Três capitais de porte médio, três opções de passeio para um fim de semana diferente, aproveitando os freqüentes voos promocionais. Não custa lembrar: este comparativo é 100% subjetivo, baseado nas minhas experiências pessoais. Meus posts com roteiros e dicas dessas cidades, você encontra aqui, aqui e aqui.
1 ATRAÇÕES TURÍSTICAS Convenhamos: nenhuma das três é uma cidade turística. Turístico é o Rio de Janeiro. Quem parece mais empenhada em receber visitantes é Curitiba: a cidade soube transformar suas muitas áreas verdes em atrações turísticas, distribui mapinhas claros e explicativos e foi a primeira a criar linhas de ônibus que percorrem os pontos de interesse, nos moldes de capitais europeias. Por outro lado, as concorrentes têm arredores bem mais atraentes: Porto Alegre tem fácil acesso a Gramado (e é ofuscada por ela), enquanto BH arrasa com o casario histórico de Ouro Preto e o sensacional Inhotim. Curitiba 1 ponto, Porto Alegre 1 ponto, BH 1 ponto.
2 ZONAS DE CHARME As três capitais têm bairros que cumprem a função de Ipanema ou dos Jardins, com cafés, restaurantes e gente bonita nas calçadas. O Moinhos de Vento (Porto Alegre) me pareceu o mais charmoso, talvez por ser pequenino e aconchegante, com uns guris fofos flanando pelo Parcão ou pela Rua Padre Chagas. O Batel (Curitiba) é bem maior, tem muito mais opções de bares, restaurantes e compras e, portanto, acaba sendo o mais interessante para o turista. O miolo elitizado de BH (Savassi e Lourdes) tem prédios ótimos para se morar, mas o fervo é meio tranqüilo demais, com pouca coisa acontecendo na rua. Curitiba 2 pontos, Porto Alegre 1 ponto, BH 1 ponto.
3 O POVO Gente bonita e gente feia existem em todo lugar. Mas os mineiros saem na frente, porque são de longe os mais simpáticos, fofos e receptivos. A beleza dos gaúchos tem fama, mas muitos partidões vivem reclusos e dificilmente dão sopa por aí. O mesmo acontece com Curitiba, que fica na lanterninha por ter o povo mais fechado. Conhecidos que se mudaram para lá tiveram dificuldades para se entrosar, e o turista que chega querendo se jogar pode sentir falta de mais interação. Sua experiência será muito mais agradável se você já tiver amigos locais, que possam te inserir nas rodinhas (como aconteceu comigo). Curitiba 0 pontos, Porto Alegre 1 ponto, BH 2 pontos.
4 GASTRONOMIA Empate técnico entre Porto Alegre e Curitiba, que têm circuitos gastronômicos simplesmente fantásticos. Nas duas cidades, os comilões passam muito bem, sem jamais sentir falta dos bons restaurantes de SP. Os mineiros também valorizam a boa mesa e sua farta culinária típica é muito apreciada - mas, à primeira vista, a cena de Belo Horizonte não me pareceu tão rica e diversificada quanto a das capitais do Sul. Talvez essa impressão mude quando eu tiver oportunidade de explorar BH com mais calma. Curitiba 2 pontos, Porto Alegre 2 pontos, BH 1 ponto.
5 NOITE GAY Com a noite mais desenvolvida do Sul (considerando que em Floripa o fervo é sazonal), Curitiba tem a maior quantidade de endereços, com bom movimento de quinta a domingo. Mas BH vence pela qualidade: a Josefine é a melhor boate gay de fora do eixo Rio-SP e, na mesma quadra, o fofíssimo Café com Letras é o lugar mais gostoso para se fazer um "esquenta". Porto Alegre ocupa um desonroso último lugar: lugares como Ocidente, Refugiu's, Venezianos e Cine Theatro Ypiranga (apropriadamente chamado de "CTI") ajudam a explicar por que os gaúchos não saem da toca. Curitiba 1 ponto, Porto Alegre 0 pontos, BH 2 pontos.
EM SUMA... Se você quer comer bem, gosta de andar a pé e acha que parques podem ser tão encantadores quanto praias, escolha Curitiba. Se a ideia é curtir um fim de semana a dois, de preferência no inverno, com muita comida e pouca balada, visite Porto Alegre e estique até Gramado. Agora, se você está viajando sozinho, quer ferver, conhecer gente e fazer novos amigos, a melhor pedida é BH. Curitiba 6 pontos, Porto Alegre 5 pontos, BH 7 pontos.
[FOTOS: Bosque Alemão (Curitiba), Parque Farroupilha (Porto Alegre) e Museu de Arte da Pampulha (Belo Horizonte)]
terça-feira, 24 de novembro de 2009
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Consumo e felicidade*
Patrick Terrien, chef francês e diretor da escola de culinária Le Cordon Bleu, declarou à coluna "As últimas 10 coisas que comprei", do caderno Vitrine, da Folha, ter comprado champanhe, flores, foie gras, laranjas, cogumelos selvagens, água, jornal, pão, um CD e entradas para o cinema.
O que uma pessoa compra dá uma boa noção de como ela vive. No caso do chef, tudo o que ele comprou foi para o consumo em família, para presentear um amigo e sair com a mulher. Comprou coisas que não duram nem podem ser exibidas, mas podem tornar a relação entre as pessoas próximas a ele mais agradável e apetitosa.
A lista me surpreendeu, pois já havia notado que vários entrevistados da coluna falam de objetos que exibem seu poder aquisitivo, de modo a agregar valor a si próprios, digamos, convertendo-se em produtos. Tornar a si mesmo vendável é, para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, uma das tarefas mais importantes que as pessoas têm numa sociedade de consumo, além de conquistar a felicidade. Para ele, a felicidade é o principal objetivo da sociedade de consumo.
De fato, se estivéssemos na Grécia Antiga, nosso objetivo seria alcançar fama e glória. E, se vivêssemos na sociedade medieval, o fim de todo indivíduo seria cumprir a doutrina cristã para salvar sua alma. Mas, na sociedade de consumo, vivemos para sermos felizes por meio do que adquirimos. Paradoxalmente, por meio daquilo que descartamos.
A aquisição de mercadorias satisfaz nossos desejos e providencia nossa felicidade. Mas os desejos são inesgotáveis. Brotam de todo contato que temos com o que existe no mundo. Um dá lugar a outro, e satisfazê-los é tarefa impossível. Como as mercadorias são produzidas com a finalidade primeira de serem compradas, a sociedade de consumo precisa permanentemente provocar nossa insatisfação com o que temos e atiçar nosso desejo pelo que ainda não temos.
Toda propaganda de alguma mercadoria sugere, subliminarmente, que aquela que temos está ultrapassada e não pode nos oferecer o que a nova poderá. Não comprá-la é ficar em falta com nós mesmos e não pertencer ao círculo especial dos que já a adquiriram.
Enredados nesse moto contínuo de insatisfação/descarte/consumo, compreendemos a máxima da vida: sempre seremos felizes por pouco tempo. Toda suposta felicidade antecipa uma infelicidade. E, enquanto saltamos de uma infelicidade a outra, a almejada felicidade passa a ser um breve intervalo, sempre imperceptível.
A felicidade, substituída pela satisfação de desejos nunca aplacáveis, jamais é experimentada. O que nos resta é a ansiedade da felicidade. As compras do chef francês sugerem que ele se desvia dessa sedução consumista. Fruir, mais do que ter. E não apenas o sabor do foie gras ou dos cogumelos mas o prazer de repartir com amigos e familiares pequenos prazeres. Celebração e simplicidade.
[(*) Artigo escrito pela terapeuta existencial e professora de filosofia Dulce Critelli e publicado no caderno Equilíbrio do jornal Folha de S.Paulo, no dia 12. Gostei tanto que resolvi dividir com vocês]
O que uma pessoa compra dá uma boa noção de como ela vive. No caso do chef, tudo o que ele comprou foi para o consumo em família, para presentear um amigo e sair com a mulher. Comprou coisas que não duram nem podem ser exibidas, mas podem tornar a relação entre as pessoas próximas a ele mais agradável e apetitosa.
A lista me surpreendeu, pois já havia notado que vários entrevistados da coluna falam de objetos que exibem seu poder aquisitivo, de modo a agregar valor a si próprios, digamos, convertendo-se em produtos. Tornar a si mesmo vendável é, para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, uma das tarefas mais importantes que as pessoas têm numa sociedade de consumo, além de conquistar a felicidade. Para ele, a felicidade é o principal objetivo da sociedade de consumo.
De fato, se estivéssemos na Grécia Antiga, nosso objetivo seria alcançar fama e glória. E, se vivêssemos na sociedade medieval, o fim de todo indivíduo seria cumprir a doutrina cristã para salvar sua alma. Mas, na sociedade de consumo, vivemos para sermos felizes por meio do que adquirimos. Paradoxalmente, por meio daquilo que descartamos.
A aquisição de mercadorias satisfaz nossos desejos e providencia nossa felicidade. Mas os desejos são inesgotáveis. Brotam de todo contato que temos com o que existe no mundo. Um dá lugar a outro, e satisfazê-los é tarefa impossível. Como as mercadorias são produzidas com a finalidade primeira de serem compradas, a sociedade de consumo precisa permanentemente provocar nossa insatisfação com o que temos e atiçar nosso desejo pelo que ainda não temos.
Toda propaganda de alguma mercadoria sugere, subliminarmente, que aquela que temos está ultrapassada e não pode nos oferecer o que a nova poderá. Não comprá-la é ficar em falta com nós mesmos e não pertencer ao círculo especial dos que já a adquiriram.
Enredados nesse moto contínuo de insatisfação/descarte/consumo, compreendemos a máxima da vida: sempre seremos felizes por pouco tempo. Toda suposta felicidade antecipa uma infelicidade. E, enquanto saltamos de uma infelicidade a outra, a almejada felicidade passa a ser um breve intervalo, sempre imperceptível.
A felicidade, substituída pela satisfação de desejos nunca aplacáveis, jamais é experimentada. O que nos resta é a ansiedade da felicidade. As compras do chef francês sugerem que ele se desvia dessa sedução consumista. Fruir, mais do que ter. E não apenas o sabor do foie gras ou dos cogumelos mas o prazer de repartir com amigos e familiares pequenos prazeres. Celebração e simplicidade.
[(*) Artigo escrito pela terapeuta existencial e professora de filosofia Dulce Critelli e publicado no caderno Equilíbrio do jornal Folha de S.Paulo, no dia 12. Gostei tanto que resolvi dividir com vocês]
domingo, 15 de novembro de 2009
Elvis e Madona: bacana do começo ao fim
A solidariedade com o próximo não poupa nem mesmo nossos momentos de lazer. Quem de vocês já não foi ao teatro ver alguma peça bem ruinzinha, só para dar uma força a um amigo querido que estava no elenco? Ou não comprou uma brochura de poesias pra lá de toscas, dessas que são oferecidas na Avenida Paulista, para ajudar algum escritor maltrapilho a sobreviver de sua arte? Ou mesmo não encarou aquela festinha de aniversário erradíssima, porque uma boa amizade justifica até certos micos?
Algo parecido se dá em nosso meio em relação aos produtos culturais "GLS". Existe um senso comum de que devemos prestigiar todas as iniciativas feitas por, com ou para gays, como forma de apoiar "a causa" e fortalecer nossa classe tão preterida e desfavorecida, numa espécie de "corporativismo pink". Nesse sentido, comprar revistas e ver filmes vira um ato político, revestido de um propósito nobre. No caso dos filmes (e até mesmo das novelas), a simples presença de personagens homossexuais na trama já justificaria nosso interesse - afinal, somos tão varridos para baixo do tapete pela sociedade, que qualquer um que nos tire do ostracismo merece nossa gratidão.
De fato, para alcançar a inclusão social e a conquista de direitos tão sonhados, é preciso que os gays [escrevo 'gays' sempre em sentido amplo, incluindo GLBTTXYZ, ok?] se articulem, da mesma forma como fazem os evangélicos e tantos outros grupos da sociedade. Quando damos ibope aos tais produtos, mostramos que somos um mercado, temos anseios e queremos ser reconhecidos. Mas esse gesto tão louvável exige de nós uma certa dose de boa vontade. Para proteger quem nos estende a mão, acabamos diminuindo o nosso nível de exigência: não raro, somos obrigados a fazer vista grossa à inconsistência do enredo do filme, ou ao gritante amadorismo da revista. Enfim, consumimos produtos que certamente não passariam no nosso crivo, se não fosse pelo fato de terem um ingrediente gay.
Felizmente, desse cenário despontam algumas boas exceções. Produtos que não têm no tal ingrediente gay o seu único predicado, mas se amparam em outras qualidades, transcendendo guetos e se comunicando com um público maior. Um ótimo exemplo é o filme Elvis e Madona, de Marcelo Laffitte, uma das surpresas do Festival Mix Brasil deste ano. Elvis faz bicos entregando pizzas, enquanto não consegue ganhar dinheiro com a fotografia; Madona é cabelereira e luta para juntar dinheiro e produzir seu espetáculo musical. Do encontro desses dois caminhos, surgirá uma amizade, que aos poucos se transformará em algo mais forte. É mais uma história de amor, mas foge do lugar-comum por várias razões - a começar pelo fato de que Elvis é uma menina lésbica e Madona, uma travesti.
A história, que se passa no bairro carioca de Copacabana, tem ritmo e agilidade. O amor entre as personagens, além de nada óbvio, não vem de mão beijada, atravessando alguns conflitos e momentos de suspense, com direito a uma reviravolta no final. Madona é vivida pelo ator Igor Cotrim, que desbancou travestis de verdade nos testes para o papel. O moço deve ter feito um laboratório poderoso, pois conseguiu assimilar não só o vocabulário, mas também a atitude e o jogo de cintura dessas pessoas, que tentam extravasar em seus corpos de homem a feminilidade que carregam dentro de si. Para criar a personagem, foi inevitável a construção de uma caricatura, mas ao longo do filme Igor soube encontrar seu equilíbrio, defendendo o papel com honestidade e respeito, sem deixar o humor de lado.
Elvis e Madona é um filme simpático e nada pretensioso. O elenco conta com a participação de alguns atores globais consagrados, mas sempre em papéis secundários. Além disso, é palatável a vários tipos de público, conseguindo subverter com delicadeza os conceitos de normalidade impostos socialmente. Depois de enfrentar várias batalhas (incluindo a captação de patrocínio, que chegou a interromper as filmagens, por falta de verba), o longa ainda luta para encontrar uma distribuidora. Quem se animar com o vídeo abaixo e não quiser esperar pela estreia, ainda incerta, tem mais uma chance de conferir o filme no Mix: no próximo sábado (21/11), às 15h30 no Cinesesc.
Algo parecido se dá em nosso meio em relação aos produtos culturais "GLS". Existe um senso comum de que devemos prestigiar todas as iniciativas feitas por, com ou para gays, como forma de apoiar "a causa" e fortalecer nossa classe tão preterida e desfavorecida, numa espécie de "corporativismo pink". Nesse sentido, comprar revistas e ver filmes vira um ato político, revestido de um propósito nobre. No caso dos filmes (e até mesmo das novelas), a simples presença de personagens homossexuais na trama já justificaria nosso interesse - afinal, somos tão varridos para baixo do tapete pela sociedade, que qualquer um que nos tire do ostracismo merece nossa gratidão.
De fato, para alcançar a inclusão social e a conquista de direitos tão sonhados, é preciso que os gays [escrevo 'gays' sempre em sentido amplo, incluindo GLBTTXYZ, ok?] se articulem, da mesma forma como fazem os evangélicos e tantos outros grupos da sociedade. Quando damos ibope aos tais produtos, mostramos que somos um mercado, temos anseios e queremos ser reconhecidos. Mas esse gesto tão louvável exige de nós uma certa dose de boa vontade. Para proteger quem nos estende a mão, acabamos diminuindo o nosso nível de exigência: não raro, somos obrigados a fazer vista grossa à inconsistência do enredo do filme, ou ao gritante amadorismo da revista. Enfim, consumimos produtos que certamente não passariam no nosso crivo, se não fosse pelo fato de terem um ingrediente gay.
Felizmente, desse cenário despontam algumas boas exceções. Produtos que não têm no tal ingrediente gay o seu único predicado, mas se amparam em outras qualidades, transcendendo guetos e se comunicando com um público maior. Um ótimo exemplo é o filme Elvis e Madona, de Marcelo Laffitte, uma das surpresas do Festival Mix Brasil deste ano. Elvis faz bicos entregando pizzas, enquanto não consegue ganhar dinheiro com a fotografia; Madona é cabelereira e luta para juntar dinheiro e produzir seu espetáculo musical. Do encontro desses dois caminhos, surgirá uma amizade, que aos poucos se transformará em algo mais forte. É mais uma história de amor, mas foge do lugar-comum por várias razões - a começar pelo fato de que Elvis é uma menina lésbica e Madona, uma travesti.
A história, que se passa no bairro carioca de Copacabana, tem ritmo e agilidade. O amor entre as personagens, além de nada óbvio, não vem de mão beijada, atravessando alguns conflitos e momentos de suspense, com direito a uma reviravolta no final. Madona é vivida pelo ator Igor Cotrim, que desbancou travestis de verdade nos testes para o papel. O moço deve ter feito um laboratório poderoso, pois conseguiu assimilar não só o vocabulário, mas também a atitude e o jogo de cintura dessas pessoas, que tentam extravasar em seus corpos de homem a feminilidade que carregam dentro de si. Para criar a personagem, foi inevitável a construção de uma caricatura, mas ao longo do filme Igor soube encontrar seu equilíbrio, defendendo o papel com honestidade e respeito, sem deixar o humor de lado.
Elvis e Madona é um filme simpático e nada pretensioso. O elenco conta com a participação de alguns atores globais consagrados, mas sempre em papéis secundários. Além disso, é palatável a vários tipos de público, conseguindo subverter com delicadeza os conceitos de normalidade impostos socialmente. Depois de enfrentar várias batalhas (incluindo a captação de patrocínio, que chegou a interromper as filmagens, por falta de verba), o longa ainda luta para encontrar uma distribuidora. Quem se animar com o vídeo abaixo e não quiser esperar pela estreia, ainda incerta, tem mais uma chance de conferir o filme no Mix: no próximo sábado (21/11), às 15h30 no Cinesesc.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Porto Alegre te despreza
Não poderia ter sido outro o título do post. Depois daquela traumática experiência de junho de 2008 (quando fui passar um inofensivo fim-de-semana em Porto Alegre e fiquei quatro dias trancado em casa, enquanto a cidade era varrida por uma tempestade e o aeroporto permanecia fechado), peguei um bode de lá. Resolvi dar uma segunda chance à capital gaúcha em uma época "segura", quando o tempo estivesse quente e ensolarado e eu poderia finalmente conhecer o tão falado sunset do Guaíba. Aproveitei o feirão da Gol em setembro e comprei passagens para voltar a Porto no último fim-de-semana. Qual não foi minha surpresa ao ver que, em plena primavera, a previsão era de chuva nonstop... meu pesadelo gaúcho se repetiria nos mínimos detalhes!
Até pensei em cancelar a viagem (colegas blogayros sugeriram que eu fosse para o Rio ou até BH, onde o finde de sol estava garantido), mas a saudade dos amigos gaúchos e a preguiça de passar pelo procedimento de reembolso da Gol falaram mais alto. Diante do mau tempo, fui checar o circuito cultural do Centro - a Feira do Livro e a Bienal do Mercosul ocupavam os principais espaços culturais da cidade. Visitei o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS, em cujo café comi uma cheesecake de chocolate maravilhooosa, fica a dica!), o Santander Cultural (lindo prédio), o Cais do Porto (meio chocho) e a famosa Casa de Cultura Mário Quintana (que deve ter vivido dias melhores, pois parecia meio abandonada; aliás, o café na cobertura tinha potencial para ser um lugar realmente bafônico, se sofresse uma repaginação bem planejada).
Não foi como eu havia imaginado, mas consegui ocupar o tempo sem ficar maldizendo a minha sina - e ainda tive um fim de tarde delicioso com um guri que conheci por ali. À noite, depois de jantar com meu atencioso anfitrião, segui a dica dele e fui conferir a festa Biônica, num clubinho da Cidade Baixa. Ótima surpresa: som bem legal, transitando entre house, breaks e electro (da dupla de DJs, só se viam as silhuetas contra o telão: eles tocavam no escuro, com umas perucas espetadas e uns óculos-lanterna acesos, tipo um "Information Society from hell, with lasers"), pista animada e cheia de gatitos, embalada por um ar condicionado polar (que compensou o calorão pegajoso do Ocidente na véspera). Mesmo com a chuva, fechei o sábado no lucro.
Para minha sorte, a cidade se redimiu no domingo e me presenteou com um lindo dia de sol. Primeiro, fui conhecer o Parcão, onde os chiques do bairro Moinhos de Vento vão para ficar com o cooper feito. Depois, segui para o miolinho da Padre Chagas (uma mistura do Batel de Curitiba com o Palermo Soho de Buenos Aires; o Z Café lembra muito o Bar 6 portenho). Na transversal Dinarte Ribeiro, vi vários restaurantes novos - seis deles bolaram uma iniciativa que permite ao cliente escolher pratos de uma casa e comer em qualquer das outras cinco. Não resisti e voltei ao Usina de Massas (que não participa da brincadeira), para matar a saudade do mítico nhoque com molho de carne de panela cremoso. Fiquei furta-cor com os novos preços: pela porção individual da massa e uma garrafinha de água, paguei R$67! Só valeu a pena porque esse prato é mesmo dos deuses.
Depois do êxtase gastronômico, fiz o programa clássico dos gaúchos: fui tomar sol (dispensei o chimarrão) vendo o movimento no Parque Farroupilha (ou Redenção), bem mais democrático e agitado que o Parcão. Amigos contavam que uma passada no Brique da Redenção, espécie de feirinha de artesanato que rola por lá, era programa obrigatório das bees locais, mas até que não vi tantas. Mesmo assim, foi bem interessante ver o vaivém da fauna local, com direito a famílias felizes, grupos de loiras legítimas, emos com looks de baixo custo e alguns homens de babar. De lá, fui correndo para o Gasômetro - se eu finalmente conseguisse ver o bendito pôr-do-sol, minha estada seria completa. Infelizmente, tive que ir para o aeroporto antes que o sol se pusesse, mas tudo bem: deixei Porto Alegre satisfeito e resolvi que vou ver o tal "espetáculo" pelo YouTube mesmo...
[Foto: Parque Moinhos de Vento com o chão coberto pelas pétalas dos ipês coloridos]
Até pensei em cancelar a viagem (colegas blogayros sugeriram que eu fosse para o Rio ou até BH, onde o finde de sol estava garantido), mas a saudade dos amigos gaúchos e a preguiça de passar pelo procedimento de reembolso da Gol falaram mais alto. Diante do mau tempo, fui checar o circuito cultural do Centro - a Feira do Livro e a Bienal do Mercosul ocupavam os principais espaços culturais da cidade. Visitei o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS, em cujo café comi uma cheesecake de chocolate maravilhooosa, fica a dica!), o Santander Cultural (lindo prédio), o Cais do Porto (meio chocho) e a famosa Casa de Cultura Mário Quintana (que deve ter vivido dias melhores, pois parecia meio abandonada; aliás, o café na cobertura tinha potencial para ser um lugar realmente bafônico, se sofresse uma repaginação bem planejada).
Não foi como eu havia imaginado, mas consegui ocupar o tempo sem ficar maldizendo a minha sina - e ainda tive um fim de tarde delicioso com um guri que conheci por ali. À noite, depois de jantar com meu atencioso anfitrião, segui a dica dele e fui conferir a festa Biônica, num clubinho da Cidade Baixa. Ótima surpresa: som bem legal, transitando entre house, breaks e electro (da dupla de DJs, só se viam as silhuetas contra o telão: eles tocavam no escuro, com umas perucas espetadas e uns óculos-lanterna acesos, tipo um "Information Society from hell, with lasers"), pista animada e cheia de gatitos, embalada por um ar condicionado polar (que compensou o calorão pegajoso do Ocidente na véspera). Mesmo com a chuva, fechei o sábado no lucro.
Para minha sorte, a cidade se redimiu no domingo e me presenteou com um lindo dia de sol. Primeiro, fui conhecer o Parcão, onde os chiques do bairro Moinhos de Vento vão para ficar com o cooper feito. Depois, segui para o miolinho da Padre Chagas (uma mistura do Batel de Curitiba com o Palermo Soho de Buenos Aires; o Z Café lembra muito o Bar 6 portenho). Na transversal Dinarte Ribeiro, vi vários restaurantes novos - seis deles bolaram uma iniciativa que permite ao cliente escolher pratos de uma casa e comer em qualquer das outras cinco. Não resisti e voltei ao Usina de Massas (que não participa da brincadeira), para matar a saudade do mítico nhoque com molho de carne de panela cremoso. Fiquei furta-cor com os novos preços: pela porção individual da massa e uma garrafinha de água, paguei R$67! Só valeu a pena porque esse prato é mesmo dos deuses.
Depois do êxtase gastronômico, fiz o programa clássico dos gaúchos: fui tomar sol (dispensei o chimarrão) vendo o movimento no Parque Farroupilha (ou Redenção), bem mais democrático e agitado que o Parcão. Amigos contavam que uma passada no Brique da Redenção, espécie de feirinha de artesanato que rola por lá, era programa obrigatório das bees locais, mas até que não vi tantas. Mesmo assim, foi bem interessante ver o vaivém da fauna local, com direito a famílias felizes, grupos de loiras legítimas, emos com looks de baixo custo e alguns homens de babar. De lá, fui correndo para o Gasômetro - se eu finalmente conseguisse ver o bendito pôr-do-sol, minha estada seria completa. Infelizmente, tive que ir para o aeroporto antes que o sol se pusesse, mas tudo bem: deixei Porto Alegre satisfeito e resolvi que vou ver o tal "espetáculo" pelo YouTube mesmo...
[Foto: Parque Moinhos de Vento com o chão coberto pelas pétalas dos ipês coloridos]
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Ensaio sobre a cegueira
(Eu ia falar do blecaute de ontem em um post cheio de personagens, na linha deste e deste que fiz na época da Parada Gay de 2008, mas o Celso acabou fazendo primeiro, então desisti da ideia). Querem saber? O apagão pode ter causado diversos transtornos em pelo menos sete Estados (diz que os cariocas nunca foram ensinados a dormir sem ar condicionado), mas eu me diverti bastante.
Quando as luzes se apagaram, eu estava no meio de uma aula-seminário desgastante, com alunos e professora trocando farpas; num passe de mágica, o blecaute desfez o climão imediatamente. Nos corredores do prédio, meninas davam gritinhos, e imagino que alguns casais mais espertos aproveitaram para engrenar um gato-mia erótico de ocasião. Afinal, um blecaute pode encerrar em si uma grande tensão sexual, especialmente em um prédio cheio de cantinhos e gente de várias orientações sexuais com os hormônios à flor da pele.
Na Paulista, estranhamente, senti um clima de inquietação e euforia (?) parecido com a semana do Natal (só que sem as luzes). Claro que alguns deveriam estar cansados e preocupados com a volta para casa, mas outros tantos aproveitaram a contingência para reunir a galera, beber e comemorar (!). Trezentos mil celulares faziam ligações incessantemente, e o inusitado entusiasmo só crescia quando se descobria que o mesmo apagão estava acontecendo no Rio, em Vitória, Minas e até no Centro-Oeste. "Nossa, que irado, é no Brasil inteiro, véi!", exclamou um rapaz de boné.
Desisti de ir para casa e tomei o rumo do Conjunto Nacional, atrás de um lanche. Por uma casualidade do destino, descobri que dois dos meus melhores amigos também estavam perdidos pela Paulista. Nós nos abraçamos felizes com a coincidência, e achamos graça de tudo aquilo, como três adolescentes. Difícil foi achar um lugar que nos recebesse para comer e beber, ou mesmo que vendesse algo para consumirmos na rua: temendo confusões e assaltos, os estabelecimentos só serviam quem já estava lá dentro. Aliás, um desses meus amigos estava prestes a entrar na 269 quando a luz acabou, e foi barrado; se tivesse chegado cinco minutos antes, sua noite teria sido no mínimo engraçada.
Depois de uma romaria danada, acabamos num boteco bem pé-sujo, onde churrasquinhos eram as opções mais dignas disponíveis. Comemos, bebemos e rimos muito, enquanto víamos o movimento e apreciávamos o clima de festa ao nosso redor. A escuridão nos instigava: o papo na mesa girava em torno dos temas e causos mais baixos, sórdidos e absurdos possíveis, enquanto imaginávamos o que não estaria acontecendo em certos lugares e regiões - no calor das elucubrações, houve até quem sugerisse uma expedição trash pelo Centrão ou pelo Autorama. Mas o fogo-de-palha acabou logo, e os três amigos por fim se separaram. Eu pelo menos voltei bonitinho para casa...
Quando as luzes se apagaram, eu estava no meio de uma aula-seminário desgastante, com alunos e professora trocando farpas; num passe de mágica, o blecaute desfez o climão imediatamente. Nos corredores do prédio, meninas davam gritinhos, e imagino que alguns casais mais espertos aproveitaram para engrenar um gato-mia erótico de ocasião. Afinal, um blecaute pode encerrar em si uma grande tensão sexual, especialmente em um prédio cheio de cantinhos e gente de várias orientações sexuais com os hormônios à flor da pele.
Na Paulista, estranhamente, senti um clima de inquietação e euforia (?) parecido com a semana do Natal (só que sem as luzes). Claro que alguns deveriam estar cansados e preocupados com a volta para casa, mas outros tantos aproveitaram a contingência para reunir a galera, beber e comemorar (!). Trezentos mil celulares faziam ligações incessantemente, e o inusitado entusiasmo só crescia quando se descobria que o mesmo apagão estava acontecendo no Rio, em Vitória, Minas e até no Centro-Oeste. "Nossa, que irado, é no Brasil inteiro, véi!", exclamou um rapaz de boné.
Desisti de ir para casa e tomei o rumo do Conjunto Nacional, atrás de um lanche. Por uma casualidade do destino, descobri que dois dos meus melhores amigos também estavam perdidos pela Paulista. Nós nos abraçamos felizes com a coincidência, e achamos graça de tudo aquilo, como três adolescentes. Difícil foi achar um lugar que nos recebesse para comer e beber, ou mesmo que vendesse algo para consumirmos na rua: temendo confusões e assaltos, os estabelecimentos só serviam quem já estava lá dentro. Aliás, um desses meus amigos estava prestes a entrar na 269 quando a luz acabou, e foi barrado; se tivesse chegado cinco minutos antes, sua noite teria sido no mínimo engraçada.
Depois de uma romaria danada, acabamos num boteco bem pé-sujo, onde churrasquinhos eram as opções mais dignas disponíveis. Comemos, bebemos e rimos muito, enquanto víamos o movimento e apreciávamos o clima de festa ao nosso redor. A escuridão nos instigava: o papo na mesa girava em torno dos temas e causos mais baixos, sórdidos e absurdos possíveis, enquanto imaginávamos o que não estaria acontecendo em certos lugares e regiões - no calor das elucubrações, houve até quem sugerisse uma expedição trash pelo Centrão ou pelo Autorama. Mas o fogo-de-palha acabou logo, e os três amigos por fim se separaram. Eu pelo menos voltei bonitinho para casa...
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
72 horas em Natal
EM FASE DE CRESCIMENTO
Pequena, limpa e segura (especialmente em comparação com Salvador e Recife), Natal ainda é pouco verticalizada e não tem cara de metrópole, mas de "cidade de praia". Tem apenas 800 mil habitantes e vive do turismo - que chega ao auge em dezembro, com o Carnatal, maior micareta do país. Deve crescer bastante nos próximos anos, com um incipiente boom imobiliário e investimentos para a Copa de 2014, que incluem a construção do maior aeroporto da América Latina. O sol nasce e se põe cedo: às 6h, já dá para ir à praia, e pouco depois das 17h já está completamente escuro e a lua brilha no céu (!). Como a cidade é espalhada e cortada por grandes avenidas, o turista precisa de carro o tempo todo - especialmente se ficar hospedado na Via Costeira, que alinha os hotéis mais novos e de maior porte.
AL MARE
Ponta Negra é a praia urbana mais famosa de Natal. No canto direito (emoldurado pelo Morro do Careca), existe um centrinho urbano meio bagaceiro, que lembra o Porto da Barra, em Salvador; ali, a presença gringa é constante. No canto esquerdo, a orla é menos muvucada e mais residencial; a moçada fica na altura dos quiosques 20 e 21, em frente ao Manary (hotel charmoso e friendly, com um ótimo restaurante). Ponta Negra é essencialmente uma praia de turistas: o natalense (que é bem menos praieiro do que os nordestinos de outros Estados) prefere ir para Redinha, na zona norte, ou para Cotovelo, Pirangi e Búzios, que ficam fora de Natal, no caminho para Pipa.
HAPPY PIPA
Aliás, uma esticada até Pipa, vila charmosinha uns 80km ao sul de Natal, vale muito a pena. A praia do centro é meio farofa: o belo visual é poluído por uma profusão de mesas e cadeiras de plástico, ocupadas por famílias em pacotes turísticos. Prefira a Praia do Amor, à direita (dá para ir andando, se a maré não estiver cheia): mais rústica, com espreguiçadeiras, reúne o povo jovem e bonito do pedaço. Para quem quiser ficar em Pipa (e estiver com o orçamento folgado), duas dicas top são a pousada Toca da Coruja e o restaurante Camamo, nova casa do chef do fantástico Beijupirá, de Porto de Galinhas. Se, por outro lado, você preferir relaxar em uma praia realmente low profile, troque Pipa por Galinhos, 150km ao norte de Natal.
BUGUE-WOOGIE
O passeio mais típico é feito a bordo de um bugue e toma um dia quase inteiro. O circuito começa nas lindas dunas de Genipabu (onde os mais empolgados fazem passeios de dromedário, com direito a turbante na cabeça e foto-recordação). O toque de aventura fica por conta do bugueiro, que sobe e desce as dunas em alta velocidade, fazendo manobras bruscas, especialmente se o turista pediu o passeio "com emoção". Nas próximas paradas, mais esportes radicais: esquibunda (descer uma longa duna sentado em uma prancha, caindo na água) e aerobunda (aqui, você despenca na água a partir de um teleférico improvisado). Antes de voltar para Natal, escala para almoço num desses restaurantes industriais para o turismo de massa. A real: as dunas são lindas e os 'esportes' são divertidos, mas... o que na primeira vez é novidade, numa segunda já se tornaria um programa de índio.
ENCHENDO O BUCHO
Tive excelentes surpresas no capítulo gastronomia: restaurantes grandes, vistosos e com preços camaradas, transitando entre o regional e o internacional. O que mais me impressionou foi o Camarões Potiguar, tão bom que visitei duas vezes (em apenas três dias de estada). Os pratos de camarão custam R$55 e servem duas pessoas; entre tantas opções, o Creme Shiitake e o Fondue são imperdíveis. Outro que não pode ficar de fora é o Mangai, um bufê regional gigantesco, divino, que coloca o Parraxaxá de Recife no chinelo. A carne de sol com natas é deliciosa, e a mesa de doces é uma afronta. Na churrascaria Tábua de Carne, você come um macio filé mignon de sol com acompanhamentos típicos e ganha de brinde uma bela vista panorâmica. Para algo menos típico, duas pedidas são o badalado Temaki Lounge, que investe nos sushis com toques fusion, e o versátil Guinza, que serve culinária japonesa e internacional. Os sucos do Mangaboo e os doces da Daguia Tortas Finas estão entre os melhores da cidade.
PUSSYCAT FORRÓ
Sabe qual é a música típica de Natal? Beyoncé, Pussycat Dolls... em versões forró, é claro. O hit da hora é uma versão de "Angel", do Jon Secada, que toca a cada cinco minutos; acho que cheguei a ouvir "Halo" (Beyoncé) com duas letras diferentes. Na balada, saem os DJs e entram as bandas: são elas as atrações das casas mais concorridas da cidade, como o Decky e o Sargent Pepper's (que tem programação na linha pop-rock e é tido como um dos melhores "esquentas" de Natal). Mesmo na principal boate gay, Vogue Natal, a pista de tribal-bate-cabelo (mal equalizado, distorcido, de agredir os ouvidos) é menos animada do que o ambiente com música ao vivo. A Vogue divide as bees com o Feitiço, outro espaço para shows dominado pelo público GLS. O único endereço que aparentemente tinha uma proposta mais eletrônica, o incrementado Crystal Club, acabou fechando as portas. O jeito é aprender a cantar "Halo" em português.
O LADO RUIM
Como nem tudo são flores, quem quiser se engraçar com os nativos precisa de muita paciência. Se em todo o Nordeste a cultura machista/ patriarcal deixa os gays acuados, em Natal o problema se agrava, porque todo mundo se conhece e morre de medo de se expor. Caçar pelo Disponível ou Manhunt? Choverão mensagens (sempre te chamando de "brother"!), mas 99,9% dos perfis mostram só o pipi e o popô - e marcar encontro com uma mula-sem-cabeça local pode gerar grandes sustos. Na balada, não é menos complicado: os caras te olham por horas, mas nunca tomam uma atitude; você faz a abordagem, o cara fica sem jeito e, meia hora de papo depois, você vê que a coisa não deslancha nunca. Isso se algum conhecido seu não vier te cumprimentar e o cara praticamente sair correndo, branco como papel, porque você conhecia alguém ali. Ou você fica com algum outro turista, ou faz a linha marginal e cai no perigón da pegação noturna de Ponta Negra, ou se contenta em provar os sabores da culinária.
[FOTOS: Morro do Careca, em Ponta Negra, símbolo de Natal; Praia do Amor, em Pipa]
Pequena, limpa e segura (especialmente em comparação com Salvador e Recife), Natal ainda é pouco verticalizada e não tem cara de metrópole, mas de "cidade de praia". Tem apenas 800 mil habitantes e vive do turismo - que chega ao auge em dezembro, com o Carnatal, maior micareta do país. Deve crescer bastante nos próximos anos, com um incipiente boom imobiliário e investimentos para a Copa de 2014, que incluem a construção do maior aeroporto da América Latina. O sol nasce e se põe cedo: às 6h, já dá para ir à praia, e pouco depois das 17h já está completamente escuro e a lua brilha no céu (!). Como a cidade é espalhada e cortada por grandes avenidas, o turista precisa de carro o tempo todo - especialmente se ficar hospedado na Via Costeira, que alinha os hotéis mais novos e de maior porte.
AL MARE
Ponta Negra é a praia urbana mais famosa de Natal. No canto direito (emoldurado pelo Morro do Careca), existe um centrinho urbano meio bagaceiro, que lembra o Porto da Barra, em Salvador; ali, a presença gringa é constante. No canto esquerdo, a orla é menos muvucada e mais residencial; a moçada fica na altura dos quiosques 20 e 21, em frente ao Manary (hotel charmoso e friendly, com um ótimo restaurante). Ponta Negra é essencialmente uma praia de turistas: o natalense (que é bem menos praieiro do que os nordestinos de outros Estados) prefere ir para Redinha, na zona norte, ou para Cotovelo, Pirangi e Búzios, que ficam fora de Natal, no caminho para Pipa.
HAPPY PIPA
Aliás, uma esticada até Pipa, vila charmosinha uns 80km ao sul de Natal, vale muito a pena. A praia do centro é meio farofa: o belo visual é poluído por uma profusão de mesas e cadeiras de plástico, ocupadas por famílias em pacotes turísticos. Prefira a Praia do Amor, à direita (dá para ir andando, se a maré não estiver cheia): mais rústica, com espreguiçadeiras, reúne o povo jovem e bonito do pedaço. Para quem quiser ficar em Pipa (e estiver com o orçamento folgado), duas dicas top são a pousada Toca da Coruja e o restaurante Camamo, nova casa do chef do fantástico Beijupirá, de Porto de Galinhas. Se, por outro lado, você preferir relaxar em uma praia realmente low profile, troque Pipa por Galinhos, 150km ao norte de Natal.
BUGUE-WOOGIE
O passeio mais típico é feito a bordo de um bugue e toma um dia quase inteiro. O circuito começa nas lindas dunas de Genipabu (onde os mais empolgados fazem passeios de dromedário, com direito a turbante na cabeça e foto-recordação). O toque de aventura fica por conta do bugueiro, que sobe e desce as dunas em alta velocidade, fazendo manobras bruscas, especialmente se o turista pediu o passeio "com emoção". Nas próximas paradas, mais esportes radicais: esquibunda (descer uma longa duna sentado em uma prancha, caindo na água) e aerobunda (aqui, você despenca na água a partir de um teleférico improvisado). Antes de voltar para Natal, escala para almoço num desses restaurantes industriais para o turismo de massa. A real: as dunas são lindas e os 'esportes' são divertidos, mas... o que na primeira vez é novidade, numa segunda já se tornaria um programa de índio.
ENCHENDO O BUCHO
Tive excelentes surpresas no capítulo gastronomia: restaurantes grandes, vistosos e com preços camaradas, transitando entre o regional e o internacional. O que mais me impressionou foi o Camarões Potiguar, tão bom que visitei duas vezes (em apenas três dias de estada). Os pratos de camarão custam R$55 e servem duas pessoas; entre tantas opções, o Creme Shiitake e o Fondue são imperdíveis. Outro que não pode ficar de fora é o Mangai, um bufê regional gigantesco, divino, que coloca o Parraxaxá de Recife no chinelo. A carne de sol com natas é deliciosa, e a mesa de doces é uma afronta. Na churrascaria Tábua de Carne, você come um macio filé mignon de sol com acompanhamentos típicos e ganha de brinde uma bela vista panorâmica. Para algo menos típico, duas pedidas são o badalado Temaki Lounge, que investe nos sushis com toques fusion, e o versátil Guinza, que serve culinária japonesa e internacional. Os sucos do Mangaboo e os doces da Daguia Tortas Finas estão entre os melhores da cidade.
PUSSYCAT FORRÓ
Sabe qual é a música típica de Natal? Beyoncé, Pussycat Dolls... em versões forró, é claro. O hit da hora é uma versão de "Angel", do Jon Secada, que toca a cada cinco minutos; acho que cheguei a ouvir "Halo" (Beyoncé) com duas letras diferentes. Na balada, saem os DJs e entram as bandas: são elas as atrações das casas mais concorridas da cidade, como o Decky e o Sargent Pepper's (que tem programação na linha pop-rock e é tido como um dos melhores "esquentas" de Natal). Mesmo na principal boate gay, Vogue Natal, a pista de tribal-bate-cabelo (mal equalizado, distorcido, de agredir os ouvidos) é menos animada do que o ambiente com música ao vivo. A Vogue divide as bees com o Feitiço, outro espaço para shows dominado pelo público GLS. O único endereço que aparentemente tinha uma proposta mais eletrônica, o incrementado Crystal Club, acabou fechando as portas. O jeito é aprender a cantar "Halo" em português.
O LADO RUIM
Como nem tudo são flores, quem quiser se engraçar com os nativos precisa de muita paciência. Se em todo o Nordeste a cultura machista/ patriarcal deixa os gays acuados, em Natal o problema se agrava, porque todo mundo se conhece e morre de medo de se expor. Caçar pelo Disponível ou Manhunt? Choverão mensagens (sempre te chamando de "brother"!), mas 99,9% dos perfis mostram só o pipi e o popô - e marcar encontro com uma mula-sem-cabeça local pode gerar grandes sustos. Na balada, não é menos complicado: os caras te olham por horas, mas nunca tomam uma atitude; você faz a abordagem, o cara fica sem jeito e, meia hora de papo depois, você vê que a coisa não deslancha nunca. Isso se algum conhecido seu não vier te cumprimentar e o cara praticamente sair correndo, branco como papel, porque você conhecia alguém ali. Ou você fica com algum outro turista, ou faz a linha marginal e cai no perigón da pegação noturna de Ponta Negra, ou se contenta em provar os sabores da culinária.
[FOTOS: Morro do Careca, em Ponta Negra, símbolo de Natal; Praia do Amor, em Pipa]
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Do Começo Ao Fim: para sonhar sem pensar
Hoje fui convidado para uma sessão fechada do filme Do Começo Ao Fim, junto com outros blogueiros e jornalistas [para conhecer a história, confira o trailer aqui]. O longa de Aluizio Abranches vem ao mundo carregando um grande peso nas costas. O público gay ficou em polvorosa desde o vazamento precoce do vídeo promocional (que foi acessado por mais de 700 pessoas em apenas duas horas) e passou a depositar nele expectativas bastante altas. Além disso, o assunto central - a relação de dois irmãos que crescem juntos e descobrem que se amam - é polêmico e merece um tratamento cuidadoso.
Para dar conta do recado, o diretor optou por um caminho fácil: focou seu olhar exclusivamente no romance entre os rapazes, isolando-os do mundo ao seu redor. Após um olhar carinhoso sobre a infância de Francisco e Tomás, a narrativa sofre um abrupto corte de 15 anos, os dois protagonistas subitamente percebem o que sentem um pelo outro, e a partir de então passam a viver numa bolha de amor. Nessa fantasia, não há espaço para dilemas ou conflitos: a relação é, no mínimo, improvável, mas não enfrenta nenhum tipo de hostilidade ou obstáculo. O fato de os dois serem irmãos parece ficar em segundo plano e não ter grande importância.
Do Começo ao Fim tem muitos predicados. É superdelicado, tem belos cenários, fotografia e trilha sonora caprichadas. Julia Lemmertz (cada vez mais bonita) está impecável como a mãe dos rapazes. Amorosa e sensível, ela nem precisa de texto para expressar sua ternura - bastam-lhe os olhos e o sorriso. A love story é contada com doçura e intensidade: a declaração de amor (picotada no trailer) que Francisco faz para Tomás é tão bonita que dá para escrever e pendurar na parede; a seqüência dos dois dançando tango nus, embora curta, é marcante. O novato João Gabriel Vasconcellos se saiu muito bem como o irmão mais velho, Francisco, e parece ter um futuro promissor como galã.
Por outro lado, alguns diálogos são sofríveis (sobretudo os da "fase infantil", que soam completamente artificiais) e, se você não for do tipo sonhador, que se deixa levar pela fantasia, talvez comece a apontar vários furos e inverossimilhanças, aqui e ali. Por sorte, sou um romântico incorrigível e meu lado menininha falou mais alto. Como uma parte de mim sempre quis ser o "filhote", sempre procurou um homem um pouco mais velho que cuidasse de mim, me desse carinho e me protegesse, eu me identifiquei com a fantasia proposta e consegui me render à delicadeza da história, deixando o senso crítico de lado. Mesmo assim, senti falta de um fecho à altura: achei que o filme terminou "meio de qualquer jeito".
Para quem simpatiza com histórias água-com-açúcar, Do Começo ao Fim certamente vale o ingresso. Pela forma limpa de mostrar o desabrochar da sexualidade, o filme será uma referência positiva para adolescentes gays, que ainda estão se descobrindo (assim como o fundamental De Repente Califórnia). Às vezes, tudo o que precisamos é de um pouco de fantasia: muitos gays encherão os olhos com a beleza dos atores, e se permitirão sonhar com Francisco e Tomás. Mas não sei se o filme conseguirá convencer um público mais amplo. Não por ter incluído os temas homossexualidade e incesto, mas por ter dado a eles um desdobramento raso, desperdiçando a chance de ser um filme muito maior. No fim das contas, passado o encanto inicial, fica a sensação de que o diretor poderia ter ido mais longe.
Para dar conta do recado, o diretor optou por um caminho fácil: focou seu olhar exclusivamente no romance entre os rapazes, isolando-os do mundo ao seu redor. Após um olhar carinhoso sobre a infância de Francisco e Tomás, a narrativa sofre um abrupto corte de 15 anos, os dois protagonistas subitamente percebem o que sentem um pelo outro, e a partir de então passam a viver numa bolha de amor. Nessa fantasia, não há espaço para dilemas ou conflitos: a relação é, no mínimo, improvável, mas não enfrenta nenhum tipo de hostilidade ou obstáculo. O fato de os dois serem irmãos parece ficar em segundo plano e não ter grande importância.
Do Começo ao Fim tem muitos predicados. É superdelicado, tem belos cenários, fotografia e trilha sonora caprichadas. Julia Lemmertz (cada vez mais bonita) está impecável como a mãe dos rapazes. Amorosa e sensível, ela nem precisa de texto para expressar sua ternura - bastam-lhe os olhos e o sorriso. A love story é contada com doçura e intensidade: a declaração de amor (picotada no trailer) que Francisco faz para Tomás é tão bonita que dá para escrever e pendurar na parede; a seqüência dos dois dançando tango nus, embora curta, é marcante. O novato João Gabriel Vasconcellos se saiu muito bem como o irmão mais velho, Francisco, e parece ter um futuro promissor como galã.
Por outro lado, alguns diálogos são sofríveis (sobretudo os da "fase infantil", que soam completamente artificiais) e, se você não for do tipo sonhador, que se deixa levar pela fantasia, talvez comece a apontar vários furos e inverossimilhanças, aqui e ali. Por sorte, sou um romântico incorrigível e meu lado menininha falou mais alto. Como uma parte de mim sempre quis ser o "filhote", sempre procurou um homem um pouco mais velho que cuidasse de mim, me desse carinho e me protegesse, eu me identifiquei com a fantasia proposta e consegui me render à delicadeza da história, deixando o senso crítico de lado. Mesmo assim, senti falta de um fecho à altura: achei que o filme terminou "meio de qualquer jeito".
Para quem simpatiza com histórias água-com-açúcar, Do Começo ao Fim certamente vale o ingresso. Pela forma limpa de mostrar o desabrochar da sexualidade, o filme será uma referência positiva para adolescentes gays, que ainda estão se descobrindo (assim como o fundamental De Repente Califórnia). Às vezes, tudo o que precisamos é de um pouco de fantasia: muitos gays encherão os olhos com a beleza dos atores, e se permitirão sonhar com Francisco e Tomás. Mas não sei se o filme conseguirá convencer um público mais amplo. Não por ter incluído os temas homossexualidade e incesto, mas por ter dado a eles um desdobramento raso, desperdiçando a chance de ser um filme muito maior. No fim das contas, passado o encanto inicial, fica a sensação de que o diretor poderia ter ido mais longe.
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