Ontem o Facebook, ágora dos nossos tempos, amanheceu enfeitado de vermelho. Muitos usuários colocaram nas fotos de seus perfis o lacinho de fita que simboliza o Dia Mundial da Luta contra a Aids, que se celebra em primeiro de dezembro. Não discuto a importância de uma data simbólica para trazer à tona um assunto que tanto se tenta varrer para baixo do tapete. Mas, se a ocasião é para balanços, tenho lá minhas dúvidas se estamos mesmo caminhando para frente, como gostaríamos de acreditar.
A primeira constatação que sou forçado a fazer é que, depois de anos andando na linha, a lição de casa da prevenção vem sendo cada vez mais negligenciada. O preservativo, que na década passada sempre aparecia com naturalidade, de uns tempos para cá passou a ser um acessório dispensável, mediante critérios pra lá de duvidosos. Hoje tenho muito mais trabalho para impor a camisinha aos meus parceiros do que quando comecei minha vida sexual. Muita gente foi baixando a guarda e relaxando. Só nos últimos cinco anos, quatro amigos meus se contaminaram. Todos na faixa dos 30 e poucos, já com uma boa bagagem de experiências, gente esclarecida e bem informada.
Antes de mais nada, quero frisar que acredito que o que um adulto faz com o próprio corpo é uma decisão individual, e o livre-arbítrio deve ser respeitado - inclusive para quem, após avaliar riscos, custos e benefícios, opta por aderir voluntariamente ao sexo sem proteção. Mas nenhum desses casos se inseria em tal contexto: eles não eram barebackers conscientes, que buscavam aproveitar a vida de forma livre e intensa e então assumiram seu desejo, mas pessoas que cometeram descuidos bobos ou incorreram em julgamentos equivocados. Mais ou menos como pensar que Fusca não atropela, só porque é redondinho e antigo.
Neste momento homofóbico que vivemos, nunca é demais lembrar que nada disso que descrevi no parágrafo anterior é privilégio dos gays. Um dos grupos mais expostos à soroconversão nos dias de hoje é justamente o das mulheres heterossexuais, "de família". Depois de anos casadas e fiéis ao mesmo homem, elas não veem necessidade de usar preservativo, e acabam contaminadas pelo próprio parceiro, que traz a doença para dentro de casa após uma pulada de cerca sem proteção. O que nos faz lembrar que a decisão de suprimir a camisinha em um relacionamento deve ser muito bem pensada. OK, você e seu parceiro se amam. Mas, e se para ele "amor e sexo são coisas bem diferentes"? Quantos não seguem essa cartilha?
Não ignoro que a evolução da medicina ampliou os horizontes dos pacientes com HIV, que hoje têm uma qualidade de vida que seria inimaginável 15 anos atrás. Depois de um começo assustador, meus amigos estão com uma aparência ótima e vivem uma vida feliz, com boas perspectivas e poucas limitações - alguns conseguiram até zerar a carga viral. Mas nem todo mundo tem a mesma sorte. Se o estigma contra os soropositivos é uma crueldade que deve ser combatida, encarar o vírus como uma mera doença crônica é um grande erro, e pode custar caro. Vale dizer que as chances de ter um tratamento eficaz e não desenvolver a doença são muito maiores quando o HIV é detectado cedo - daí a importância de refazer os exames periodicamente. Não precisa ser gay nem promíscuo, basta ter vida sexual ativa. Vamos nos cuidar, povo!
Neste domingo (5/12), os fofíssimos SP Gay Bikers estão promovendo, junto com a Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual da Prefeitura de São Paulo, o 1º PASSEIO DO DIA MUNDIAL DE COMBATE À AIDS, no Centro da cidade, em pleno Minhocão. Como o evento é democrático, haverá um trajeto maior para os ciclistas e outro, menor, que também poderá ser percorrido por cadeirantes e pedestres. A saída está programada para as 15h, e quem não tiver bike pode alugar uma. É mais uma maneira saudável e divertida de expressar nossa cidadania.
13 comentários:
"Hoje tenho muito mais trabalho para impor a camisinha aos meus parceiros do que quando comecei minha vida sexual." [2]
Também tem o pessoal que relaxa quando o namoro estabiliza e às vezes o próprio parceiro não sabe que está contaminado porque ainda está assintomático. Muita gente só descobre ser portador do vírus anos depois, quando pega alguma pnseumonia feia.
Se o mundo fosse realmente bem informado, até os HTs bem casados usariam camisinha (vide o casal Fernanda Takai e John do Pato Fu que usam!)
Thiago,
a minha irmã trabalha no hospital Emilio Ribas (modelo/referencia no tratamento de doenças infecto-contagiosas) e tem informações assustadoras com relação ao número crescente de I-D-O-S-O-S com HIV.
De acordo com os infectologistas do Emilio Ribas, a banalização do sexo + proximidade de encontrar a cura para o HIV está disseminando a falsa ideia de que a camisinha pode ser descartada.
Tenha um ótimo final de semana.
Mais ou menos como pensar que Fusca não atropela, só porque é redondinho e antigo.
Por isso que amo ler você, sempre dá aquela pitada especial, mesmo quando o assunto é super serio como esse.
"Hoje tenho muito mais trabalho para impor a camisinha aos meus parceiros do que quando comecei minha vida sexual." [3]
Mais um sinal de que o excesso de informação não necessariamente é proporcional a conscientização.
Uma pena né?
Mas não podemos esmorecer.
Valeu pela dica!
Ah sim, conheço alguns idosos HTs soropositivos. Provavelmente acharam que camisinha não é do tempo deles e é só pra jovens.
Os gays nao usam camisinhas...pq tomam MUITAS drogas nas boates! Punto e basta. Os donos dessas boates poderiam acabar com os pushers, mas sabem que isso significaria fechar as boates. Hoje as boates viraram bocas de fumo ...com direito a musica house e todo falamos de camisinha e tal, fingindo nao conhecer o responsavel nr. 1 do Hiv hoje no mundo LGBT. Muita hipocrisia, que nojo.
"Carga viral zero" não significa quase nada. Os anti-virais são sabidamente super tóxicos, e a pessoa invariavelmente acaba morrendo bem mais cedo do que o normal.
Pois é, não dá pra entender o que anda acontecendo... acho que está na hora de voltar com aquelas propagandas medonhas e sombrias que tocavam o terror em todo mundo com as pessoas de cama magérrimas e cheias de pústulas... funciona pro trânsito, funciona pro cigarro... quem sabe pra AIDS?
Um beijo!
gostei muito do texto.
me incomoda muito a disseminação dessa ideia de que é "igual uma diabetes". primeiro que não é, já ouvi relatos de gente que passou bem mal até acertar a dosagem/composição da medicação. segundo, pergunta pra algum diabético se ele escolheria ser diabético.
tb vejo muitos casais gays embarcarem na onda do "não-precisamos-usar-pois-somos-fiéis", alguns até depois de se conhecerem 2 semanas. na melhor das hipóteses, isso é verdade no momento zero. pula 1, 3 ou 10 anos pra frente e pode não ser mais. e aí quero ver quantos vão ter coragem de chegar pro parceiro e falar "precisamos usar camisinha pois quero sexo com terceiros tb"?
O (a?) quaquazinha fala em drogas como motivador de sexo sem camisinha. verdade, mas muito parcial. Vejo muita gente que não está nem colocada nem bêbada e que faz bareback do mesmo jeito, inclusive com caras que nunca viu antes.
nessas reportagens sobre o dia mundial li que o número de novos casos de AIDS vinha caindo no Brasil até 2006, mas de lá pra cá voltou a aumentar. não me parece um bom sinal.
Clap clap clap! Mto bom texto!
Abraco
Marcao
Bom, discordo de boa parte desse seu post. Sei que você não gosta de mim...risos...mas vou falar, ninguém precisa concordar comigo.
em primeiro lugar todas as informações que tenho, opiniões de médicos que conheço e muitas amigos e amigas soropositivos que estão bem, me leva a acreditar que a Aids é , sim um doença, hoje, crônica e controlável. Posso, se alguém quiser, apresentar a esses médicos. O meu médico diz, inclusive, brincando: "Você vai morrer com aids, mas não de aids". E, antes me me atirem pedras ou me queimem em praça pública, quero apenas deixar claro que , nessa questão(aids), o buraco é bem mais embaixo, sempre, e envolve um monte de coisas que nem a melhor mídia ou propaganda de marketing preventivo consegue atingir.
2) Camisinha não é e nunca será algo "natural", aliás detesto essa palavra pela carga opressora que carrega, que nem a palavra "normal". Ela, a camisinha, entrou fortemente em cena, pós l980, devido à uma doença. Antes disso, ela era usada apenas como método anticontraceptivo e ainda de forma eventual, acabou sendo até esquecida perante a pílula, diu e etc.
3)Boa parte das pessoas iriam mesmo, algum dia, se cansarem do sexo seguro. Isso deveria ser estudado e previsto, inclusive pela medicina preventiva. Ninguém aquenta décadas praticando sexo seguro e uma hora pode querer experimentar sem preservativo. Essas pessoas são dignas, não são loucas, suicidas ou doentes, apenas podem ter se cansado. Merecem o mesmo respeito. eu acredito até que o combate à aids seria bem mais eficaz se levasse isso em conta, em vez de só falar no campo do IDEAL ou do ilusório.
4) Para muita gente que se diz "militante/aids" e para muitas ong's aids, não interessa que a doença deixe de ser considerada fatal e passe a ser entendida como crônica. Vivem da aids e construíram suas carreiras em cima dela, não vão saber o que fazer no dia seguinte da cura, não possuem criatividade para isso. Então, não admitem a cronificação da doença.
Isso acontece, também, na militância homossexual, infelizmente. Muita gente, líderes até, não querem o fim da homofobia, pois vivem dela, em seus cargos, verbas, salários, viagens e etc. Só conseguem fazer isso.
5) Uma nova coisa que surgiu, provou eficácia , o Estudo IPREX, poderá inclusive revolucionar toda a luta contra a aids, pesquisem no Google. Um comprimido de Truvada ao dia na prevenção da doença.
6) Em todo esse discurso sobre aids, desde l982 (Brasil), sempre percebo moralismos por trás das palavras, adoram , inclusive, usar a palavra "promiscuidade". As pessoas, hoje em dia, conscientes ou não, não falam o que realmente fazem, mas falam apenas o que pensam que o interlocutor quer ouvir, sempre seguindo o politicamente correto. Mas, seus discursos diferem da prática, o tal ditado: "na prática, a teoria é a outra". Eu até acredito que se, desde o início, as campanhas tivessem dispensado o moralismo e o uso do terror pra cima da população, teriam sido bem mais eficazes. Péssimo a campanha da França que compara o/a soropositivo a Hitler... o medo nunca foi, comprovadamente, eficaz, só funciona no início. No caso da aids, vi pessoas apelando para a abstenção sexual no inicio da epidemia, em terror, e depois, não aquentando mais, soltavam a franga sexual numa verdadeira catarse.
Eu poderia, em cima do tema de hoje, falar ainda muito mais, citar filosofia, psicanálise, pulsões de morte e de vida, Michel Foucault etc.; como disse, em aids, o buraco é bem mais embaixo. E não estou defendendo o não uso da camisinha, apenas propondo reflexão e compreensão maior com os que não a usam.
Gracias,
Ricardo
aguieiras2002@yahoo.com.br
eu SEMPRE penso que quero me juntaer aos bicicleteiros, mas sempre me bate uma preguiça vergonhosa...
Alerta importantissimo esse Thiago. É de minha autoria a campanha "Quem se ama se cuida" quando o ano de combate a AIDS estava voltado para as mulheres, cada vez mais contamidas por puro descuido.
A questao a ser abordada ali era a auto-estima. So mesmo tendo um cuidado grande por si que uma mulher nao fecha os olhos para o parceiro duvidoso e faz dele seu principe encantado sem medir consequencias. Percebo que as mulhers continuam utilizando camisinha. Nao sei qual é a estatisica hoje. Diante de uma classe media esse descuido parece inconcebivel, uma vez que as pessoas tem dinheiro para comprar. E o governo numa teve verba para suprir as necessidades de camisinha da populaçao, ou seja se todo mundo aderir vai faltar, é o que dizem. mas definitivamente quem pode e nao usa precisa entender o por que: se inconscinetemetne quer se matar, se tem panico de ver no parceiro uma figura infiel ou qualuwer coisa que se relacione com essa possiblidade. Enfim, o tema envolve dezenas de variaveis. Mas o melhor é nao pensar nelas e as pessoas terem o habito de usar preservativo.
Bjos para voce, bacana o post.
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