quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Chateaubriand, coerência e companhias

Ontem participei de uma entrevista coletiva com o José Nêumanne Pinto, jornalista e escritor que lançou em agosto o livro O que eu sei de Lula. A obra faz uma interpretação muito pessoal do processo de ascensão política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de aspectos insólitos colhidos nos bastidores - e, por isso, vem causando certo alvoroço no meio político. Ainda não li o livro, mas, nas entrevistas que tem feito, Nêumanne (que é uma figura!) acaba dando uma boa ideia do que se pode esperar da leitura - nesta aqui, por exemplo, ele deu várias declarações repetidas ontem diante de nossos bloquinhos e gravadores.

Nêumanne conhece Lula desde 1975 e acompanhou de camarote sua escalada política, desde as primeiras conquistas até a construção de sua figura mítica e intocável. Ele nutre sentimentos ambíguos pelo ex-presidente: ao mesmo tempo, acha o cara um gênio, "o maior político brasileiro de todos os tempos", "o maior self-made man da história do capitalismo" e também um grande picareta, por razões que comenta publicamente, mas talvez tenha preferido não registrar no livro. Mas não deixa de reconhecer, e até admirar, os méritos e predicados que ajudaram o metalúrgico a chegar onde chegou. Lula nunca teve hábitos de leitura, mas aprendeu rápido pelo ouvido, absorvendo o que lhe era dito. Tornou-se um excelente comunicador, falando a língua do outro. E subiu na vida apoiando-se sobretudo em sua vocação para conciliar.

"O Brasil teve grandes conciliadores, e Lula reúne as virtudes de todos eles. Ele tomava cachaça com dona Marisa num boteco em São Bernardo e conseguia unia correntes sindicais que não se bicavam”, recordou Nêumanne. “Foi o primeiro cara que uniu a esquerda", continuou, lembrando que depois Lula fez alianças até mesmo com as figuras políticas mais execráveis, como Collor e Sarney. Uma manobra desonrosa, em que Lula traiu a própria história? Curiosamente, Nêumanne não pensa assim, e se justifica com uma das pérolas de autoria do sujeito que ilustra este texto. "Já dizia Assis Chateaubriand: a coerência é a virtude dos imbecis". Ou seja, esperto foi Lula, que transitou e manobrou conforme a conveniência. Sabendo se adaptar ao meio, chegou mais longe. Depois da entrevista, interceptei Nêumanne na entrada do elevador e perguntei se ele considerava esse ensinamento válido em todas as esferas, incluindo a vida privada. "Claro que sim", respondeu, enquanto a porta se fechava.

Fiz um rápido retrospecto e concluí que minhas relações pessoais haviam sido pautadas justamente pela coerência. Sempre fui a mesma pessoa, nunca usei máscaras e nem mudei o discurso no meio do caminho. Quando me deparei com pessoas que agiram contra valores que eu considerava importantes, afastei-me delas. Também tesourei aqueles que só estavam disponíveis quando lhes interessava, ou que queriam apenas se aproveitar de mim. Sempre fiz questão de não me cercar de gente falsa, calhorda, parasita, interesseira, com quem eu não pudesse contar. Para mim, só fazia sentido ser coerente. Por outro lado, se puser as coisas dentro dessa lógica do Nêumanne, concluirei que eu fechei portas sem necessidade e me isolei, quando deveria ter feito o contrário: tirado proveito dos outros e feito alianças circunstanciais. Talvez um dia eu me arrependa disso. Hoje, eu ainda acho que, ao se cercar más companhias, a gente mais perde do que ganha. Quem dorme com cães acorda com pulgas.

8 comentários:

deco disse...

Uma decepção no final do texto: associar coisas ruins aos cães não foi bacana.

Thiago Lasco disse...

Deco, mas esse é um dito popular! Nada contra os cachorros desse mundo...

gema disse...

Sendo certo ou não, o mundo é dos oportunistas!

Marcos - SC disse...

Vc passa uma ideia de que ser incoerente é algo ruim... Olha... quem nunca foi incoerente com relação aos outros que atire a primeira pedra. Só se pode ser coerente e honesto consigo mesmo.

Ma Oliveira disse...

Vixe...nó na cabeça com fumacinha saindo... sinceramente, sei lá...acho que por muitas vezes não consigo ser muito coerente, e quanto mais velho fico, mais vejo isso. Por outro lado, assim como vc, tenho valores e integridade e DETESTO conchavos e alianças por interesses...that's not my cup of tea definitely. Já me afastei de muita gente por conta disso tb. Não consigo chegar a uma conclusão, porém sem dúvida é um dilema intrigante....

Anonymous disse...

ESSA FRASE EU LI NO LIVRO CARTAS AO PAI DO KAFKA!

A* Zephyr disse...

Primeiro, parabéns pela casa nova!
Certos momentos da vida exigem roupas, perfumes e leituras novas. No entanto, isso não quer dizer que sejamos incoerentes, pelo contrário, é a busca da coerência pessoal e intransferível que exige mudanças. Às vezes, conforme a oportunidade. Pois é... mas também sou avesso a velhacarias e desonestidades, porém tenho sido mais condescendente. Desde que tais atos não prejudiquem alguém diretamente, senão, viro bicho.
É preciso relativizar para não enlouquecer... ou seria esse o problema que vivemos, estarmos cada vez mais permissivos? Vixe!
Mas a questão é não nos enclausurarmos em valores imutáveis, afinal, a vida muda e as oportunidades que surgirão em nosso caminho podem nos pregar peças desestabilizadoras.
Então, mantenha a linha de coerência, mas permita também que ela seja flexiva. Um grande abraço!

Anônimo disse...

Acredito que o mais importante nessa história toda é sermos coerentes com nossos valores, pois assim estaremos nos respeitando acima de tudo.Temos que lembrar que o mundo exige que sejamos flexíveis a maior parte do tempo o que pode levar a nos perdermos nessas vias tortuosas que se apresentam a todo instante. Nisso tudo só sei que tenho procurado refletir ultimamente sobre mim e o meu lugar nesse planeta e até mesmo sobre o mais básico: o que gosto e o que não gosto; justamente para ser coerente comigo mesmo.
Parabéns pelo blog!