quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Consumo e felicidade*

Patrick Terrien, chef francês e diretor da escola de culinária Le Cordon Bleu, declarou à coluna "As últimas 10 coisas que comprei", do caderno Vitrine, da Folha, ter comprado champanhe, flores, foie gras, laranjas, cogumelos selvagens, água, jornal, pão, um CD e entradas para o cinema.

O que uma pessoa compra dá uma boa noção de como ela vive. No caso do chef, tudo o que ele comprou foi para o consumo em família, para presentear um amigo e sair com a mulher. Comprou coisas que não duram nem podem ser exibidas, mas podem tornar a relação entre as pessoas próximas a ele mais agradável e apetitosa.

A lista me surpreendeu, pois já havia notado que vários entrevistados da coluna falam de objetos que exibem seu poder aquisitivo, de modo a agregar valor a si próprios, digamos, convertendo-se em produtos. Tornar a si mesmo vendável é, para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, uma das tarefas mais importantes que as pessoas têm numa sociedade de consumo, além de conquistar a felicidade. Para ele, a felicidade é o principal objetivo da sociedade de consumo.

De fato, se estivéssemos na Grécia Antiga, nosso objetivo seria alcançar fama e glória. E, se vivêssemos na sociedade medieval, o fim de todo indivíduo seria cumprir a doutrina cristã para salvar sua alma. Mas, na sociedade de consumo, vivemos para sermos felizes por meio do que adquirimos. Paradoxalmente, por meio daquilo que descartamos.

A aquisição de mercadorias satisfaz nossos desejos e providencia nossa felicidade. Mas os desejos são inesgotáveis. Brotam de todo contato que temos com o que existe no mundo. Um dá lugar a outro, e satisfazê-los é tarefa impossível. Como as mercadorias são produzidas com a finalidade primeira de serem compradas, a sociedade de consumo precisa permanentemente provocar nossa insatisfação com o que temos e atiçar nosso desejo pelo que ainda não temos.

Toda propaganda de alguma mercadoria sugere, subliminarmente, que aquela que temos está ultrapassada e não pode nos oferecer o que a nova poderá. Não comprá-la é ficar em falta com nós mesmos e não pertencer ao círculo especial dos que já a adquiriram.

Enredados nesse moto contínuo de insatisfação/descarte/consumo, compreendemos a máxima da vida: sempre seremos felizes por pouco tempo. Toda suposta felicidade antecipa uma infelicidade. E, enquanto saltamos de uma infelicidade a outra, a almejada felicidade passa a ser um breve intervalo, sempre imperceptível.

A felicidade, substituída pela satisfação de desejos nunca aplacáveis, jamais é experimentada. O que nos resta é a ansiedade da felicidade. As compras do chef francês sugerem que ele se desvia dessa sedução consumista. Fruir, mais do que ter. E não apenas o sabor do foie gras ou dos cogumelos mas o prazer de repartir com amigos e familiares pequenos prazeres. Celebração e simplicidade.

[(*) Artigo escrito pela terapeuta existencial e professora de filosofia Dulce Critelli e publicado no caderno Equilíbrio do jornal Folha de S.Paulo, no dia 12. Gostei tanto que resolvi dividir com vocês]

20 comentários:

Fernando disse...

Te recomendo seriamente um livro: Desejo de Status, Alain de Botton.

Leia e depois conversamos sobre isso. :D

mauricio disse...

OI! desculpa, msg nada tem a ver com o post, so uma duvida que gostaria de tirar. Moro em Londres e estou indo a berlin semana que vem, vou sozinho e li varias vezes os seus posts de quando vc foi la. Queria saber se vc ficou em hotel ou hostel e qual. como vou so acho que hostel eh a melhor opcao. Onde que vc ficou? thanks! x

Thiago Lasco disse...

Maurício, eu fiquei no St. Christopher's, no Mitte, bem em frente à estação Rosa-Luxembourg-Strasse do metrô. Acho a localização do Mitte bem estratégica. Mas vou te indicar um outro hostel, o Wombat, que é bem perto e me pareceu melhor. Consulte em: wombats-hostels.com/berlin

Daniel disse...

Site relacionado a este post com um vídeo IMPERDÍVEL: http://www.storyofstuff.com/

Anonymous disse...

Cara ... texto lindo ! ... Vc escreve muito bem e eu fico imaginando como vc deve ser legal ter um amigo como vc ... Bjos e uma ótima semana... Robson / S José dos Campos

Thiago Lasco disse...

Robson: Esse texto especificamente não é meu - a autora está identificada no final!

David® disse...

no yoga aprendemos a arte do contentamento. Não no sentido pejorativo, de quem não sairá mais daquele lugar q alcançou e viverá na mediocridade mas sim de desfrutar o que foi conseguido com muito esforço e perseverança.
Belo texto dela e mto bom vc ter compartilhado conosco.
Abração!

Don Diego De La Vega disse...

Esse negócio de "ter,ter,ter" me perturba. É um assunto que venho adiando pra abordar no blog.

Hoje em dia só compro basicamente duas coisas, que são bem caras: DVDs de séries de TV e perfumes importados. De ambos já tenho o suficiente pra consumir sozinho por anos e anos, e a cada dia mais são lançados com aquela velocidade que já sabemos.

É duro resistir a esse apelo do novo. As campanhas publicitárias são de uma eficiência em nos seduzir com esse mote que é preciso vc forçar a racionalização de que, por ex, um perfume ridículo chamado "The One" de R$ 400,00 não vai fazer vc se sentir único em porra nenhuma.

Felizmente não fico trocando de celular, relógio, guarda-roupa, nem comprando móveis, objetos pra casa, etc. Conheço gente q vive pra comprar coisa pra botar dentro de casa. Aí vem 2012 e.... ;)

Estou felizmente mudando de parâmetro e comprando menos perfumes e menos caixinhas lindas de seriados de TV. Tb não quero gastar grana em Blu-Ray nem TV gigante Full HD...

Noutro dia vi um clip sobre consumo da Jennifer Lopez, vc viu? Vi no Galeria, chama-se "Love Don´t Cost a Thing"....

Anonymous disse...

Meu sonho de consumo è um bofe lindo e macho da sauna, nao estou nem ai por champagne Cristal ou coisas materiais

beto disse...

há uns anos passei a me perguntar antes de comprar qualquer coisa: realmente preciso? vale o que custa? tem onde colocar isso no apto? quanto tempo vai durar o prazer de ter comprado?
como não sou de ferro, cometo alguns deslizes, mas bem menos que antes. não fiquei menos feliz por deixar de consumir muita coisa.

uomini disse...

O grande problema é quando alcançar a tal felicidade vira obrigação do indivíduo perante seu grupo social. Bjus.

A.M.B disse...

"Celebração e simplicidade",

isso já diz tudo, na minha opinião.

Abração!

Anonymous disse...

Fiz minha reserva na sua segunda opcao de hostel, achei o lugar bacana pelas fotos e boas reviews na net. very exited to go to Berghain/Panorama but scared of the door policy through. Nao sao todos que entram. Alguma dica? desde ja agradeco pela sua recomendacao. Ah.... Sexta no Lab.oratory for sure.

Thiago Lasco disse...

Anônimo: como a fila é inevitável, aproveite para fazer amigos e se entrosar. A mistureba de gente e estilos é bem divertida e todo mundo está a fim de curtir, conhecer gente, have a good time. Não sei bem qual o critério da door policy deles, mas creio que o intuito é apenas evitar que o lugar fique turístico demais e perca a aura underground. Vista-se de acordo (nada mauricinho demais, pense que vc está indo para uma jogação eletrônica forte) e procure se aproximar de outras pessoas que tb estejam dentro da proposta - se forem alemães, melhor ainda; teenagers americanos semi-bêbados que vão 'score some hot chicks' saem em desvantagem. Na hora do aperto, vale dizer aos quatro cantos que vc é brasileiro e só veio a Berlim por causa do Berghain - eles têm muita simpatia pelo nosso país. Só não cometa a burrada de furar a fila - lá, espertinho não tem vez, e vc provavelmente será barrado na porta e expulso (mesmo que volte para o fim da fila, eles não vão deixar vc entrar. Chegue às 4h ou 5h de domingo e fique até o começo da tarde.

Marcos - Floripa disse...

Excelente texto. Ótima reflexão. Obrigado por ter compartilhado.

Camille disse...

Muito bom o texto, obrigada por compartilhar. Penso que nossa sociedade rtem uma coisa com o amor. A gente precisa ser vendavel para ser amado.Todo o tempo se pensa nisso. Ao fazermos uma reflexão, vai dar ali. Mesmo a fama e a gloria dos gregos, quem sabe nao era pra mamae achar eu mais bontinho que meu irmaozinho? Enfim, ja nao sei se essa necessidade de amor é estrtural ou social/burguesa no nosso caso.
UM beijo para voce( estive com a Vivi, ela esta linda e muito feliz. Fazendo sucesso naquela terra. Que bom! Torço por ela sempre).
Boa semana,
Cam

Diógenes de Souza disse...

Esperando o post sobre curitiba e ver se minhas impressões sobre a cidade serão as mesmas que as suas! ;D

Anonymous disse...

Essa foto e linda!!!!! Otima escolha lindinho! :) Me!

K. disse...

definitivamente um texto que merecia ser republicado!

Anônimo disse...

Cara, valeu pelo texto, muito bom.
Penso que o homem moderno está em crise, comprando tudo que acha que precisa ter para ser feliz.