terça-feira, 8 de novembro de 2011

Por uma universidade livre... da lei?

"A revolução na FFLCH (Faculdade de Fashionistas com Looks Copiados dos Hipsters) está próxima. Próxima de terminar. O perfil do novo revolucionário é bem definido: usando óculos escuros Gucci, moleton da Gap e “skinny jeans” da Ellus, eles pisam fundo — com seus tênis Nike — no acelerador de suas SUVs e Kia Souls para chegar ao campus de batalha. E as palavras de ordem contra o imperialismo não vêm de livros ou cartilhas marxistas. Agora, a revolução é tramada e tuitada direto de seus iPhones e iPads (e viva Steve Jobs!, já que a Microsoft está a serviço do imperialismo). Assim surgiu a “Gap Revolution”, uma rave que contou com vários patrocínios (e “paitrocínios” também).

Só que tudo tem limite. Após duas semanas de intensa batalha, os revolucionários estão cansados, sujos e mal alimentados (McDonald’s todo dia não dá, né?). Sim, chegou a hora de ir para casa. Lá tem banho quentinho, comida feita na hora e roupa lavada todo dia. Mas os nossos bravos lutadores que não esperem conforto no colinho da mamãe. Será praticamente impossível que escapem de umas belas palmadas e de um belo castigo ao chegarem em casa. Na reunião entre os pais dos alunos revolucionários, ficou decidido que todos os carros, iPhones e videogames serão confiscados e estão todos proibidos de ir para a balada, tuitar e atualizar o perfil do Facebook
".

Não resisti à tentação de transcrever parte do post que foi publicado ontem em um blog de humor do Jornal da Tarde. Fiquei sabendo dele por uma colega de curso que o considerou "desnecessário" e de mau gosto. Ela estava indignada com a ofensiva da polícia para colocar fim à ocupação da reitoria da USP, hoje cedo: "Trezentos policiais para tirar 70 alunos?!" Não sei em que medida essa caricatura feita pelo post representa a realidade do aluno da FFLCH de hoje, mas vou aproveitar a deixa para dar meu pitaco sobre a confusão que se instalou nos últimos dias por lá.

Sou ex-aluno da USP e acho que a universidade tem que ser um território livre para a discussão de ideias e a manifestação política. Na época da ditadura, a infiltração da polícia nos campi inibia o debate e cerceava essa liberdade de pensamento. Qualquer aluno com a cabeça mais arejada corria o risco de ir parar nos porões do DOI-CODI - e alguns que foram nunca mais voltaram. Tantas invasões e ocupações violentas deixaram um trauma: hoje se abomina a ideia de que a PM faça qualquer tipo de intervenção no espaço universitário.

Isso não significa, porém, que esse seja um espaço diferenciado, impenetrável, onde as leis que regem o resto da sociedade não têm validade. Os alunos da FFLCH se revoltaram porque alguns deles consumiram maconha no campus e foram reprimidos pela PM. Em outras palavras, a molecada queria ter um salvoconduto para fumar seu bequezinho em paz, sem ser incomodada, sob o manto dessa pretensa "imunidade geográfica universitária".

Creio que existiu aí uma confusão de valores, ingênua ou mal intencionada. Sou defensor ferrenho da liberdade de pensamento, da autonomia universitária e também simpatizo com a descriminalização das drogas. A universidade é um lugar propício para esse debate. Mas não dá para querer "liberar geral", por conta própria, usando a USP como escudo. Por enquanto, o consumo de drogas ainda é um ilícito penal - e o papel da polícia é reprimir a prática de crimes, seja na favela dos pobres, seja na faculdade dos ricos. Encapuzados como delinquentes, os alunos da FFLCH ocuparam a reitoria, depredaram o que viram pela frente, peitaram a polícia e ainda acharam ruim quando ela se impôs e deu a última palavra. Mas o que seria de uma sociedade em que a polícia não consegue dar a última palavra diante de um bando de adolescentes que cometem um delito? Se no resto do país não pode, por que ali pode? Por acaso os colegas uspianos são cidadãos diferenciados?

É uma pena que a juventude bolchevique do Butantã não consiga direcionar sua fome de revolução e engajamento para causas mais amplas que o baseadinho de cada dia.

[UPDATE: Como o assunto continua rendendo, tenho lido outras opiniões sobre o caso e me deparei com textos que expõem outros lados da questão, e que nem sempre chegam aos ouvidos da opinião pública, como os excessos cometidos pelos policiais e a crise política dentro da USP. Este, este, este, este e este são alguns exemplos, cada um em uma direção bem diferente. São contrapontos interessantes que enriquecem o debate].

12 comentários:

Julián disse...

Excelente artículo. No plantea conclusiones sino que deja pensando en un montón de preguntas. Aquí en Colombia sucede exactamente lo mismo que estás hablando en el articulo. Por una parte la Universidad Públicoa aún tiene ese tipo de alumno revolucionario, -que fuma marihuana en el campus como muchos de mis compañeros de universidad- y también un nuevo tipo de estudiante, exactamente igual a la caricatura que posteas ahi. Hay un tema de control sobre la universidad pública que es vigente en toda américa latina y tiene que ver con la intervención del estado y las fuerzas policiales en los campus de las universidades públicas, tanto como espacio físico como espacio de discusión. Actualmente mientras las universidades públicas se llenan de esos "nuevos revolucionarios" otros se manifiestan y protestan por los atropellos por parte de la fuerza pública y por las nuevas leyes que le quitan epoyo económico a la educación universtaria.

Fernando disse...

Para você ver em que nível chegou o debate de desobediência e luta por direitos na América Latina: os playboys que cursam os cursos de Ciências Humanas são os únicos que tem culhão para defender o que bem entendem. A causa pode ser questionada, mas sinceramente, culhões como esse que faltam na sociedade brasileira atual.

Discordo, acho que o texto seria facilmente transposto para qualquer jornal mais centrista da época da ditadura, ironiza quem discorda e faz alguma coisa pra fazer valer sua opinião e desconsidera principalmente o fato de qualquer evolução de costumes vem disso: gente enchendo o saco, invadindo instituições e gritando o que acha certo.

Beijos,
Fer

Lucas disse...

Concordo com o Fernando.

Uma Cara Comum disse...

Nossa! Argumentação muito boa!! Clap, clap, clap!

Rodrigo disse...

Belo texto, guri.
orgulho, heim

Laurete Coullier-Hertz disse...

arrasou fernando!!!
quem diria, hein!?!
thiago, adoraria ver um texto seu defendendo a pm batendo, prendendo e espancando as bichas "despudoradas" do final da parada de sampa!

Além de cair na armadilha do esteriótipo de estudante rico de universidade pública, peca pelo tom legalista!

se for assim, acho que deveria voltar para o direito pq o jornalismo já tem profissionais retrógrados e conservadores demais para meu gosto.

bj

Isadora disse...

Thi, querido, sabe que não concordei com seu texto. Por preguiça de logar aqui, acabei debatendo no facebook. Agora, vejo que você colocou um update com outros links e indicando a continuidade do debate. Que bom! O pior profissional não é aquele que eventualmente faz uma leitura apressada de um debate complexo, mas aquele que se fecha em sua opinião, sem continuar refletindo, por egocentrismo ou para se manter na 'voz da autoridade'.
Tomo a liberdade de postar a entrevista de um professor colega meu sobre o caso, que achei bem ponderada: http://cbn.globoradio.globo.com/programas/cbn-noite-total/2011/11/08/A-ACAO-DA-POLICIA-MILITAR-NA-USP-E-A-QUESTAO-DOS-ALUNOS-DETIDOS.htm#.TrnROnw1eGE.facebook
Beijo!

Toni Massuda disse...

nãoli nãolerei os outros textos que vc linkou, Thiago.Pq sim´plesmente concordo com o que escreveu.
Beijos,
Toni.

Ricardo disse...

Matou a pau, Thiago! Adorei o seu texto e concordo integralmente com o que você escreveu.

Esse episódio da USP foi absolutamente degradante. Defender aquele bando de desorientados com argumentação revolucionária é impertinente. Revolução pode até parecer baderna, mas não é baderna. O que foi feito e, principalmente, da forma como foi feito, foi absolutamente cretino e descabido. Lamentável que nem na USP de hoje em dia encontremos revolucionários autênticos.

Achei corajoso o seu texto. Ele te expõe ao risco de ser interpretado como reacionário, ou meramente legalista, pelos que optaram por uma leitura rasa, com uma argumentação esdrúxula de corporativismo pseudo acadêmico.

Esses rebeldes encapuzados prestaram, na verdade, um grande desserviço aos que defendem a descriminalização da maconha, reforçando os piores estereótipos.

E talvez seja isso: O “pomo da discórdia” na USP foi a maconha. E parece que isso bastou para conquistar a simpatia de quem gosta de parecer “mente aberta”. Até o Fernando Haddad entrou nessa “onda” por questões flagrantemente eleitoreiras.

Mas, enfim, esse é o Zeitgeist brasileiro. Onde estelionatários, travestidos de pastores religiosos, mobilizam massas enquanto enchem o cú de dinheiro. Onde nossos representantes democráticos legislam em causa própria. E onde se interpreta uma flagrante demonstração de fascismo como revolução construtiva.

Adorei o seu texto. Excelente veia jornalística.

Então, afinal, nem tudo está perdido.

Adriano Queiroz disse...

O que salva o teu post são os links alternativos.
Vc não sabe do que está falando por reduzir a questão a aparência. A faculdade de direito que vc cursou considera Grandino Rodas persona non grata e vc um egresso de lá, leu os fatos com as lentes de um indesejável para a academia. Uma pena.

Thiago Lasco disse...

Adriano, para mim o assunto da ocupação da USP não está encerrado, o debate continua, até mesmo porque sei que posso não estar compreendendo a questão na sua totalidade. Por isso mesmo postei os links, com outros pontos de vista, que podem ajudar a olhar e entender outros lados do problema.

No mais, eu sempre destoei um pouco dos meus colegas da SanFran, aquele não era o meu lugar, portanto seu comentário não me surpreendeu :)

Unknown disse...

Não creio que alguém vá ler isso hoje em dia, mas eu sou o tal"revolucionario Gap" miro en osasco,nunca fui playboy, meu óculos era falso, minhas rosas são contrabandos que minha irmã compra em Orlando umas vez a cada cinco anos pra revender, que tal essa filho da puta?