A trilha sonora do meu mês de janeiro foi O Que Você Quer Saber de Verdade, último disco da Marisa Monte. Nunca fui um fã incondicional dela: detesto a fase Tribalistas, e tenho certa preguiça de artistas que agem como estrelas o tempo todo, como a imprensa dá a entender que é o caso dela. Mas amo o disco Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000), que tem uma delicadeza ímpar, e me soa como a tradução de uma tarde perfeita de outono entre a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Leblon.
Pois bem: O Que Você Quer Saber... é a continuação de Memórias. Todas as faixas poderiam estar naquele disco: "Descalço no Parque", "Amar Alguém", "Verdade, Uma Ilusão" e "Bem Aqui" são irmãs mais novas de "Abololô", "Gotas de Luar" e "Sou Seu Sabiá". Se ainda estivéssemos na época dos compactos, a melancólica "Depois" seria o lado B perfeito para "O Que Me Importa". Há uma diferença, e ela já se nota na faixa de abertura, que dá nome ao álbum: os arranjos estão bem mais sofisticados, o que só realça as qualidades vocais de Marisa. "Era Óbvio" é uma das faixas mais bonitas da carreira dela, sem dúvida.
Para tudo ficar ainda mais gostoso, ela deixou de lado aqueles sambinhas insossos e focou no que sabe fazer de melhor: baladinhas com um pé na MPB e outro no pop. "Ainda Bem", "Aquela Velha Canção" e "Era Óbvio" grudam rápido no ouvido. "O Que Se Quer", minha favorita do disco, tem uma segunda voz idêntica a Tom Jobim (é Rodrigo Amarante). As letras mantêm a qualidade habitual, com destaque para "Depois", que retrata o fim de um relacionamento com uma sensibilidade arrepiante, e para o quase-forró "Hoje Eu Não Saio Não".
O disco é apaixonante e ganha mais corpo e unidade a cada nova audição. Não tem uma única faixa piorzinha que mereça um skip para a seguinte. OK, sou obrigado a reconhecer que, do ponto de vista artístico, não houve um pingo de ousadia: Marisa se manteve em território seguro, fez mais do mesmo, repetiu uma receita testada e aprovada, palatável para as rádios e trilhas de novela. Mas ela está cada vez melhor naquilo a que se propõe. Talvez eu me enjoe se ela lançar um terceiro disco igual aos anteriores. Desta vez, porém, ela soube entregar tudo o que eu queria ouvir de verdade.
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
domingo, 29 de janeiro de 2012
O lanche fashionista do Chez Burger
Provei e aprovei o Chez Burger, nova cria dos sócios da Surface to Air e do Lorena 1989. A lanchonete tem cardápio minimalista: oito sanduíches, três saladas, dois milkshakes e três sobremesas. Só. Eu e minha mãe apostamos no secreto burger, com pão soft roll (em forma de roseta, bem macio), uma carne suculenta (com menos que as 200g anunciadas), queijo gruyère derretido no ponto certo (casamento perfeito!) e, para dar o arremate, uma compota de cebola deliciosa, meio agridoce, que vem num potinho à parte. Bem mais gostoso que o venerado hambúrguer do Ritz, que foca no mesmo público fashionista-de-óculos-nerd. Aliás, já entrou pro meu pódio de favoritos, junto com o St. Louis e o Zé do Hambúrguer.
Preciso dizer que não fiquei apaixonado pelo ambiente. Quem frequenta o Lorena 1989 vai reconhecer no Chez Burger as mesmas paredes brancas de acabamento grosseiro e cadeiras desconfortáveis daquele restaurante. No dia da visita, o serviço foi bem mais lento que o admissível, mas os meninos foram simpáticos e explicaram que o sistema de pedidos da casa estava com defeito. Sem problema: voltarei várias vezes para repetir o secreto burger - e, depois do fim da minha dieta pré-carnaval, para testar os milk shakes de pistache e gianduia, que parecem ser incríveis também.
[Foto: Mario Rodrigues/VEJA]
Preciso dizer que não fiquei apaixonado pelo ambiente. Quem frequenta o Lorena 1989 vai reconhecer no Chez Burger as mesmas paredes brancas de acabamento grosseiro e cadeiras desconfortáveis daquele restaurante. No dia da visita, o serviço foi bem mais lento que o admissível, mas os meninos foram simpáticos e explicaram que o sistema de pedidos da casa estava com defeito. Sem problema: voltarei várias vezes para repetir o secreto burger - e, depois do fim da minha dieta pré-carnaval, para testar os milk shakes de pistache e gianduia, que parecem ser incríveis também.
[Foto: Mario Rodrigues/VEJA]
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Jogação jóia
Já foi conhecer o Cine Joia, aquele cinema dos anos 50 que Facundo Guerra e Lúcio Ribeiro reformaram e transformaram em casa de shows? Parece que o lugar ficou uma beleza, com decoração caprichada e uma vocação híbrida, que também serve como clube. Eu estava esperando alguma boa oportunidade, e ela chegou. Amanhã, véspera do feriado de aniversário de São Paulo, quem se apresenta por lá é Gui Boratto, um dos DJs brasileiros de maior sucesso no mundo hoje.
No Full Live Show, as batidas tocadas pelo DJ serão acompanhadas por projeções, criando uma "odisseia audiovisual". Consta que serão usadas 2 toneladas de equipamento para a performance. A balada também vai contar com a dupla inglesa Layo & Bushwacka, que já tocou várias vezes no Brasil e sabe fazer uma pista de festa acontecer como poucos. Já animei aqui! Vamos?
[Uma curiosa coincidência: o Rio de Janeiro também tem um Cine Joia antigão que voltou à vida. Ele fica em plena Av. Nossa Senhora de Copacabana e, ao contrário do xará paulistano, está funcionando como cinema mesmo, passando filmes alternativos ao circuitão blockbuster, como Medianeras e O Garoto da Bicicleta. Mais detalhes no blog dele.]
No Full Live Show, as batidas tocadas pelo DJ serão acompanhadas por projeções, criando uma "odisseia audiovisual". Consta que serão usadas 2 toneladas de equipamento para a performance. A balada também vai contar com a dupla inglesa Layo & Bushwacka, que já tocou várias vezes no Brasil e sabe fazer uma pista de festa acontecer como poucos. Já animei aqui! Vamos?
[Uma curiosa coincidência: o Rio de Janeiro também tem um Cine Joia antigão que voltou à vida. Ele fica em plena Av. Nossa Senhora de Copacabana e, ao contrário do xará paulistano, está funcionando como cinema mesmo, passando filmes alternativos ao circuitão blockbuster, como Medianeras e O Garoto da Bicicleta. Mais detalhes no blog dele.]
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Club Yacht celebra a volta do kitsch
Com uma abarrotada festa de inauguração para convidados, veio ao mundo ontem o Club Yacht, nova empreitada de Facundo Guerra, Cacá Ribeiro e Bob Yang, que estão por trás de sucessos da noite paulistana como Vegas, Lions, Ultralounge e o também recente Cine Joia. A boate, que fica no coração do Bixiga, a poucos metros do Glória, aponta tanto para os fashionistas e órfãos do Ultra como para os descamisados que ouvem house tribal. Os sábados começam bem pop, com o projeto Champagne Deck, e prosseguem no after Bonjour, a partir das 4h30, com residência de João Neto (que saiu da The Week em circunstâncias pouco esclarecidas). O tema náutico orienta toda a concepção estética, como se vê nas fotos que ilustram este post, feitas por Edu Girão para a revista Casa Vogue.
A decoração da casa inclui uma fachada em estilo art déco, paredes com rebuscadas esculturas em alto relevo, painéis que imitam a fuselagem de um navio, um corredor de espelhos com desenhos de escamas de peixe, um aquário no final da pista e um cavalo-marinho gigante na área externa. Tudo é tão cenográfico que, em um primeiro momento, eu me senti em uma daquelas suítes temáticas de motel. Aos poucos, fui entrando no clima e entendendo melhor qual era a proposta do lugar.
A opulência visual do Yacht parece ilustrar uma mudança de paradigma na noite paulistana. Sai o minimalismo low profile de casas como D-Edge e Sonique e entra a retomada de uma estética kitsch, teatral e exagerada - movimento que foi iniciado pelo Lions e amplificado pelo The Society. Nesse contexto, o que era considerado francamente over e cafona há poucos anos ressurge como desejável. A nova ordem sugere mais glamour e montação - como talvez tenha sido a atmosfera dos clubes do final dos anos 70, de onde vieram os equipamentos de iluminação do Yacht, restaurados de casas antigas.
No fim das contas, a vida é feita de ciclos e tudo que some, um dia, reaparece: até o cinto tressê voltou a ser tendência (e não deve demorar a dar as caras por lá, pelas mãos das fashion victims de plantão). Eu acredito no potencial do Yacht. Com ousadia e originalidade indiscutíveis, a casa deve fazer uma bela carreira dentro do seu nicho. Só não dá para ir lá usando nada listrado - a overdose navy é tão intensa que você periga ser confundido com parte da decoração.
A decoração da casa inclui uma fachada em estilo art déco, paredes com rebuscadas esculturas em alto relevo, painéis que imitam a fuselagem de um navio, um corredor de espelhos com desenhos de escamas de peixe, um aquário no final da pista e um cavalo-marinho gigante na área externa. Tudo é tão cenográfico que, em um primeiro momento, eu me senti em uma daquelas suítes temáticas de motel. Aos poucos, fui entrando no clima e entendendo melhor qual era a proposta do lugar.
A opulência visual do Yacht parece ilustrar uma mudança de paradigma na noite paulistana. Sai o minimalismo low profile de casas como D-Edge e Sonique e entra a retomada de uma estética kitsch, teatral e exagerada - movimento que foi iniciado pelo Lions e amplificado pelo The Society. Nesse contexto, o que era considerado francamente over e cafona há poucos anos ressurge como desejável. A nova ordem sugere mais glamour e montação - como talvez tenha sido a atmosfera dos clubes do final dos anos 70, de onde vieram os equipamentos de iluminação do Yacht, restaurados de casas antigas.
No fim das contas, a vida é feita de ciclos e tudo que some, um dia, reaparece: até o cinto tressê voltou a ser tendência (e não deve demorar a dar as caras por lá, pelas mãos das fashion victims de plantão). Eu acredito no potencial do Yacht. Com ousadia e originalidade indiscutíveis, a casa deve fazer uma bela carreira dentro do seu nicho. Só não dá para ir lá usando nada listrado - a overdose navy é tão intensa que você periga ser confundido com parte da decoração.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
Três formas de amar 2.0
Triângulo Amoroso, do diretor alemão Tom Tykwer (de Corra Lola Corra), foi a primeira boa surpresa do meu ano no cinema. Tykwer usa uma narrativa ágil e enxuta para contar a história do simpático casal Hanna e Simon. Na intensa vida social que eles levam em Berlim, sobra cada vez menos espaço para estarem um com o outro. Por um golpe do destino, os dois conhecem Adam em ocasiões diferentes (ela em um congresso, ele em um vestiário) e começam a se envolver com ele, sem que o outro saiba. Isso provoca transformações surpreendentes na relação do casal.
Com personagens carismáticos e situações críveis, o filme propõe um olhar bastante atual sobre os desafios que cercam as relações afetivas. Não é preciso ter vivido um caso extraconjugal para se identificar com a história - e repensar suas velhas certezas sobre a tal da fidelidade. Tykwer passa longe de lições de moral e propõe uma sexualidade fluida, livre de rótulos e cheia de possibilidades. O resultado é leve, divertido e altamente inspirador. Assim como o simpático Três Formas de Amar (1994), Triângulo Amoroso é um desses filmes visionários que antecipam mudanças comportamentais de um futuro cada vez mais próximo.
Com personagens carismáticos e situações críveis, o filme propõe um olhar bastante atual sobre os desafios que cercam as relações afetivas. Não é preciso ter vivido um caso extraconjugal para se identificar com a história - e repensar suas velhas certezas sobre a tal da fidelidade. Tykwer passa longe de lições de moral e propõe uma sexualidade fluida, livre de rótulos e cheia de possibilidades. O resultado é leve, divertido e altamente inspirador. Assim como o simpático Três Formas de Amar (1994), Triângulo Amoroso é um desses filmes visionários que antecipam mudanças comportamentais de um futuro cada vez mais próximo.
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Kayomix, o sushi salvador da madrugada
Voltei do Rio bem tarde no domingo e bateu aquela vontade de comida japonesa. Como passava da meia-noite, a primeira coisa que me ocorreu foi a clássica solução de baixo custo da madrugada: um temaki. Toquei pro Itaim, meu bairro vizinho. Fiquei surpreso ao constatar que as duas casas que eu frequentava nesse horário, Ícone e Koni Store, simplesmente não existiam mais. Tentei a Temakeria & Cia. (meio a contragosto, pois acho bem ruinzinha), mas já estava fechada. Lembrei de um Jap's que ficava dentro de um posto de gasolina na Peixoto Gomide e tinha me salvado algumas vezes; também fechado. Então tive um estalo e desenterrei um restaurante onde eu não aparecia havia uns bons dez anos: o Kayomix.
Como nos velhos tempos em que a rua da Consolação fervia, o lugar continua funcionando até as 3h, com tatames em um dos cantos e um burburinho agradável no salão. A R$21, o cone de salmão custa praticamente o dobro do que cobram as temakerias expressas. Logo vi de onde vinha a diferença: o frescor do salmão não lembra nem de longe o gosto de peixe congelado dos concorrentes mais baratos. Empolgado, pedi uma porção de uramakis de salmão com shimeji e tive outra boa surpresa. Estava bem mais gostosa que a do Koi, que tinha uns cogumelos enormes, de gosto amargo e péssimo aspecto.
Continuei zapeando pelo cardápio e vi a opção do rodízio, por R$40 no almoço e R$47 no jantar. Fiquei impressionado com as opções quentes - a variedade oferecida é enorme, vai muito além do combo missoshiro-guioza-yakissoba-tempurá e inclui vários pratos de peixe preparados no alumínio [eu não os anotei, pensando que poderia ver o menu na internet, e me dei mal!]. Confesso que eu não gostava muito da comida do Kayomix, mas, depois dessa boa experiência, fiquei tentado a voltar para dar uma chance ao rodízio. Até porque o meu favorito de sempre, Mori Sushi, anda errando a mão nas invencionices e deu umas derrapadas feias nas minhas últimas visitas. O Kayomix pode até não ser um dos dez melhores japas de SP, mas o horário simpático já serve para destacar a casa no meio da multidão.
Como nos velhos tempos em que a rua da Consolação fervia, o lugar continua funcionando até as 3h, com tatames em um dos cantos e um burburinho agradável no salão. A R$21, o cone de salmão custa praticamente o dobro do que cobram as temakerias expressas. Logo vi de onde vinha a diferença: o frescor do salmão não lembra nem de longe o gosto de peixe congelado dos concorrentes mais baratos. Empolgado, pedi uma porção de uramakis de salmão com shimeji e tive outra boa surpresa. Estava bem mais gostosa que a do Koi, que tinha uns cogumelos enormes, de gosto amargo e péssimo aspecto.
Continuei zapeando pelo cardápio e vi a opção do rodízio, por R$40 no almoço e R$47 no jantar. Fiquei impressionado com as opções quentes - a variedade oferecida é enorme, vai muito além do combo missoshiro-guioza-yakissoba-tempurá e inclui vários pratos de peixe preparados no alumínio [eu não os anotei, pensando que poderia ver o menu na internet, e me dei mal!]. Confesso que eu não gostava muito da comida do Kayomix, mas, depois dessa boa experiência, fiquei tentado a voltar para dar uma chance ao rodízio. Até porque o meu favorito de sempre, Mori Sushi, anda errando a mão nas invencionices e deu umas derrapadas feias nas minhas últimas visitas. O Kayomix pode até não ser um dos dez melhores japas de SP, mas o horário simpático já serve para destacar a casa no meio da multidão.
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
Desejos na fogueira
O ano de 2011 não foi fácil para os gays. Mais chocante que a escalada da violência homofóbica nas ruas foi a ofensiva do fundamentalismo religioso, que sofremos no plano político. A bancada evangélica desfigurou o PLC 122 (que criminalizaria a homofobia) até conseguir tirá-lo de votação, impôs o descarte ao "kit anti-homofobia" do MEC e ainda tentou emplacar em São Paulo o Dia do Orgulho Hétero, uma aberta provocação que gerou projetos semelhantes por todo o País. Para não dizer que não falei de flores, houve também o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, mas essa vitória isolada veio pelas mãos corajosas do Judiciário, única instância de poder a lembrar que o Brasil é um Estado laico - a própria Dilma deu as costas aos gays, depois de tê-los usado como moeda de troca para tentar proteger o ex-ministro Palocci de mais um escândalo.
Enquanto eu acompanhava as catástrofes do noticiário, tentava entender por que os evangélicos gastam tanta energia perseguindo os homossexuais e tentando combater a conquista de seus direitos civis. Seria uma luta aberta por mais visibilidade e poder político, ou pura questão de convicção pessoal? Quem esses fanáticos pensam que são, para saber o que é "bom" para todos e estabelecer como deve se comportar toda a população de um país, incluindo até mesmo aqueles que não são seguidores de sua seita? Por que não se contentam em cuidar da própria vida e administrar o dinheiro dos fiéis? Quem me deu uma luz foi o psicanalista Contardo Calligaris, em uma das suas últimas colunas de 2011 na Folha de S.Paulo [íntegra para assinantes, aqui].
Calligaris afirma que existem duas razões pelas quais o fundamentalista busca impor suas convicções aos outros. Ele precisa que os outros respeitem essas normas pois não consegue impô-las a si mesmo - "ou seja, incapaz de obedecer a seus próprios princípios, ele quer validá-los pela obediência forçada dos outros". E também quer se livrar da inveja que sente da vida dos que não respeitam essas mesmas normas.
O artigo conclui que o debate não se dá entre duas ideias, mas entre os que querem cuidar da vida dos outros e os que acham que cada um deve pensar e agir como quiser, nos limites da lei. Afinal, "os homossexuais não pretendem que os evangélicos passem todos a transar com parceiros do mesmo sexo ou a frequentar baladas gays, enquanto os evangélicos pretendem que os homossexuais se convertam e renunciem ao seu desejo, e sejam privados de viver segundo suas próprias convicções". Por enquanto, como sabemos, quem está levando a melhor são os evangélicos. Mas a evolução da sociedade em direção à tolerância, pelo menos entre a população mais esclarecida, me faz acreditar que há motivos para ter esperança. É só uma questão de tempo.
Espero que neste ano que se inicia todos nós, homossexuais ou evangélicos, possamos ser menos vítimas do preconceito, seja ele vindo de fora ou de dentro, e mais protagonistas dos nossos próprios desejos.
Enquanto eu acompanhava as catástrofes do noticiário, tentava entender por que os evangélicos gastam tanta energia perseguindo os homossexuais e tentando combater a conquista de seus direitos civis. Seria uma luta aberta por mais visibilidade e poder político, ou pura questão de convicção pessoal? Quem esses fanáticos pensam que são, para saber o que é "bom" para todos e estabelecer como deve se comportar toda a população de um país, incluindo até mesmo aqueles que não são seguidores de sua seita? Por que não se contentam em cuidar da própria vida e administrar o dinheiro dos fiéis? Quem me deu uma luz foi o psicanalista Contardo Calligaris, em uma das suas últimas colunas de 2011 na Folha de S.Paulo [íntegra para assinantes, aqui].
Calligaris afirma que existem duas razões pelas quais o fundamentalista busca impor suas convicções aos outros. Ele precisa que os outros respeitem essas normas pois não consegue impô-las a si mesmo - "ou seja, incapaz de obedecer a seus próprios princípios, ele quer validá-los pela obediência forçada dos outros". E também quer se livrar da inveja que sente da vida dos que não respeitam essas mesmas normas.
O artigo conclui que o debate não se dá entre duas ideias, mas entre os que querem cuidar da vida dos outros e os que acham que cada um deve pensar e agir como quiser, nos limites da lei. Afinal, "os homossexuais não pretendem que os evangélicos passem todos a transar com parceiros do mesmo sexo ou a frequentar baladas gays, enquanto os evangélicos pretendem que os homossexuais se convertam e renunciem ao seu desejo, e sejam privados de viver segundo suas próprias convicções". Por enquanto, como sabemos, quem está levando a melhor são os evangélicos. Mas a evolução da sociedade em direção à tolerância, pelo menos entre a população mais esclarecida, me faz acreditar que há motivos para ter esperança. É só uma questão de tempo.
Espero que neste ano que se inicia todos nós, homossexuais ou evangélicos, possamos ser menos vítimas do preconceito, seja ele vindo de fora ou de dentro, e mais protagonistas dos nossos próprios desejos.
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