Minha vivência em Brasília foi bem mais breve do que em outras cidades para as quais escrevi um sobe-e-desce no blog, como Recife, Buenos Aires, Salvador e Florianópolis. Como sempre, tentei aproveitar meu tempo da melhor maneira possível: fiz uma pesquisinha básica antes de viajar e um monte de perguntas para as pessoas que conheci depois. Ainda assim, foram menos de 48 horas, e sei que algumas impressões podem mudar nas minhas visitas seguintes. O que fica registrado aqui é apenas o resultado desse primeiro contato, que foi bastante fugaz.UAU:
WASHINGTON TUPINIQUIM. É muito legal fazer o chamado "turismo cívico" uma vez na vida e ver de perto os prédios de onde se governa o nosso imenso país, alinhados na Esplanada dos Ministérios. De repente, aquilo que parece distante e inatingível na TV se torna real e palpável. Ao contrário do que muitos imaginam, o astro-rei do pedaço não é o prédio ocupado pelo Presidente da República (o Palácio do Planalto tem a mesma arquitetura caixotesca de vários outros edifícios, e a tal rampa presidencial é pequena e sem glamour), mas a sede do Poder Legislativo: o Congresso Nacional, aquela construção com uma cúpula para cima (Câmara) e outra para baixo (Senado). Para quem tiver tempo e interesse, visitas guiadas mostram o interior da casa.
UMA CIDADE FOTOGÊNICA. Brasília é um destino interessante para quem curte fazer safáris fotográficos. Amantes de arquitetura (estou descobrindo que esse assunto me interessa mais do que eu imaginava) e turistas em geral se encantam com as construções modernistas desenhadas por Oscar Niemeyer - minha preferida é a Catedral Metropolitana. Durante os meses de estiagem, o céu da cidade ganha dramáticos tons de vermelho, laranja e rosa no fim do dia - é comum encontrar cartões postais retratando a capital nessa época. Eu, que não resisto a um bom pôr-do-sol, espero poder presenciar esse espetáculo algum dia.QUALIDADE DE VIDA. O projeto urbanístico de Lúcio Costa criou uma cidade ampla e arejada, com prédios limitados a apenas seis andares de altura. Como resultado, sobram céu e horizonte, tudo o que falta em São Paulo. O trânsito flui bem, sem congestionamentos, e os motoristas parecem ter sido educados num colégio interno suíço: não passam de 60km/h, não usam a buzina e param para o pedestre atravessar (talvez por ser raro encontrar pedestres por lá). Não há pedintes: a lógica do Plano Piloto varre a miséria para baixo do tapete, confinando os pobres nas cidades-satélite vizinhas. Com isso, muita gente de fora acaba gostando de não encontrar os problemas típicos das metrópoles do Sudeste e resolve ficar de vez por lá, atraída pela remuneração dos concursos públicos.
RESTAURANTES CHARMOSOS. Cargos públicos com salários altos e embaixadas de vários países ajudam Brasília a ter uma gastronomia cosmopolita. Folheando o livrinho Conheça Brasília Gourmet, vi uma porção de restaurantes charmosos e convidativos, que infelizmente não tive chance de conhecer. Entre os poucos lugares que experimentei, recomendo o Bendito Suco, que serve sucos e wraps fantásticos na 413 Norte, e o versátil Quitinete, na 210 Sul, mistura de restaurante, empório e cafeteria que abre 24hs (e faz trufa de brigadeiro). Também vale a pena cruzar o Lago Paranoá e passear no
Pontão do Lago Sul - não tanto pelos quatro restaurantes, mas pelo lindo visual da orla (as pheeenas chegam de barco) e a vista da Ponte JK.AS FESTAS FERVEM. A cena gay de Brasília ainda vive aquele adorável frisson que tomava conta do Rio de Janeiro no passado: a expectativa em torno das festas. As duas principais label parties são a Fun e a Festa da Lili, que a título de comparação, seriam a X-Demente e a B.I.T.C.H. candangas. Os produtores são entrosados (não se enfrentam marcando festas na mesma noite) e os sites já disponibilizam as datas do ano inteiro, o que ajuda quem não é de Brasília a planejar uma visita. Mais incrível ainda é a Kiss, que só acontece duas vezes por ano (em função dos aniversários do casal de produtores). A locação é a própria casa dos fofos, uma espécie de chácara no Lago Oeste, com piscina e vista para um vale - é lindo o visual após o amanhecer. O clima é leve e o público, bastante variado, com polo boys, agrobarbies e meninas fervidas; para manter a energia do povo até o meio-dia, uma farta mesa de frutas e até uma improvável canja de galinha (viva o Centro-Oeste!). Aconselhado pelos amigos, marquei minha viagem em função da Kiss e não me arrependi: não fica devendo nada a qualquer boa festa do Sudeste, sem deixar de lado o clima caseiro, que é um diferencial.
UÓ:
NO CAR, NO FUN. Uma má notícia para quem gosta de passear a pé, sem depender de ninguém: Brasília está mais para Barra da Tijuca do que para Leblon. Não existe vida sem carro: não se veem esquinas ou pontos de ônibus, não se anda a pé, não se cruza com ninguém na rua, é tudo sobre rodas - diz o clichê que brasiliense já nasce com duas rodas no lugar das pernas. Quem cai de paraquedas descobre que as distâncias são enormes e os táxis, além de caros, não passam na rua: só atendem por chamado. Para o turista desenturmado, Brasília é uma roubada. Para aproveitá-la, é indispensável ter feito amigos com antecedência ou, pelo menos, chegar com alguns contatos que possam dar o caminho das pedras. Você acaba dependendo dos nativos o tempo todo. Se eu não tivesse tantas pessoas amáveis que se dispuseram a me choferar, eu provavelmente teria odiado a cidade.PREÇOS EXORBITANTES. Numa cidade em que todo mundo é servidor público, ganha bem e tem estabilidade, não falta bala na agulha e tudo é caríssimo. Na pâtisserie Daniel Briand, um simples crepe com salada e um chocolate frio me custaram R$45. No Universal Diner, um dos restaurantes da conhecida chef Mara Alcamim, os pratos de carne beiram os R$60; na outra casa dela, chamada Zuu a.Z d.Z, não é difícil a conta passar dos R$200 por pessoa. No Plano Piloto, um apê de dois dormitórios na Asa Sul sai em torno de R$500 mil; no novo Setor Noroeste (que não está à beira do lago, nem tem atrativos naturais), especula-se que eles custarão mais de R$1 milhão (gata, com esse dinheiro, eu compro um apê nos Jardins, outro em Ipanema, e ainda mobilio os dois!)

NOITE CAPENGA. Se quando tem festa a cena se movimenta, em noites normais Brasília não parece ser muito animadora - Goiânia, no estado vizinho, está vivendo um momento bem melhor, com vários clubes recebendo atrações renomadas do circuito gay. Sem querer ser indelicado ou antipático, não me parece que lugares como o Oficina e o Beirute justifiquem, por si só, uma visita para quem vem de fora. A boate Blue Space e o bar Savana seriam as melhores opções fixas, mas já trataram de me avisar que 'as bunitas' não vão a nenhum desses lugares. O que leva à constatação de que Brasília sofre da horrível "síndrome de Porto Alegre": o que adianta ter um povo bonito, se ele não sai da toca?
OUTROS DETALHES que felizmente não senti na pele, mas são queixas recorrentes por parte de outros visitantes: o clima extremamente seco (no auge da estiagem, dizem que o nariz das pessoas chega a sangrar!) e o terror das gangues - Brasília deve ser a cidade brasileira que tem mais problemas com violência juvenil. Sabe como é, quem é gay já fica logo de orelha em pé quando escuta uma coisa dessas...

[Fotos: Catedral Metropolitana; Santuário Dom Bosco; Pontão do Lago Sul; Ponte JK; pista externa da Kiss aos primeiros sinais de que iria amanhecer; povo dando um tempo e curtindo a vista à beira da piscina]








