O pior jornalista é aquele que, antes de apurar um fato, cobrir um evento ou fazer uma entrevista, já tem pronto na cabeça todo o texto que vai escrever depois. O que esse profissional faz, longe de um verdadeiro trabalho de apuração e crítica, é tão somente encaixar a realidade diante de seus olhos às considerações que ele tinha feito. Ele quer provar para si mesmo e para os outros que ele já sabia de tudo, que tinha razão e nada o surpreende. Antes de ir a uma festa, faço meus palpites mas vou sempre pronto para me surpreender e mudar de idéia - não sou nenhum adivinho, nem pretendo ser.
Faço esse parêntese para explicar que o que passo a dizer aqui sobre as duas apresentações da dupla Chus & Ceballos no Brasil (acabei indo tanto à E-Joy quanto ao Sirena), eu escrevi de peito aberto e sem o menor compromisso com meu post anterior. Muitas conclusões daqui bateram em grande parte com o que eu esperei, mas, se eu tivesse me surpreendido com festas totalmente diferentes do que eu imaginava, eu não teria o menor pudor em admitir que meus palpites estavam errados.
Primeiro, vamos à E-Joy. O evento felizmente aconteceu, sem cancelamentos ou surpresas de última hora. O máximo que a inimiga The Week fez foi abrir no mesmo dia, mas para uma festa private, que não roubou o público da noite de Rodrigo Zanardi. Aliás, se teve um problema que a E-Joy não sofreu, foi falta de público: entre fãs locais de Chus & Ceballos e turistas que tinham vindo para ver o Offer Nissin no dia seguinte, a festa lotou e a pista chegou a ficar desagradável - era difícil encontrar espaço para dançar, numa locação que não foi a mais adequada (a antiga Broadway).
Chus & Ceballos foram recebidos por um público sedento por diversão e já em clima de semana da Parada Gay: cada virada deles era recebida com gritos, mãos para o alto, aplausos e assobios. Era nítida a satisfação na cara de Chus, o carequinha de óculos e feições inegavelmente espanholas, que foi o primeiro a tocar. Ele mostrou logo de cara que é o responsável pelo lado mais latino da dupla: de seus discos, saía uma música com altas doses de percussão e batucadas - a tal "iberican house", fresca e rebolativa. Depois, Ceballos assumiu as pickups e aos poucos foi levando o som para o lado de um tech house de festa, ora mais tribal, ora mais progressivo, mas sempre em sintonia com que se espera de uma noite gay.
O som da dupla na E-Joy não decepcionou, mas também não surpreendeu. Tudo o que eles trouxeram, os freqüentadores mais assíduos da The Week já conheciam, especialmente pelas mãos de Pacheco, um DJ eclético, mas que sempre bebeu longos goles na fonte dos espanhóis. E mesmo os momentos mais pesadinhos do Ceballos me lembraram os sets inspirados que o DJ Morais faz quando é convidado para afters e festas em que ele não precisa seguir à risca a cartilha da pista 2 da The Week (ou quando toca na pista 1, substituindo algum dos residentes). Essas comparações não significam que Chus & Ceballos tenham feito um set datado, mas sim que nossos DJs de casa estão bastante atualizados naquilo que fazem, o que é ótimo.
Já na noite seguinte, no clube Sirena, em Maresias, o som da dupla foi em uma direção completamente diferente. É impressionante como DJs conseguem mudar o foco diante de gays e de héteros. Assumindo as pickups depois de um set sofrível do residente Carlo Dall'Annese (que, ao contrário dos bons vinhos, vai ficando cada vez pior com o tempo), os espanhóis começaram com um electrohouse bem bombado, para fazer o público pular. Como o Sirena tem uma das pistas mais animadas do Brasil, o diálogo foi imediato e logo a dupla já estava completamente à vontade para dar uma verdadeira aula de house. Livres da obrigação de se manter fiéis a uma estética gay, Chus & Ceballos fizeram um set riquíssimo, misturando sons atuais a clássicos como "Blackwater", de Octave One. O melhor momento, na minha opinião, foi quando Ceballos tocou um remix absurdo de "Year Of The Cat" do Al Stewart (!), que me deixou de queixo caído. Vai ter cultura musical assim lá em casa: que faixa maravilhosa, melódica, fofa. Minha onda foi lá pras alturas.
Era interessante ver que o som deles estava sendo curtido por pessoas de todos os tipos: patricinhas, surfistas, jetsetters, caiçaras, tigrões, ravers e, como não podia deixar de ser, alguns dos caras mais gatos que eu já tinha visto (meus amigos ficaram nervosos...). Gente diferente unida pela mesma boa música sempre foi a marca registrada do Sirena. A pista manteve-se cheia na medida certa e ficamos lá até o fim do set dos espanhóis, às 6h30. Missão cumprida. Agora é tratar de se recuperar para a próxima jogação superluxo, a apresentação do top Desyn Masiello, nesta sexta no Pacha.
5 comentários:
Estou aqui para endossar cada palavra sua, apesar de não os ter visto tocar sexta. O som de C&C é demais e é o que se deseja para as nossas pistas: que as bees abram os seus ouvidos para sonoridades mais ricas e diversificadas.
Adorei o texto!
ahhh...em relação ao trabalho dos meus colegas, tenho um ressalvo: Fico muito triste, em ver profissionais que realmente não apuram os fatos ou já saem com o texto pronto. Certamente não foi isso que aprenderam com os mestres.
Mas sempre é tempo de aprender, afinal estamos aqui para isso.
Vamos torcer.
Abração, Thiago.
Por causa da Gol, perdi C&C. Uó!
Mas espero que eles não demorem tanto pra voltar por esses lados, né?
Ah! Valeu pelas dicas, mesmo so tendo visto depois que voltamos... Fizemos a tradição de Ritz e Spot. E foi ooootimo.
Na Parada a caravana volta com tudo!
Só pra ser chato: "Year of the Cat" não é do Cat Stevens, é do Al Stewart. Foi uma das minhas músicas prediletas quando (mais) jovem... Que inveja de você, adoraria ter ouvido como ficou. Grande beijo.
Obrigado Tony! vc está certíssimo e eu vou corrigir agora mesmo! :)
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