A "cartilha gay" que estou produzindo com outros cinco blogueiros chamou a atenção do site
A Capa e eles pediram que eu lhes desse uma entrevista, que foi publicada
hoje. Para os que se interessarem, estou disponibilizando aqui a íntegra do material que eu mandei para o site, sem edição.
Fale um pouco de você. Sou paulistano, tenho 31 anos, sou advogado e estou fazendo jornalismo. Escrevo o blog “Textos, Contextos e Pretextos de Introspective”, onde falo sobre comportamento, gastronomia, noite, viagens, cultura, universo gay, enfim, assuntos que me interessam ou chamam a minha atenção, coisas que fazem parte da minha vida. Também sou colaborador da revista
DOM.
Gostaria que você explicasse ao nosso leitor a ideia da cartilha. Quando se pensa nas conquistas sociais e políticas que ainda faltam aos gays, muita gente não se vê como parte da solução. As pessoas se habituaram a culpar “os outros”, a dizer que ninguém faz nada, mas elas mesmas não tiram a bunda da cadeira. Alguns são realmente comodistas, mas tem gente bem-intencionada que até gostaria de fazer algo, e não sabe por onde começar. São pessoas que nunca se interessaram pelo movimento LGBT e não pretendem se aproximar dele. A ideia da cartilha é mostrar o caminho das pedras para que essas pessoas, sozinhas, tomem atitudes úteis, construtivas, que tenham efeitos sociais positivos, e ajudem a melhorar a nossa situação. É uma iniciativa independente, feita por seis blogueiros, desvinculada de interesses de grupos ou partidos, e que não concorre ou compete com o trabalho da militância. Não sou o dono da verdade, nem tenho a pretensão de ditar regras para ninguém. Estou apenas fazendo algo para somar, aproveitando essa visibilidade dos blogs para provocar uma discussão saudável, que estimule outras pessoas a sair da inércia.
Pode adiantar algumas ideias da cartilha? São sugestões de pequenas atitudes que possam ser adotadas e incorporadas ao cotidiano. Ideias realistas, viáveis, que saiam do papel. A intenção é que as pessoas percebam que podem fazer a diferença, que isso está ao alcance delas, e se sintam encorajadas. Tem posturas essencialmente pessoais, ligadas à autoestima, às relações com a família e os amigos, à busca por informação, ao consumo consciente, e outras que, mesmo sendo individuais, envolvem algum tipo de participação social, como o trabalho voluntário, a colaboração com ONGs ou mesmo o contato com parlamentares. Nem todos os itens servirão para todos. Cada um vai absorver o que achar que dá, o que está dentro de sua realidade.
Você acompanha o trabalho da militância? Já foi a algum encontro de algum grupo? Você participou da Conferência GLBT (à época) Municipal e Estadual de São Paulo? Qual a sua opinião sobre o Fórum Paulista LGBT? Como você classifica a perseguição que a senadora Fátima Cleide (PT-RO) está sofrendo? Acompanho o trabalho da militância lendo as notícias relacionadas, quando são publicadas na Folha de S. Paulo e nos portais Mix Brasil, A Capa e Parou Tudo. Nunca fui a reuniões de grupos ativistas, nem aos eventos que você citou, e não estou a par do episódio envolvendo a relatora do PLC 122. Minha vida é outra. Contudo, isso não me descredencia ou desqualifica para produzir uma cartilha. Os cidadãos comuns têm todo o direito de se mobilizar para mostrarem o que pensam e protegerem uns aos outros, sem necessariamente aderirem a grupos ativistas. Quero mostrar com a cartilha que não é preciso se filiar a um grupo ou frequentar eventos para fazer o que está ao alcance de cada um.
O meio gay é alienado politicamente? A classe média gay é tão politizada ou despolitizada quanto a classe média hétero. Não somos mais alienados porque consumimos moda, cuidamos do corpo ou tiramos a camisa na boate. Essa associação automática do universo gay com a futilidade é perigosa. Observo que no meio que frequento existe sim uma apatia, um individualismo. Muitas pessoas realmente não estão nem aí para nada. Mas outras se importam e ficariam felizes em ajudar a causa, e foi para elas que resolvi bolar a cartilha. Esse individualismo e falta de participação não são exclusividade do meio gay, são parte da mentalidade contemporânea, têm a ver com um processo de esvaziamento do debate político a partir do regime militar, enfim, têm uma série de explicações que nada têm a ver com sexualidade. Sexualidade é algo mais básico e simples do que isso.
Como a militância poderia atrair mais pessoas? Não sou a pessoa mais indicada para responder a essa pergunta. É a militância que precisa encontrar suas fórmulas. Talvez seja o caso de mudar o discurso, buscar um repertório novo, uma linguagem mais palatável a quem está de fora.
Na sua opinião, qual partido político está mais próximo da comunidade gay? Como não acompanho de perto as atividades de cada partido, não quero correr o risco de ser injusto. Sei que boa parte deles, não só os de extrema esquerda como também PT e PSDB, tem subgrupos ligados à diversidade sexual. Mas eu, que estou fora do jogo político, não enxergo nenhum partido como realmente próximo da comunidade gay.
Você frequenta a parada gay? Vou todo ano há uns oito ou nove anos, nem lembro mais qual foi minha primeira. Ainda não desisti dela, mas não sei dizer por quanto tempo vou continuar. Só insisto porque acho que, se ela está desvirtuada, não é abandonando o barco que alguma coisa vai mudar. Em entrevista ao site Parou Tudo, o diretor-geral Manoel Zanini disse que acha que o peso político da Parada é muito maior hoje, com os tais três milhões. Eu já penso o contrário: não acho que a quantidade de gente na rua soma ao movimento, ela até o enfraquece. O recado político do “vejam como somos muitos” foi dado quando atingimos o primeiro milhão, nós realmente causamos impacto, mas a sociedade já absorveu a mensagem e isso não faz mais tanta diferença. “Dançar, cantar e celebrar” não é protesto. O lado lúdico é necessário, mas não basta, não leva a conquistas nem provoca uma mudança de mentalidade. Não sei qual a saída. Talvez deixar o trecho da Paulista para a militância discursar, abrir espaço para protestos e reivindicações, e ligar a música dos carros ao dobrar a Consolação, deixando a festa rolar a partir daí. Seria menos jogação, o povo da bagunça grátis acharia chato, viria menos gente? Tudo bem, não é do volume desse povo que a Parada precisa hoje. E festa, os clubes fazem muito melhor.
Você acredita em ações coletivas? Acredito que, em algumas situações muito específicas, a classe média em geral é capaz de se indignar, se mobilizar e pensar coletivamente. Mas, quando o assunto são as questões LGBT, sou meio cético. Acho muito difícil querer provocar uma convergência de vontades em um grupo que é tão diverso e plural, e também tão desunido, que tem mil preconceitos entre si. Quando eu escrevi que “a esperança não está nas atitudes coletivas, e sim nas individuais”, quis dizer que não dá para a gente ficar esperando uma união que pode simplesmente não acontecer. Por isso, defendo ações individuais, ao estilo “faça você mesmo”. Que podem se multiplicar e acabar tendo um efeito coletivo. Mas cada um por si, sem prestar contas e nem depender de ninguém. É importante que cada um se sinta impelido a ter sua própria iniciativa, ao invés de ficar esperando eternamente pelos outros.
E sobre a mídia gay, ela ajuda a despolitizar a comunidade gay? Qual a sua opinião a respeito? Não podemos fazer dela culpada. O problema é anterior. Se a “comunidade gay” é despolitizada, não é por causa da mídia gay, mas porque não lê jornal mesmo, da mesma forma que muitos segmentos héteros também não. É um erro pensar que basta ler os sites e revistas gays para estar suficientemente informado, quem pensa assim não enxerga muito longe. A consciência social e política, o senso cívico, isso tudo vem de outro lugar, vem da criação e dos hábitos de cada um, e ninguém vai desenvolver lendo o Mix ou ACapa, por mais politizados que eles queiram ser. O papel da mídia gay, enquanto mídia especializada, é cobrir as especificidades de seu universo. Política entra na mistura, sem dúvida, mas é só um dos assuntos a serem tratados. E tem que ser dosado, até mesmo por questões comerciais, afinal só militância não vende revista, não dá audiência a site, nem nada. Comportamento, noite, consumo, identidade, moda, lazer, saúde, aconselhamento jurídico, sexo, fofocas, assuntos úteis e fúteis, tudo isso é de interesse do público gay e é perfeitamente legítimo que ele procure essa informação. Temos que aceitar que algumas pessoas se interessarão por política e outras não, sejam elas homo, bi ou heterossexuais.
Você é formado em Direito. Acredita que os cursos de advocacia preparam os futuros profissionais a lidarem com a questão da homoafetividade? Bem, só posso falar pela USP, que foi onde estudei. Eu me formei em 2001 e, naquele tempo, o curso de graduação em Direito não dizia uma só palavra sobre o assunto, não tratava dessas problemáticas não contempladas pela lei. A repercussão nacional das decisões proferidas pela desembargadora Maria Berenice Dias no Rio Grande do Sul é posterior a essa época, não sei como o curso está agora. Parece que existe um grupo que promove discussões extraclasse sobre questões ligadas à diversidade sexual, no pátio da faculdade, com gente de outras áreas. Mesmo entidades de apoio aos advogados, como a OAB e a AASP, começaram a dar cursos sobre o assunto muito recentemente, coisa de dois anos para cá. Mas um bom curso de Direito prepara o advogado para pensar o ordenamento jurídico como um todo e encontrar soluções para os problemas com base nas leis já existentes. Buscar o reconhecimento de uma sociedade de fato, por exemplo, foi uma saída criativa para contornar a inexistência de uma união estável homossexual, e assim conseguir dividir o patrimônio dos casais que se separavam.
O que você acha da lei 10.948? Foi um grande passo dado aqui em São Paulo. É importante esse reconhecimento formal, por parte do legislador, de que a diversidade sexual precisa ser respeitada, isso tem um caráter educativo para o resto da sociedade. E a imposição de uma pena pecuniária (multa) não deixa de garantir à lei uma certa efetividade. Mas para estancar a homofobia de verdade, só mesmo atribuindo a esse tipo de comportamento uma sanção penal, coisa que somente a esfera federal tem competência para fazer. Por isso, a aprovação do PLC 122 é tão importante.