sábado, 15 de julho de 2017
Vinte anos num piscar de olhos
Hoje um amigo querido celebrou aniversário em um espaço fofissimo aberto no terraço da Galeria Ouro Fino (que recebeu o exagerado nome de Rooftop Augusta). Quem é de São Paulo ou frequentou a cidade nos últimos vinte e poucos anos lembra que existiu um tempo em que os Jardins eram o epicentro da vida gay, e a Ouro Fino, um misto de ponto de encontro e celeiro de tendências. Um lugar que transbordava a cultura clubber da época, em roupas, óculos escuros, vinis, acessórios, flyers. Nem preciso dizer que aos sábados à tarde aquilo pegava fogo.
Subir novamente aquelas escadas foi como rever um filme do meu início de juventude, quando eu ainda formava minha identidade e tudo era descoberta e excitação. Ver que as lojas do passado deram lugar a espaços mortos, esvaziados pelo aluguel caro, pela crise econômica e, especialmente, pela mudança dos costumes, foi melancólico. Enxerguei naquelas vitrines ociosas as incríveis calças de nylon da finada Slam e senti de novo na boca o gosto do ponche que eu tomava perto dali, nas edições mensais do Mambo Bazar, que rolava no casarão da Paulista, antes de ir a clubes e festas que também não existem mais.
Fui subindo a Augusta e, quando cheguei à Franca, dobrei a esquina para ver o movimento do restaurante Ritz, outro lugar que foi muito marcante na minha vida. Nós áureos tempos, era ali que se fazia o esquenta com drinks até a hora de ferver nas boates que se espalhavam pelas alamedas do bairro, antes da higienização feita pela vizinhança.
Eu empurrava aquela pesada porta giratória vermelha e tinha a sensação de que uma chuva de flashes pipocava sobre mim ao entrar naquele lugar. Os garçons gatíssimos, a música eletrônica do momento nos falantes, os flertes que cruzavam o pequeno salão com ares de pub, tudo exalava uma eletricidade que também se perdeu.
Em pleno sábado à noite, hoje já não há muvuca na porta, nem casais de todos os gêneros espremidos nos bancos da calçada, distraindo-se da espera com porções de bolinho de arroz. Lá dentro, é fácil conseguir mesa, o balcão do bar está vazio e o público envelheceu com o lugar. Certamente há alguns egressos dos anos dourados, mas muitos casais e grupos de héteros mais maduros e comportados, num contraste que deixa a brigada que serve as mesas com uma cara ainda mais jovem e imberbe.
A comida estava correta, embora não mais justifique os preços altos que sempre foram a tônica do lugar. Mas não importa: dá um certo conforto poder voltar a essa casa que, aos 35 anos de idade, é um dos poucos vestígios de uma época que ficou para trás. Pelo menos o Ritz ainda não foi varrido do mapa como tantas outras referências que marcaram a minha vida.
Fiquei nostálgico, mas não triste: entendo que a vida é feita de ciclos, e tanto na cidade de São Paulo como na minha vida privada rolaram muitas outras coisas especiais, marcantes. E tenho certeza de que muito mais ainda está por vir. Mas levei um certo susto quando caí na real e vi que os vinte anos que separam os tempos de encantamento dos Jardins de outrora do dia de hoje passaram muito, muito rápido.
(É... deve ser um sintoma dos meus 40 anos batendo à porta no ano que vem.)
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