Shame, filme de Steve McQueen em cartaz nos cinemas brasileiros, usa um tom sóbrio e sofisticado para falar de um tema espinhoso: a compulsão por sexo. Brandon, o protagonista, é um executivo bonitão que vive com a antena ligada 24 horas por dia. Está sempre atrás de parceiras, no metrô, em bares, na internet. Não consegue focar no trabalho. Conforme o filme se desenrola, vemos que seu desejo constrói uma prisão solitária. Brandon se isola, repele a aproximação das outras pessoas, sabota qualquer possibilidade de relacionamento e, assim, perpetua o ciclo de solidão. A chegada inesperada da irmã desestabiliza sua rotina e evidencia que em seu mundo não há espaço para mais ninguém.Michael Fassbender está muito bem no papel principal. O olhar de predador quase psicopata das primeiras cenas passa a imagem de um macho-alfa com o tesão à flor da pele; aos poucos, porém, ele vai se despindo dessa exuberância sexual e expondo sua angústia e tristeza. A presença incômoda da irmã o confronta com sua incapacidade de se relacionar, e ele sofre. O sexo continua aparecendo como fuga, em cenas elegantes, com enquadramentos sutis - a intensidade é explorada sobretudo pela trilha sonora.
A questão central parece ser onde está o limite do que é saudável. E essa é uma medida diferente em cada um. Muitos podem se reconhecer em certas passagens, sobretudo alguns espectadores gays. (O velho chavão de que todo homossexual é promíscuo constitui uma falácia que só interessa ao fundamentalismo religioso, mas não dá para negar que o meio gay é hipersexualizado e acaba alimentando certos comportamentos). Mas talvez nem todas as pessoas que mantêm um ritmo sexual semelhante ao de Brandon vivenciem a mesma angústia. Alguns podem ter as mesmas dificuldades de relacionamento, outros não.
Em sua coluna semanal na Folha de S.Paulo, o psicanalista Contardo Calligaris escreveu que Shame, ao retratar o desejo de Brandon como uma patologia, é um filme moralista. "Em matéria de sexo, patologizar é o jeito moderno de estigmatizar e policiar". Ele explica que a ideia de dependência sexual surgiu nos anos 70, como uma reação à liberação sexual da década anterior, e foi recebida com desconfiança pela psiquiatria e pela psicologia. "A associação de sexo com vergonha e culpa é um bordão cultural muito antigo, no qual somos convidados a acreditar por todo tipo de poder. A exigência de domesticar o desejo sexual parece ser, aos olhos de todos, um pré-requisito básico de qualquer ordem social".
Entendo o ponto dele, mas não sei se eu iria tão longe. Não tenho a menor pretensão de entrar no mérito sobre a existência ou não dessa compulsão. Mas conheço pessoas que têm dificuldades reais em administrar a própria libido em relação aos demais departamentos da vida - e isso não passa, necessariamente, por uma culpa 'católica'. Talvez o problema seja de outra natureza - mas, de um jeito ou de outro, ele está presente na vida de muitas pessoas, nestes tempos em que somos todos vistos como pedaços de carne. No mínimo, o filme vale pela reflexão sobre qual o peso que o sexo desempenha na vida de cada um.
