Uma noite feliz é o resultado de uma combinação precisa de diversas variáveis. É você conseguir achar os seus amigos numa imensidão de pessoas e cavar um espacinho para dançar com conforto. É a música estar particularmente boa, adequada ao seu gosto, ao seu momento. É o seu estado de espírito estar favorável, você estar num dia bom, e isso se reverberar em sua ondinha interior de bem-estar e felicidade. Em alguns casos, dependendo das expectativas e/ou do que estiver dentro do seu copo, é você beijar bastante - a mesma boca ou diversas bocas.
A questão é que todos esses são fatores que fogem completamente ao seu controle. Às vezes você tem sorte e tudo casa à perfeição. Mas em outras noites, essa fina sintonia simplesmente não acontece. Não é sempre que dá para ter a noite perfeita, no timing perfeito, a onda perfeita, com as companhias perfeitas, tudo ao mesmo tempo.
Essa é a principal razão pela qual uma mesma festa pode ser incrível para uma pessoa que viveu a tal sintonia rara, e ruim para outra com que a mistura desandou. A ordem dos fatores é essencial - e um erro na alquimia pode provocar combustão e até a explosão do laboratório!
Autoconhecimento é a palavra-chave. Com o tempo, aprendemos a reconhecer nossas preferências, nossas fragilidades, nossos limites, e com isso tentamos lapidar nossa experiência de noite. Sabendo de antemão onde o calo aperta, dá para tentar evitar as situações que vão provocar desgaste, os comportamentos que poderão ter um gosto amargo no dia seguinte. Às vezes a recompensa do momento é mais efêmera do que a gente gostaria. E, quando as coisas não derem tão certo, é sempre bom lembrar que, depois daquela festa tão esperada, certamente virá outra, e mais outra, e numa próxima oportunidade a mistura dos ingredientes poderá ter um resultado mais harmonioso. Melhor não se cobrar demais.
Também ajuda muito a gente estar de bem consigo, em dia com a autoestima, o corpo, o coração. Pista de dança pode ser um ótimo lugar para espairecer, se distrair e escapar dos problemas - mas se você abrir a porta errada, os esqueletos poderão cair do armário e te assombrar. O melhor é fazer a lição de casa antes - reconhecer quais são as suas carências, o que te falta, o que te faz sofrer, e ir tratando de resolver tudo isso, aos poucos - fora dali e de cara limpa. No meio da festa, não existem soluções milagrosas - não acredite se te disserem o contrário, honey.
Mas a discussão mais importante é de outra natureza. Tem a ver com os objetivos que se tem na vida. Verdadeira indústria dos sonhos, o meio gay é uma gincana frenética, extremamente competitiva, na luta pelos melhores prêmios: o corpo esculpido que todo mundo quer, o título de bunita, a chave do harém encantado, a coroa de rainha da noite. Nesse cassino, os lances e apostas costumam ser bastante altos. Vencer ali dá um trabalho enorme, custa um bom dinheiro, exige dedicação e comprometimento, inclusive da saúde. O prazer pode ser imenso, e não há nada melhor do que a gente lutar pelos sonhos e pelas coisas que a gente deseja. Mas às vezes não é possível ter tudo o que se quer. E mesmo quando você chegar lá, um dia isso fatalmente... vai passar. Ter outros projetos de vida - e um punhado de amigos leais para te acompanhar pelo caminho - é crucial para não se cair num vazio enorme depois que a festa acabar.
domingo, 26 de junho de 2011
quarta-feira, 22 de junho de 2011
E agora?
Quando começaram a ser divulgados os DJs estrangeiros escalados para animar as festas da semana da Parada Gay de São Paulo, a simples ausência de Peter Rauhofer, tido por muitos como "o top dos tops", foi suficiente para dar início a comentários do tipo "a Parada está decadente!", "as festas serão calmas e modestas", "São Paulo mó-rreu" etc. Vi a programação dos clubes e achei que o alarde era exagerado: afinal, com mudanças mínimas, as festas de 2011 serão idênticas às dos anos anteriores.
A poucas horas do início oficial dos festejos, porém, estou começando a achar que os tempos mudaram mesmo. A esta altura do campeonato, o Facebook deveria estar em polvorosa e eu já teria recebido diversos e-mails e telefonemas de amigos de outros estados, todos pedindo dicas da cidade, perguntando sobre o meu roteiro e querendo marcar alguma coisa. Desta vez, eu é que tenho que procurá-los para saber quem vem, e em geral... ninguém vem.
Concordo que seria ingênuo pensar que os meus amigos e contatos são uma amostra representativa do meio gay. Talvez esse pequeno recorte não corresponda à realidade que se verá nos próximos dias. De qualquer forma, eu já notei uma queda sensível de público no ano passado, o que me sugere que o "caso isolado" de 2010 pode ser mesmo uma mudança de comportamento. O que estará acontecendo? Fiz essa pergunta a algumas pessoas que resolveram fazer a egípcia em 2011. "Agora temos festas boas em várias épocas e vários estados do Brasil, então não precisamos mais ir a São Paulo na Parada". "As festas perderam a graça, não estão trazendo mais nenhuma novidade". "Desta vez vamos pular SP e nos guardar para as festas de Barcelona em agosto". "Cansei um pouco de festa, a gente fica muito estragado".
Ou seja: para 99% das bilus, a Parada vale ou é lembrada exclusivamente pelas festas feitas pelos clubes. E nunca, de forma alguma, pela Parada em si. Ninguém pensa que este é um momento em que as atenções do país inteiro se voltam para nós, e portanto uma rara oportunidade que temos para dar um recado para a sociedade. Da Parada anterior para cá, importantes acontecimentos marcaram a nossa agenda, e se alguns foram positivos, como a decisão do STF reconhecendo uma união estável homoafetiva, boa parte deles representou retrocessos ou mesmo tragédias: a contaminação do Legislativo pelas bancadas religiosas, os ataques homofóbicos pela cidade, o descarte do kit anti-homofobia pela presidente na vã tentativa de proteger Palocci. Agora a Parada está novamente aí e, no entanto, estamos desperdiçando uma chance preciosa de nos posicionar sobre todos esses assuntos.
Entendo que parte da culpa pelo esvaziamento da Parada está nos seus problemas estruturais. Com o gigantismo do evento - causado muito mais pela carência de boas opções de lazer grátis para o povo, do que por um aumento do número de simpatizantes à nossa causa - fica difícil garantir conforto e segurança. Já falei sobre isso em outros posts. A festa na avenida foi ficando feia, vi várias cenas dantescas que me desestimularam e, no ano passado, resolvi nem aparecer. Mas acho que o momento político que vivemos pede uma mudança de atitude, e os gays ditos "esclarecidos" deveriam voltar à Paulista.
Se o evento se reduziu a um mero carnaval de rua, nunca é tarde para corrigir o foco. Uma atitude que certamente ajudaria: ligar a música mais tarde, abrindo espaço para que lideranças do movimento LGBT pudessem falar ao microfone. O percurso é longo: podemos deixar o trecho da Paulista para o comício e, na curva para a Consolação, os DJs começariam a tocar e instalariam o carnaval de sempre. Ou pelo menos fazer duas horinhas que sejam de manifestação, e depois começar a se embebedar e beijar na boca. É um desperdício ter uma quantidade tão grande de gente na rua, e não conseguir tirar disso nada de útil e proveitoso para a causa LGBT.
As bichas são alienadas? Sim, mas elas acessam os portais de notícias LGBT, ainda que seja para saber da Lady Gaga, ou dos personagens gays da novela das oito. Então esses veículos deveriam aproveitar sua condição de formadores de opinião para, além de vender revistas e assinaturas de sites de encontros, estimular a audiência a ter uma postura mais participativa. Não precisam pedir que as pessoas escrevam cartazes ou peguem em armas: basta que venham todos vestidos de preto, em protesto contra a escalada da homofobia. Ou de vermelho, pela celebração do nosso amor. Ou de branco, pedindo paz. Se a Parada perdesse METADE do público, ainda seriam 1,5 milhão de pessoas ocupando a Paulista vestidas da mesma cor. Uma bela mensagem. E não é tão difícil. É só questão de se articular! Boa Parada a todos, e nos vemos por aí.
[UPDATE: Aos leitores perdidos que pediram ajuda com as festas, faço aqui um apanhado rápido do que me pareceu mais interessante. Hoje: uma pedida para ver o povo num clima mais leve é a The Society, com o DJ Pagano. Mas se você prefere menos carão e mais beijação, se joga sem medo na Bubu, que também tem atração gringa e estará lotada. Quinta: eu recomendo a festona da TW no Moinho - se a Mooca é meio fora de mão, o som do Freemasons já vale o ingresso. Um plano B é A Lôca, sempre bem divertida. Sexta: resolvi fazer algo diferente, e vou apostar na Ursound - o público da festa está mais diversificado, o clima é bacana e a música idem. Quem é de fora e não está sempre aqui pode aproveitar para conhecer o Lions, bem legal. Ou então, noite clássica na The Week, com o duo Rosabel, para quem prefere jogar no seguro. Sábado: a GiraSol ainda é a festa mais esperada, prestigiada e comentada da temporada - e vai ser no Clube Nacional, locação que super funcionou no ano passado. Depois dela, ali pertinho, a Megga reabre com o Stephan Grondin, uma das melhores atrações desta leva. Domingo: quem estiver virado, ou mesmo descansado depois da GiraSol, pode se jogar no after luxurioso da Code, que avança tarde adentro. Mas tem a Parada, hein! No fim da tarde, tem repeteco da GiraSol e, à meia-noite, uma festa nova, chamada Babyy (assim mesmo, com dois 'Y'), no Hotel Cambridge, com a queridona Twisted Dee. Com mais público ou menos público, só não vai se divertir quem não quiser].
A poucas horas do início oficial dos festejos, porém, estou começando a achar que os tempos mudaram mesmo. A esta altura do campeonato, o Facebook deveria estar em polvorosa e eu já teria recebido diversos e-mails e telefonemas de amigos de outros estados, todos pedindo dicas da cidade, perguntando sobre o meu roteiro e querendo marcar alguma coisa. Desta vez, eu é que tenho que procurá-los para saber quem vem, e em geral... ninguém vem.
Concordo que seria ingênuo pensar que os meus amigos e contatos são uma amostra representativa do meio gay. Talvez esse pequeno recorte não corresponda à realidade que se verá nos próximos dias. De qualquer forma, eu já notei uma queda sensível de público no ano passado, o que me sugere que o "caso isolado" de 2010 pode ser mesmo uma mudança de comportamento. O que estará acontecendo? Fiz essa pergunta a algumas pessoas que resolveram fazer a egípcia em 2011. "Agora temos festas boas em várias épocas e vários estados do Brasil, então não precisamos mais ir a São Paulo na Parada". "As festas perderam a graça, não estão trazendo mais nenhuma novidade". "Desta vez vamos pular SP e nos guardar para as festas de Barcelona em agosto". "Cansei um pouco de festa, a gente fica muito estragado".
Ou seja: para 99% das bilus, a Parada vale ou é lembrada exclusivamente pelas festas feitas pelos clubes. E nunca, de forma alguma, pela Parada em si. Ninguém pensa que este é um momento em que as atenções do país inteiro se voltam para nós, e portanto uma rara oportunidade que temos para dar um recado para a sociedade. Da Parada anterior para cá, importantes acontecimentos marcaram a nossa agenda, e se alguns foram positivos, como a decisão do STF reconhecendo uma união estável homoafetiva, boa parte deles representou retrocessos ou mesmo tragédias: a contaminação do Legislativo pelas bancadas religiosas, os ataques homofóbicos pela cidade, o descarte do kit anti-homofobia pela presidente na vã tentativa de proteger Palocci. Agora a Parada está novamente aí e, no entanto, estamos desperdiçando uma chance preciosa de nos posicionar sobre todos esses assuntos.
Entendo que parte da culpa pelo esvaziamento da Parada está nos seus problemas estruturais. Com o gigantismo do evento - causado muito mais pela carência de boas opções de lazer grátis para o povo, do que por um aumento do número de simpatizantes à nossa causa - fica difícil garantir conforto e segurança. Já falei sobre isso em outros posts. A festa na avenida foi ficando feia, vi várias cenas dantescas que me desestimularam e, no ano passado, resolvi nem aparecer. Mas acho que o momento político que vivemos pede uma mudança de atitude, e os gays ditos "esclarecidos" deveriam voltar à Paulista.
Se o evento se reduziu a um mero carnaval de rua, nunca é tarde para corrigir o foco. Uma atitude que certamente ajudaria: ligar a música mais tarde, abrindo espaço para que lideranças do movimento LGBT pudessem falar ao microfone. O percurso é longo: podemos deixar o trecho da Paulista para o comício e, na curva para a Consolação, os DJs começariam a tocar e instalariam o carnaval de sempre. Ou pelo menos fazer duas horinhas que sejam de manifestação, e depois começar a se embebedar e beijar na boca. É um desperdício ter uma quantidade tão grande de gente na rua, e não conseguir tirar disso nada de útil e proveitoso para a causa LGBT.
As bichas são alienadas? Sim, mas elas acessam os portais de notícias LGBT, ainda que seja para saber da Lady Gaga, ou dos personagens gays da novela das oito. Então esses veículos deveriam aproveitar sua condição de formadores de opinião para, além de vender revistas e assinaturas de sites de encontros, estimular a audiência a ter uma postura mais participativa. Não precisam pedir que as pessoas escrevam cartazes ou peguem em armas: basta que venham todos vestidos de preto, em protesto contra a escalada da homofobia. Ou de vermelho, pela celebração do nosso amor. Ou de branco, pedindo paz. Se a Parada perdesse METADE do público, ainda seriam 1,5 milhão de pessoas ocupando a Paulista vestidas da mesma cor. Uma bela mensagem. E não é tão difícil. É só questão de se articular! Boa Parada a todos, e nos vemos por aí.
[UPDATE: Aos leitores perdidos que pediram ajuda com as festas, faço aqui um apanhado rápido do que me pareceu mais interessante. Hoje: uma pedida para ver o povo num clima mais leve é a The Society, com o DJ Pagano. Mas se você prefere menos carão e mais beijação, se joga sem medo na Bubu, que também tem atração gringa e estará lotada. Quinta: eu recomendo a festona da TW no Moinho - se a Mooca é meio fora de mão, o som do Freemasons já vale o ingresso. Um plano B é A Lôca, sempre bem divertida. Sexta: resolvi fazer algo diferente, e vou apostar na Ursound - o público da festa está mais diversificado, o clima é bacana e a música idem. Quem é de fora e não está sempre aqui pode aproveitar para conhecer o Lions, bem legal. Ou então, noite clássica na The Week, com o duo Rosabel, para quem prefere jogar no seguro. Sábado: a GiraSol ainda é a festa mais esperada, prestigiada e comentada da temporada - e vai ser no Clube Nacional, locação que super funcionou no ano passado. Depois dela, ali pertinho, a Megga reabre com o Stephan Grondin, uma das melhores atrações desta leva. Domingo: quem estiver virado, ou mesmo descansado depois da GiraSol, pode se jogar no after luxurioso da Code, que avança tarde adentro. Mas tem a Parada, hein! No fim da tarde, tem repeteco da GiraSol e, à meia-noite, uma festa nova, chamada Babyy (assim mesmo, com dois 'Y'), no Hotel Cambridge, com a queridona Twisted Dee. Com mais público ou menos público, só não vai se divertir quem não quiser].
terça-feira, 14 de junho de 2011
A Nova York brasileira
Uma das coisas boas de viajar para o Exterior é a chance única que temos de ver sob um outro prisma não só a nossa vida, como também o nosso país. A repetição da rotina acaba anestesiando os sentidos e o senso crítico. Quando saímos do habitat, esse novo olhar mais fresco pode nos fazer descobrir coisas que nem imaginávamos. Ou ainda confirmar antigas convicções. Como é o caso da tese que irei defender neste texto. Eu já dizia isto aos meus amigos, e agora estou mais convencido do que nunca: São Paulo é, definitivamente, a Nova York brasileira.
Quero deixar bem claro que não se trata de tentar emular um estilo pretensamente nova-iorquino, em busca da aceitação alheia. Não, não continuemos agindo como uma colônia, não precisamos disso, muito menos que a Sarah Jessica Parker seja paga para dizer que Sell Powlo tem uma amazing energy, naquela propaganda constrangedora do Shopping Cidade Jarjim. Até acho que existem algumas sutis similaridades entre as duas cidades. Por exemplo, a região da Paulista entre a Ministro e a Augusta tem um leeeeve perfume de Rockefeller Center, especialmente no prédio do Safra e naquela pracinha que fica em frente ao restaurante Spot. Quando eu andei a pé por Midtown, em diversos momentos senti uma certa familiaridade: "isto poderia ser São Paulo". Mas não é bem essa a ideia.
Com grande porte, ritmo frenético e trânsito intenso, Nova York é absolutamente tomada pelo cinza. Se deixarmos de lado o Central Park, espécie de "pulmão verde" da cidade, tudo que temos é um mar de prédios e táxis amarelos. Não por acaso, uma de suas atrações mais fotografadas é o arranha-céu Empire State Building - que, não fosse pela altura, seria um prédio até bem comum. E a sala de visitas da cidade, Times Square, não é mais do que a confluência em X de duas avenidas, completamente abarrotada por painéis publicitários e banners luminosos, que bombardeiam as retinas dos passantes e lembram que tudo que existe ali deverá ser consumido imediatamente. Não existe nenhuma beleza rara ali - é preciso muito Woody Allen na veia, muitas caixas de Friends e Seinfeld, para começar a enxergar "charme" em Manhattan.
E, no entanto, a cidade segue visitada e adorada por multidões e mais multidões, incensada como a "Capital do Mundo". Por que? Porque é ali que tudo acontece. Os melhores shows e concertos, os grandes espetáculos, a cena teatral dentro e fora do circuito da Broadway. Os grandes museus, a vida cultural, o culto à arte em suas diferentes formas e também à individualidade. O melting pot único de nacionalidades, gente de vários cantos do mundo que foi tentar a sorte lá e deu à cidade um tempero bastante peculiar. As compras! Uma gastronomia que vai de A a Z, do pastrami judaico ao curry indiano. Restaurantes, bares e lojas descoladas que vão se descobrindo em uma caminhada pelo Soho, por Chelsea, pelo Village, por Hell's Kitchen, bairros que têm uma alma própria. Quem quer se divertir, vai para lá: não é raro ver gente de outras partes do país pegando um avião para passar o fim de semana em NY, ver um show no Madison Square Garden, enfim, have a good time. Sem se preocupar com beleza - quem quer ver cidade bonita vai a San Francisco, sorry.
A essa altura do texto, acho que a analogia que deu título ao meu texto já faz bastante sentido. São Paulo também tem tudo isso e, no entanto, ainda custa a entender qual é a sua real vocação. De uma vez por todas, temos que parar de nos desculpar diante do resto do mundo por não termos praia. Por não termos baía, floresta, chapada, arara azul, mulher pelada. Como se isso fizesse de SP uma cidade sem nenhum atrativo, fadada a receber apenas turistas de negócios para aquelas feiras e convenções entediantes, irremediavelmente inferiorizada diante da comparação com o Rio de Janeiro e mesmo com outras partes do Brasil.
Nada disso. Aqui, pode-se fazer absolutamente tudo que se faz em NY: os bons restaurantes, as compras, as peças e musicais, os museus, os shows, os bares, as baladas, a moda, as tendências, a informação, a hiperconexão com o que se passa aqui e lá fora. É esse o papel que São Paulo possui dentro do riquíssimo mosaico que forma o turismo no Brasil. Com seus problemas, com suas partes indiscutivelmente feias, SP tem muitos predicados para vender, tanto para o resto do país quanto para o mundo. Tem todos os méritos para receber aviões com pessoas que não vieram trabalhar, mas se divertir e curtir a cidade - aliás, já recebe, mas pode receber muito mais. E tudo isso sem precisarmos fingir que somos nova-iorquinos ou europeus, sem precisar inscrever a Oscar Freire na gincana internacional das ruas de luxo. Porque São Paulo tem uma identidade própria, que é só dela: na Paulista, no Centro, nos Jardins, na Vila Madalena, na Mooca, no Bixiga, na Vila Mariana, no Butantã, em outros tantos bairros velhos e novos, sem a necessidade de mais comparações. São Paulo precisa se dar alta do analista, se aceitar e se gostar como é.
Quero deixar bem claro que não se trata de tentar emular um estilo pretensamente nova-iorquino, em busca da aceitação alheia. Não, não continuemos agindo como uma colônia, não precisamos disso, muito menos que a Sarah Jessica Parker seja paga para dizer que Sell Powlo tem uma amazing energy, naquela propaganda constrangedora do Shopping Cidade Jarjim. Até acho que existem algumas sutis similaridades entre as duas cidades. Por exemplo, a região da Paulista entre a Ministro e a Augusta tem um leeeeve perfume de Rockefeller Center, especialmente no prédio do Safra e naquela pracinha que fica em frente ao restaurante Spot. Quando eu andei a pé por Midtown, em diversos momentos senti uma certa familiaridade: "isto poderia ser São Paulo". Mas não é bem essa a ideia.
Com grande porte, ritmo frenético e trânsito intenso, Nova York é absolutamente tomada pelo cinza. Se deixarmos de lado o Central Park, espécie de "pulmão verde" da cidade, tudo que temos é um mar de prédios e táxis amarelos. Não por acaso, uma de suas atrações mais fotografadas é o arranha-céu Empire State Building - que, não fosse pela altura, seria um prédio até bem comum. E a sala de visitas da cidade, Times Square, não é mais do que a confluência em X de duas avenidas, completamente abarrotada por painéis publicitários e banners luminosos, que bombardeiam as retinas dos passantes e lembram que tudo que existe ali deverá ser consumido imediatamente. Não existe nenhuma beleza rara ali - é preciso muito Woody Allen na veia, muitas caixas de Friends e Seinfeld, para começar a enxergar "charme" em Manhattan.
E, no entanto, a cidade segue visitada e adorada por multidões e mais multidões, incensada como a "Capital do Mundo". Por que? Porque é ali que tudo acontece. Os melhores shows e concertos, os grandes espetáculos, a cena teatral dentro e fora do circuito da Broadway. Os grandes museus, a vida cultural, o culto à arte em suas diferentes formas e também à individualidade. O melting pot único de nacionalidades, gente de vários cantos do mundo que foi tentar a sorte lá e deu à cidade um tempero bastante peculiar. As compras! Uma gastronomia que vai de A a Z, do pastrami judaico ao curry indiano. Restaurantes, bares e lojas descoladas que vão se descobrindo em uma caminhada pelo Soho, por Chelsea, pelo Village, por Hell's Kitchen, bairros que têm uma alma própria. Quem quer se divertir, vai para lá: não é raro ver gente de outras partes do país pegando um avião para passar o fim de semana em NY, ver um show no Madison Square Garden, enfim, have a good time. Sem se preocupar com beleza - quem quer ver cidade bonita vai a San Francisco, sorry.
A essa altura do texto, acho que a analogia que deu título ao meu texto já faz bastante sentido. São Paulo também tem tudo isso e, no entanto, ainda custa a entender qual é a sua real vocação. De uma vez por todas, temos que parar de nos desculpar diante do resto do mundo por não termos praia. Por não termos baía, floresta, chapada, arara azul, mulher pelada. Como se isso fizesse de SP uma cidade sem nenhum atrativo, fadada a receber apenas turistas de negócios para aquelas feiras e convenções entediantes, irremediavelmente inferiorizada diante da comparação com o Rio de Janeiro e mesmo com outras partes do Brasil.
Nada disso. Aqui, pode-se fazer absolutamente tudo que se faz em NY: os bons restaurantes, as compras, as peças e musicais, os museus, os shows, os bares, as baladas, a moda, as tendências, a informação, a hiperconexão com o que se passa aqui e lá fora. É esse o papel que São Paulo possui dentro do riquíssimo mosaico que forma o turismo no Brasil. Com seus problemas, com suas partes indiscutivelmente feias, SP tem muitos predicados para vender, tanto para o resto do país quanto para o mundo. Tem todos os méritos para receber aviões com pessoas que não vieram trabalhar, mas se divertir e curtir a cidade - aliás, já recebe, mas pode receber muito mais. E tudo isso sem precisarmos fingir que somos nova-iorquinos ou europeus, sem precisar inscrever a Oscar Freire na gincana internacional das ruas de luxo. Porque São Paulo tem uma identidade própria, que é só dela: na Paulista, no Centro, nos Jardins, na Vila Madalena, na Mooca, no Bixiga, na Vila Mariana, no Butantã, em outros tantos bairros velhos e novos, sem a necessidade de mais comparações. São Paulo precisa se dar alta do analista, se aceitar e se gostar como é.
quarta-feira, 8 de junho de 2011
San Francisco x Nova York: meu veredito
Nova York [foto] deve ser a cidade estrangeira mais visitada pelos brasileiros, juntamente com Buenos Aires e Paris. Muita gente não só conhece, como também freqüenta a chamada "capital do mundo" e até posa de insider, cultuando seus lugares favoritos e indicando-os em roteiros para os amigos. Por outro lado, se San Francisco não chega a ser uma ilustre desconhecida para nós, não são poucos os que se contentam com a Flórida e NY e acabam deixando a Califórnia de lado. Para encerrar a série de posts sobre os Estados Unidos, faço aqui meu comparativo entre San Francisco e Nova York, as duas cidades que eu visitei nessa ida aos EUA. No final, vocês verão qual é a minha preferida.
1 BELEZA Começar assim é até covardia. Com uma fórmula de beleza campeã, San Francisco é só encanto e exuberância. Difícil encontrar quem não volte enfeitiçado com as vistas deslumbrantes do cityscape mais bonito dos Estados Unidos. Já Nova York... bem, guardadas as proporções, Nova York é basicamente São Paulo. E tenho dito. [Imagino que essa declaração vai gerar alguma polêmica, e vou desenvolver melhor o assunto no próximo post]. San Francisco 3 pontos, Nova York 1 ponto.
2 COMIDA Come-se muito bem em San Francisco. Há bons restaurantes em vários bairros da cidade, os frutos do mar são excelentes (o que são aqueles caranguejos do Pacífico?) e a diversidade étnica trazida pela imigração também se refletiu à mesa, com influências que vão da Ásia à América Latina, passando por França e Itália. Mas a cena gastronômica de Nova York é ainda maior e mais diversificada. San Francisco 2 pontos, Nova York 3 pontos.
3 CULTURA San Francisco é a capital cultural da Califórnia e tem uma oferta bem interessante de museus, como o San Francisco Museum of Modern Art (SFMoMa), o De Young Museum e o Asian Art Museum, além de galerias e espaços menores que têm suas programações paralelas. Mas o equipamento cultural de Nova York é bastante superior, não só em termos de museus, como também de shows e outros eventos. Isso sem falar na cena teatral, que conta com um grande número de espetáculos, tanto dentro como fora do circuito comercial da Broadway. San Francisco 2 pontos, Nova York 3 pontos.
4 COMPRAS San Francisco ganha de lavada. A começar pelos preços: a taxa é menor na Califórnia do que no Estado de Nova York. Enquanto em NY você precisa circular por várias partes da cidade, em SF todas as marcas que importam estão convenientemente concentradas em uma mesma área, que você percorre a pé. As lojas de departamentos também estão lá, e são melhores: a Macy's é maior, mais completa, organizada e confortável do que a de NY, onde um enxame de turistas sanguinários faz fila nos pouquíssimos provadores oferecidos. Você gosta de outlets e vai a NY só para bater cartão no Woodbury? Pois a região de SF tem quatro: Gilroy, Vacaville, Napa e Petaluma. Xeque-mate! San Francisco 3 pontos, Nova York 2 pontos.
5 TRANSPORTE Tenha a santa paciência: nas duas cidades, é dificílimo conseguir um táxi. Conte até cem, e saia de casa sempre bem antes da hora, especialmente se você fez reserva para o jantar ou está indo para o aeroporto. San Francisco leva ligeira vantagem por ter um sistema de transporte público mais eficiente e fácil de usar - o metrô de Nova York é no mínimo confuso, a começar pela dificuldade em acertar o modo correto de esfregar (sim, você leu certo, esfregar) o bilhete na leitora. Isso sem falar no charme dos bondinhos que são ícones da metrópole californiana. San Francisco 1 ponto, Nova York zero pontos.
6 VIDA GAY Os gays formam um mercado poderoso e que movimenta fortunas nos Estados Unidos, não só em roupas e produtos de beleza, mas também em lazer, com direito a uma profusão de circuit parties, cruzeiros e resorts feitos especialmente para eles. Destinos como Fort Lauderdale, Provincetown, Palm Springs e até Puerto Vallarta (México) recebem revoadas de bilus a cada temporada. Se nas férias os americanos curtem uma boa jogação, no dia-a-dia não há muito espaço para farra: a estrutura fixa de bares e clubes é acanhada, e muita gente acaba ficando em casa e se guardando para as festas, que são bem esporádicas. San Francisco ainda tem algum buxixo no Castro; já em Nova York, o choque de ordem feito pela gestão do prefeito Rudolph Giuliani passou um trator sobre a vida noturna em geral, provocando o fechamento de clubes e boates e deixando a cena gay bem fragmentada. San Francisco 1 ponto, Nova York 0 pontos.
7 TURMA DA MANU Você também tem uma quedinha por trabalhadores? Não estamos sozinhos, colega: os americanos têm o mesmo fetiche pelos rapazes da manutenção, que eles chamam de blue collar. Em NY, a calentura dos latinos dá o tom, com absoluto destaque para os chulazos da República Dominicana, que vêm a ser os melhores cafuçus já concebidos fora da Bahia. Riquísimos! Já em San Francisco, se chamar alguém para trocar o seu fusível, são grandes as chances de que você seja atendido por um rapaz chamado Kim Ho Pu, e que a chave de fenda dele seja original de Xangai. Nada contra, mas... prefiro Nova York! San Francisco 0 pontos, Nova York 2 pontos.
EM SUMA Foi um confronto bastante equilibrado: duas metrópoles com personalidade única, cada uma com estilo e vocação bem diferentes. Nova York é, sem dúvida, uma grande capital, que todos devem conhecer e tem munição para sucessivas visitas. Ali, só morre de tédio quem quer. No entanto, darei meu veredito com base em um componente altamente subjetivo. Existem algumas poucas cidades no mundo que possuem uma luz própria, uma magia especial, que as outras não têm. Incluo nessa lista Barcelona, o Rio de Janeiro... e San Francisco. Ainda que a soma dos pontos não a tivesse favorecido, ela já seria a minha favorita! San Francisco 12 pontos, Nova York 11 pontos.
1 BELEZA Começar assim é até covardia. Com uma fórmula de beleza campeã, San Francisco é só encanto e exuberância. Difícil encontrar quem não volte enfeitiçado com as vistas deslumbrantes do cityscape mais bonito dos Estados Unidos. Já Nova York... bem, guardadas as proporções, Nova York é basicamente São Paulo. E tenho dito. [Imagino que essa declaração vai gerar alguma polêmica, e vou desenvolver melhor o assunto no próximo post]. San Francisco 3 pontos, Nova York 1 ponto.
2 COMIDA Come-se muito bem em San Francisco. Há bons restaurantes em vários bairros da cidade, os frutos do mar são excelentes (o que são aqueles caranguejos do Pacífico?) e a diversidade étnica trazida pela imigração também se refletiu à mesa, com influências que vão da Ásia à América Latina, passando por França e Itália. Mas a cena gastronômica de Nova York é ainda maior e mais diversificada. San Francisco 2 pontos, Nova York 3 pontos.
3 CULTURA San Francisco é a capital cultural da Califórnia e tem uma oferta bem interessante de museus, como o San Francisco Museum of Modern Art (SFMoMa), o De Young Museum e o Asian Art Museum, além de galerias e espaços menores que têm suas programações paralelas. Mas o equipamento cultural de Nova York é bastante superior, não só em termos de museus, como também de shows e outros eventos. Isso sem falar na cena teatral, que conta com um grande número de espetáculos, tanto dentro como fora do circuito comercial da Broadway. San Francisco 2 pontos, Nova York 3 pontos.
4 COMPRAS San Francisco ganha de lavada. A começar pelos preços: a taxa é menor na Califórnia do que no Estado de Nova York. Enquanto em NY você precisa circular por várias partes da cidade, em SF todas as marcas que importam estão convenientemente concentradas em uma mesma área, que você percorre a pé. As lojas de departamentos também estão lá, e são melhores: a Macy's é maior, mais completa, organizada e confortável do que a de NY, onde um enxame de turistas sanguinários faz fila nos pouquíssimos provadores oferecidos. Você gosta de outlets e vai a NY só para bater cartão no Woodbury? Pois a região de SF tem quatro: Gilroy, Vacaville, Napa e Petaluma. Xeque-mate! San Francisco 3 pontos, Nova York 2 pontos.
5 TRANSPORTE Tenha a santa paciência: nas duas cidades, é dificílimo conseguir um táxi. Conte até cem, e saia de casa sempre bem antes da hora, especialmente se você fez reserva para o jantar ou está indo para o aeroporto. San Francisco leva ligeira vantagem por ter um sistema de transporte público mais eficiente e fácil de usar - o metrô de Nova York é no mínimo confuso, a começar pela dificuldade em acertar o modo correto de esfregar (sim, você leu certo, esfregar) o bilhete na leitora. Isso sem falar no charme dos bondinhos que são ícones da metrópole californiana. San Francisco 1 ponto, Nova York zero pontos.
6 VIDA GAY Os gays formam um mercado poderoso e que movimenta fortunas nos Estados Unidos, não só em roupas e produtos de beleza, mas também em lazer, com direito a uma profusão de circuit parties, cruzeiros e resorts feitos especialmente para eles. Destinos como Fort Lauderdale, Provincetown, Palm Springs e até Puerto Vallarta (México) recebem revoadas de bilus a cada temporada. Se nas férias os americanos curtem uma boa jogação, no dia-a-dia não há muito espaço para farra: a estrutura fixa de bares e clubes é acanhada, e muita gente acaba ficando em casa e se guardando para as festas, que são bem esporádicas. San Francisco ainda tem algum buxixo no Castro; já em Nova York, o choque de ordem feito pela gestão do prefeito Rudolph Giuliani passou um trator sobre a vida noturna em geral, provocando o fechamento de clubes e boates e deixando a cena gay bem fragmentada. San Francisco 1 ponto, Nova York 0 pontos.
7 TURMA DA MANU Você também tem uma quedinha por trabalhadores? Não estamos sozinhos, colega: os americanos têm o mesmo fetiche pelos rapazes da manutenção, que eles chamam de blue collar. Em NY, a calentura dos latinos dá o tom, com absoluto destaque para os chulazos da República Dominicana, que vêm a ser os melhores cafuçus já concebidos fora da Bahia. Riquísimos! Já em San Francisco, se chamar alguém para trocar o seu fusível, são grandes as chances de que você seja atendido por um rapaz chamado Kim Ho Pu, e que a chave de fenda dele seja original de Xangai. Nada contra, mas... prefiro Nova York! San Francisco 0 pontos, Nova York 2 pontos.
EM SUMA Foi um confronto bastante equilibrado: duas metrópoles com personalidade única, cada uma com estilo e vocação bem diferentes. Nova York é, sem dúvida, uma grande capital, que todos devem conhecer e tem munição para sucessivas visitas. Ali, só morre de tédio quem quer. No entanto, darei meu veredito com base em um componente altamente subjetivo. Existem algumas poucas cidades no mundo que possuem uma luz própria, uma magia especial, que as outras não têm. Incluo nessa lista Barcelona, o Rio de Janeiro... e San Francisco. Ainda que a soma dos pontos não a tivesse favorecido, ela já seria a minha favorita! San Francisco 12 pontos, Nova York 11 pontos.
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Bits and pieces from North America's prettiest town
Mas afinal, qual a receita da beleza de San Francisco? Pense em uma cidade à beira de uma baía, emoldurada por duas pontes icônicas, com relevo todinho acidentado e arquitetura dominada por casinhas vitorianas fofas, como as da foto acima. A cada esquina, uma ladeira revela novos ângulos, e a baía reaparece ao fundo. Uma geografia deslumbrante. Para apreciar o cenário, é fundamental subir em um dos cable cars (bondinhos) que são o símbolo da cidade, e operam 3 linhas que atravessam Downtown. Nas extremidades dos trajetos há fila, mas você pode embarcar e desembarcar em vários pontos durante o percurso. Outras vistas memoráveis, você tem do alto de Twin Peaks, da Coit Tower e de Marin Headlands - uma espécie de mirante que fica do outro lado da Golden Gate Bridge, já fora da cidade. Falando nessa ponte, que é o principal cartão-postal de San Francisco, uma boa sugestão é alugar uma bicicleta no Fisherman's Wharf e cruzá-la pedalando, num lindo passeio que termina em Sausalito, a cidadezinha charmosa do outro lado da Baía. Muitos também usam a ponte como cenário para um suicídio em grande estilo - uma morte odara! O bairro hippie é Haight-Ashbury, mas o clima paz-e-amor reina em todo lugar: em San Francisco tudo é orgânico, ecológico, reciclado, sustentável, decafeinado, biodegradável, não-poluente, democrata, enfim, baixos teores. Nesse contexto, o carro-sensação da cidade só poderia ser o Toyota Prius: feio como um mango-sucking dog (cão chupando manga, em inglês), mas totalmente híbrido, sendo que o rodar com energia elétrica é macio e silencioso, como uma gueixa servil. A cidade tem um conjunto bem interessante de museus, com destaque para o SFMoMa (de arte moderna, pouco menor que o irmão de Nova York), o Asian Art Museum, o De Young Museum e a California Academy of Sciences, sendo que os dois últimos estão instalados dentro do Golden Gate Park. Esse belo parque, que só perde em tamanho para o Central Park de NY, tem várias atrações que valem a visita, como os Japanese Tea Gardens, perfeitos para um chá no meio da tarde, e o Conservatório das Flores, onde a exposição Wicked Plants ("plantas do mal"; até 30/10) incluiu até mesmo a pavorosa Euphorbia milli, nossa popular coroa-de-cristo. Há também várias praças e parques menores espalhados pela cidade - o Dolores Park é o preferido das bees para curtir um solzinho no domingo à tarde, esparramadas na grama, quando o tempo ajuda. Na região da Union Square ficam todas as compras que importam, das grandes lojas de departamento às melhores grifes, incluindo um prático shopping center, o Westfield, que tem lojas-âncora como Nordstrom e Bloomingdale's. Aliás, essa é a melhor região da cidade para você se hospedar, não só pela fartura de compras, mas também pela proximidade do posto de informação turística, pelo farto transporte e pelo fácil acesso ao Fisherman's Wharf e ao Castro. Os são-franciscanos torcem o nariz e ignoram o Fisherman's Wharf, área do porto tomada por lojas de souvenirs e restaurantes de frutos do mar, frequentados basicamente por turistas. O Pier 39, um deque de madeira que enfileira bares temáticos como o Hard Rock Cafe, resume bem o espírito do lugar. Mas ali também há alguns tesouros. Um deles é o Scoma's, restaurante escondidinho atrás do Pier 43, que serve frutos do mar fresquíssimos desde 1965. E eles não brincam em serviço. Peça Dungeness crabcakes de entrada e prossiga com os raviólis de lagosta ou caranguejo - você ainda vai me agradecer por isso. Outro é a flagship store da Boudin, padaria que é uma instituição local, com pé-direito altíssimo, café, bistrô, um empório que vende livros e utensílios de cozinha e até um museu. Aos sábados, um programa imperdível para quem gosta de comer bem é ir até o Ferry Building Marketplace, na outra extremidade do porto, em direção à Bay Bridge. Do lado de fora, o Farmer's Market tem várias barraquinhas que vendem de bagels de salmão defumado a pratos mexicanos. Dentro do prédio, difícil é escolher entre os quitutes vendidos a peso pela San Francisco Fish Company (não perca o salpicão de caranguejo), os pães finos da Acme Bread, os frios italianos da Boccalone, os laticínios da Cowgirl Creameries, a cozinha asiática descomplicada do Delica e os doces da Miette (gente, o que foi aquela panna cotta?). Alguns bairros têm núcleos gastronômicos bem específicos: North Beach é o epicentro da imigração italiana, Mission é a meca dos burritos e comidinhas latinas, e Chinatown é o lugar para comer dim sum, noodles e afins. Outros são mais ecléticos. Em Pacific Heights, perto do cruzamento da Fillmore com a California, o latino-contemporâneo Fresca rendeu o melhor jantar da viagem; do outro lado da rua, a pâtisserie Citizen Cake tem sete sabores de petit gâteau, entre outras delícias. Na região de Downtown/Union Square, faça uma pausa das compras e almoce no ótimo italiano Kuleto's, ou perca-se entre as mais de trinta versões de cheesecake da bombada Cheesecake Factory, no oitavo andar da Macy's. No buxixo gay do Castro, dicas certeiras são o contemporâneo 2223, os peixes do Catch, o café e os hambúrgueres do simpático Cafe Flore (meeting point das bibas a qualquer hora), a comfort food do Home (que funciona até meia-noite, uma raridade) e os deliciosos crepes e massas do Squat and Gobble (vá no domingo de manhã, pegue uma mesa externa e assista de camarote ao vaivém da homarada). Aliás, no Castro, os endereços que interessam, tanto de dia quanto à noite, estão concentrados em duas áreas: no trecho da Market entre as ruas Castro e Noe, e em torno da esquina da Castro com a 18th (é só pensar no cruzamento como um sinal de "mais"). Isso sim é globalização: você sai na noite, conhece caras de países como Laos, e descobre que eles têm muito mais em comum conosco do que você imagina (e não estou falando da camisetinha óbvia da Abercrombie). São bem esporádicas as festas para dançar (como a Fresh, que acontece mensalmente no Ruby Skye, clube hétero eletrônico que tem um quê de bufê de casamento). A balada mais comum são bares, alguns com telão exibindo videoclipes pop, caso do Badlands, o mais fervido do pedaço. Tanto é que a música do momento na noite de San Francisco é "On The Floor", a releitura genial (NOT) de Jennifer Lopez para "Chorando Se Foi", do Kaoma. (Mas o som que marcou a minha viagem foi "S&M", da Rihanna, remixado pelo craque Dave Aude). Se, como eu, você prefere música eletrônica de verdade, confira a programação dos clubes Ruby Skye, Mezzanine e Mighty no site Resident Advisor - eu tive a sorte de dançar com o top Steve Lawler, no Ruby Skye. "Mítico" e "lendário" são algumas das palavras que já foram usadas para descrever o Endup, afterhours histórico que reunia todas as tribos, em maratonas eletrônicas que avançavam pelas manhãs de sábado. Mas a molecada de 20 anos que hoje faz fila na porta não me apeteceu nadinha. Os endereços mais sexuais da cidade estão no SoMa (região ao SOuth da rua MArket): a Mr. S, megastore leather e verdadeiro templo do consumo para quem tem qualquer tipo de fetiche de A a Z, o bar Powerhouse e o sex club Blowbuddies. Mas o melhor basfond, você encontra mesmo é na Steamworks, supersauna que fica na cidade vizinha de Berkeley (dá para ir com o trem BART) e é uma espécie de "269 do futuro". San Francisco foi o paraíso da liberação sexual, das experimentações, das dorgas... e o saldo disso é que hoje em dia só tem gente DOIDA na rua. Nunca vi tanta gente desvairada, surtada, falando sozinha, gargalhando, com tiques nervosos, dos mendigos até a classe média. Chega a ser hilário. O lado menos engraçado é que a taxa de contaminação pelo vírus HIV entre a comunidade homossexual está na proporção de 1 para 4, uma das mais altas do país. O que talvez ajude a explicar por que San Francisco teve tanta gente living on the edge, se jogando como se não houvesse amanhã, é o fato de que a própria cidade vive sob a constante ameaça de um grande terremoto, que pode simplesmente destruir tudo. Se a cidade não tiver sumido do mapa (ou, pior, sido reconstruída em estilo neoclássico paulistano!), estou até pensando em pedir para jogarem um quarto das minhas cinzas do alto de Twin Peaks (os outros três quartos já têm destino certo desde sempre: Ibirapuera, Arpoador e Plaza San Martín). Eu amo San Francisco.
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