O Rio de Janeiro continua lindo - e a hospedagem continua cara. Aliás, cada vez mais cara, depois que sua vitória para receber os Jogos Olímpicos de 2016 reacendeu o hype internacional em torno da cidade. Para quem tem bons amigos por lá, aquele sofá-cama ou colchonete muitas vezes é a melhor solução. Caso contrário, a alternativa para não gastar tanto é ficar num albergue. Já falei sobre algumas opções satisfatórias na Zona Sul, aqui (incluindo um com piscina!). Mas agora temos boas novas no front. A cidade está entrando na era dos design hostels, uma tendência que já rola há alguns anos em capitais como Lisboa e Praga.
São albergues que mantêm a sistemática e os preços em conta, mas ganham um "banho de loja". Decoração moderninha, área comum com cara de lounge, banheiros e roupa de cama de melhor qualidade, wi-fi e até máquina de Nespresso são alguns mimos encontrados nesses lugares, também chamados de "hostels boutique". Até Buenos Aires já entrou na dança, com o Zentrum, em Palermo. Enquanto isso, quem dava o tom por estas bandas eram aquelas típicas espeluncas com cara de navio negreiro, que só serviam para reforçar o preconceito do turista médio.
Eis que o Rio ganhou não um, mas dois albergues-boutique. Eu os descobri meio por acaso e não sei como está sendo a receptividade, mas acredito que eles têm tudo para ser um sucesso. A começar pela localização. Nada de Catete, nada de imediações do aeroporto (que só costuma ser útil para companhia aérea que tem que alojar vítima de overbooking), muito menos aquela zona erma da Praça Tiradentes onde se esconde o Formule 1. Os dois ficam em pleno Leblon. E não é perto da Cruzada São Sebastião, o favelão vertical ao lado do shopping: é no filé mignon mesmo.
Aberto em dezembro, o Z.Bra Hostel tem fachada futurista [acima] e um estilo moderninho-retrô que é tipicamente carioca. Suas camas em formato de cápsula [ao lado] poderiam estar dentro do 00, na Gávea. A localização é um biju: no final da San Martin, pertinho do Mirante do Leblon, dos restaurantes da Dias Ferreira e a apenas uma quadra da praia - justamente no trecho escolhido pelo povo mais cool que debandou do Coqueirão. Para ajudar o povo a se entrosar, eles organizam ali mesmo sessões de cinema, seguidas de festinhas com DJ. Os preços por pessoa são superiores ao dos albergues comuns, mas ainda camaradas: dormitórios coletivos entre R$60 e R$70, quartos sem banheiro entre R$90 e R$120 e suítes entre R$110 e R$135.
Já o Leblon Spot [ao lado], aberto em junho passado, está um pouco mais longe da praia. Mas há uma compensação: por estar na própria Dias Ferreira, na altura da Bartolomeu Mitre, ele tem fácil acesso a todas as comidas que importam no bairro - inclusive a torta alemã do Fellini, que está perigosamente próxima. As fotos do site sugerem que ele não é afetadamente moderninho como o Z.Bra, mas segue uma linha mais low profile, com direito a alguns móveis antigos que foram garimpados no leilão do Hotel Glória. Os preços são compatíveis com os do concorrente: dormitórios entre R$55 e R$75, quarto a R$90 e suítes entre R$100 e R$145.
O negócio é aproveitar logo, que está tudo novinho e cheiroso - e esses segredos ainda não foram descobertos pelo grande público. Se os albergues mais tradicionais da cidade - alguns deles verdadeiros pardieiros - já vivem cheios, não vai demorar para essas duas pérolas terem fila de espera. Farei um update neste texto caso eu venha a experimentar algum deles. Se você já teve a chance de conferi-los, deixe um comentário contando sua experiência para a gente.
[UPDATE: Tive a chance de me hospedar no Z.Bra Hostel na Semana Santa e fiquei encantado. A preocupação que eles tiveram com os detalhes, desde uma linguagem visual supermoderna até um café da manhã caprichado, fez toda a diferença. Os dormitórios coletivos são mais confortáveis do que os de qualquer outro lugar em que me hospedei, com ar condicionado, luz individual em cada 'cápsula' e um armário bem grande. O staff é bem gentil e a área comum, cheia de bossa, fica tão fervida na madrugada que chega a disputar público com os bares do pedaço. O lugar está fazendo o maior sucesso (entre os hóspedes, só tinha gente bacana), e o dono já está procurando ponto para abrir pelo menos mais um Z.Bra na cidade. Vamos esperar!]
quinta-feira, 31 de março de 2011
terça-feira, 29 de março de 2011
Cisne rosa
Bruna Surfistinha superou minhas expectativas. Eu não tinha lido o livro e, da história de Bruna, conhecia apenas o básico: uma garota de programa que ficou famosa depois que resolveu contar sua vida em um blog. Sabendo disso, entrei na sala de exibição ciente dos vários riscos que o filme corria. Poderia mostrar Bruna como uma vítima, ô coitada. Poderia mostrar a profissão como um conto de fadas, em que se ganha dinheiro rápido e fácil, indo para a cama com homens atraentes e fogosos. Ou, no extremo oposto, poderia ter um ranço moralista, ou mesmo resvalar para a apelação gratuita. Mas o diretor fugiu de todas essas armadilhas e acertou o tom. Não mostrou nenhum falso glamour, carregou nas tintas quando necessário (a história tem trechos que são um soco no estômago, como os maus tratos que Bruna sofre do irmão, e mesmo a expressão de asco contido quando ela se deixa penetrar pelo primeiro cliente), mas teve a ótima sacada de alternar momentos pesados com outros leves e bem-humorados. Nesse sentido, as personagens coadjuvantes tiveram um papel fundamental, em especial Janine (Fabiula Nascimento), colega de bordel franca e desbocada, e Larissa, a cafetina (Drica Moraes, com falas impagáveis). Elas ajudam a dar tempero ao filme, mas quem realmente domina a cena é Deborah Secco, que se entrega totalmente ao papel da protagonista, em sua melhor atuação até hoje. Honesto, corajoso e sobretudo humano, Bruna Surfistinha pode não ser um novo clássico do cinema brasileiro, mas seu bom desempenho nas bilheterias é plenamente justificável.
quarta-feira, 23 de março de 2011
Oitava Restaurant Week em SP
Mais uma Restaurant Week está rolando em São Paulo. A oitava edição vai de 21/3 até 3/4 e inclui também algumas casas do litoral e interior do Estado. Como sempre, é preciso separar o joio do trigo: há excelentes oportunidades (menus servidos por casas de padrão mais elevado, como o Arturito, que preparou a massa com linguiça de coelho da foto) e outras nem tanto (combinações pobrinhas, tipo frango com purê e salada de frutas, ou ainda porções reduzidas, insuficientes para aplacar a fome). Com o tempo, quem é gato escaldado de outras edições aprende os macetes e evita armadilhas.
O que realmente cansa é percorrer os mais de 200 cardápios diferentes. Pior do que isso, só a Mostra Internacional de Cinema. Mas costuma valer a pena, mesmo com algumas bolas fora ocasionais. Desta vez, fiz uma seleção bem mais enxuta do que nas edições anteriores. Para almoçar, escolhi o Le French Bazar [que sempre agrada], o Oscar Café, o Bistrô Crepe de Paris, o Arturito [quédizê, escolhi mas não consegui reservar antes que a cota do festival se esgotasse] e o Caroline. Para jantar, gostei mais do Becco 388, do Robin des Bois, do Fillipa [outro que nunca desaponta], do L'Amitié, do La Arena, do Hitam e do Kony Sushi Bar. Nunca consigo ir a todos os restaurantes a que me proponho, mas devo cumprir pelo menos metade dessa lista. Para os lugares muito disputados, convém reservar.
Para montar sua programação, além de consultar as casas por ordem alfabética no site do festival, recomendo a página da Veja São Paulo: os restaurantes estão divididos por regiões e podem ser melhor visualizados em um mapa. Outra dica é levar uma segunda bolsa, com documentos xerocados e um celular antigo (se você for um applemaníaco, pode ser o seu iPhone retrasado), e já deixar à mão para quando a casa for invadida pelo próximo arrastão (brinks!). Bom festival!
O que realmente cansa é percorrer os mais de 200 cardápios diferentes. Pior do que isso, só a Mostra Internacional de Cinema. Mas costuma valer a pena, mesmo com algumas bolas fora ocasionais. Desta vez, fiz uma seleção bem mais enxuta do que nas edições anteriores. Para almoçar, escolhi o Le French Bazar [que sempre agrada], o Oscar Café, o Bistrô Crepe de Paris, o Arturito [quédizê, escolhi mas não consegui reservar antes que a cota do festival se esgotasse] e o Caroline. Para jantar, gostei mais do Becco 388, do Robin des Bois, do Fillipa [outro que nunca desaponta], do L'Amitié, do La Arena, do Hitam e do Kony Sushi Bar. Nunca consigo ir a todos os restaurantes a que me proponho, mas devo cumprir pelo menos metade dessa lista. Para os lugares muito disputados, convém reservar.
Para montar sua programação, além de consultar as casas por ordem alfabética no site do festival, recomendo a página da Veja São Paulo: os restaurantes estão divididos por regiões e podem ser melhor visualizados em um mapa. Outra dica é levar uma segunda bolsa, com documentos xerocados e um celular antigo (se você for um applemaníaco, pode ser o seu iPhone retrasado), e já deixar à mão para quando a casa for invadida pelo próximo arrastão (brinks!). Bom festival!
segunda-feira, 21 de março de 2011
As it-biscas
Que as mulheres hétero descobriram a noite gay, não é nenhuma novidade. Lá se vão uns bons dez anos desde que elas perceberam que poderiam se divertir horrores no meio das bees - sem serem importunadas pelos bofes ugabuga das outras baladas, que as pegavam pelo braço com cantadas baratas e inconvenientes. As criaturas que habitavam aquele admirável mundo novo causaram nelas todo um encantamento: tão simpáticos, tão desenvoltos, tão bem cuidados, tão atléticos. Tudo o que elas gostariam de encontrar em um namorado! Não demorou muito para que essas figuras femininas (chamadas em inglês de fag hags) se incorporassem ao cenário, e hoje sua presença nas pistas já não causa nenhuma curiosidade.
Eis que os anos se passaram, e a seleção natural produziu a evolução das fag hags. Trata-se de uma nova espécie, ainda não catalogada, que vou chamar carinhosamente de it-bisca. As it-biscas chegaram de mansinho e hoje já dominam certos espaços, como o fundão da pista principal da The Week e os afters, que certamente não teriam o mesmo colorido sem a sua participação. Mas como detectar uma it-bisca, sem confundi-la com a fag hag clássica?
As diferenças começam já pela apresentação. A fag hag chegou ao mundinho com aquela ideia preconcebida de que os gays eram puro glamour e, portanto, ela deveria estar à altura para ser aceita. Certa de que iria causar, a fofa se montava com vestidos cintilantes, brincos vistosos, quilos de maquiagem e sapatos caros, como se estivesse indo para uma festa de arromba. Com as it-biscas, saem os brilhos e boás e entra um vestuário mais, digamos, direto ao ponto. Os shortinhos e microssaias têm um comprimento ínfimo e são quase ginecológicos de tão agarrados; plantadas em saltos-agulha altíssimos, as pernocas ficam ainda mais em evidência. A parte de cima não deixa por menos - com decotes generosos que mal conseguem conter os seios turbinados, e a barriga de fora já garantindo que o material é bom e não haverá nenhuma surpresa indesejável na hora H.
As fag hags primeiro se encantavam com a beleza dos rapazes, ainda com uma pontinha de esperança de que sobrasse uma casquinha para elas; depois, quando percebiam que não ia rolar, contentavam-se em ser as best friends forever, chegando até mesmo a servir como cupidos, e dando um suspiro de resignação quando suas paixões sublimadas trocavam o primeiro beijo com os caras escolhidos. Com as it-biscas, a pegada é outra. Se, à primeira vista, naquela balada toda Coca-Cola é Fanta, elas sabem que ali também existe uma porção de machos com quem podem se dar bem. Seu alvo preferencial são os gogo-boys e os bombadões que se parecem com eles. Mas elas sabem que essas presas são muito disputadas e, para garantir o leitinho de cada dia, espreitam todo o staff hétero da boate - a cadeia alimentar de uma it-bisca que se preza também contempla DJs, seguranças e barmen. Espertos, os caras sabem que nenhuma mão boba será castigada - o único risco que correm é, eventualmente, encontrar uma torneirinha no meio do caminho, dada a semelhança que algumas it-biscas acabam adquirindo com as colegas travas.
O modus operandi das duas espécies na noite também é diferente. A fag hag clássica nunca deixa de ser uma menina comportada, e compartilha os vícios e tentações da noite apenas até certo ponto, sem se envolver de verdade. Depois, é hora de se despedir das ameegas e voltar para seu castelo de princesa. A it-bisca se joga de cabeça e mete os dois pés na jaca, numa via-crúcis que começa no esquenta, passa pelo clube e vai até o final do after - isso se ainda não rolar um chill out depois. Dos bastidores da área VIP às festinhas do cabide, seu acesso é geral e irrestrito. Ela está familiarizada com todos os recursos que podem dar um jeito no seu corpo e maximizar suas experiências - uns mililitros de silicone aqui, umas ampolinhas ali, uns aditivos acolá. Sabem onde se acham as coisas, fazem correria para as ameegas, viram clientes Platinum e, às vezes, até mudam de lado no balcão - coisas com que a fag hag jamais sonhou ou sonhará.
Mas o que sugere que essa nova espécie é mais evoluída do que a anterior é sua longevidade. A fag hag tem uma vida útil relativamente curta: depois de viver sua época de fascínio, ela acaba se cansando de terminar a noite sempre sozinha, abandona a cena gay, arranja um bofe hétero bem normalzinho (mas que não tenha preconceitos, afinal ela é "moderna"!) e convida o melhor amigo da boate para ser padrinho do casamento. A it-bisca é uma espécie ainda recente, mas os estudos sugerem que ela consegue desenvolver um ciclo vital bem mais longo. Não é difícil imaginar que, dali a dez anos, elas continuarão ali, na pista da boate, requebrando até o chão e se esforçando para manter o mesmo corpo, o mesmo rosto e a mesma barriga. Assim como a musculosa barbie, com quem também tem parentesco evolutivo, uma it-bisca não envelhece jamais.
Eis que os anos se passaram, e a seleção natural produziu a evolução das fag hags. Trata-se de uma nova espécie, ainda não catalogada, que vou chamar carinhosamente de it-bisca. As it-biscas chegaram de mansinho e hoje já dominam certos espaços, como o fundão da pista principal da The Week e os afters, que certamente não teriam o mesmo colorido sem a sua participação. Mas como detectar uma it-bisca, sem confundi-la com a fag hag clássica?
As diferenças começam já pela apresentação. A fag hag chegou ao mundinho com aquela ideia preconcebida de que os gays eram puro glamour e, portanto, ela deveria estar à altura para ser aceita. Certa de que iria causar, a fofa se montava com vestidos cintilantes, brincos vistosos, quilos de maquiagem e sapatos caros, como se estivesse indo para uma festa de arromba. Com as it-biscas, saem os brilhos e boás e entra um vestuário mais, digamos, direto ao ponto. Os shortinhos e microssaias têm um comprimento ínfimo e são quase ginecológicos de tão agarrados; plantadas em saltos-agulha altíssimos, as pernocas ficam ainda mais em evidência. A parte de cima não deixa por menos - com decotes generosos que mal conseguem conter os seios turbinados, e a barriga de fora já garantindo que o material é bom e não haverá nenhuma surpresa indesejável na hora H.
As fag hags primeiro se encantavam com a beleza dos rapazes, ainda com uma pontinha de esperança de que sobrasse uma casquinha para elas; depois, quando percebiam que não ia rolar, contentavam-se em ser as best friends forever, chegando até mesmo a servir como cupidos, e dando um suspiro de resignação quando suas paixões sublimadas trocavam o primeiro beijo com os caras escolhidos. Com as it-biscas, a pegada é outra. Se, à primeira vista, naquela balada toda Coca-Cola é Fanta, elas sabem que ali também existe uma porção de machos com quem podem se dar bem. Seu alvo preferencial são os gogo-boys e os bombadões que se parecem com eles. Mas elas sabem que essas presas são muito disputadas e, para garantir o leitinho de cada dia, espreitam todo o staff hétero da boate - a cadeia alimentar de uma it-bisca que se preza também contempla DJs, seguranças e barmen. Espertos, os caras sabem que nenhuma mão boba será castigada - o único risco que correm é, eventualmente, encontrar uma torneirinha no meio do caminho, dada a semelhança que algumas it-biscas acabam adquirindo com as colegas travas.
O modus operandi das duas espécies na noite também é diferente. A fag hag clássica nunca deixa de ser uma menina comportada, e compartilha os vícios e tentações da noite apenas até certo ponto, sem se envolver de verdade. Depois, é hora de se despedir das ameegas e voltar para seu castelo de princesa. A it-bisca se joga de cabeça e mete os dois pés na jaca, numa via-crúcis que começa no esquenta, passa pelo clube e vai até o final do after - isso se ainda não rolar um chill out depois. Dos bastidores da área VIP às festinhas do cabide, seu acesso é geral e irrestrito. Ela está familiarizada com todos os recursos que podem dar um jeito no seu corpo e maximizar suas experiências - uns mililitros de silicone aqui, umas ampolinhas ali, uns aditivos acolá. Sabem onde se acham as coisas, fazem correria para as ameegas, viram clientes Platinum e, às vezes, até mudam de lado no balcão - coisas com que a fag hag jamais sonhou ou sonhará.
Mas o que sugere que essa nova espécie é mais evoluída do que a anterior é sua longevidade. A fag hag tem uma vida útil relativamente curta: depois de viver sua época de fascínio, ela acaba se cansando de terminar a noite sempre sozinha, abandona a cena gay, arranja um bofe hétero bem normalzinho (mas que não tenha preconceitos, afinal ela é "moderna"!) e convida o melhor amigo da boate para ser padrinho do casamento. A it-bisca é uma espécie ainda recente, mas os estudos sugerem que ela consegue desenvolver um ciclo vital bem mais longo. Não é difícil imaginar que, dali a dez anos, elas continuarão ali, na pista da boate, requebrando até o chão e se esforçando para manter o mesmo corpo, o mesmo rosto e a mesma barriga. Assim como a musculosa barbie, com quem também tem parentesco evolutivo, uma it-bisca não envelhece jamais.
quinta-feira, 17 de março de 2011
Varredura gastronômica soteropolitana
Vou aproveitar o embalo do post anterior (que rendeu mais do que eu esperava!) para falar um pouco mais sobre Salvador. Desta vez, vamos a um dos meus assuntos favoritos: restaurantes! Dá pra comer muito bem na capital baiana - inclusive para quem, como eu, não vai com a cara do dendê e passa longe de acarajés, vatapás e qualquer coisa apimentada. Se os preços são bem compatíveis com os de São Paulo e Rio de Janeiro, pelo menos os frutos do mar são melhor servidos - nada de pedir camarão e receber um pratinho enfeitado com apenas três unidades. Vou organizar as dicas na forma de um passeio virtual, percorrendo os bairros da cidade. Vambora?
Começamos no Pelourinho, é claro. Meu xodó é o La Figa, na rua das Laranjeiras, um restaurante italiano especializado em massas com frutos do mar, com ótima relação custo-benefício - indico o pappardelle mare i monti, com um toque de creme de leite, vinho branco, camarões e shiitake. Se puder gastar um pouco mais, tente os pratos contemporâneos do Maria Mata Mouro. Para comida baiana, você tem o Sorriso da Dadá, a casa mais turística da famosa quituteira, e o Restaurante-Escola do SENAC, uma verdadeira aula de culinária local, em esquema bufê. No Elevador Lacerda, viciados em leite condensado (essa droga poderosa!) têm orgasmos múltiplos na doceira A Cubana, que faz um pudim supimpa [foto] e um sabor de sorvete chamado menina bonita, com leite moça e castanhas.
Pegando a Cidade Baixa e subindo a Avenida do Contorno, temos os restaurantes que mais impressionam o turista. O motivo é um só: todos se debruçam para a vista espetacular da Baía de Todos os Santos - o cenário é mais especial durante o dia, mas também enfeita um bom jantar. O baladadérrimo japonês Soho foi o primeiro a se instalar. No mesmo complexo gastronômico (chamado Bahia Marina) estão o francês Oui, a pizzaria Fiona e o Lafayette, este último com pratos criados pela Carla Pernambuco (Carlota/SP), mas que já foi bem mais gostoso. Mais para baixo em direção ao Mercado Modelo estão o Amado (tido como o melhor do pedaço depois que o saudoso Trapiche Adelaide fechou) e o 496 Grill & Bar, que acabou de abrir e está na moda.
Chegando à Vitória e Graça, bairros adjacentes que formam uma espécie de "Higienópolis de Salvador", temos a espetacular Doces Sonhos, no Corredor da Vitória, que faz os melhores bolos da cidade (as tortas salgadas de peru e camarão também são nota dez). Uma coisa de louco, morro três vezes a cada garfada! Perto dali, na Graça, o japonês moderninho Shiro, e duas delicatessens: Deli & Cia. (na Euclydes da Cunha) e Perini (na Princesa Leopoldina, a maior filial da rede de empórios gourmet, com direito a um ótimo bufê de almoço e sanduíches que você monta a peso, com ingredientes de primeira).
Apesar de ter a melhor praia urbana da cidade, a Barra é surpreendentemente capenga em termos de comida. Quando estou no Porto da Barra e bate aquela fome, vou ao natural Ramma, escondidinho na rua Lord Cochrane. A padaria DelliPorto, na Al. Antunes, faz sandubas honestos. À noite, só consigo lembrar do Pereira, bar-restaurante meio mauricinho e caro, mas com uma varanda deliciosa. Em Ondina, uma das maiores extravagâncias da cidade: o italiano classudo Alfredo di Roma, especializado em fettuccine (uma massa com camarões custa R$65, mas é de lamber o prato). Pegando a Sabino Silva e entrando no Jardim Apipema, dá pra gastar menos nos parmegianas da Cantina Volpi ou no simpático Mariposa, que serve crepes, sucos e temakis em clima praiano.
O boêmio Rio Vermelho é o bairro com mais opções. A rua Fonte do Boi, onde ficam os hotéis Ibis, Mercure e Pestana, alinha o natural Manjericão (exuberante, construído no meio do mato, bom para depois de uma prainha no Buracão), o japonês Sushi Deli, os versáteis Confraria das Ostras e Dogma, com menus bem variados (e almoço executivo), e o Ciranda Café, ponto de encontro das lésbicas da cidade. O bairro ainda tem as redondas da Companhia da Pizza e do Piola, o japa ocidentalizado Takê (com farto rodízio a R$55), o novo Sabores de Dadá, o contemporâneo Salvador Dalí e o brasileiro Dona Mariquita, que faz uma excelente feijoada de frutos do mar, sem nenhum gosto de dendê. Para a fome da madrugada, dá para escolher entre o trash McDonald's, o saudável (e demoraaaado) Suco 24 Horas Rio Vermelho ou o conjunto de botecos do Mercado do Peixe.
Mais adiante, a Pituba é um bairro que eu explorei pouco - a maior parte das comidinhas está mais afastada da orla, em direção ao Caminho das Árvores e Itaigara, que formam a "Moema local". Só penso em guloseimas proibidas: uma filial d'A Cubana, numa galeria próxima à Praça Nossa Senhora da Luz, onde dá pra degustar o tal pudim sem ser molestado pelos pedintes do Elevador Lacerda, e uma unidade maior e ainda mais pecaminosa da Doces Sonhos, na Paulo VI, para se jogar e perder a linha mesmo, afinal você está na Bahia e não no Rio de Janeiro. Seguindo a orla em direção ao norte, a praia da Armação tem três endereços muito queridos pelos nativos: os tradicionais Ki-Mukeka e Yemanjá, boas pedidas para um almoço bem típico, e a churrascaria Boi Preto, considerada a melhor da cidade pelo júri da revista VEJA. Já em Itapuã, o Mistura é craque em pescados e frutos do mar - ainda tô louco pra provar os camarões graúdos ao prosecco com risoto de amêndoas.
Por fim, dois endereços para quem não se incomoda em sair um pouco da rota: o venerado Paraíso Tropical, que funciona dentro de uma chácara no Cabula (o dono prepara moquecas exóticas com as frutas cultivadas lá mesmo; preciso conhecer sem falta da próxima vez!) e a tradicionalíssima Sorveteria da Ribeira, no bairro do mesmo nome - que parece uma vila de pescadores, e pode render uma tarde gostosa, se combinada com um pulinho na Igreja do Bonfim e um pôr-do-sol cinematográfico na Ponta do Humaitá. Bom apetite, meu rei!
Começamos no Pelourinho, é claro. Meu xodó é o La Figa, na rua das Laranjeiras, um restaurante italiano especializado em massas com frutos do mar, com ótima relação custo-benefício - indico o pappardelle mare i monti, com um toque de creme de leite, vinho branco, camarões e shiitake. Se puder gastar um pouco mais, tente os pratos contemporâneos do Maria Mata Mouro. Para comida baiana, você tem o Sorriso da Dadá, a casa mais turística da famosa quituteira, e o Restaurante-Escola do SENAC, uma verdadeira aula de culinária local, em esquema bufê. No Elevador Lacerda, viciados em leite condensado (essa droga poderosa!) têm orgasmos múltiplos na doceira A Cubana, que faz um pudim supimpa [foto] e um sabor de sorvete chamado menina bonita, com leite moça e castanhas.
Pegando a Cidade Baixa e subindo a Avenida do Contorno, temos os restaurantes que mais impressionam o turista. O motivo é um só: todos se debruçam para a vista espetacular da Baía de Todos os Santos - o cenário é mais especial durante o dia, mas também enfeita um bom jantar. O baladadérrimo japonês Soho foi o primeiro a se instalar. No mesmo complexo gastronômico (chamado Bahia Marina) estão o francês Oui, a pizzaria Fiona e o Lafayette, este último com pratos criados pela Carla Pernambuco (Carlota/SP), mas que já foi bem mais gostoso. Mais para baixo em direção ao Mercado Modelo estão o Amado (tido como o melhor do pedaço depois que o saudoso Trapiche Adelaide fechou) e o 496 Grill & Bar, que acabou de abrir e está na moda.
Chegando à Vitória e Graça, bairros adjacentes que formam uma espécie de "Higienópolis de Salvador", temos a espetacular Doces Sonhos, no Corredor da Vitória, que faz os melhores bolos da cidade (as tortas salgadas de peru e camarão também são nota dez). Uma coisa de louco, morro três vezes a cada garfada! Perto dali, na Graça, o japonês moderninho Shiro, e duas delicatessens: Deli & Cia. (na Euclydes da Cunha) e Perini (na Princesa Leopoldina, a maior filial da rede de empórios gourmet, com direito a um ótimo bufê de almoço e sanduíches que você monta a peso, com ingredientes de primeira).
Apesar de ter a melhor praia urbana da cidade, a Barra é surpreendentemente capenga em termos de comida. Quando estou no Porto da Barra e bate aquela fome, vou ao natural Ramma, escondidinho na rua Lord Cochrane. A padaria DelliPorto, na Al. Antunes, faz sandubas honestos. À noite, só consigo lembrar do Pereira, bar-restaurante meio mauricinho e caro, mas com uma varanda deliciosa. Em Ondina, uma das maiores extravagâncias da cidade: o italiano classudo Alfredo di Roma, especializado em fettuccine (uma massa com camarões custa R$65, mas é de lamber o prato). Pegando a Sabino Silva e entrando no Jardim Apipema, dá pra gastar menos nos parmegianas da Cantina Volpi ou no simpático Mariposa, que serve crepes, sucos e temakis em clima praiano.
O boêmio Rio Vermelho é o bairro com mais opções. A rua Fonte do Boi, onde ficam os hotéis Ibis, Mercure e Pestana, alinha o natural Manjericão (exuberante, construído no meio do mato, bom para depois de uma prainha no Buracão), o japonês Sushi Deli, os versáteis Confraria das Ostras e Dogma, com menus bem variados (e almoço executivo), e o Ciranda Café, ponto de encontro das lésbicas da cidade. O bairro ainda tem as redondas da Companhia da Pizza e do Piola, o japa ocidentalizado Takê (com farto rodízio a R$55), o novo Sabores de Dadá, o contemporâneo Salvador Dalí e o brasileiro Dona Mariquita, que faz uma excelente feijoada de frutos do mar, sem nenhum gosto de dendê. Para a fome da madrugada, dá para escolher entre o trash McDonald's, o saudável (e demoraaaado) Suco 24 Horas Rio Vermelho ou o conjunto de botecos do Mercado do Peixe.
Mais adiante, a Pituba é um bairro que eu explorei pouco - a maior parte das comidinhas está mais afastada da orla, em direção ao Caminho das Árvores e Itaigara, que formam a "Moema local". Só penso em guloseimas proibidas: uma filial d'A Cubana, numa galeria próxima à Praça Nossa Senhora da Luz, onde dá pra degustar o tal pudim sem ser molestado pelos pedintes do Elevador Lacerda, e uma unidade maior e ainda mais pecaminosa da Doces Sonhos, na Paulo VI, para se jogar e perder a linha mesmo, afinal você está na Bahia e não no Rio de Janeiro. Seguindo a orla em direção ao norte, a praia da Armação tem três endereços muito queridos pelos nativos: os tradicionais Ki-Mukeka e Yemanjá, boas pedidas para um almoço bem típico, e a churrascaria Boi Preto, considerada a melhor da cidade pelo júri da revista VEJA. Já em Itapuã, o Mistura é craque em pescados e frutos do mar - ainda tô louco pra provar os camarões graúdos ao prosecco com risoto de amêndoas.
Por fim, dois endereços para quem não se incomoda em sair um pouco da rota: o venerado Paraíso Tropical, que funciona dentro de uma chácara no Cabula (o dono prepara moquecas exóticas com as frutas cultivadas lá mesmo; preciso conhecer sem falta da próxima vez!) e a tradicionalíssima Sorveteria da Ribeira, no bairro do mesmo nome - que parece uma vila de pescadores, e pode render uma tarde gostosa, se combinada com um pulinho na Igreja do Bonfim e um pôr-do-sol cinematográfico na Ponta do Humaitá. Bom apetite, meu rei!
terça-feira, 15 de março de 2011
Carnaval de Salvador para não-iniciados
É A SUA PRAIA? Antes de embarcar, reconheço que não sabia se iria curtir. Nunca fui fã de axé e tive medo de que a experiência se resumisse a uma dança da garrafa coletiva. Mas não foi nada disso. O choque cultural foi bem menor do que eu esperava, e durou só até a segunda vodca. O importante é ir sem preconceitos: encare a coisa como "música pop" (e não é, oras?), baixe a guarda e se deixe levar. As bandas que tocam nos grandes trios são afiadas e constroem linhas de baixo rebolativas, cheias de groove, muitas vezes tão dançáveis quanto uma boa house music. Com o diferencial de que a multidão toda sabe cantar o refrão, o que produz um efeito multiplicador de alegria do qual não dá para escapar ileso. Sabe aquele clichê de "todo mundo no mesmo astral, na mesma vibe"? Não poderia ser mais verdadeiro. Na terça, saí atrás de dois blocos, num total de mais de doze horas seguidas - e fiquei triste quando acabou.
MAS O QUE TOCA AFINAL? Vou reforçar o que eu disse no item anterior. Você não vai ouvir só aqueles chicletes de gosto duvidoso, herdeiros da Dinastia Tchan, que traduzem a nossa concepção mais leiga de "axé music". Claro que eles também marcam presença: são lançados justamente nessa época, para tentar estourar no Carnaval de Salvador e, com isso, ganhar espaço nos programas de auditório da classe C pelo Brasil afora (a pérola de 2011 foi "Liga da Justiça", do Leva Nóiz, com o refrão "foge foge Mulher Maravilha, foge foge com o Superman"; você ainda vai ouvir essa música, querendo ou não). Por outro lado, o som de cantoras como Ivete Sangalo já está muito mais próximo do pop, um pop genuinamente brasileiro, do que qualquer outra coisa. Além disso, as atrações não se prendem ao seu próprio repertório: estão sempre cantando músicas de outros artistas. O momento musical mais marcante do meu Carnaval não foi nenhum desses hits mais óbvios, do tipo "na boca e na bochecha", mas uma versão de "Toda Menina Baiana", do Gilberto Gil, que Ivete apresentou em frente ao camarote do próprio, e me deixou cantando "ô-ô-ô, ah-ah-ah" por três dias seguidos. Outra bola dentro, também da fofa, foi uma releitura de "Corazón Partío" (Alejandro Sanz) - que me pegou totalmente de surpresa. Tive que me render.
QUEM VEM? Todo mundo: grupos de jovens querendo pegar geral, famílias inteiras que vêm em caravanas do sertão e superlotam apartamentos alugados, crianças, adolescentes, gente mais velha (no Nordeste as pessoas não "baixam a bola" depois de uma certa idade, como em SP), héteros e gays. Nada de guetos: aqui, o povão se mistura mesmo, e a cidade fica em polvorosa. Dentro das cordas dos trios é que rola uma (relativa) segmentação. Por isso, o lance é você fazer aquela pesquisa prévia básica, e então ir montando a sua programação de blocos. Seus critérios de escolha serão: o perfil do público (tô indo pra beijar moin-to? só quero encontrar paulista e mineiro? recebo Ogum ou seguro o Tchan?), o preço do abadá (que também é altamente relativo, como discutirei mais adiante) e, of course, a atração que puxará o bloco (caso você tenha um ladinho oculto que adooora Cláudia Leitte, por exemplo).
OSMAR OU DODÔ? Todo mundo está cansado de saber - menos você, que é tão desinformado quanto eu era: os 2 maiores circuitos são o Osmar (também conhecido como Avenida) e o Dodô (ou Barra-Ondina). Alguns blocos fazem apresentações em ambos, em dias diferentes. Mais antigo, o Osmar sai do Campo Grande, com o sol do meio-dia a pino, e percorre as tortuosas ruas do Centro; o Dodô pega a orla, do Farol da Barra até a metade de Ondina, e os blocos saem principalmente à noite. No Osmar, o calor é maior, o trajeto é mais apertado e convém redobrar os cuidados com a segurança; já o Dodô parece um sambódromo, largo, iluminado, refrescado pela brisa do mar - e amplamente televisionado para o Brasil e o mundo. Por outro lado, é mais divertido estar cercado pela multidão humilde, que interage e vibra das janelas dos cortiços puídos do Centro, do que pelo povo insípido dos camarotes da Barra, que olha tudo com cara de tédio, em meio a balões infláveis de bancos e portais de internet. O Dodô é confortável e ultracomercial, o Osmar é roots e mais autêntico. Na dúvida, vá de Dodô - mas experimente pelo menos um dia de Osmar.
APARTHEID Sim, o Carnaval de Salvador tornou-se megacomercial e esse é um caminho sem volta. Muita gente reclama que antigamente era melhor, que o sentido de festa popular se perdeu, com as pessoas divididas em castas, dentro e fora das cordas, com ou sem abadás... Confesso que tenho mixed feelings em relação a isso. Por um lado, seria lindo se todos que quisessem pudessem ter acesso. Os próprios cordeiros - os cafuçus contratados pelos trios para segurar as cordas e garantir que os penetras não entrem - pedem esmolas a você durante o percurso, fazendo você lembrar que faz parte de uma elite. É triste, e falo isso sem qualquer demagogia. Por outro lado, sem corda e sem abadá, a coisa toda se tornaria impraticável - seria tanta, mas tanta gente, que os trios não sairiam do lugar. Quem não tem bala na agulha tem que se contentar com a "pipoca" (assistir ou seguir os trios no aperto do lado de fora das cordas), ou então esperar a quarta-feira de cinzas - quando o tradicional Arrastão, sem cordas, reúne estrelas como Ivete e Timbalada.
MADRINHA DAS GUEI Acredite se quiser: Daniela Mercury não pendurou as chuteiras em 1992, após "O Canto da Cidade". Ela continua gravando discos, vende superbem na Bahia e, mais do que isso, comanda um dos blocos mais fervidos do Carnaval baiano, o Crocodilo. Enquanto nos outros blocos os gays se infiltram, aqui eles são absoluta maioria. É um verdadeiro mar de homens desfilando e se beijando em plena avenida, a céu aberto, sob os olhares dos camarotes e das câmeras de tevê. Não que o público se choque - mas várias bees de Salvador não seguram a onda de tanta exposição pública e acabam evitando esse bloco, tão notoriamente gay que o abadá em si já vem com um carimbo "SIGNIFICA". Daniela se comporta como uma verdadeira mestre-de-cerimônias: começa com um show de delicadeza, pedindo que foliões, cordeiros e pipocas respeitem-se uns aos outros, e depois conduz a massa com absoluto domínio e um repertório dançante (zum-zum-ba-ba!), que funde épocas e estilos. A noite passa voando. O Crocodilo sai entre domingo e terça, sendo que a primeira noite é a obrigatória, em que todo mundo vai, e a última também é especial pelo clima de despedida. Segunda é a noite que se convencionou pular. [UPDATE: para o Carnaval de 2012, a primeira noite do Crocodilo foi transferida do domingo para o sábado].
MADONNA BRASILEIRA Dentro e fora do Carnaval de Salvador, poucas cantoras do universo pop brasileiro desfrutam hoje de um status tão privilegiado quanto Ivete Sangalo. Na folia soteropolitana, primeiro ela se apresenta como contratada em outros trios (Salvador na sexta, Cerveja & Cia. no sábado), depois comanda três dias no seu próprio bloco, o Coruja (domingo e terça no Osmar, segunda no Dodô). É uma reunião de fãs: diante da simples visão de Ivete no topo do trio, o público sorri abobado e completamente entregue. Sejamos justos: Ivete é linda, tem carisma e está acumulando um repertório respeitável de sucessos. E pincela umas covers bem bacanas, como eu disse mais acima. Só que ela canta no máximo uns 30% da letra: ela manda um verso, joga o microfone pro público e só vai completar o trabalho no final da estrofe seguinte. Assim, até eu faço cinco apresentações seguidas, meu bem. Fui no último dia (terça). No começo do bloco, eu via tantas meninas de rabo de cavalo que pensei que tinha caído em algum fretamento para a Disney. Aos poucos, os gays foram aparecendo, a bebida foi subindo e começaram a pipocar uns beijos aqui e ali. A pegação é mais esparsa, mas o pessoal é beeem mais bonito do que no Crocodilo.
MUITO MAIS Nessa minha primeira experiência, procurei escolher blocos que tivessem alguma presença gay e um clima mais solto. Afinal, não queria correr o risco de me sentir um peixe fora d'água. Ivete e Daniela são as duas divas, ao ponto de cada biu local ter e defender a sua preferida (uma coisa "Britney vs. Aguilera"). Mas o Carnaval de Salvador vai muito além dessa dualidade: há outras atrações tão ou mais bombadas, como Cheiro de Amor, Banda Eva, Chiclete com Banana, Asa de Águia, Olodum e Timbalada. Isso sem falar do célebre afoxé Filhos de Gandhy (só Freud explica por que as mulheres têm taaaanto fetiche por aqueles homens vestidos de baiana do aracajé!), dos blocos eletrônicos (neste ano foram três: David Guetta, Will.I.Am/Skol e Liberty, um bloco tribal-GLS que foi o erro) e dos blocos menores, que desfilam sobretudo no circuito Batatinha, no Pelourinho. Da próxima vez, não vou abrir mão de um Crocodilo e um Coruja, mas pretendo dar uma diversificada.
É DIA DE FEIRA Um dos maiores inconvenientes é o preço dos abadás, especialmente dos blocos de artistas mais bombados, como Chiclete com Banana, Asa de Águia e a própria Ivete. Pelas vias oficiais (Central do Carnaval ou Axé Mix, conforme o bloco), você chega a desembolsar mais de mil reais por um único abadá, e sem direito a open bar. Para quem não é rykah de berço, o jeito é se jogar nas duas feiras de cambistas: no Jardim Brasil (atrás do Shopping Barra) e nas imediações do Aeroclube. A economia pode passar de 80%, especialmente se você comprar mais em cima da hora (afinal, depois que o trio passou, o abadá perde todo o valor). Tenha sangue frio e negocie. Como o pagamento só pode ser em cash e todos sabem que você estará com os bolsos cheios, vá em grupo e tome cuidado para não ser roubado, especialmente no Aeroclube. Vencida a batalha da compra, é só customizar seu abadá e sensualizar na avenida. Você pode recorrer a uma das inúmeras oficinas espalhadas pela cidade, ou arrasar sozinho com sua tesoura, tomando o cuidado de não cortar o nome do bloco, o logo do patrocinador e as marcas de autenticidade, o que pode inutilizar o abadá. Se estiver com preguiça, apenas passe o abadá por trás da cabeça - pagar peitinho sempre funciona.
SURVIVOR E por falar em dinheiro, se você se deparar com um caixa eletrônico que funcione, aproveite: essa poderá ser sua última chance. Se uma das máquinas for daquelas que só soltam notas de R$2 ou R$5, deixe escorrer uma lágrima de emoção e faça tantos saques quanto for possível: na avenida, dinheiro miúdo vale ouro, porque é muito difícil estender uma nota de R$20 e esperar o troco quando se está bêbado, no meio de uma multidão tomada por Iansã. O negócio é jogo rápido: com uma mão você estende a nota, com a outra pega a bebida e desaparece. Ah sim, é fun-da-men-tal andar com um daqueles porta-dólares por baixo da roupa: nele você leva seu dinheiro, sua chave e um documento velho. No bolso, não leve nada. E nos pés, um tênis velho e confortável - que ficará imprestável, portanto traga também um par sobressalente para os momentos off-bloco.
CAMAROTES Outra maneira de curtir a festa é comprar ingresso para um dos muitos camarotes que ficam dispostos ao longo do circuito Barra-Ondina, e assistir ao desfile dos blocos com mais conforto. Cada camarote é uma festa em si, com comida, bebida e música independente (a cargo de bandas e/ou DJs), o que significa que você pode passar a noite curtindo ali dentro e simplesmente abstrair os blocos, se quiser. Assim como acontece com os trios, há camarotes para todos os gostos e faixas de preço. Fatores para comparar: o tipo de público (desde celebridades até o povo da firrrrma), as atrações (bandas/DJs, que só interrompem o som quando um bloco está bem em frente ao camarote), a comida e bebida (nos mais simples, a bebida é vendida à parte; nos mais caros, all inclusive, há até sushi e comida contemporânea) e a localização (afinal, um dos grandes atrativos é a visão privilegiada que se tem da avenida, aquela multidão vista do alto é uma cena e tanto). Minha opinião sincera? Vale a pena pegar um camarote naquele dia em que você precisa fazer uma pausa e descansar. Mas, enquanto quem está no camarote assiste ao Carnaval, quem está no bloco participa, protagoniza, vive o Carnaval. Quando eu olhava lá de baixo os rostos debruçados nos camarotes, tinha a impressão de que ninguém ali estava se divertindo tanto quanto eu.
ABRIGO O melhor dos cenários, na minha opinião, seria você alugar um apartamento na Graça, meu bairro preferido: prédios antigos, apês enormes, perto o suficiente dos dois circuitos para você ir a pé, mas sem nenhum barulho ou muvuca. Caso você fique em hotel, reduza suas escolhas a três bairros: Barra, Ondina ou Rio Vermelho, cada qual com prós e contras. Na Barra, você tem fácil acesso à "largada" do circuito, mas será obrigado a respirar carnaval 24 horas, pois o bairro, que tem poucas ruas, fica tomado de gente, lixo e barulho o tempo todo. Na Ondina, onde ocorre a dispersão, o barulho noturno também pode incomodar - boa parte dos hotéis fica ao redor dos camarotes, por onde passam os trios. Pelo menos você sairá do bloco, exausto, a poucos passos da sua cama. No Rio Vermelho, você terá que se deslocar diariamente para a Barra (e pegar congestionamentos, dependendo da hora e caminho escolhidos), mas você tem a melhor estrutura de bares e restaurantes (na Barra as opções são sofríveis), além de uma rede hoteleira mais recente. Outros bairros? No Carnaval, eu só consideraria se fosse para ficar como convidado na casa de alguém.
BABADO FORTE? Aposto que tem leitor meu que só seguiu o texto até aqui porque estava esperando pela parte em que eu falo dos cafuçus. Pois é, para quem curte essa beleza bem brasileira, a Bahia é o paraíso na Terra - já declarei publicamente por aí que os baianos estão no topo da minha lista de preferências. Os braus locais ("cafuçu" é coisa de pernambucano, jamais ouse pronunciar esse termo na Bahia, eles acham pejorativo!) são mesmo de babar, colega. Além disso, a capital soteropolitana é a terra dos "héteros que fazem" - aqueles bofes que, na maior discrição, mandam ver mesmo, e nem venha você querer definir a sexualidade deles. No entanto, por incrível que pareça, o Carnaval de Salvador não é tão sexual como alguns podem imaginar. Claro que as pessoas estão ali para se permitir, mas, em sua grande maioria, o que elas querem é beijar, não necessariamente transar. É um clima muito mais puro e brincalhão, de curtir a música, sair com sua galera, beijar muito, dar risada e não ter grandes preocupações, do que um açougue da carne como em outras praças.
RELAXE, MEU REI Aos cri-críticos de plantão: venham vacinados para conviver com os problemas da cidade, sem deixar que eles azedem o seu bom humor. Nesses dias frenéticos, Salvador fica ainda mais suja. É preciso manter-se alerta contra os furtos (mas sem neurose! também não é tão perigoso assim). As avenidas de acesso que formam o yakissoba viário da cidade (Centenário, Garibaldi, Vasco da Gama, Cardeal da Silva, Vale do Canela) freqüentemente engarrafam - escolher o caminho mais livre é pura questão de sorte. O serviço é um dos piores do Brasil, oscilando entre a simples ineficiência e os maus tratos ao cliente. Não espere ouvir um "por favor", "com licença" ou "obrigado" - e, quando você agradecer, tampouco ouvirá resposta. Mas nada disso estraga o brilho da festa. É só você ir com o espírito preparado. Ninguém ali quer receber suas lições de civilidade. E lembre-se: na Bahia, uma hora tem 90 minutos.
COMBUSTÍVEL Salvador tem excelentes restaurantes [já falei sobre alguns no blog e voltarei ao tema no próximo post]. Nada como pedir um prato com camarão e receber camarão de verdade. Mas vá por mim: nos dias de Carnaval, você dificilmente vai querer perder tempo com grandes deslocamentos e comida que pode pesar no estômago. Se quiser usufruir da gastronomia e das atrações turísticas de Salvador, o ideal seria viajar em outra época, ou pelo menos pegar mais alguns dias antes (lembrando que a festa começa já na quinta, não no sábado!) ou depois do Carnaval. No corre-corre do circuito, você vai ter que se virar com comida rápida de barracas (salgados, pizzas etc.) e os sanduíches e vitaminas do Suco 24 Horas. Provavelmente, sua maior preocupação será o álcool (que é absolutamente essencial, diga-se de passagem). Dentro dos trios, tudo é mais caro: fora deles, se você não curte cerveja e acha as bebidas ice fraquinhas demais, terá um pouco mais de trabalho até achar uma vodca que seja confiável. Por isso, os mais espertos compram uma garrafa de Smirnoff ou Absolut, gelam em casa e levam para o trio em garrafinhas de água de 500ml, ou naquelas mochilas etílicas do tipo camelbak.
FOI BOM PRA VOCÊ? Posso afirmar com segurança que essa foi a melhor escolha que eu poderia ter feito para o Carnaval de 2011. Se eu voltarei? Não tenho a menor dúvida que sim. Todo ano? Provavelmente não, porque os preços são salgados demais para o meu bolso [nem sei como teria sido sem o apoio e a hospitalidade de meu amigo David, a quem deixo meu beijo e muito obrigado!]. E porque eu também curto o Carnaval do Rio de Janeiro e de Florianópolis, cada um do seu jeito. Salvador provavelmente vai entrar no meu rodízio com as outras duas cidades - ainda que o astral de lá seja dez vezes maior do que o da primeira e duzentas vezes maior do que o da segunda. Sem tanto carão, sem tantos guetos, conhecendo gente diferente. Na terça, quando os trios chegavam perto do fim, tocando os clássicos eternos, os foliões felizes e nostálgicos ao mesmo tempo, não querendo que aquilo acabasse... aquilo foi um momento totalmente emocionante, uma sensação que eu nunca pensei que pudesse ter. Foi aí que caiu a ficha que eu tinha realmente entendido o Carnaval de Salvador.
MAS O QUE TOCA AFINAL? Vou reforçar o que eu disse no item anterior. Você não vai ouvir só aqueles chicletes de gosto duvidoso, herdeiros da Dinastia Tchan, que traduzem a nossa concepção mais leiga de "axé music". Claro que eles também marcam presença: são lançados justamente nessa época, para tentar estourar no Carnaval de Salvador e, com isso, ganhar espaço nos programas de auditório da classe C pelo Brasil afora (a pérola de 2011 foi "Liga da Justiça", do Leva Nóiz, com o refrão "foge foge Mulher Maravilha, foge foge com o Superman"; você ainda vai ouvir essa música, querendo ou não). Por outro lado, o som de cantoras como Ivete Sangalo já está muito mais próximo do pop, um pop genuinamente brasileiro, do que qualquer outra coisa. Além disso, as atrações não se prendem ao seu próprio repertório: estão sempre cantando músicas de outros artistas. O momento musical mais marcante do meu Carnaval não foi nenhum desses hits mais óbvios, do tipo "na boca e na bochecha", mas uma versão de "Toda Menina Baiana", do Gilberto Gil, que Ivete apresentou em frente ao camarote do próprio, e me deixou cantando "ô-ô-ô, ah-ah-ah" por três dias seguidos. Outra bola dentro, também da fofa, foi uma releitura de "Corazón Partío" (Alejandro Sanz) - que me pegou totalmente de surpresa. Tive que me render.
QUEM VEM? Todo mundo: grupos de jovens querendo pegar geral, famílias inteiras que vêm em caravanas do sertão e superlotam apartamentos alugados, crianças, adolescentes, gente mais velha (no Nordeste as pessoas não "baixam a bola" depois de uma certa idade, como em SP), héteros e gays. Nada de guetos: aqui, o povão se mistura mesmo, e a cidade fica em polvorosa. Dentro das cordas dos trios é que rola uma (relativa) segmentação. Por isso, o lance é você fazer aquela pesquisa prévia básica, e então ir montando a sua programação de blocos. Seus critérios de escolha serão: o perfil do público (tô indo pra beijar moin-to? só quero encontrar paulista e mineiro? recebo Ogum ou seguro o Tchan?), o preço do abadá (que também é altamente relativo, como discutirei mais adiante) e, of course, a atração que puxará o bloco (caso você tenha um ladinho oculto que adooora Cláudia Leitte, por exemplo).
OSMAR OU DODÔ? Todo mundo está cansado de saber - menos você, que é tão desinformado quanto eu era: os 2 maiores circuitos são o Osmar (também conhecido como Avenida) e o Dodô (ou Barra-Ondina). Alguns blocos fazem apresentações em ambos, em dias diferentes. Mais antigo, o Osmar sai do Campo Grande, com o sol do meio-dia a pino, e percorre as tortuosas ruas do Centro; o Dodô pega a orla, do Farol da Barra até a metade de Ondina, e os blocos saem principalmente à noite. No Osmar, o calor é maior, o trajeto é mais apertado e convém redobrar os cuidados com a segurança; já o Dodô parece um sambódromo, largo, iluminado, refrescado pela brisa do mar - e amplamente televisionado para o Brasil e o mundo. Por outro lado, é mais divertido estar cercado pela multidão humilde, que interage e vibra das janelas dos cortiços puídos do Centro, do que pelo povo insípido dos camarotes da Barra, que olha tudo com cara de tédio, em meio a balões infláveis de bancos e portais de internet. O Dodô é confortável e ultracomercial, o Osmar é roots e mais autêntico. Na dúvida, vá de Dodô - mas experimente pelo menos um dia de Osmar.
APARTHEID Sim, o Carnaval de Salvador tornou-se megacomercial e esse é um caminho sem volta. Muita gente reclama que antigamente era melhor, que o sentido de festa popular se perdeu, com as pessoas divididas em castas, dentro e fora das cordas, com ou sem abadás... Confesso que tenho mixed feelings em relação a isso. Por um lado, seria lindo se todos que quisessem pudessem ter acesso. Os próprios cordeiros - os cafuçus contratados pelos trios para segurar as cordas e garantir que os penetras não entrem - pedem esmolas a você durante o percurso, fazendo você lembrar que faz parte de uma elite. É triste, e falo isso sem qualquer demagogia. Por outro lado, sem corda e sem abadá, a coisa toda se tornaria impraticável - seria tanta, mas tanta gente, que os trios não sairiam do lugar. Quem não tem bala na agulha tem que se contentar com a "pipoca" (assistir ou seguir os trios no aperto do lado de fora das cordas), ou então esperar a quarta-feira de cinzas - quando o tradicional Arrastão, sem cordas, reúne estrelas como Ivete e Timbalada.
MADRINHA DAS GUEI Acredite se quiser: Daniela Mercury não pendurou as chuteiras em 1992, após "O Canto da Cidade". Ela continua gravando discos, vende superbem na Bahia e, mais do que isso, comanda um dos blocos mais fervidos do Carnaval baiano, o Crocodilo. Enquanto nos outros blocos os gays se infiltram, aqui eles são absoluta maioria. É um verdadeiro mar de homens desfilando e se beijando em plena avenida, a céu aberto, sob os olhares dos camarotes e das câmeras de tevê. Não que o público se choque - mas várias bees de Salvador não seguram a onda de tanta exposição pública e acabam evitando esse bloco, tão notoriamente gay que o abadá em si já vem com um carimbo "SIGNIFICA". Daniela se comporta como uma verdadeira mestre-de-cerimônias: começa com um show de delicadeza, pedindo que foliões, cordeiros e pipocas respeitem-se uns aos outros, e depois conduz a massa com absoluto domínio e um repertório dançante (zum-zum-ba-ba!), que funde épocas e estilos. A noite passa voando. O Crocodilo sai entre domingo e terça, sendo que a primeira noite é a obrigatória, em que todo mundo vai, e a última também é especial pelo clima de despedida. Segunda é a noite que se convencionou pular. [UPDATE: para o Carnaval de 2012, a primeira noite do Crocodilo foi transferida do domingo para o sábado].
MADONNA BRASILEIRA Dentro e fora do Carnaval de Salvador, poucas cantoras do universo pop brasileiro desfrutam hoje de um status tão privilegiado quanto Ivete Sangalo. Na folia soteropolitana, primeiro ela se apresenta como contratada em outros trios (Salvador na sexta, Cerveja & Cia. no sábado), depois comanda três dias no seu próprio bloco, o Coruja (domingo e terça no Osmar, segunda no Dodô). É uma reunião de fãs: diante da simples visão de Ivete no topo do trio, o público sorri abobado e completamente entregue. Sejamos justos: Ivete é linda, tem carisma e está acumulando um repertório respeitável de sucessos. E pincela umas covers bem bacanas, como eu disse mais acima. Só que ela canta no máximo uns 30% da letra: ela manda um verso, joga o microfone pro público e só vai completar o trabalho no final da estrofe seguinte. Assim, até eu faço cinco apresentações seguidas, meu bem. Fui no último dia (terça). No começo do bloco, eu via tantas meninas de rabo de cavalo que pensei que tinha caído em algum fretamento para a Disney. Aos poucos, os gays foram aparecendo, a bebida foi subindo e começaram a pipocar uns beijos aqui e ali. A pegação é mais esparsa, mas o pessoal é beeem mais bonito do que no Crocodilo.
MUITO MAIS Nessa minha primeira experiência, procurei escolher blocos que tivessem alguma presença gay e um clima mais solto. Afinal, não queria correr o risco de me sentir um peixe fora d'água. Ivete e Daniela são as duas divas, ao ponto de cada biu local ter e defender a sua preferida (uma coisa "Britney vs. Aguilera"). Mas o Carnaval de Salvador vai muito além dessa dualidade: há outras atrações tão ou mais bombadas, como Cheiro de Amor, Banda Eva, Chiclete com Banana, Asa de Águia, Olodum e Timbalada. Isso sem falar do célebre afoxé Filhos de Gandhy (só Freud explica por que as mulheres têm taaaanto fetiche por aqueles homens vestidos de baiana do aracajé!), dos blocos eletrônicos (neste ano foram três: David Guetta, Will.I.Am/Skol e Liberty, um bloco tribal-GLS que foi o erro) e dos blocos menores, que desfilam sobretudo no circuito Batatinha, no Pelourinho. Da próxima vez, não vou abrir mão de um Crocodilo e um Coruja, mas pretendo dar uma diversificada.
É DIA DE FEIRA Um dos maiores inconvenientes é o preço dos abadás, especialmente dos blocos de artistas mais bombados, como Chiclete com Banana, Asa de Águia e a própria Ivete. Pelas vias oficiais (Central do Carnaval ou Axé Mix, conforme o bloco), você chega a desembolsar mais de mil reais por um único abadá, e sem direito a open bar. Para quem não é rykah de berço, o jeito é se jogar nas duas feiras de cambistas: no Jardim Brasil (atrás do Shopping Barra) e nas imediações do Aeroclube. A economia pode passar de 80%, especialmente se você comprar mais em cima da hora (afinal, depois que o trio passou, o abadá perde todo o valor). Tenha sangue frio e negocie. Como o pagamento só pode ser em cash e todos sabem que você estará com os bolsos cheios, vá em grupo e tome cuidado para não ser roubado, especialmente no Aeroclube. Vencida a batalha da compra, é só customizar seu abadá e sensualizar na avenida. Você pode recorrer a uma das inúmeras oficinas espalhadas pela cidade, ou arrasar sozinho com sua tesoura, tomando o cuidado de não cortar o nome do bloco, o logo do patrocinador e as marcas de autenticidade, o que pode inutilizar o abadá. Se estiver com preguiça, apenas passe o abadá por trás da cabeça - pagar peitinho sempre funciona.
SURVIVOR E por falar em dinheiro, se você se deparar com um caixa eletrônico que funcione, aproveite: essa poderá ser sua última chance. Se uma das máquinas for daquelas que só soltam notas de R$2 ou R$5, deixe escorrer uma lágrima de emoção e faça tantos saques quanto for possível: na avenida, dinheiro miúdo vale ouro, porque é muito difícil estender uma nota de R$20 e esperar o troco quando se está bêbado, no meio de uma multidão tomada por Iansã. O negócio é jogo rápido: com uma mão você estende a nota, com a outra pega a bebida e desaparece. Ah sim, é fun-da-men-tal andar com um daqueles porta-dólares por baixo da roupa: nele você leva seu dinheiro, sua chave e um documento velho. No bolso, não leve nada. E nos pés, um tênis velho e confortável - que ficará imprestável, portanto traga também um par sobressalente para os momentos off-bloco.
CAMAROTES Outra maneira de curtir a festa é comprar ingresso para um dos muitos camarotes que ficam dispostos ao longo do circuito Barra-Ondina, e assistir ao desfile dos blocos com mais conforto. Cada camarote é uma festa em si, com comida, bebida e música independente (a cargo de bandas e/ou DJs), o que significa que você pode passar a noite curtindo ali dentro e simplesmente abstrair os blocos, se quiser. Assim como acontece com os trios, há camarotes para todos os gostos e faixas de preço. Fatores para comparar: o tipo de público (desde celebridades até o povo da firrrrma), as atrações (bandas/DJs, que só interrompem o som quando um bloco está bem em frente ao camarote), a comida e bebida (nos mais simples, a bebida é vendida à parte; nos mais caros, all inclusive, há até sushi e comida contemporânea) e a localização (afinal, um dos grandes atrativos é a visão privilegiada que se tem da avenida, aquela multidão vista do alto é uma cena e tanto). Minha opinião sincera? Vale a pena pegar um camarote naquele dia em que você precisa fazer uma pausa e descansar. Mas, enquanto quem está no camarote assiste ao Carnaval, quem está no bloco participa, protagoniza, vive o Carnaval. Quando eu olhava lá de baixo os rostos debruçados nos camarotes, tinha a impressão de que ninguém ali estava se divertindo tanto quanto eu.
ABRIGO O melhor dos cenários, na minha opinião, seria você alugar um apartamento na Graça, meu bairro preferido: prédios antigos, apês enormes, perto o suficiente dos dois circuitos para você ir a pé, mas sem nenhum barulho ou muvuca. Caso você fique em hotel, reduza suas escolhas a três bairros: Barra, Ondina ou Rio Vermelho, cada qual com prós e contras. Na Barra, você tem fácil acesso à "largada" do circuito, mas será obrigado a respirar carnaval 24 horas, pois o bairro, que tem poucas ruas, fica tomado de gente, lixo e barulho o tempo todo. Na Ondina, onde ocorre a dispersão, o barulho noturno também pode incomodar - boa parte dos hotéis fica ao redor dos camarotes, por onde passam os trios. Pelo menos você sairá do bloco, exausto, a poucos passos da sua cama. No Rio Vermelho, você terá que se deslocar diariamente para a Barra (e pegar congestionamentos, dependendo da hora e caminho escolhidos), mas você tem a melhor estrutura de bares e restaurantes (na Barra as opções são sofríveis), além de uma rede hoteleira mais recente. Outros bairros? No Carnaval, eu só consideraria se fosse para ficar como convidado na casa de alguém.
BABADO FORTE? Aposto que tem leitor meu que só seguiu o texto até aqui porque estava esperando pela parte em que eu falo dos cafuçus. Pois é, para quem curte essa beleza bem brasileira, a Bahia é o paraíso na Terra - já declarei publicamente por aí que os baianos estão no topo da minha lista de preferências. Os braus locais ("cafuçu" é coisa de pernambucano, jamais ouse pronunciar esse termo na Bahia, eles acham pejorativo!) são mesmo de babar, colega. Além disso, a capital soteropolitana é a terra dos "héteros que fazem" - aqueles bofes que, na maior discrição, mandam ver mesmo, e nem venha você querer definir a sexualidade deles. No entanto, por incrível que pareça, o Carnaval de Salvador não é tão sexual como alguns podem imaginar. Claro que as pessoas estão ali para se permitir, mas, em sua grande maioria, o que elas querem é beijar, não necessariamente transar. É um clima muito mais puro e brincalhão, de curtir a música, sair com sua galera, beijar muito, dar risada e não ter grandes preocupações, do que um açougue da carne como em outras praças.
RELAXE, MEU REI Aos cri-críticos de plantão: venham vacinados para conviver com os problemas da cidade, sem deixar que eles azedem o seu bom humor. Nesses dias frenéticos, Salvador fica ainda mais suja. É preciso manter-se alerta contra os furtos (mas sem neurose! também não é tão perigoso assim). As avenidas de acesso que formam o yakissoba viário da cidade (Centenário, Garibaldi, Vasco da Gama, Cardeal da Silva, Vale do Canela) freqüentemente engarrafam - escolher o caminho mais livre é pura questão de sorte. O serviço é um dos piores do Brasil, oscilando entre a simples ineficiência e os maus tratos ao cliente. Não espere ouvir um "por favor", "com licença" ou "obrigado" - e, quando você agradecer, tampouco ouvirá resposta. Mas nada disso estraga o brilho da festa. É só você ir com o espírito preparado. Ninguém ali quer receber suas lições de civilidade. E lembre-se: na Bahia, uma hora tem 90 minutos.
COMBUSTÍVEL Salvador tem excelentes restaurantes [já falei sobre alguns no blog e voltarei ao tema no próximo post]. Nada como pedir um prato com camarão e receber camarão de verdade. Mas vá por mim: nos dias de Carnaval, você dificilmente vai querer perder tempo com grandes deslocamentos e comida que pode pesar no estômago. Se quiser usufruir da gastronomia e das atrações turísticas de Salvador, o ideal seria viajar em outra época, ou pelo menos pegar mais alguns dias antes (lembrando que a festa começa já na quinta, não no sábado!) ou depois do Carnaval. No corre-corre do circuito, você vai ter que se virar com comida rápida de barracas (salgados, pizzas etc.) e os sanduíches e vitaminas do Suco 24 Horas. Provavelmente, sua maior preocupação será o álcool (que é absolutamente essencial, diga-se de passagem). Dentro dos trios, tudo é mais caro: fora deles, se você não curte cerveja e acha as bebidas ice fraquinhas demais, terá um pouco mais de trabalho até achar uma vodca que seja confiável. Por isso, os mais espertos compram uma garrafa de Smirnoff ou Absolut, gelam em casa e levam para o trio em garrafinhas de água de 500ml, ou naquelas mochilas etílicas do tipo camelbak.
FOI BOM PRA VOCÊ? Posso afirmar com segurança que essa foi a melhor escolha que eu poderia ter feito para o Carnaval de 2011. Se eu voltarei? Não tenho a menor dúvida que sim. Todo ano? Provavelmente não, porque os preços são salgados demais para o meu bolso [nem sei como teria sido sem o apoio e a hospitalidade de meu amigo David, a quem deixo meu beijo e muito obrigado!]. E porque eu também curto o Carnaval do Rio de Janeiro e de Florianópolis, cada um do seu jeito. Salvador provavelmente vai entrar no meu rodízio com as outras duas cidades - ainda que o astral de lá seja dez vezes maior do que o da primeira e duzentas vezes maior do que o da segunda. Sem tanto carão, sem tantos guetos, conhecendo gente diferente. Na terça, quando os trios chegavam perto do fim, tocando os clássicos eternos, os foliões felizes e nostálgicos ao mesmo tempo, não querendo que aquilo acabasse... aquilo foi um momento totalmente emocionante, uma sensação que eu nunca pensei que pudesse ter. Foi aí que caiu a ficha que eu tinha realmente entendido o Carnaval de Salvador.
terça-feira, 1 de março de 2011
Baianizer
Escrevo este post na maior correria do mundo. Estou tentando dar conta das últimas pendências no trabalho, para poder sair depois do almoço e cruzar a cidade (alagada) até o aeroporto de Guarulhos. Meu Carnaval começa hoje, e dessa vez vou romper com o tradicional rodízio entre Rio de Janeiro e Florianópolis. Neste ano que está sendo marcado por tantas novas experiências, chegou minha hora de finalmente conhecer o Carnaval de Salvador. Vou cair na folia e depois dar uma descansada por lá até o dia 13.
Assim que confirmei a viagem, saí à caça de informações para poder montar minha programação. Conheço bem a cidade, mas sou totalmente leigo nesse assunto: se me pedirem o nome de três músicas de axé, vou saber dizer "Arerê", "A Dança do Vampiro", "O Canto da Cidade" e olhe lá. A festa baiana é um emaranhado de blocos e camarotes, espalhados por três circuitos diferentes, ao longo de seis dias (na Bahia, o babado começa já na quinta). É preciso pesquisar um pouco para entender as sutilezas, qual o tipo de público, se é mais friendly, se vale ou não a pena, e então tomar as decisões e comprar os respectivos abadás. Até porque é tudo caro pra cacete: para entrar na cordinha do Coruja, o bloco de Ivete Sangalo, pagam-se escorchantes R$650 por dia! E tem muita gente que compra os três dias e paga sem reclamar, jurando de pés juntos que é uma magia toda mágica, algo que não tem preço, que só vivendo para entender.
Engana-se, porém, quem pensa que o Carnaval de Salvador se resume ao axé. Existem trios com outros estilos musicais, desde as clássicas marchinhas até rock, reggae e música eletrônica - neste ano representada por nomes como Armin Van Buuren e David Guetta. Outro equívoco, reforçado pelas transmissões da televisão, é pensar que nessa festa só os héteros se dão bem. O bloco Crocodilo, capitaneado por Daniela Mercury, tem maciça presença gay. A fama do Crocodilo é tanta que muitos nativos, não querendo ter seu filme queimado numa sociedade onde as coisas acontecem por baixo do pano, acabam migrando para outros blocos, como o próprio Coruja, onde se jogam do mesmo jeito, no meio da multidão. Para quem prefere fazer a linha barbie-túrica, sábado será dia da Pool Party Salvador, com produção caprichada e Offer Nissim e Ana Paula no som - uma festa que promete não ficar devendo às similares do Sudeste, e será emendada num bloco eletrônico (Liberty) que percorrerá o circuito Barra-Ondina.
É claro que vou conferir a programação GLS, que ainda contará com o camarote Vipado, do fofo Ailton Botelho [informações aqui] e as madrugadas do repaginado clube San Sebastian, que funcionará em clima de after. Mas confesso que estou até mais curioso com os blocos não especialmente direcionados, como o de Ivete, que fazem a cabeça de verdadeiras multidões. Nunca fui muito fã do estilo, mas não ficarei admirado se, de repente, eu me pegar dançando e cantando junto, e simplesmente me deixar levar. Tudo pode acontecer. Estou embarcando nessa para me surpreender - coisa que certamente não aconteceria no Rio ou em Florianópolis, onde as mesmas festas trarão os mesmos DJs nos mesmos dias da semana dos anos anteriores, e a única novidade será tocar "Born This Way" no lugar de "Bad Romance". Bom carnaval a todos! Segurucu!
Assim que confirmei a viagem, saí à caça de informações para poder montar minha programação. Conheço bem a cidade, mas sou totalmente leigo nesse assunto: se me pedirem o nome de três músicas de axé, vou saber dizer "Arerê", "A Dança do Vampiro", "O Canto da Cidade" e olhe lá. A festa baiana é um emaranhado de blocos e camarotes, espalhados por três circuitos diferentes, ao longo de seis dias (na Bahia, o babado começa já na quinta). É preciso pesquisar um pouco para entender as sutilezas, qual o tipo de público, se é mais friendly, se vale ou não a pena, e então tomar as decisões e comprar os respectivos abadás. Até porque é tudo caro pra cacete: para entrar na cordinha do Coruja, o bloco de Ivete Sangalo, pagam-se escorchantes R$650 por dia! E tem muita gente que compra os três dias e paga sem reclamar, jurando de pés juntos que é uma magia toda mágica, algo que não tem preço, que só vivendo para entender.
Engana-se, porém, quem pensa que o Carnaval de Salvador se resume ao axé. Existem trios com outros estilos musicais, desde as clássicas marchinhas até rock, reggae e música eletrônica - neste ano representada por nomes como Armin Van Buuren e David Guetta. Outro equívoco, reforçado pelas transmissões da televisão, é pensar que nessa festa só os héteros se dão bem. O bloco Crocodilo, capitaneado por Daniela Mercury, tem maciça presença gay. A fama do Crocodilo é tanta que muitos nativos, não querendo ter seu filme queimado numa sociedade onde as coisas acontecem por baixo do pano, acabam migrando para outros blocos, como o próprio Coruja, onde se jogam do mesmo jeito, no meio da multidão. Para quem prefere fazer a linha barbie-túrica, sábado será dia da Pool Party Salvador, com produção caprichada e Offer Nissim e Ana Paula no som - uma festa que promete não ficar devendo às similares do Sudeste, e será emendada num bloco eletrônico (Liberty) que percorrerá o circuito Barra-Ondina.
É claro que vou conferir a programação GLS, que ainda contará com o camarote Vipado, do fofo Ailton Botelho [informações aqui] e as madrugadas do repaginado clube San Sebastian, que funcionará em clima de after. Mas confesso que estou até mais curioso com os blocos não especialmente direcionados, como o de Ivete, que fazem a cabeça de verdadeiras multidões. Nunca fui muito fã do estilo, mas não ficarei admirado se, de repente, eu me pegar dançando e cantando junto, e simplesmente me deixar levar. Tudo pode acontecer. Estou embarcando nessa para me surpreender - coisa que certamente não aconteceria no Rio ou em Florianópolis, onde as mesmas festas trarão os mesmos DJs nos mesmos dias da semana dos anos anteriores, e a única novidade será tocar "Born This Way" no lugar de "Bad Romance". Bom carnaval a todos! Segurucu!
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