Plínio guardou o notebook na pasta, despediu-se e saiu da reunião com o fornecedor, num bairro afastado da zona oeste. Na mesma calçada onde seu carro estava estacionado, havia um caminhão com a caçamba aberta. Um rapaz alto e forte saltou apressado, atravessou a calçada e entrou num armazém. Plínio ficou admirado com aquelas costas largas, cobertas apenas por um macacão, os braços torneados e cheios de veias que terminavam em mãos grandes, rudes. O rapaz logo voltou em direção ao caminhão, com uma caixa na mão. Plínio quis disfarçar, mas os olhares dos dois se cruzaram, e o outro abriu um sorrisinho maroto. Plínio sentiu as bochechas esquentarem, a boca seca e o estômago revirado por mil borboletas. Foi então que ele teve absoluta certeza de que sua vida nunca mais seria a mesma.
Trocaram umas palavras bem idiotas, dado o estado abobado em que Plínio se encontrava, e o rapaz, Kleber, vinte e seis anos, disse que estaria livre dali a duas horas. Plínio voltou ao local na hora combinada, Kleber entrou no carro e os dois resolveram ir tomar uma cerveja. Plínio foi ficando nervoso com aquele macho de macacão, a mala inchada, uma tensão no ar quando o sinal fechava e eles se entreolhavam. O carro se embrenhou por umas ruas desertas, parou e os dois se atracaram com avidez. Num piscar de olhos, o banco do passageiro estava reclinado, com Plínio de calças arriadas e Kleber por cima dele, impondo sua virilidade em estocadas vigorosas. Gozaram suados, aos trancos.
Plínio pensou que aquele seria mais um entre tantos lanchinhos inesperados. Surpreendeu-se ao receber, no dia seguinte, um torpedo de Kleber. Retribuiu. Marcaram mais uma, dessa vez num motel. Foderam como se não houvesse amanhã, depois foram comer. Plínio sugeriu sushi; Kleber não sabia o que era. Plínio achou melhor simplificar e propôs um hambúrguer. Acabaram num rodízio de pizzas, onde Kleber comeu onze pedaços. Saíram por uns dois meses. Era Plínio quem se esforçava para manter a conversa fluindo. Kleber era uma pessoa realmente simples, mas até isso era um encanto aos olhos de Plínio, que adorava se sentir conduzido por ele na hora do sexo. Entre uma sessão e outra, cinema era o programa preferido. A escolha dos filmes ficava a cargo de Kleber: Plínio preferia assim, pois queria ter certeza de que o outro iria se divertir.
Os amigos começaram a estranhar o sumiço de Plínio e cobrar sua presença nas festas. Plínio hesitou um pouco. Quando Tavinho Bittencourt abriu seus salões para o esquenta oficial da temporada, Plínio decidiu que era hora de saírem do casulo. Plínio já preparava o espírito para enfrentar risinhos e comentários maldosos, mas novamente se surpreendeu: as bichas ficaram interessadíssimas em saber quem era aquele pedaço de carne, de ar tão rústico quanto inocente. Kleber perguntava discretamente a Plínio o que eram todas aquelas bebidas novas. As mais malditas esperavam um descuido de Plínio para dar em cima do moço. Uma que nunca dera confiança a Plínio veio fazer a íntima, louca para tirar uma casquinha, nem que para isso fosse necessário armar um ménage. Plínio e Kleber riram dela, ainda que por motivos diferentes. Kleber via naquelas pessoas meio esquisitas uma simpatia genuína.
E eles também viram alguma coisa em Kleber, pois começaram a procurar Plínio com muito mais freqüência. Um deles acionou contatos e descolou para Kleber um emprego de vendedor numa loja de roupas do shopping - perfeito para quem só tinha o segundo grau. Como a casa de Plínio era ali perto, Kleber começou a dormir lá e acabou se instalando. Isso facilitava também a volta da balada, o ponto alto da nova vida que se apresentava ao rapaz. Uma noite dessas, na boate, Kleber aceitou uma bebida e um comprimido que lhe ofereceram. Ficou passado! Não quis que aquilo terminasse nunca mais. E então descobriu que as noites não precisavam acabar: elas emendavam em afters e chillouts, palavras com que aos poucos foi se familiarizando, pelos novos amigos do Facebook, com quem se comunicava durante as brechas na rotina da loja.
Agora Kleber treinava na mesma academia de Plínio. Seu guarda-roupa já estava todo repaginado, os cabelos ganharam um corte mais atual, e ele começou uma coleção de oclóns de marca. Viraram o ano numa festa private numa cobertura na Avenida Atlântica e fizeram um animado cruzeiro gay, pouco antes do Carnaval em Florianópolis. Mas antes, Kleber depilou todos os pelos do corpo, pois isso valorizaria seu físico, segundo lhe diziam. Os dois namorados saíam bastante. Depois que ganhou o cartão vip da boate, Kleber não perdia uma. Já Plínio, que tinha vivido esse momento dez anos antes, nem sempre dava conta. Quando isso acontecia, não havia problema: sempre havia uma alma caridosa que poderia buscar Kleber em casa e depois o deixá-lo de volta. "Pode ficar tranquilo que ele está em boas mãos!", garantiam a Plínio. Todos gostavam demais do casal - unanimidade entre as bunitas e modelo a ser seguido.
E assim se passaram alguns meses. Até que, numa manhã nublada de segunda, Plínio estava atrasado para uma reunião importante e escolheu a via expressa. Mas o motor começou a engasgar, e enguiçou. Irritado, Plínio acionou o socorro da seguradora. Em vinte minutos, o guincho encostou na frente do carro de Plínio e parou. A porta se abriu, e dele desceu um homem moreno, alto, jeito de poucos amigos, boca carnuda envolta por um cavanhaque. Cara de marginal, diria a mãe de Plínio. O uniforme deixava aparecer um corpo naturalmente forte, uma tatuagem que escapava da manga e cobria o bíceps direito, e um pacote bastante volumoso. Plínio quis disfarçar, mas os olhares dos dois se cruzaram, e o outro abriu um sorrisinho maroto. Plínio sentiu as bochechas esquentarem, a boca seca e o estômago revirado por mil borboletas. Foi então que ele teve absoluta certeza de que sua vida nunca mais seria a mesma.
31 comentários:
Absaolutamente du caralho! Quando vc acha que na verdade é Kléber quem vai sair de fininho, é Plínio quem se joga na nova experiência. Me pegou!
bjão, Thi!
Mais desses textos, por favor! Só isso que tenho pra pedir.
Fantástica narrativa e bem observadora sobre o eterno círculo vicioso. Gays buscam "bofes"? Mas depois que o bofe pega o gay... ele ainda é bofe? Esse texto rende uma discussão interminável.
Por outro lado, acho que isso é só uma parcela do universo gay, o que só reforça o quanto o termo é amplo, por mais que alguns queiram se excluir dela (como os "comedores de viado" que o Don Diego abordou no blog dele esses dias).
Adorei a caracterização dos personagens pelos nomes. Pensei logo num insólito encontro entre o Plínio da Luluzinha e o Kléber Bam-Bam.
Super mega deja vu, o tantão de Klebers que eu já conheci de gente de fora que "trouxe" pro mundinho...
De fora parece um lance de recrutamento, e como Plínio é vicioso ele se liga mesmo em carne nova...Recomeça o ciclo, assim como as barbies estão para o ciclo de bomba.
To como o Wans... achei que fosse ocorrer justamente o contrário.
Adoro quando as narrativas me surpeendem. Gostei muito do texto. Ciclos intermináveis, hábitos que não se perdem... favor ou desfavor aos cafuçus? XD
Sinceramente? Por isso que prefiro os Plínios after "I've lived it all/I've seen it all". Essa história de "phyna meets cafuçu", em 90% dos casos, soa demais com o caso do "Bom selvagem": ficcionalmente interessante, mas na realidade altamente improvavél. Um pouco de decepção com o mundo dos brilhos, monogramas e festas sempre é necessário para a formação de um caráter um pouco mais maduro, um pouco mais lidável, um pouco mais relacionável.
E também porque pra mim essa história de cafuçu gostoso é coisa de AD da Dolce&Gabbana com modelos da Calábria ou Bielorússia besuntados de óleo e elegantemente vestidos numa oficina de Florença ou Bergamo. ;)
ai ai ... um VIVA aos CAFUÇUS ...
qto ao conto ... o q eu ia dizer mesmo?
vou ali no banheiro prestar uma homenagem depois eu volto ...
bjux
;-)
Acho que nunca vi um Kleber, vejo mais o proletariado que, ao avistar um gay "generoso e carente", oferece o que o gay quer em troca de contribuições para uma vida melhor. Outro dia presenciei um que, ao ser avisado que não haveria mais contribuições, falou que então a amizade perderia o sentido. O gay, lógico, já está em busca de novo prestador de serviços, usando a combinação de poder e baixa autoestima como isca.
Me pegou. Imaginei que tudo estava se encaminhando para um Boa Noite Cinderela colossal. Vi tb algumas referências do universo"UOMINI".O que é sempre bom.Ótimo conto.Cortazar diz que se o romance é luta de boxe em 15 assaltos,o conto é o nocaute.Curto e direto.Abrs
Gostei muito do conto, Thi! Concordo com o Daniel e acho que o tal do bofe perde seus encantos quando cede aos encantos do mundo gay. Vou além: talvez a estética gay ganhe no quesito visual, mas perca quando o assunto é sex appeal
Melhor descrição que já li até hoje do famoso tesão de pica pelas classes trabalhadoras.
Muque de Peão
Acho q na verdade rola mais o contrário, do Kleber aprontar algo. Será?
Como diz Katylene: A gente adora um bofe chucro.
Aff quanta bixa gulosa... só se fala dos volumes e pacotes
Infelizmente a maioria da população NÃO tem pau grande.
E infelizmente ou felizmente rs a maioria dos viados são todos passivas.
Pelo texto, e excitação geral e oníssona com o termo "cafuçus", acredito que o leitor também... rs
Nada contra. Só uma observação
Rsrs o Anônimo has a point.
Voê já viu o filme "The Shape of Things"? Não sei como ficou em português, mas a Rachel Weisz conhece o Paul Rudd, que é protótipo de loser, e começa a sair com ele. O loser vai se transformando, mas continua apaixonado por ela... que deliberadamente o manipula e o transforma no que ela quer.
Parece cheio de inocência, mas mostra bem o quanto estamos presos a conceitos nossos e dos outros, o quanto a imagem altera-se, como código genético que indica apenad tendência, sem determinar.
O meio influencia demais. Mas os interesses mudam no mesmo ritmo? Não mudam?
Mal comparando tudo, é a famosa história da garota fofa e humilde que entra para o grupo das populares. Algo se perde.
Impressionado estou pelo texto, eu gostaria que a vida não fosse de forma um tanto quanto volátil, no entanto é o que normalmente acontece, quisera eu ter um amor de infância que pudesse durar uma vida inteira. Alguém se habilita?
Adorei a mudança radical de teor do post em relação aos anteriores.
Acho q o Daniel e o Cris tocaram no ponto....quando o trabalhador braçal deixa de ter o apelo viril e passa a se ligar em roupa, cabelo e boates...perde todo o encanto.
O q todo mundo quer é um cara macho e q continue macho, não cedendo às bichices do meio.
apaixonado pelo texto...
supimpa e delicioso!!
em uma imagem:
http://1.bp.blogspot.com/_7zMYOOEb2I0/S4AAlthU8tI/AAAAAAAAAM4/UMx_mfEGMp4/s320/Joe_Phillips_044.jpg
is real life.
reconheci tantos plinios, kleber's e tals... tu sempre arrasando, né?
besos.
Adorei a historia!
Me fez pensar que o pior é que as vezes as pheenas nem sao tao fina$ assim e se dao mal gastando horrore$$$ atràs do bofe do suburbio ate' ele deparar com uma biba mais rica. Tem também o bofe suburbiano que depois muita jogacao paga pela titia é largado: ai que ele descobre que beleza nao dura e tem sempre um suburbiano mais jovem por ai.
Plinio? Kleber? Quem eu quero conhecer memso é o Tavinho Bittencourt.
a narrativa e fantanstica, nos conduz a uma conclusão e nos surpreende em seu final. isso me leva a pensar que se so estamos ligados em beleza, e muitas vezes na insinuante beleza do falso hetero, achoa que a situação e como um ensaio fotografico de belos homens. a cada pagina que viramos podemos encontrar um homem que nos agrada mais e tirar do podio o anterior. plinio so virou a pagina e esqueceu a anterior....
É... quem está com alguém apenas por ser um pedaço de carne, corre o risco de procurar um pedaço de carne mais macio quando o velho já está totalmente mastigado...rs
Adorei. Achei o texto muito bem construído e escrito, com a estratégia de começar e terminar com a mesma lógica/frase, frases delícia. A prova de trainee vai ser barbada. :) A história dos universos paralelos é boa também,mas manjadérrima. A técnica é bastante superior ao fundamento, um luxo de crônica.
Momento descoberta de blog?
Caralho, está muito bom seu post.
Quebrou com as expectativas de todo mundo (acho).
Parabéns! ;)
Bem, como todos os outros, achei que fosse acontecer o contrário.
Bem, adoro seus textos, sou suspeito pra falar.
Mas os nomes me intrigaram, um dia saberás - ou não - o porquê.
Nessa conto todo, fica uma pergunta: onde o interesse ficou? Né?
Beijao!
Meio surreal... o contrário acontece mais... vivi isso recentemente. mas fazer o q? é o ciclo...
Bom cara, muito bom!
Não sabia que você sabia contar histórias assim, com esta temática, deste jeitinho...
Não para mesmo não. Tá gostoso. rs
Abraço
Filipe
http://tantoquetransborda.blogspot.com
Gostei da ironia que perpassa todo o texto.
Conhece os livros de Alan Hollinghurst?
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