sábado, 30 de junho de 2012
Improvável, imperfeito e inesperado
A Delicadeza do Amor, em cartaz há algumas semanas, é um desses filmes bonitinhos, mas que fazem pensar. A protagonista, Nathalie (Audrey Tautou), apaixona-se por um esportista bonitão e vive o casamento dos sonhos, bruscamente interrompido quando ele morre em um acidente. A partir daí, ela mergulha no trabalho e encontra ali seu refúgio de tudo, inclusive dos sentimentos. Em outro lance inesperado do destino, ela beija sem querer um colega de trabalho, Markus (François Damiens), que se apaixona por ela e passa a fazer várias investidas, tentando fazê-la baixar a guarda e lhe dar uma chance.
Eis o detalhe que tira essa história da banalidade: Markus é a completa antítese de tudo o que Nathalie tinha no marido. Apesar de ser sueco, o rapaz passa bem longe dos padrões de beleza vigentes. Tem um sorriso bisonho, veste-se como um jovem senhor, é desajeitado, tímido e nada atraente. Em certa noite, ele está no bar com Nathalie quando outro homem se sente confortável para abordá-la como se ele não estivesse ali; Markus tenta se impor e acaba apanhando. Ele é, enfim, um anti-herói que tem no bom coração e na sensibilidade suas únicas armas - e é com elas que tentará conquistar Nathalie.
Não vou contar aqui o filme inteiro. O que chamou minha atenção foi justamente como se deu essa conquista. Nathalie deixa claro de início que o beijo havia sido um erro e ela não quer nenhum tipo de aproximação. Markus pede que ela apenas aceite um jantar despretensioso com ele (num restaurante horrível, por sinal) e depois ele não a perturbará mais. Sem expectativas, naquela noite ela se permite conhecê-lo, e constata que o rapaz é gentil, bem-humorado, enfiim, uma companhia agradável. Aos poucos, o azarão acaba virando o jogo.
Talvez alguns leitores já imaginem onde quero chegar. Quantos de nós se permitiriam viver uma história de amor improvável como a de Nathalie? Cada um tem seus filtros e requisitos, mas eles frequentemente nos prendem à superficialidade e nos impedem de conhecer as outras pessoas de verdade. Ir além da aparência, do corpo, de um primeiro julgamento apressado, e se deixar surpreender. Visuais por natureza, muitos homens fetichizam tanto suas escolhas que acabam se relacionando com um par de peitos, um braço, uma bunda, sem jamais descobrir o que existe por trás ou por dentro. E sem considerar outros pretendentes, com quem poderiam ter afinidades que nem imaginam. Com doçura e sutileza, A Delicadeza do Amor nos convida a refletir sobre nossas escolhas amorosas e, por que não, repensar algumas certezas e convicções.
quarta-feira, 13 de junho de 2012
Universo perfeito
No sábado retrasado, vários grupos de jovens vestidos de branco da cabeça aos pés tomaram as calçadas e metrôs da cidade. Não era réveillon e não havia nenhuma justificativa aparente para o estado de animação em que se encontravam. Seria algum congresso nacional de enfermagem? Um processo de seleção para cabeleireiros da rede Soho? Em que planeta moravam? A explicação para tal cena - tratava-se de uma grande festa de música eletrônica, chamada Skol Sensation, que exigia traje 100% branco - só era conhecida por aqueles que estavam por dentro da noite e sabiam da existência do evento. Os rapazes e moças de branco, entretidos com a expectativa do Skol, destoavam da paisagem e pareciam viver num mundo paralelo, alheios ao que se passava ao seu redor.
É mais ou menos assim que eu vejo uma boa parcela da comunidade LGBT de hoje, ao final de mais uma semana de Parada Gay: cada vez mais voltada para dentro de seu próprio mundinho. Não me refiro especificamente à falta de engajamento político - o que, convenhamos, não é nem de longe exclusividade do meio gay - mas ao desinteresse em se mesclar com o resto da sociedade. Não quero cair na armadilha do saudosismo, mas, em anos anteriores, havia um diálogo bem maior com a cidade e a comunidade num sentido mais amplo. Queríamos ocupar espaços, marcar presença, dar o nosso recado. Depois de décadas marginalizados, queríamos dizer ao mundo que existíamos, e festejávamos nossa visibilidade. Nesse sentido, a presença nas ruas, que culminava com a Parada em si, era uma oportunidade única de congraçamento.
Agora, os desejos mudaram. Não queremos mais ser visíveis, mas sim nos esconder em um canto que seja só nosso, onde não sejamos incomodados por quem é diferente de nós. Debandamos em massa do desfile na Paulista, uma festa coletiva, de união, de mistura, em favor das nossas celebrações particulares. Aliás, a Parada em si virou um simples pretexto para a realização dessa maratona de festas, e são apenas elas que atraem a massa de visitantes à cidade. Por isso, se a Paulista recebeu um milhão a mais ou a menos, se os candidatos a prefeito incluíram o evento em suas agendas, nada disso importa para nós. Só queremos ser deixados em paz para encher a cara e beijar horrores, dentro do nosso mundinho cada vez mais homogêneo, ultrassegmentado, que exclui inclusive outras tribos do próprio espectro LGBT. Barbies festejam com barbies, ursos com ursos, meninas com meninas, uns não cruzam o caminho dos outros, héteros não precisam comparecer, e assim fica todo mundo satisfeito. Não precisamos conquistar mais nada: já temos o nosso Universo Perfeito, onde somos reis, e isso nos basta.
É mais ou menos assim que eu vejo uma boa parcela da comunidade LGBT de hoje, ao final de mais uma semana de Parada Gay: cada vez mais voltada para dentro de seu próprio mundinho. Não me refiro especificamente à falta de engajamento político - o que, convenhamos, não é nem de longe exclusividade do meio gay - mas ao desinteresse em se mesclar com o resto da sociedade. Não quero cair na armadilha do saudosismo, mas, em anos anteriores, havia um diálogo bem maior com a cidade e a comunidade num sentido mais amplo. Queríamos ocupar espaços, marcar presença, dar o nosso recado. Depois de décadas marginalizados, queríamos dizer ao mundo que existíamos, e festejávamos nossa visibilidade. Nesse sentido, a presença nas ruas, que culminava com a Parada em si, era uma oportunidade única de congraçamento.
Agora, os desejos mudaram. Não queremos mais ser visíveis, mas sim nos esconder em um canto que seja só nosso, onde não sejamos incomodados por quem é diferente de nós. Debandamos em massa do desfile na Paulista, uma festa coletiva, de união, de mistura, em favor das nossas celebrações particulares. Aliás, a Parada em si virou um simples pretexto para a realização dessa maratona de festas, e são apenas elas que atraem a massa de visitantes à cidade. Por isso, se a Paulista recebeu um milhão a mais ou a menos, se os candidatos a prefeito incluíram o evento em suas agendas, nada disso importa para nós. Só queremos ser deixados em paz para encher a cara e beijar horrores, dentro do nosso mundinho cada vez mais homogêneo, ultrassegmentado, que exclui inclusive outras tribos do próprio espectro LGBT. Barbies festejam com barbies, ursos com ursos, meninas com meninas, uns não cruzam o caminho dos outros, héteros não precisam comparecer, e assim fica todo mundo satisfeito. Não precisamos conquistar mais nada: já temos o nosso Universo Perfeito, onde somos reis, e isso nos basta.
sexta-feira, 1 de junho de 2012
Bah: um contemporâneo com identidade (dos Pampas)
Não é mais tão fácil se surpreender em um restaurante de "cozinha contemporânea". O rótulo virou um clichê que se repete e perde força a cada dia. Um medalhãozinho aqui, um risotinho ali, uma frutinha acolá para dar um toque de ousadia comedida. Tudo isso virou lugar-comum. Alguns chefs visionários criaram receitas que se tornaram icônicas, e os outros foram atrás - pensemos no suflê de goiabada com calda de Catupiry de Carla Pernambuco, que gerou uma onda de reinterpretações do binômio goiaba-queijo Brasil afora. Poucas são as casas recentes que conseguem se diferenciar e imprimir uma identidade realmente própria.
O Bah, de Porto Alegre, é uma dessas gratas exceções. A casa lança mão de ingredientes típicos do Rio Grande do Sul, como o charque de Bagé, a nata e a manteiga de butiá, para propor uma releitura moderna da culinária daquele Estado. Tudo em porções honestas e com preços justos. O Bah fica dentro do novo Barrashopping Sul [aliás, a cidade deu uma repaginada geral em seus centros de compras; até o Iguatemi está irreconhecível, com cara de mall americano], mas não tem cara de "restaurante de shopping". São dois andares. O térreo é classudo, mas impessoal, com cadeiras de couro que dão um ar de "almoço de negócios". No andar superior, há uma gostosa varanda, com sofás e vista para o rio Guaíba - cenário perfeito para um almoço de domingo longo e preguiçoso.
Como primeiro prato, provei a versão deles para o clássico tortei de moranga, uma espécie de ravióli. Ali, a massa é recheada de abóbora e charque de Bagé, depois passada na manteiga de sálvia, e finalizada com queijo grana padano e farofa de biscoitos Amaretto. Bem interessante. Depois, caí de boca num risoto de paleta de cordeiro com crocante de alho-poró e cogumelos - cremoso e úmido, como deve ser. Também dei umas garfadas nos pratos dos meus amigos gaúchos, que incluíam um filé à milanesa com molho de nata e queijo gruyère, mais batata gratinada, e um camarão salteado com páprica picante, acompanhado de pappardelle ao creme de nata com um toque de laranja e gengibre. Nham!
Fechei meu almoço em grande estilo, com um manjar de morango. Numa taça alta, alternam-se camadas de creme de ovos (a boa e velha baba-de-moça), morangos fatiados e nata batida. Uma delícia, com aquele jeitão meio antiquado de sobremesa de mãe. Lutei com todas as minhas forças para não pedir uma segunda porção, sabendo que o fim de semana seria bem engordativo. No fim das contas, o almoço saiu uns 30% mais barato que uma refeição similar em São Paulo. O Bah já entrou para a minha lista dos favoritos em Porto Alegre.
O Bah, de Porto Alegre, é uma dessas gratas exceções. A casa lança mão de ingredientes típicos do Rio Grande do Sul, como o charque de Bagé, a nata e a manteiga de butiá, para propor uma releitura moderna da culinária daquele Estado. Tudo em porções honestas e com preços justos. O Bah fica dentro do novo Barrashopping Sul [aliás, a cidade deu uma repaginada geral em seus centros de compras; até o Iguatemi está irreconhecível, com cara de mall americano], mas não tem cara de "restaurante de shopping". São dois andares. O térreo é classudo, mas impessoal, com cadeiras de couro que dão um ar de "almoço de negócios". No andar superior, há uma gostosa varanda, com sofás e vista para o rio Guaíba - cenário perfeito para um almoço de domingo longo e preguiçoso.
Como primeiro prato, provei a versão deles para o clássico tortei de moranga, uma espécie de ravióli. Ali, a massa é recheada de abóbora e charque de Bagé, depois passada na manteiga de sálvia, e finalizada com queijo grana padano e farofa de biscoitos Amaretto. Bem interessante. Depois, caí de boca num risoto de paleta de cordeiro com crocante de alho-poró e cogumelos - cremoso e úmido, como deve ser. Também dei umas garfadas nos pratos dos meus amigos gaúchos, que incluíam um filé à milanesa com molho de nata e queijo gruyère, mais batata gratinada, e um camarão salteado com páprica picante, acompanhado de pappardelle ao creme de nata com um toque de laranja e gengibre. Nham!
Fechei meu almoço em grande estilo, com um manjar de morango. Numa taça alta, alternam-se camadas de creme de ovos (a boa e velha baba-de-moça), morangos fatiados e nata batida. Uma delícia, com aquele jeitão meio antiquado de sobremesa de mãe. Lutei com todas as minhas forças para não pedir uma segunda porção, sabendo que o fim de semana seria bem engordativo. No fim das contas, o almoço saiu uns 30% mais barato que uma refeição similar em São Paulo. O Bah já entrou para a minha lista dos favoritos em Porto Alegre.
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