era iniciado mas fui à um Bunker Rave láaaaaaaaaa no sec. XX em vargem grande, quando tudo não era Über/Mega/Supe/Ultra e dava uma galera que conhecia muito de música e sabia fazer festa boa... fantástico você lembrar disso no comentário acima!

Nunca fui na Lov.e, mas se vc diz que a Bunker era (sim era, pq essa Bunker Branca é uó) a Lov.e carioca, deu para imaginar o que significou...

marcelomlino disse...

É uma pena mesmo o L.OVE fechar suas portas. Lembro da época em que saia da DIESEL e rumava para o after do clube da rua Pequetita ( que um amigo maluco cismou que se chamava "Chiquitita"...rsrsrs...). Adorava a música e, principalmente, o visual do clube que tinha um quê de festinha do Austin Powers (?!). Lá me diverti muito, conheci pessoas bacanas e tive ótimos momentos.

Estefanio disse...

O seria das nossas histórias futuras se as coisas nunca acabassem! É ruim mais é bom poder dizer: havia uma época que tinha um club que democratizou a e-music!
havia um blog de uma trava chamada katylene beesmarchy...
hahaha adoro saudosismo!

TONY GOES disse...

Depois eu te conto pessoalmente o que me aconteceu na única vez em que fui ao after do Lov.e.