Na edição da Folha de S. Paulo de hoje, a colunista Mônica Bergamo falou sobre um assunto que eu já venho comentando há muito tempo: os homens héteros estão cada vez mais parecidos com os gays. Seus corpos supersarados, esculpidos com muita bomba e depiladíssimos, enfeitados com adornos como correntes de prata, parecem ter saído diretamente das pistas gays descamisadas. Até as grifes são as mesmas: óculos Prada, cintos e acessórios Dolce & Gabbana, cuecas Calvin Klein. Ou seja: está cada vez mais difícil dizer quem é quem, a confusão é geral.
Eu comecei a constatar isso há uns três anos, no Rio de Janeiro, a consagrada capital dos anabolizantes no Hemisfério Sul. Indo a festas héteros, comecei a ver um monte de caras que pela aparência tinham um enorme “potencial gay”, mas simplesmente não eram. O meu olhar, afiado de tanto freqüentar X-Dementes e outras festas gays, fazia meu radar apitar a toda hora – mas eram, em sua grande maioria, alarmes falsos. Os códigos das barbies gays estavam todos ali, mas eles gostavam era de mulher. Mais tarde, fui percebendo esse mesmo fenômeno também na pista do clube Sirena, em Maresias, e no cada vez maior número de raves, onde a aproximação das tribos em torno da música eletrônica acabava facilitando essa apropriação de referências.
A reportagem do jornal conversou com vários exemplares dessa nova onda de bofes-barbie (inclusive em Ipanema, como era de se esperar). E apontou todos os ingredientes de que falei acima: os corpos bombados e depilados, as correntes prateadas, as tatuagens e o apego às grifes. Tirou fotos de vários (e também de barbies gays, para mostrar as semelhanças) e colheu depoimentos até interessantes, como o de um hétero que diz que na verdade são os gays que estão imitando os héteros bombados, inspirados no sucesso que esses fazem com as mulheres. (A-ham...)
Essa onda de adesão heterossexual a uma estética gay não chega a surpreender. Afinal, os gays sempre anteciparam tendências mesmo, isso é um fato histórico. Só para ficar em um exemplo bobo, se em meados dos anos 90 os tricôs finos ganharam as araras de lojas como VR e Crawford, foi porque anos antes eles foram usados e consagrados entre o público fashion (e gay) de lojas como Zoomp e Iódice.
Se os gays estão sempre à frente, é porque são destemidos, ousam mais e experimentam sem medo, não se podam tanto como os héteros. Por serem acostumados a viver à margem, eles aprendem a não dar tanto ouvido para as opiniões alheias, a se bastar sozinhos e dar de ombros às eventuais críticas. E é essa mistura de coragem e criatividade que gera novas idéias, novas estéticas e novos comportamentos que, depois de testados e aprovados no mundinho, aos poucos ganham o mundão, ainda que numa versão diluída.
A reportagem da Mônica Bergamo fez um retrato bem fidedigno dos héteros que levaram um banho de X-Demente, mas não explorou o outro lado da moeda, e que eu sempre venho comentando com meus amigos. Muitos gays também estão com um visual cada vez mais hétero. E isso não por aquela preocupação de parecer insuspeito, de não dar pinta, de fugir do preconceito, e sim por livre escolha, uma questão de preferência pessoal, de estilo mesmo.
O primeiro exemplo que me vem à cabeça é a crescente adesão dos gays a códigos e marcas de streetwear e surfwear, como Quiksilver e Rip Curl. E tome bermudões lá embaixo, moletons de zíper e capuz, bonés de skatista. É verdade que as passarelas andaram promovendo uma fashionização da roupa esportiva (vide Cavalera, Sommer, Triton), mas não é a isso que eu me refiro, e sim a uma adoção do legítimo sportwear – aquele que se encontra nas lojas da Galeria River (no Rio) ou nas dezenas de multimarcas do Shopping Metrô Tatuapé (em SP). Depois de começar com a Osklen e a Blue Man, os gays foram aos poucos pesquisando outras marcas e compondo looks cada vez mais bofes.
Outro item providencial no guarda-roupa do “gay com cara de hétero” é a calça de capoeira. A onda começou na academia, onde alguns poucos faziam capoeira e depois colocavam uma camiseta por cima para treinar musculação. Depois, essa combinação acabou ganhando as ruas – e outros adeptos que passam bem longe do esporte. É um visual confortável, de certa forma estiloso, e que passa uma atitude autêntica - de bofe.
Para terminar, não posso deixar de mencionar uma das marcas de roupa mais cobiçadas pelas próprias barbies (as barbies gays mesmo, não essas “neobarbies HT”): a americana Abercrombie & Fitch. Em todas as suas coleções, não há absolutamente nenhuma referência ao universo gay, nenhum detalhezinho fashion, nada. É uma estética completamente neutra nesse sentido, 100% heterossexual. E a marca tornou-se objeto de desejo justamente onde ? Dentro da boate gay.
E o que eu acho disso tudo ? Eu não acho nada. Aliás, acho ótimo. Tem mais é que miscigenar mesmo, misturar referências e derrubar rótulos. As pessoas precisam se prender menos a códigos e ser mais criativas, transitar livremente e compor uma individualidade própria. E outra: com essa ambigüidade cada vez maior, as pessoas vão passar a fazer menos julgamentos e presunções pré-concebidos a partir da aparência das outras, e olhar mais para o lado de dentro delas. E verão que, no fundo, roupa pode dizer muito, mas não deixa de ser só um detalhe.
7 comentários:
Oi meu lindinho.. como sempre eu adorei o que li no conteudo e na forma.
Uma linguagem bem fluida e de facil entendimento.
Quanto ao tema.... HT's vestindo-se como "bambis grifados" e algo notavelmente universal. HT esta ficando mais "viado" que o proprio gay. E ate engracado......
A imagem estetica e ainda mais gritante na Italia. Italianos se vestem de uma maneira tao "cheguei" e grifada que para mim e um choque cultural mesmo tendo passado la quase um ano.
Ano passado no verao a moda em Milao/roma era usar decotes de uma gola em V quase chegando no umbigo. Algo horrivel, mas adotado por todos os homens italianos. Possivelmente chegou ai essa versao "Uso Valentino e dai?, porem eh de verdadeiro mal gosto em minha opiniao.
Eu queria perguntar sobre uma frase que voce colocou no teu MSN. Assalto a mao armada ou algo assim.
O que aconteceu? Quando tiver um tempinho me informe.
Beijos e nao sei se o Xande falou contigo, mas vamos para o Rio?
Neto
Essa estetica gay ja acontece ha muito tempo, unida, cada vez mais, à exploração da beleza do corpo masculino. Certa "culpa" é daquelas famosas propagandas de cuecas CK.
Quanto ao assunto, percebo que o primeiro movimento acontece mais em SPaulo e o segundo, no Rio.
Em SP os HTs sao mais cuidadosos, cabelos alinhados, gel, roupas internacionais, muita pose, endinheirados. Acabam em uma estetica gay por excelência.
No Rio, é facilmente identificável o playboy do Leblon, que não liga muito pra roupa de grifes internacionais e têm aquele estilo Osklen (sol e marra) de se vestir - coisas que HTs paulistanos não fazem. Do lado oposto, o gay carioca que põe um camisa e um bermudão Osklen fica a cara do playboy Zona Sul.
O fato mais importante dessa matéria foi o cara (pertencente a outro grupo e o que nunca dava sua cara a tapa, pois qdo o fazia se assumia como bi e não gay) vir a um veiculo e falar EU SOU HOMEM E CURTO HOMEM. Isso é grandioso!
visita meu blog depois: www.cariocavirtual.blogspot.com
sou novo nessa história e quero ouvir a opinião de gente que está na estrada.
abraço.
De jornalista pra futuro jornalista... Tá bom o texto, viu. tá com o que a gente chama de "molho". O final tá bem pessoal, pq of course é pra o seu blog, né lindo. Mas o "do particular pro geral" (jargão da área) do último parágrafo poderia ser extendido um pouco mais sem ser pessoal (se fosse uma matéria a ser publicada). Beijo e saudades aqui da neve e morra de inveja que vou dançar ao som de chus and Ceballos hoje.
Eae, moço, td bem? Passando para deixar um oi.
Gatinho,
so pra lembrar o antigo ditado: "Quando o povo fala, foi, eh ou dah pra ser"
Suppress
FXXXXX
Os milaneses sao tao montados que chega a ser inaguentavel, de verdade. Mas globalmente, acho que temos todos esse discurso, entre o direito a diferenca (de ser diferente e poder mostrar a nossa exuberancia quando quisessemos), ou o direito a indiferencia (de ser tratado igualmente, qualquer que seja sua sexualidade, sem que ninguem note nada).
Acho uma progressao sa, uma evolucao mesmo, de ver os nossos ghettos desaperecerem - agora fica mais dificil achar o bairro gay numa cidade, ja que os gays nao precisam mas se esconder em tal ou tal bairro. o castro de sao francisco parece um museo e da mais piedade que vontade.
Faz ja dez anos, fui num after gay em barcelona, eu tava passado com os HT espanois que vi la: nos chamamos eles de "heteros-gays". nao eram so metrosexuais (tipo bem cuidados), mas tbm tinham toda a "atidude gay", no bom sentido (que muitos gays nem tem, de passagem).
de fato, eu nao tinha necessariamente reperado, mas esse movimento gay de "querer parecer hetero" e meio ironico, de uma maneira. Queriamos ser inovadores, a margem, e hoje so queremos ser tradicionais.
Efeito colateral: sera que os gays vao ficar antecipando coisas? parece que estao perdendo essa capacidade para inovar, esse pioneirismo? tem muita gente na europa que nao quer mas ouvir do meio gay, porque e "coisa do passado" ou "coisa cafona". e as melhores festas estao sendo as que combinan um poco de tudo mundo: gay, heteros, mulheres,...
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