domingo, 12 de agosto de 2007

Carta a papai

Querido papai,

Se eu pudesse conversar com você agora, se tivesse apenas mais uma chance, eu teria muito a te dizer.

Acho que eu não me ocuparia tanto em te explicar o que estou fazendo da minha vida, ou como estou me saindo. Tenho fé que, na nuvem branca e fofinha que destinaram a você no Paraíso dos merecedores, você tem vista panorâmica dos entes queridos que você deixou, e é capaz de acompanhar nossos melhores lances, numa espécie de Big Brother celestial.

Mais do que isso, é capaz de nos enviar bons fluidos, guiar nosso caminho e torcer ao máximo por todos nós, como sempre torceu em vida, como o grande cara dedicado e amoroso que você sempre foi.

E às vezes, pai, é essa fé que me mantém vivo.

Então, eu acho que não seria preciso eu explicar que todos os seus amigos acompanharam de perto o seu final na Terra e compareceram em peso ao velório e ao enterro (e você sabe que não foram poucas as pessoas que voce conquistou, com seu coração enorme, sua ilimitada generosidade e sua profunda capacidade de amar), e que poucas vezes a equipe do Beneficência Portuguesa viu tanto marmanjo crescido chorando pelos corredores, inconsolável.

Não preciso contar também que o colégio me deu bolsa de estudos pra concluir o colegial, que eu suei a camisa durante um ano para passar na USP, mas que a escolha que eu fiz no formulário da Fuvest não me fez feliz, mas ainda assim eu estou aqui, vendo no que isso dá, estudando a hipótese de um plano B, ou tentando dar algum sentido ao plano A mesmo, já que com apenas 26 anos às vezes me falta coragem para reinventar minha vida.

Não preciso dizer também que a lacuna que você deixou em casa é enorme. Ninguém mandou você ser um marido tão fora de série e tão companheiro, e oferecer companhia para a mamãe até quando ela ia apenas comprar pão. Depois que você se foi, minha mãe não quis saber de mais ninguém. Apesar de ela ser jovem (quando você partiu, ela tinha apenas 41 anos), ela achou que a vida dela acabou, e todos os meus esforços para convencê-la do contrário não foram suficientes – acho que ela só não se entregou de vez porque as dificuldades do cotidiano não deixaram. Mas você sabe que no fundo a mamãe é uma mulher forte, e apesar de morta por dentro ela continuou bem viva por fora, pra terminar de criar o fruto do amor de vocês.

Não preciso dizer nada disso, pois, como eu creio piamente, você sabe de tudo.

O que eu gostaria, na verdade, era de poder ter dito todas as coisas que ficaram sem ser ditas, e que são muito mais importantes. Queria poder ter dito que sempre te admirei pacas. E que, se você era um pai todo orgulhoso das pequenas façanhas do seu filho-prodígio (e seus olhos brilhavam sempre, ao falar de mim para seus amigos, que eles me contaram), a recíproca era verdadeira, eu também aprendi a perceber o quanto você era incrível, como pai e como pessoa. Um cara que só tinha o bem dentro de si, que pagava pelas maldades e imperfeições dos outros com sua bondade, que oferecia seu amor para melhorar o mundo, e que com isso, sem perceber, fazia toda a diferença, transformando a vida de todos os que o rodeavam. Um coração enorme, sem limites, onde todos tinham espaço e encontravam abrigo e carinho. Que amigo excepcional você foi, para mim e para todos!!! Sempre disposto a dar o que tinha e o que não tinha (e você achava que tinha pouco! Pai, você tinha muito mais do que imaginava!!!) Que desprendimento, que nobreza de espírito, que pureza de caráter!!! Enfim, você foi um cara mais que especial, e pode ter certeza de que todos aqueles que tiveram a bênção divina de poder conviver com você JAMAIS te esqueceram ou esquecerão.

Sabe, cara, se eu tiver conseguido absorver metade dos teus valores, com certeza eu já terei me tornado um GRANDE homem.

E hoje, se eu estou aqui lutando para dar um sentido pra minha vida, enfrentando as agruras desse mundo que está mais feio do que o de dez anos atrás, e me deparando com todo tipo de gente que cruza meu caminho... pode ter certeza de que esses valores que você me passou são a minha bússola, e é acreditando na beleza das coisas e dando o melhor de mim que eu sigo em frente. Exatamente como você fazia.

Infelizmente, porém, a vida nos pegou de surpresa, aquele câncer galopante apareceu e em 4 meses te tirou de perto de nós, aos 49 anos, e eu não pude dizer nada disso.

Então, só me resta me conformar, e continuar crendo que, com seu desencarne, essas e outras verdades te foram reveladas, e torcer para que hoje você esteja plenamente ciente de que você cumpriu sua missão na Terra com maestria, e deixou aqui um fã incondicional, um carinha que te considera muito, te respeita muito e que sente muuuuuito a sua falta. Onde quer que você esteja agora, papai, saiba que eu te AMO MUITO e sempre vou te amar profundamente, e que eu tenho um orgulho DANADO de ser teu filho.

[postado no meu fotolog no Dia dos Pais de 2004]

3 comentários:

Alexandre Lucas disse...

Querido, peguei o link deste post no comentário que você fez no blog do Carioca Virtual. Posso apenas dar-lhe os parabéns pelo texto :) Tenho certeza de que chegou, de alguma forma, até seu pai. Abração e boa semana.

Juliano Araujo disse...

Texto sensacional... me emocionou e tocou fundo no coração. Lindo amor puro e verdadeiro por seu pai...
Abraçao!

kaco_poa disse...

A descrição da figura do teu pai, de certa forma se identifica muito com a do meu. Meu pai ainda vive e infelizmente somos e não somos próximos. Posso falar da minha parte claro, mas não me sinto muito a vontade com ele, já com minha mãe isso é bem diferente! Mas sinceramente admiro tua relação com o teu pai e dos filhos homens que se relacionam bem com seus pais, situção essa que converçando com amigos acho pouco comum, principalmente entre os gays.
abraço