segunda-feira, 21 de março de 2011

As it-biscas

Que as mulheres hétero descobriram a noite gay, não é nenhuma novidade. Lá se vão uns bons dez anos desde que elas perceberam que poderiam se divertir horrores no meio das bees - sem serem importunadas pelos bofes ugabuga das outras baladas, que as pegavam pelo braço com cantadas baratas e inconvenientes. As criaturas que habitavam aquele admirável mundo novo causaram nelas todo um encantamento: tão simpáticos, tão desenvoltos, tão bem cuidados, tão atléticos. Tudo o que elas gostariam de encontrar em um namorado! Não demorou muito para que essas figuras femininas (chamadas em inglês de fag hags) se incorporassem ao cenário, e hoje sua presença nas pistas já não causa nenhuma curiosidade.

Eis que os anos se passaram, e a seleção natural produziu a evolução das fag hags. Trata-se de uma nova espécie, ainda não catalogada, que vou chamar carinhosamente de it-bisca. As it-biscas chegaram de mansinho e hoje já dominam certos espaços, como o fundão da pista principal da The Week e os afters, que certamente não teriam o mesmo colorido sem a sua participação. Mas como detectar uma it-bisca, sem confundi-la com a fag hag clássica?

As diferenças começam já pela apresentação. A fag hag chegou ao mundinho com aquela ideia preconcebida de que os gays eram puro glamour e, portanto, ela deveria estar à altura para ser aceita. Certa de que iria causar, a fofa se montava com vestidos cintilantes, brincos vistosos, quilos de maquiagem e sapatos caros, como se estivesse indo para uma festa de arromba. Com as it-biscas, saem os brilhos e boás e entra um vestuário mais, digamos, direto ao ponto. Os shortinhos e microssaias têm um comprimento ínfimo e são quase ginecológicos de tão agarrados; plantadas em saltos-agulha altíssimos, as pernocas ficam ainda mais em evidência. A parte de cima não deixa por menos - com decotes generosos que mal conseguem conter os seios turbinados, e a barriga de fora já garantindo que o material é bom e não haverá nenhuma surpresa indesejável na hora H.

As fag hags primeiro se encantavam com a beleza dos rapazes, ainda com uma pontinha de esperança de que sobrasse uma casquinha para elas; depois, quando percebiam que não ia rolar, contentavam-se em ser as best friends forever, chegando até mesmo a servir como cupidos, e dando um suspiro de resignação quando suas paixões sublimadas trocavam o primeiro beijo com os caras escolhidos. Com as it-biscas, a pegada é outra. Se, à primeira vista, naquela balada toda Coca-Cola é Fanta, elas sabem que ali também existe uma porção de machos com quem podem se dar bem. Seu alvo preferencial são os gogo-boys e os bombadões que se parecem com eles. Mas elas sabem que essas presas são muito disputadas e, para garantir o leitinho de cada dia, espreitam todo o staff hétero da boate - a cadeia alimentar de uma it-bisca que se preza também contempla DJs, seguranças e barmen. Espertos, os caras sabem que nenhuma mão boba será castigada - o único risco que correm é, eventualmente, encontrar uma torneirinha no meio do caminho, dada a semelhança que algumas it-biscas acabam adquirindo com as colegas travas.

O modus operandi das duas espécies na noite também é diferente. A fag hag clássica nunca deixa de ser uma menina comportada, e compartilha os vícios e tentações da noite apenas até certo ponto, sem se envolver de verdade. Depois, é hora de se despedir das ameegas e voltar para seu castelo de princesa. A it-bisca se joga de cabeça e mete os dois pés na jaca, numa via-crúcis que começa no esquenta, passa pelo clube e vai até o final do after - isso se ainda não rolar um chill out depois. Dos bastidores da área VIP às festinhas do cabide, seu acesso é geral e irrestrito. Ela está familiarizada com todos os recursos que podem dar um jeito no seu corpo e maximizar suas experiências - uns mililitros de silicone aqui, umas ampolinhas ali, uns aditivos acolá. Sabem onde se acham as coisas, fazem correria para as ameegas, viram clientes Platinum e, às vezes, até mudam de lado no balcão - coisas com que a fag hag jamais sonhou ou sonhará.

Mas o que sugere que essa nova espécie é mais evoluída do que a anterior é sua longevidade. A fag hag tem uma vida útil relativamente curta: depois de viver sua época de fascínio, ela acaba se cansando de terminar a noite sempre sozinha, abandona a cena gay, arranja um bofe hétero bem normalzinho (mas que não tenha preconceitos, afinal ela é "moderna"!) e convida o melhor amigo da boate para ser padrinho do casamento. A it-bisca é uma espécie ainda recente, mas os estudos sugerem que ela consegue desenvolver um ciclo vital bem mais longo. Não é difícil imaginar que, dali a dez anos, elas continuarão ali, na pista da boate, requebrando até o chão e se esforçando para manter o mesmo corpo, o mesmo rosto e a mesma barriga. Assim como a musculosa barbie, com quem também tem parentesco evolutivo, uma it-bisca não envelhece jamais.

21 comentários:

Daniel disse...

A it-bisca nasceu da biscatrance de bota branca!

beto disse...

já foi o tempo que achava "legal" a ideia de uma balada misturada, com todo mundo junto no mesmo lugar.
hoje em dia, digo sem remorso algum que ficaria muito contente se as fag hags, it-biscas e similares fossem se divertir em outro lugar. o mundo é bem grande!
acho que elas, a longo prazo, causam mais danos que vantagens à baladas gays, pois a presença dos 2 tipos sempre leva a um ciclo que termina com a invasão de HTs trogloditas.

Mary-con disse...

Tem duas fag-hags: aquelas gordas que nao se dao bem com o padrao fisico das boates heteros e que adoram de ser chamadas de "lindas" pelas falsas "amigas" bibas e as fag-hags viciadas (algumas "barra-pesada) que adoram a leveza bocas de fumo com direito a musica house de primaeira naquela boate badalada de SP, esqueci o nome...

Diego Rebouças disse...

Gente! it-bisca e biscatrance de bota branca! É praticamente um daqueles programas do Animal Planet. Faltou só o narrador em off. Adorei o texto!

Thiago Lasco disse...

Ricardo,

Em primeiro lugar, não acho que o texto alimenta preconceito algum. Não estou incitando ninguém a repudiar esse ou qualquer outro grupo dentro ou fora do nosso universo. Respeito o seu gosto pessoal, e entendo que o humor contido no texto não lhe alcance e/ou não lhe agrade, mas não penso tratar-se de "chacota", tampouco de qualquer expressão de misoginia, como vc dá a entender no final da sua contribuição. Recebi, inclusive, feedback de mulheres que se sentiram retratadas pelo texto e gostaram, não se sentiram atacadas, mas reagiram com leveza. Uma leveza que você não tem...

Em segundo lugar, acho o seu discurso equivocado, porque contaminado por um patrulhamento absolutamente artificial. Dentro da sua perspectiva, todas as matizes devem ser contempladas por todos o tempo todo, a fórceps. No seu mundo, todas as revistas, livros, filmes, novelas, propagandas de TV e demais produtos culturais seriam obrigadas a contemplar um negro, um índio, um homossexual, um oriental, um idoso e, se possível, um portador de deficiência! Não é? Uma caixa de cueca deveria ter o triplo do tamanho, assim caberiam imagens de todos os tipos e modelos disponíveis!

Discordo que "quando a gente escreve ou a gente dá voz a todas as matizes, ou iremos produzir algo superficial". Antes de mais nada, isto aqui é um BLOG. É uma página pessoal, parte da visão de mundo de um único indivíduo - portanto, é um recorte. E mesmo se fosse um artigo em uma revista, teoricamente consumível por qualquer leitor: (a) todo texto jornalístico é um recorte, nasce de escolhas subjetivas arbitradas por quem o escreve; e (b) há sempre um direcionamento, cada texto tem um público com o qual irá se comunicar melhor. Não, meu caro, "a gente" não é obrigado a dar voz a todas as matizes o tempo todo. Nem aqui (onde mando EU), nem em lugar algum. Você certamente encontrará alguns textos (e bens de consumo cultural em geral) em que você se sentirá bem retratado, e outros que não lhe dizem nada.

Se você não tem interesse em certos assuntos, está no seu direito de discernir o que lhe serve e o que não lhe serve. Não se esqueça de que, ao ditar o que é "frívolo", você também está sendo arbitrário, e impondo que os seus valores são superiores aos dos demais. O fato de escrever sobre coisas que eu considero interessantes e/ou fazem parte do meu universo não significa, absolutamente, que eu esteja sustentando que só existam gays de um certo tipo: taí mais um sofisma equivocado do seu comentário. Uma coisa é explorar afinidades (eu exploro as minhas, você as suas, ou não?), outra é ser reducionista (não acho que seja o caso).

E outra: lutar contra a homofobia é urgente e necessário, mas não me sinto obrigado a fazer de TODOS os meus textos um libelo contra a homofobia. Essa pode ser a SUA concepção de militância - mas não queira você impô-la a mim.

Você afirma que o texto passa uma "ideia errônea e elitista de que só existem esses espaços na vida" [a TW]. Discordo novamente. A razão é até bem simples: estou falando sobre um comportamento que está presente apenas em certos espaços. Portanto, não haveria sentido em abordar outros espaços em que essa discussão não se aplicaria. As it-biscas frequentam os ambientes que são da preferência delas - só você não entendeu que as pessoas têm o direito de cultivar seus próprios gostos e afinidades. Eu não tenho culpa se elas não vão ao Bailão! Olha o patrulhamento, meu caro! Você quer combater uma ditadura impondo outra ditadura!!!

Por fim, se você se sente pouco incluído pelas representações vigentes em determinados meios, se você acha que pessoas do seu "tipo" (?) ou de determinados "tipos" não estão sendo suficientemente contempladas, sugiro que você faça a sua parte: escreva seus textos, comece seu próprio blog, dê você também o seu recado para o mundo! Pode ser bem mais construtivo do que ficar remoendo sempre as mesmas reclamações!

S.A.M disse...

Acho bacana essa inserção as mulheres ht nas baladas gay, e de fato é umm ambiente que se tornou certeza de diversão entre elas, ainda há muito que se maturar pra que algumas que tem certas perspectivas viajantes entendam que a coisa não é bem assim.

Abração!

melo disse...

por mim, os clubes fariam como o bailão, mulher = R$ 50,00

fácil e não gosto de gays xiitas...
fecho com o dono do blog.

marcos carioca disse...

SENSACIONAL!!!! NADA MAIS O QUE COMENTAR!!!! E AO CONTRARIO DAS FAG HAGS, EU ME AMARRO NAS IT BISCAS, TENHO VARIASSSSSSSSSSSSSS!!!!!!!

e o melhor lugar pra mim é o que mistura os melhor de todos os mundos...

Volúsia Prado disse...

Ei Thiago,
Estou amando ler o seu blog. Gosto de como você observa e relata cenários que me são tão familiares. Posso pensar um pouquinho para dizer aonde estou catalogada?
Super beijo
;-))))

cassio disse...

que tal um post nesse estilo sobre a nova geração it-barbie (now)???
e um sobre os it-chatos tbm.

Carlos disse...

Thiago, meu querido. Seu sentido de humor me fascina. A forma como escreve e a correção literaria é muito atraente para quem lê. Começamos e vamos ficando no embalo até ao final. Não é raro descobrirmos um sorriso nos lábios ao longo da leitura. Quem escreve assim tem, necessáriamente, uma vivência e riqueza interiores dignas de registo.
Continua sempre
Abraço
Carlos

Tiago disse...

Esse texto é divertidíssimo! Me adiciona no FB: facebook.com/eusouotiago

Grande Abraço!

PS: Minha amiga it-bisca é a Laurenne Santana, ela até mudou o sobrenome dela depois de ler esse seu texto. Adorei!

Thiago Lasco disse...

A mulher passou a assinar Laurenne It-Bisca Santana depois que leu meu texto. Fiquei pretérito!!!

Anonymous disse...

Como amigo de varias it biscas, cumpre-me dizer q em nenhum momento ha qq ofensividade, preconceito, ou tentativa de levar pessoas ao lado A ou B como foi citado pelo Sr. Ricardo.
O texto eh moderno sim, e fala com uma riqueza de detalhes as caracteristicas de mulheres que frequentam determinadas baladas gays!
Paulo Amorim

Anonymous disse...

Aproveito para sugerir um texto sobre comportamento do mulheril em clubes gays. Pode começar por cabelo preso pra não grudar nos corpos suados e passar pela gentileza de não furar fila do banheiro por ser mulher. Além disso, mulher devia pagar dobrado. Ou ficar em casa. Pronto. Falei.

pop disse...

Observação muito aguda e comprometida, parabéns!
Post de alto nível. Adorei ser apresentado às it-biscas. Valeu !

Marcos - SC disse...

Thiago, antes de tudo, não me leve a mal, pois espero que essa seja uma crítica construtiva, especialmente para vc como jornalista. O q acho, na minha modesta e talvez equivocada opinião, é q vc transformou essas garotas em mero objeto de seu estudo e crítica, ao invés de tentar compreender o universo retratado ou 'lhe dar voz' (o q quer q isso queira dizer num blog, q é, por definição, pessoal, sem a obrigação de dar voz a ninguém, a não ser a sua). E, além disso, generalizou e estereotipou.
Tudo bem q num blog tudo é válido. Hj em dia, até nos textos jornalísticos tudo é válido. Mas tenha sempre em mente com qual público vc quer se comunicar. Até porque imagino q o público com qm vc quer se comunicar diz um pouco qm vc é.

Anonymous disse...

Não há como concordar com essa crítica do Ricardo Aguieiras; ele parece não ter a necessária sensibilidade para fruir de um texto bem-humorado, com tiradas irônicas (mas sem ser ferinas), que retratam a realidade de algumas pessoas que têm uma vivência diferente da dele. Ele conseguiu fazer uma leitura pesada (e pseudo-"sociológica") num texto de observação de costumes marcado por descontração. Fica parecendo uma Cleycianne do mundo intelectualóide (esse tipo de gente existe às pencas, e atendem pelo nome de chatos do politicamente correto).

Me faz lembrar quando contei uma piada a um grupo de amigos advogados - "Vão formar a família perfeita: o casal Nardoni anunciou que vai adotar a Suzanne Richtoffen". Algumas pessoas riram, mas dois ficaram sérios e disseram: "mas, para adotar, tem de ter dezesseis anos de diferença na idade"... Gente tão bitolada na própria seriedade, que precisa de legenda pra entender uma piada.

Seu texto foi ótimo e não se deixe cercear por patrulhamento ideológico de espécie alguma.

Anonymous disse...

Não há como concordar com essa crítica do Ricardo Aguieiras; ele parece não ter a necessária sensibilidade para fruir de um texto bem-humorado, com tiradas irônicas (mas sem ser ferinas), que retratam a realidade de algumas pessoas que têm uma vivência diferente da dele. Ele conseguiu fazer uma leitura pesada (e pseudo-"sociológica") num texto de observação de costumes marcado por descontração. Fica parecendo uma Cleycianne do mundo intelectualóide (esse tipo de gente existe às pencas, e atendem pelo nome de chatos do politicamente correto).

Me faz lembrar quando contei uma piada a um grupo de amigos advogados - "Vão formar a família perfeita: o casal Nardoni anunciou que vai adotar a Suzanne Richtoffen". Algumas pessoas riram, mas dois ficaram sérios e disseram: "mas, para adotar, tem de ter dezesseis anos de diferença na idade"... Gente tão bitolada na própria seriedade, que precisa de legenda pra entender uma piada.

Seu texto foi ótimo e não se deixe cercear por patrulhamento ideológico de espécie alguma.

Anonymous disse...

nossa, mexeu com a xuxa mexeu comigo, pessoal nao perde uma oportunidade pra puxar saco hem??????????
gente o thiago eh jornalista, nao milionario..... kkkkkkkkkkk

Anonymous disse...

Eu gostei bastante do texto! Só não concordo com a parte dos comentários que acha que mulher que quer ir na balada gay tem que pagar o dobro ou ficar em casa... ou pagar 50! Não sou de nenhuma dessas categorias que o Thiago descreveu, nem acho que a aprovação de todos os tipos tem que ser "a fórceps", mas acredito que qualquer ambiente GLBT ficaria mais colorido e agradável com diversidade.