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O bar ocupa o centro do salão principal, dividindo-o em dois ambientes: um deles é uma área “social”, para conversar em pé, e o outro é o lobby, que funciona como uma pista secundária de dança e tem um janelão envidraçado com vista para os prédios do Centro. A tal área social tem ainda dois camarotes vips, construídos sobre pequenos tablados, com sofás de veludo e os tais azulejos de época para enfeitar. Em uma das extremidades, uma porta giratória conduz à pista principal, isolada acusticamente, com projeções sobre os espelhos das paredes, emulando uma espécie de efeito 3D. A parte mais bacana da casa, porém, é a enorme varanda que se acessa pelo lobby, e que revela uma linda vista da região, incluindo a cúpula da Catedral da Sé e as copas das árvores que margeiam a 23 de Maio, avenida que passa ali embaixo.
O conceito de clube de cavalheiros não orienta apenas a decoração. Seguindo o exemplo de antigas casas como o Gallery paulistano, o Lions é um clube para sócios. Mil pessoas estão sendo escolhidas pela casa (“as pessoas mais bacanas da noite, moda, cultura, arte, rock e música eletrônica, entre DJs, promoters, agitadores culturais, travestis, gays, héteros, playboys e undergrounds”, segundo Facundo) para receber um cartão de sócio, que as dispensará do pagamento de entrada e consumação e permitirá que convidem quatro amigos por mês, com a mesma isenção de custo. O acesso a quem não for contemplado com a tal carteirinha não é totalmente fechado: a casa permitirá a entrada de 100 não-sócios por noite, impondo uma consumação mínima entre R$80 e R$120. Quem conseguir colocar o nome na lista de algum DJ amigo pode garfar um descontinho.
Na programação, as quintas-feiras ficam por conta do núcleo de festas Chocolate, com black, funk, soul e afins; as sextas seguem a sistemática do Vegas e alternam vários projetos – incluindo MOO e Buati, as festas que têm feito a cabeça dos modernos do Rio de Janeiro; já os sábados são de responsabilidade da 3Plus, maior agência de DJs do país, que tem em seu casting nomes como Mau Mau, Marky e Renato Cohen. Para surpreender o público, os DJs serão convidados a inovar, tocando estilos que fujam de suas especialidades – Marky, lenda do drum n’bass, pode fazer um set de house, por exemplo.
Fui conferir o Lions anteontem. Magal e Márcio Vermelho recebiam o inglês Tim Sweeney (do selo DFA, o mesmo do Hot Chip e LCD Soundsystem), mais os DJs da festa carioca Moo. Clube novinho em folha, inauguração hypada pela imprensa, cardápio musical de qualidade: fui preparado para uma noite de flashes, brilhos e muita lotação, com direito a drama na porta. Qual não foi minha surpresa ao me deparar com um clube tranquilo e até meio morno – a casa devia estar operando com uns 30% de sua capacidade, quando muito. A maior parte das pessoas ficou dançando na pista secundária do lobby ou conversando na varanda, e a pista principal foi fechada na metade da noite, após ter recebido não mais do que vinte pessoas. Foi uma noite agradável, sem dúvida, mas eu esperava mais – no mínimo, um clube cheio e bombante, animado pelo frisson da novidade.
Talvez meu raciocínio tenha sido condicionado pela minha experiência clubber recente, vivida quase exclusivamente na noite gay, que é muito mais polarizada. Ali, as pessoas devoram as novidades loucamente, e aderem com paixão aos seus clubes do coração – theweekeiros e bubuzeiros são tão fiéis às bandeiras que carregam como corintianos ou palmeirenses o são com seus times. Na noite moderna, isso não acontece tanto: as pessoas transitam mais entre lugares diferentes, e escolhem sua noite muito mais com base nas atrações convidadas do que pelo clube em si. Nesse sentido, o Lions não veio para ameaçar ou desbancar os outros clubes – ele é apenas mais uma opção no circuito, mais uma casa em que bons nomes da eletrônica poderão se apresentar, um lugar para ir dançar ocasionalmente.
E o público? As meninas vieram vestidas de periguete-dos-anos-80, com maquiagem daquela época e cabelo repicado ou com penteado poodle; entre os homens, muito bigodinho de líder sindical, alguns de gravata fininha com All Star e outros tantos com pólos listradas à la marinheiro, tipo aquelas roupas da Staroup e US Top que eu via nas araras da Mesbla quando era pequeno. OK, brincadeiras à parte, na segunda noite de funcionamento após a inauguração, ainda é cedo para traçar um perfil dos frequentadores da casa. Mas achei o público menos gay e carudo que o do D-Edge, menos flashy e fashionista do que o do Glória, menos teenager que o do Clash e, sem dúvida, muito menos despojado que o do Vegas.
Também, com os preços praticados pela casa, não poderia ser diferente: por um suco de uva, cobram-se R$9. Os drinques, preparados por barmen engomadinhos em camisas de listras finas, não são nada generosos e custam a partir de R$24 – além de coquetéis clássicos como Cosmopolitan, Bellini e Kir Royal, há poucas invenções, como o cremoso Saphari (vodka, abacaxi e lima), a R$28. A vodka mais barata, com energético, custa R$29. Não convém exagerar, já que é preciso estar sóbrio na hora de conferir a conta – tive bebidas cobradas em duplicidade e precisei reclamar com a gerência. E eles ainda cobram mais 10% de serviço.
O Lions é uma novidade bem-vinda na cena eletrônica paulistana, que acabou de ganhar o Hot Hot e em breve terá também a expansão do D-Edge. O próprio Facundo Guerra abrirá um segundo clube no Centro, o Pan Am, que terá perfil menos elitista e receberá os projetos remanescentes do Vegas (que fechará as portas). Essa política de clube para sócios com preços salgados será um entrave para a popularização da casa, mas, pelo visto, a proposta é justamente essa: ser um espaço mais exclusivo e para um público mais velho, bem diferente da bombação do D-Edge e das filas nonsense do Hot Hot. Muitas pessoas certamente apreciarão esse diferencial, sobretudo os clubbers da Velha Guarda.
Sabem o que eu acharia realmente incrível? Se alguém alugasse o espaço do Lions para uma festa gay na semana da Parada. Ideal seria um grande after (o clima decadente do Centro e a luz baixa do ambiente dão ao clube uma inegável vocação de inferninho), ou mesmo uma day party de inverno, tipo das 9h às 19h. As bichas ficariam deslumbradas com o espaço, o terraço seria palco de momentos inesquecíveis, e nós teríamos uma dessas raras festas que entram para a história. Fica a dica para os produtores que leem este blog...
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