Em fevereiro de 1996, Paris era apenas um amontoado de atracoes turisticas grudadas em uma cidade toda lindinha, com um rio no meio, gelada e cinzenta como todas as outras capitais da Europa. Era meu primeiro contato com o Velho Mundo, presente que ganhei da minha mae pelos meus 18 anos. Fizemos uma excursao de 30 dias por 10 paises. Deu para ter uma ideia de onde valeria a pena voltar com mais calma (a Franca e, principalmente, a Espanha, paixao instantanea e o primeiro pais para onde eu me mudaria hoje) e onde nao havia tanta identificacao (a Italia, decepcionante). Mas nao deu para aprofundar nada: foi so uma maratona de fotos em cartoes postais. Olha a Madeleine: FLASH! Invalides: FLASH! Mas perai, o que eh esse tal de Invalides, alguma associacao de apoio a paraplegicos? [na verdade, eh lah que estao enterrados os restos mortais de Napoleao Bonaparte] Ah, nao importa, vamos correndo para a proxima atracao, que o tempo eh curto e o onibus estah esperando.
No ano seguinte, a capital francesa reapareceu no meu caminho. Pela minha aprovacao na USP, meu tio me premiou com um curso de ingles em Cambridge, Inglaterra. Nos finais de semana, eu dava uns pulinhos em outros lugares (Amsterdam, Edimburgo, Brighton, Londres) e, quando o curso terminou, fui passar uma semana em Paris. Eu estava completamente sozinho no mundo pela primeira vez e nao falava nadinha de frances. E no entanto me sai bem, o idioma nao era tao dificil assim - e foi entao que eu percebi que conseguia me virar em qualquer lugar do mundo. Flanando sem rumo pela cidade, fazendo incontaveis correspondances no metro, pude finalmente sentir um pouco da alma de Paris e passei a considera-la um pouco minha tambem. Voltei a me encantar com as atracoes conhecidas, descobri outras - e embarquei para o Brasil com um aperto no coracao. Enfeiticado e sem previsao de volta.
Muita coisa mudou na minha vida nesses onze anos que se passaram, a comecar pela minha propria sexualidade. E desta vez vi Paris com um olhar completamente diferente. Mais maduro, mais sexual, mais adulto. A cidade-luz continua deslumbrante, poetica, linda - mas foi desmistificada. Eh bem menor do que parecia: era inesgotavel, e agora parece caber nas minhas maos. O carao dos parisienses nem eh tao grande assim: em geral, quem eles esnobam sao turistas que praticamente pedem para ser gongados. Mesmo com tanta beleza e opulencia, Paris tambem eh caotica, sujinha e talvez nao tenha uma qualidade de vida exemplar - coisa que um mochileiro de 19 anos, preocupado apenas com a beleza do Champ de Mars, jamais conseguiria enxergar.
Percebi algumas mudancas de 1997 pra ca. Nao eh de hoje que Paris eh o destino mais visitado do mundo, mas a expansao do turismo de massa trouxe mais onibus de turismo, mais cybercafes, mais filas para tudo, muuuuuito mais comboios de japoneses, chineses e coreanos. Deslocou a Mona Lisa para uma sala muito maior no Louvre, onde o caos da multidao que se acotovela nao causa tanto transtorno ao resto do mseu. No Quartier Latin, que sempre teve um charme intelectual-cult por conta da Sorbonne, dos cafes, livrarias e brechos que protagonizaram 1968, varias vielas que saem do Boulevard Saint-Germain foram tomadas por restaurantes e cafes de baixissima qualidade, com paineis amarelos mostrando fotografias esverdeadas de pratos do dia a 10 euros. Claro que Paris ainda tem refugios descolados, boas mesas e boas lojas, mas de repente parece que eh preciso ter mais talento e mais referencias para fugir das armadilhas pega-turista.
Mas o mais legal foi redescobrir os motivos que me fizeram amar a cidade. O D'Orsay ja era meu museu predileto no mundo (junto com o Prado em Madrid), mas agora, aos 30, parece que tenho um pouco mais de sensibilidade para me emocionar com a capacidade dos pintores de traduzir emocoes em fisionomias tao realistas. Tambem passei a dar muito mais valor ao Louvre, que antes me dava preguica e desta vez me tomou uma manha inteira sem choro. Falando frances o tempo todo, o tratamento eh incomparavel, os parisienses te tiram do limbo do turista mediano e te colocam nos bastidores da vida real deles, sem as distorcoes e simplificacoes que teriam que fazer ao traduzir tudo para um "ingles macarronique niveau 1".
Foi uma visita de velhos e novos prazeres. A Fontaine Medecis, dentro dos Jardins de Luxemburgo, ainda eh meu canto preferido na cidade e estava linda, emoldurada por um ceu de brigadeiro, enquanto gente do mundo todo lotava as cadeiras sob o sol. Jah o Marais foi uma redescoberta: minha nova identidade gay me fez enxergar um mundo que eu nao conhecia e que passava batido quando, em 1997, eu ia apenas ver a Place des Vosges e a arte moderna do Pompidou. Um verdadeiro gueto, com tudo o que isso tem de pior e de melhor. Cafes e restaurantes com 100% de frequencia de bibas (alguns codigos locais, mas a maioria eh bem universal). Um submundo do sexo infinitamente mais evoluido, esclarecido, bem-resolvido, que nos faz ver como ainda somos presos a nossa moral catolica tacanha, cheia de culpas, inquisitoria. Em Paris, vc tem espaco para ser o que quiser, gostar do que quiser e fazer o que quiser - realmente nao importa, como nao deveria importar por aqui tambem.
Estamos vivendo avancos inegaveis no Brasil, com a midia tentanto achar uma forma menos estereotipada de tratar os gays, duas revistas engatinhando tentando conquistar o mercado... mas quando eu entro em um lugar como a Les Mots a La Bouche, uma livraria espetacular inteiramente gay, bacanerrima, com muito mais a oferecer do que Tom of Finland e Vogue Homem, soh consigo concluir que ainda estamos na idade da pedra, e que ser gay no Brasil eh se contentar com migalhas, copiar a moda dos outros, tirar a camisa na The Week e esperar o proximo carnaval. Na verdade, como diria Lindinalva, o babado das bilus eh mesmo aqui. Ateh a proxima.
10 comentários:
Minha dica de Paris é singela: vá a um supermercado, qualquer um, e compre algumas coisas. Vamos ver se você vai continuar querendo morar na Espanha.
bisous, bon voyage!
A Vila Parisi é babado forte quiridjo. Já encontraste o Rafa Nunes pra te fazer um tour pela Rue de Keller?? Affff!!! Keller's, 14 rue Keller (11e), 47.00.05.39 BABADO FORTÍSSIMO que deixam as pegações do uómini com cara de brincadeira de criança. Um beijo e me liga, fio!!
Engraçado ler este post com os olhos de quem vai chegar na segunda-feira, ansioso e que tem um sonho realizado em 3 dias....
Certamente a minha Paris de 2008, será a sua de 1997.
Não me importo....será um sonho realizado.
Ai... vc bem que poderia ficar por aí até terça!!! hehehehe
Continue aproveitando..
Beijo!
Que post magnifique! E que a viagem contuinue maravilhosa...
Seu texto é um deleite.Obrigado por não nos abandonar.Desejo que tenha uma ótima continuação de viagem.
Malgré hereux avec ton voyage, senti sua falta aqui hoje. Querido, depois de tantos atropelos, sinto que nossa hora chegou. Avise-me assim que pisar em terras brasileiras e estiver com tempo. Quero uma tarde de sábado - ou de domingo - inteira com você, compartilhando fotos e opiniões. Aproveite muito, você merece.
Beijo e saudade,
I.
Realmente..Post incrível!
a última parte então...clara, seca e contundente!
arraaaaasa!!
(to adorando as fotinhos no flickr!!)
Eu tô em Paris há 3 semanas, minha primeira vez, e é interessante ver como algumas percepções coincidem... O estilo dos parisienses não vem acompanhado de carão (na maioria das vezes), e falar com eles em francês realmente permite atingir outro nível de interação... Até eu já tô cansado de turistas anglófonos! Se ainda estiver aqui, aproveite o cinema en plein air du Parc de la Villette. Chegue umas 21 horas com um vinho e uma boa companhia e veja o tempo passar até o início da sessão. Se não tiver a companhia, me avisa!
Morei aí durante 8 anos, foi o tempo mais feliz da minha vida. Depois voltei duas vezes, mas não tinha mais o mesmo olhar de antes, deixei pra trás aquele Jôka.
Allors, prends un bon coup de Beaujaulais et soit bien heureux !
Salut, mon cher !
Não Há nada como o Impact Club
Rue de Greneta 15, um clube de sexo como não existe em mais nenhum lugar do mundo.
Boa Viagem
Luca
Lisboa
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