segunda-feira, 16 de julho de 2007

Vale a pena se jogar em Buenos Aires?


A procura dos brasileiros por Buenos Aires vem desde o início dos anos 90, quando o calçadão comercial da calle Florida recebeu as primeiras levas de turistas falando português em voz alta e pelos cotovelos. Os gays que gostam de viajar já conhecem de cor os atrativos da cidade: arquitetura européia, comida excelente, boemia nonstop e preços muito mais viáveis do que os de Madrid e Paris, as tias ricas da capital argentina. Mas os gays baladeiros só acordaram para Buenos Aires quando a cena portenha começou a convidar DJs daqui para tocar. Robix e Patricinha Tribal voltaram do Palacio Alsina falando maravilhas sobre a vibe dos argentinos e, no mês passado, a carioca Ana Paula tocou no Pacha, numa festa do gay pride deles.

Com esse novo interesse dos gays por Buenos Aires, muita gente que ainda não conhece a cidade está cogitando ir para lá e experimentar a tão falada noite portenha. Aproveito a deixa para fazer alguns comentários e quem sabe ajudar os novatos a se decidir. As baladas de Buenos Aires são mesmo tudo isso? Vale a pena se jogar lá? Na minha opinião, vale sim e muito. Mas já adianto que nem todo mundo vai gostar do que vai ver. Enquanto a cena eletrônica da cidade é simplesmente maravilhosa, o circuito gay não está vivendo seu melhor momento.

Buenos Aires está cada vez mais gay friendly e tem um grande número de estabelecimentos simpatizantes, que vão muito além dos bares, boates e saunas: há hotéis, restaurantes, lojas de roupa e decoração, centros de estética e até escolas de tango que, se não estão voltados exclusivamente para o público GLS, conhecem bem as suas vontades e se esforçam para atendê-las bem, anos-luz à frente do mercado brasileiro. Todos esses pontos distribuem mapas de bolso da "Buenos Aires gay", com todos os endereços do bem convenientemente assinalados na planta da cidade. O turista que abre um mapa desses se empolga com a quantidade de opções, digna de Londres ou Nova York. Mas a verdade é que, se os lugares são muitos, poucos são os que realmente importam e acontecem.

A melhor noite gay fixa da cidade acontece às sextas e domingos no Palacio Alsina, um espaço imponente, com pé direito altíssimo, colunas e mezaninos, que parece uma catedral (aos sábados, o lugar se transforma em Big One, balada eletrônica predominantemente hétero). O ambiente é lindíssimo, tem todo o potencial para grandes festas e já viveu noites incríveis, abarrotadas de gente linda se jogando horrores. Mas, por algum motivo, as coisas andaram dando uma esfriada. Ainda é a boate gay que tem a freqüência melhor, mas nem sinal da lotação e do fervo fortíssimo de antigamente. As pessoas dançam e se divertem (o som é bem OK e nada caricato), mas o clima agora é totalmente low profile, inofensivo demais para o que se espera de uma boate gay (especialmente se você é um turista). Está faltando libido no Palacio Alsina. Ou então, eu é que fiquei mal-acostumado com a cultura de "jogação, babado & confusão" criada pela X-Demente e consagrada pela The Week.

As outras opções melhorzinhas na noite gay portenha são a Amerika e o Glam. A Amerika é uma boate grandona no estilo Level: um galpão com mezaninos, go go boys dançando em queijos, um palco central para shows e um som mais puxado pro bagaceiro. A casa já causou muito mas, quando adotou o sistema de canilla libre (bebida liberada), passou a atrair héteros sem noção e se desvirtuou completamente, a ponto de alguns nem a considerarem mais um lugar gay. Já o Glam é um casarão antigo, com uma pistinha na parte da frente e um grande bar nos fundos. O lugar é OK para conhecer gente, mas não empolga muito - a sensação é a de estar num casarão da Vila Madalena ou mesmo do Recife Antigo, com um povo ligeiramente envelhecido ouvindo um som meio comercial e datado.

Ou seja: Buenos Aires tem suas opções gays, mas nesse segmento São Paulo está vivendo um momento muito melhor. Com todos os seus defensores e acusadores, a The Week ainda rouba a cena e dá o que falar - nada se compara a um bom sábado da casa, onde a sensação é de que as coisas realmente acontecem. A Blue Space bomba todo domingo e a Bubu tem fila na porta toda sexta. Isso sem falar nas novas boates que estão chegando, a Flex e a Megga - provas de que a cena gay paulistana está em ponto de ebulição. Um entusiasmo que eu não vi em nenhum lugar na Argentina.

Se o gueto gay de Buenos Aires anda meio morno, o mesmo não se pode dizer da cena eletrônica de lá. Os argentinos têm verdadeira paixão por música eletrônica, e a dividir uma boa pista de dança com eles é uma experiência única. Eles saem de casa decididos a se divertir de verdade, e quando chegam nos clubes é isso que fazem, sem pose nem carão. Quando o DJ vai construindo as batidas, já começam os assobios e as mãos para o alto; quando ele dá a paradinha e explode, a pista literalmente vem abaixo - todo mundo pula, grita, se joga no sentido da palavra. E tudo isso, sem passar mal de droga: é uma onda inteiramente happy, sorridente. Se quem está no som é um nome de peso, então, o clima é de comoção coletiva. Com DJ bom e público bom, não dá para a noite não ser boa.

O lugar mais indicado para viver uma noite dessas é o Pacha, principal clube eletrônico de Buenos Aires. Foi o Pacha que iniciou na Argentina a era do culto ao DJ e colocou o país no mapa das turnês dos grandes nomes da e-music mundial. Na programação da casa, aparecem com freqüência tops estrangeiros, especialmente de house progressivo, gênero que alucina os argentinos. Agosto, por exemplo, já tem agendados dois bambambãs do prog: Jimmy Van M no dia 4 e John Creamer no dia 11. Eu tive a felicidade de pegar no dia 7 de julho uma apresentação do craque argentino Martín García, idolatrado por mim e por milhares de argentinos, e o que eu vivi ali foi uma noite de pura catarse, que não esquecerei jamais. Todo mundo deveria ir vê-lo tocando no Pacha BsAs pelo menos uma vez na vida (são quatro ou cinco vezes ao ano).

Depois de um sábado no Pacha, não dá para perder o afterhours Fiction, que acontece no clube Caix (Caix não é o nome do after, como pensam alguns). O público é bonito e totalmente mixed (os gays ficam do lado esquerdo do DJ, como no Pacha) e tem a vibe mais incrível que eu vi na vida - serotonina na veia, parece até o terraço da Space de Ibiza. O som ajuda muito, sempre ótimo e para cima. E o lugar ainda tem uma varanda, com o mesmo sound system de dentro, onde dá para dançar olhando para o Rio da Prata. A jogação vai das 8h às 13h, podendo chegar até 15h se a casa estiver muito cheia (como nos históricos afters que rolam após os festivais de música eletrônica Creamfields e Southfest, que também valem a viagem).

Enfim, vale a pena se jogar em Buenos Aires? Para quem faz questão de estar em ambientes 100% gays, a atual noite portenha pode acabar decepcionando, especialmente em comparação com a cena daqui. Agora, se você aprecia música eletrônica de qualidade (especialmente house progressivo) e curte lugares mixed, Buenos Aires é um paraíso. Vale lembrar que a presença gay é garantida no Pacha e no Caix, ainda que sem pegação ostensiva (e o after do Caix reúne os melhores corpos da cidade). Para sentir um pouco de cada um dos mundos, uma opção é encarar a sexta do Palacio Alsina e ir no sábado ao Pacha - tomando cuidado de guardar alguma energia para o after do Caix.

Aliás, quem quiser sentir um gostinho leve do que é o after absurdo do Caix, pode ir à The Week neste sábado. A casa vai trazer ninguém menos que o próprio residente, Aldo Haydar. O careca entra no som concentrado e enfezado, mas logo abre o sorriso quando vê que a pista está amando o som dele, cheio de vocais sem ser bagaceiro, sofisticado sem ser blasé, aquele tipo de som perfeito para uma boa pool party. Aliás, eu já tinha dado a dica do Aldo várias vezes aqui - será que o pessoal da The Week também lê o meu blog?

[Foto: o famoso canto esquerdo da pista do after do Caix]

17 comentários:

Anonymous disse...

Cara, as dicas são de graça mesmo? Quanta generosidade...Aproveitando que vc é mais do que iniciado em Bsas e que o after do Caix não tem site, sabe dizer se rola todo domingo? Tô lá dia 22 e na dúvida, já que o Haydar vai tá aqui um dia antes. Obrigado de novo pelo serviço.

Thiago Lasco disse...

ANÔNIMO: rola todo domingo sim. Mas tem domingos que são incríveis e outros que são apenas legais. Costuma ser fantástico quando tem algum festival ou evento eletrônico mais bombado rolando no sábado - porque aí, todo mundo emenda automaticamente no Caix.

Agora, se o Aldo Haydar vai tocar na TW no sábado 21, acho pouco provável que ele esteja de volta pro after do Caix. A TW não vai colocá-lo para abrir a pista; não dá tempo de ele sair correndo daqui e chegar para tocar lá. Mas fica frio, o Caix tem outros DJs também - no sábado em q fui, depois do Aldo tocou um molequinho que tb arrasou.

Ah sim, e aproveite para ver o Silicone Soul no Pacha no sábado :)

Gui disse...

As nossas cidades imitam mais os EUA do que a Europa nesse sentido. Gueto gay de um lado, musica eletronica pra hetero de outro. Quem sabe a Pacha SP não muda um pouco essa visão...

(abre parenteses pra invejinha da qualidade do texto, ta?)

charles disse...

BA - pois e, pessoalmente achei a cena gay de la morna, por nao dizer BEEEM deceptionante: palacio (vazio, musica chata, ravekids), glam (antigo), amerika (hetero e bagaceira). so pra constar: olha a passeata gay de la, tem uns 5000 pessoas - e ate menor que em londrina...
entao, a cidade e linda, muito legal, o povo e legal, caras gostosos, comida boa, etc. vale a pena, com certeza. adorei. eu tbm fui varias vezes. mas de cena gay, nao tem. se jogar em BA? com certeza nao. mesmo se voce quisesse, se nao iria conseguir.

TONY GOES disse...

Fui ao Palacio pela primeira vez em 2001, acho que vc nem era nascido (rs). Só tocava Madonna e Daft Punk, nada de tribal, e absolutamente NINGUÉM tirava a camisa - ainda mais porque era inverno. Mas a vibe era incrível, as pessoas lindas, um luxo só. Na eepoca, o que tínhamos por aqui era o Ultralounge e olhe lá.

Voltei várias vezes, inclusive este ano, e concordo em tudo com vc. O Palacio (agora Alsina) mudou, anda meio caído. Os próprios argentinos, que viraram habitués das paradas e reveillons por aqui, acham isso. Será que a noite gay de SP superou a de Bs. As.? Ou estamos seguindo por caminhos diferentes, com guetos por aqui e mistureba por lá?

Tomara que o Pacha daqui fioque parecido com o de lá. E tomara que André Almada abra a TW Buenos Aires, porque ia ser macanudo.

Xande Carioca disse...

Mesmo não tendo ido nunca a BsAs, sei que a jogação lá é para quem gosta de som. Clube por clube gay temos a TW e as labels, que não deixam a desejar na musica e, principalmente, no material humano. Acho que muitos gays não estão sabendo aproveitar a abertura que a cena eletrônica promove entre diversas "tribos". Melhor ficarem no hotel comendo doce de leite.

Cigar Master disse...

Há um ano e pouco não apareço em BsAs e a noite parece ter mudado bastante. Pena que para pior, já que naquela época me lembro de bastante "fervo", como você mesmo diz. Obrigado pelas informações!
Abração do amigo.

uomini disse...

Que texto delicioso! Sempre se superando! Um bjão!

Anonymous disse...

Thi,
Gostei do texto...mas acho que vale a pena ir a BAs na sexta a tarde e voltar segunda pela manha. Nao mais que isso, please.
Tirando os bons restaurantes e as casas que vc citou,impossivel comprar um t-shirt bacana.
Outra dica: os argentinos sao super-passionais, mas se deixe envolver. E fria ((-:
Suppress
From SFO
FXXXXX

Anonymous disse...

Errata:
...NAO SE DEIXE ENVOLVER. EH FRIA!!!!
FXXXX

Thiago Lasco disse...

FXXX: ha, aí é que vc se engana. eu sempre trago várias t-shirts bacanas de lá, aliás prefiro comprar lá do que no Brasil, assim não sai todo mundo de uniforme. vc é que não conhece os endereços certos, acredite.

Gui Sillva disse...

Não tive a oportunidade de conhecer Buenos Aires....mas certamente já está nos meus planos de ser uma das próximas viagens.
Ótimas dicas. ótimo texto.
adorei.
abração
Gui Sillva

Anonymous disse...

Thiago, e a pegação de BAs onde rola???? Não faz a egipcia!

Anonymous disse...

Thi,
Tambem concordo que eh melhor comprar um Tee sem DNA em BAs do que um uniforme (tambem sem DNA) no Brasil. Pelo menos vc usa algo diferente.
Falar nisso,ta uma tristeza comprar em SP! Apesar de termos muitas lojas de marcas boas, eles cobram 5 x mais caro por uma colecao de 5 meses de atraso. Um absurdo!!
Se vc quiser alguma Tee daqui. soh falar. Te levo em novembro.
(-:
FXXXX

ARTHUR disse...

Buenos Aires sempre vale a pena. Adorei o post!

Ale disse...

vou ficar 1 mes lá e so tinha achado um forum falando do Fiction, nao entendi nada o povo reclamando que tinha mtos "negros" e que eram assaltados la dentro....pela foto que vc postou e pelo q vc falo esse povo eh maluco.
Ainda bem que a noite la nao eh um gueto como é no Rio. No Brasil as pessoas se separam em guetos. Nao curto ir pra lugares hetero pq so tem heteros, mas se tivesse lugares mix ( realmente mix) eu prefiro. No Rio tinha a Bunker....depois dela nunca mais.

Anonymous disse...

Ola!! estou indo de el Madri para BsAs em noviembro, sabe algum site de fiesta que posa consultar, ..
ps. adorei o texto, e acredito que o publico de sampa esta mais acostumado com jogo rapido que curtir uma noite agradavel..
abrazo