Há algumas semanas, a Folha de S.Paulo publicou, na capa do caderno de informática Tec, a reportagem "Carência afetiva 2.0". O texto fala sobre um fenômeno que os americanos denominaram fear of missing out, tão discutido por aquelas bandas que já é conhecido pela sigla FOMO. O tal "medo de ficar de fora", ou de estar perdendo algo, tem sido desencadeado sobretudo pelo Facebook, que provoca nas pessoas um sentimento de exclusão. De repente, surgem na sua frente fotos e relatos de festas, passeios, reuniões e momentos incríveis, em que todo mundo está aproveitando, se divertindo e vivendo a vida intensamente - todo mundo menos você, que não estava lá e sente que perdeu o bonde.
Esse mal moderno é, antes de mais nada, um subproduto dos tempos de hiperconectividade em que vivemos. Grudados em nossos inseparáveis smartphones, fazemos questão de ficar online o tempo todo (inclusive durante o jantar com amigos no restaurante), porque queremos ver tudo, saber de tudo, ficar por dentro de tudo o que está acontecendo. Com tamanho bombardeio de informação, a sensação de estar perdendo algo imperdível passa a ser frequente, como ilustram algumas aspas colhidas pela reportagem. "Quando vejo na rede uma balada legal, não consigo deixar de pensar que deveria estar lá também. Por que ninguém me avisou?", diz um internauta. "Toda vez que eu escolho um programa, logo depois descubro que o melhor é aquele a que não fui", lamenta outro.
Eu já havia falado neste post sobre como o excesso de opções pode deixar as pessoas perdidas. A psicóloga Rosely Sayão, também ouvida pela reportagem, resume o problema. "Todo mundo quer 'tudo ao mesmo tempo agora', não é? O problema é que não dá", explica. "Uma das características do mundo contemporâneo é que você acorda e já tem que fazer escolhas. Como escolher ficar em casa, se há tantas coisas boas acontecendo lá fora? Qual será a melhor balada? Isso é pirante", continua. Já senti isso na carne mais de uma vez.
Outra questão sensível, e aqui já estou extrapolando a abordagem feita pelo texto, é que as redes sociais potencializam o instinto competitivo que já existe em cada um de nós. Dentro do Facebook, todo mundo leva uma vida extraordinária, em meio a churrascos na piscina, brindes de champagne, baladas alucinantes e muitas viagens para o Exterior. Aqueles seres com sorrisos constantes e o corpo sempre em dia parecem habitar um mundo paralelo, e a comparação é inevitável: "Por que será que a minha vida social não é tão boa assim? Eu também quero aquele abdome! Com certeza estou errando em algum lugar".
O calo aperta de verdade quando você constata que as pessoas que estavam ali se divertindo são seus amigos - e você só ficou sabendo do fervo depois, pelo Facebook, pois eles nem pensaram em te chamar. Não tem jeito: com as redes sociais, ficou mais fácil perceber quando você não foi lembrado ou convidado. Está tudo lá. Pior ainda é se existiu um namoro que terminou mal, ou mesmo uma amizade que azedou ou deixou de ser correspondida. Receber no seu mural feeds da pessoa em questão exalando felicidade - uma felicidade que não inclui você, obviamente - é pedir para se machucar.
A matéria da Folha não desenvolve o assunto direito, nem dá soluções. O que fazer? Não tenho receita pronta, mas bolei algumas estratégias de sobrevivência que têm funcionado para mim. A mais imediata é controlar a exposição ao agente desencadeador do problema - ou seja, dosar o contato com o Facebook, um passatempo viciante, que rouba um tempo precioso do seu trabalho e drena a sua criatividade (inclusive para manter um blog!). Em relação aos ingratos de plantão, amigos que viraram as costas, affairs mal resolvidos e afins, quando não é o caso de excluí-los definitivamente da sua rede, basta configurar o feed e parar de receber as atualizações dessas pessoas. Enquanto avalia se vale ou não a pena tirar a situação a limpo, você aproveita o 'descanso virtual' para repensar o espaço e a importância que essas pessoas devem ter na sua vida.
Outra dica, tão valiosa quanto óbvia, é vencer a inércia e correr atrás das coisas que você quer ou de que sente falta. Isso significa, inclusive, não viver na sombra de outras pessoas, especialmente aquelas que você admira. Não precisa fugir quando seus amigos quiserem dividir o sucesso deles, mas preocupe-se também em viver a sua própria história, construir o seu próprio hype. As coisas boas só acontecem para quem se prepara e faz a lição de casa. E se bater aquele sentimento ruim, transforme a cobiça, ou mesmo a inveja, em uma força produtiva que te levará a se empenhar mais na busca dos seus objetivos. É bem mais sensato e produtivo gastar essa energia em si mesmo do que no Facebook.
Por fim, é preciso tentar não se cobrar tanto. A gente não precisa estar em todos os lugares ao mesmo tempo, ir a todas as festas, participar de tudo. Saiba filtrar quando disserem que tal balada foi in-crí-vel - a melhor festa é sempre aquela que você perdeu, enquanto aquelas a que você vai nunca são tããão mágicas assim, já reparou? Quando bater uma insatisfação (ou até mesmo uma invejinha, porque ninguém é de ferro), não custa lembrar que a grama do vizinho é sempre mais verde. Ou, como li outro dia por aí, "ninguém é tão feio como na carteira de identidade, tão bonito como no Orkut, tão feliz quanto no Facebook, tão simpático como no Twitter, tão ausente como no Skype, tão ocupado como no MSN e nem tão bom quanto diz no currículo".
16 comentários:
Neste século digital, a gente já nasce com déficit de atenção.
Ótimo post!
Legal. A revista Época também tinha feito uma reportagem boa há alguns meses atrás: aqui.
É cada dia mais difícil encontrar gente saudável de verdade, sem essas noias todas...
Pode até parecer estranho, mas eu não sabia que, fora os adolescentes, muitas pessoas se sentissem assim. Eu achava o orkut muito mais apelativo nestas exposições de imagens do que o FB. A vida internauta nos trouxe a capacidade de nunca dormirmos, sempre tem um simulacro seu para ser acessado. A vida privada está cada vez menor, correndo pr'um canto em busca de segurança. Quem desprivatiza nossos passos e pensamentos somos nós mesmos. O grande irmão é instalado em cada um de nós que concorda em participar da vitrine audiovisual das redes. Eu indico Zygmunt Bauman como leitura, um grande diagnosticador e crítico da pós-modernidade ou modernidade líquida, como alguns chamam.
Faço uma pergunta: se algumas pessoas tem problemas com a suposta e aparente felicidade alheia vista no Facebook, isto quer dizer que existe tb aqueles que se expõe justamente para levar a crer que são felizes? Triste.
Acho que as redes sociais apenas ampliam uma angústia que há é do ser humano, como vc bem apontou quando falou do "instinto competitivo que já existe em cada um de nós".
O lance é ter tranquilidade, fazer suas escolhas com calma, e se preocupar mais com o que você mesmo quer ou prefere, e deixar a opinião alheia em menor relevância para o que determina sua vida e felicidade.
Talvez uma das poucas vantagens em se ter maturidade (e isso não tem a ver com idade, não necessariamente...) é ter sabedoria para não cair nestas paranóias. É saber que vc não precisar viver tudo ao mesmo tempo, que você não precisa conhecer todos, que vc não precisar SER todos e tudo. Fico feliz que vc já tenha sacado isso.
beijos, e sempre te acompanhando e admirando.
Fábio
Desligue o celular, o computador e vá ler um livro!
Com o tempo uma rede social foi excluindo a outra para mim. Deixei de escrever diariamente no blog para ficar escrevendo de hora em hora no twitter (e me dava um NELVOSO quando eu atualizava a timeline no celular e nao tinha nenhum update). Hoje, já deixo o twitter mofando para publicar de forma moderada no facebook.
Mas desde cedo fui me acostumando com a enorme quantidade de informaçáo que ninguém dá conta de acompanhar. Priorizo certos assuntos no leitor de RSS e excluo algumas notícias com palavras-chave. E faço isso desde os 13 anos. A verdade é que sempre deixei as obrigaçoes de escola meio de lado.
E olha... acho que aprendi mais assim.
Um abraço.
Ah, mas o FOMO nao é novidade. A serie inglesa "Absolutely Fabulous", que é pré-internet, mostrava duas malucas de meia-idade que queriam fazer tudo, estar em todas, cheirar tudo. Medo de envelhecer e medo de perder alguma coisa eram os temas latentes da série, uma das mais engracadas de todos os tempos.
O FOMO talvez seja um subproduto principalmente da nosssa supervalorizacao da juventude e da felicidade, alimentada pela propaganda e amplificada pelas redes sociais.
Por falar nisto, estou em Lima me divertindo muito E VOCES NAO ESTAO.
kkkkkkkk
Mas hoje as pessoas são de certa forma até obrigadas a participar de redes sociais. tem empresas que já analisam o desempenho da pessoa em redes sociais no momento da seleção. Tenho uma invejinha, mas é do twitter e FB, quando estou com alguns amigos, as vezes a pessoa ñ tira o olho da tela do celular, isso me da muita raiva. fico a ponto de pega o celular pessoa e jogar no chão.
Quero dicas dos EUA, mas uma em específica:
Onde tem a maior concentração de brancos de olhos claros bombados lá ?
Quero distância desse povo "barra-funda 6 da tarde", "blue space" "danger" que assola praticamente todos os lugares por aqui...
Anônimo, acho melhor você se jogar em Estocolmo. Ou Copenhagen, que é bem gay, fica a dica!
Há uma outra solução: esquecer que Facebook existe.
Porque, sinceramente, ele tem mais contras do que prós. E não me faz falta nenhuma! =D
Posso te adicionar no meu Feice K. ?
Sou seu fã!
Gui Sillva
Enquanto o ser humano não se der conta que o ego (coletivo ou individual) é quem tá dominando a essência, não tem dica que vc dê que amenize o sofrimento e a eterna frustração, seja amplificada por fb, seja na vida real.
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