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Vamos por partes: a parte da vanguarda é mesmo tudo o que imaginei e mais um pouco. A inserção social dos gays e lésbicas é total e irrestrita. Além de ter todas as lojas e serviços voltados ao nosso gosto, de roupas a sex shops, Castro, o "bairro gay", tem um espírito e um sentido de comunidade fantástico, do qual nós não temos sequer dimensão. E os gays não se encerram nesse gueto: moram, frequentam e ocupam todas as partes da cidade com a mesma desenvoltura e igualdade de tratamento, com direito a andar de mãos dadas e trocar selinhos de despedida sem o menor constrangimento. Em uma palavra, cidadania. Nesse sentido, San Francisco é sim um paraíso gay - e por isso continua recebendo a imigração de bilus de outros países, e mesmo de estados americanos menos arejados, especialmente os do centro-sul.
Por outro lado, em se tratando de ferveção... quem desembarcar ali com expectativas parecidas com as minhas pode cair do cavalo. As perspectivas de diversão gay estão mais para Porto Alegre do que para Londres. Para começar, não há clubes gays propriamente ditos, onde se possa dançar a noite toda, mas apenas umas poucas festas bem esporádicas. No dia-a-dia, o são-franciscano se relaciona sobretudo em bares. Em alguns deles, como o The Cafe e o Badlands, a música é mais alta e há até uma pistinha, mas boa parte das pessoas prefere apenas beber e conversar, e os que dançam arriscam passos tão desajeitados que a gente se sente num daqueles seriados da Sony dos anos 80, em que os figurantes pareciam Lango-Langos na pista de dança.
Leva algum tempo para assimilarmos a diferença de horários: tudo começa e termina muito mais cedo. Os bares abrem já no fim da tarde, e o movimento acontece em dois turnos. No primeiro, até umas 21h, a frequência é basicamente de moradores da cidade. Aí acontece uma espécie de "troca da guarda": os nativos vão embora para jantar em casa e, depois das 22h, começam a chegar os turistas, além dos moradores que já comeram e querem ir para o segundo round. À 1h15 rola a last call de bebidas e, à 1h30 em ponto, eles tiram o som da tomada, acendem as luzes e só não começam a jogar Sapólio no chão porque esse produto não existe por lá. Tchau amiguinhos, até amanhã.
Mas é na atitude geral que os brasileiros enfrentam o maior choque cultural. As pessoas mal se olham e dificilmente abordam umas às outras - se você gostou do cara, tome a iniciativa ou espere sentado. Se a conversa não fluir, não jogue a culpa no seu charme - o clima é meio travado mesmo, todos agem como se fossem garotos de 15 anos que estão entrando de penetras em uma festa de alguém que não conhecem. Se a conversa fluir e ambos se gostarem, é só chegar perto e partir pro abraço, certo? Errado. Em 95% dos casos, os americanos não se tocam em público, nem mesmo dentro de um bar gay - você vai ter que arrastar o cara para fora dali. Se você vir um casal se beijando, pode apostar que os caras são estrangeiros. E se você for um desses e beijar ali dentro, saiba que não poderá ficar com mais ninguém, pois essa atitude micareteira dos brasileiros é queimação de filme na certa (por isso, escolha muito bem quem terá a honra de receber o seu selinho do dia! depois, você terá que esperar pelo menos 24 horas!).
A coisa só rola um pouco mais solta no Powerhouse, o único bar que tem um back room. Não se trata de um quarto escuro, mas um aposento claro, nos fundos da casa e separado por uma porta, onde as pessoas vão para, digamos, se bolinar. Enquanto os demais bares apostam em música pop de videoclipe (sim, você ouviu, videoclipe, com telão e tudo! igualzinho ao TV Bar de Copacabana! no próximo post eu contarei qual foi o "hit" da viagem!), o som no Powerhouse é um pouco mais sexy, com temperinho progressive, que ajuda a criar uma atmosfera menos alegrinha e ligeiramente mais dark. Mesmo assim, à 1h30 é hora de ir para casa - ou então, se gozar é realmente preciso, fazer a xepa no Blow Buddies, um sex club que tem uma estrutura incrível (foi todinho concebido para amantes do sexo oral, vejam só que maravilha!), mas... nunca fica cheio.
Não discuto que há várias maneiras saudáveis e gratificantes de levar uma vida gay que não passam por dentro de uma boate. Eu mesmo me basto bem com uma ida por mês. Dito isso, considerando a tal mítica que envolve a cidade, achei a vida noturna de San Francisco surpreendentemente provinciana. A coisa só muda de figura (para melhor) durante sete dias do ano, na semana que termina no último domingo de setembro. É quando acontece a célebre Folsom Street Fair, que nasceu como um encontro dos amantes da cultura leather e passou a mobilizar toda a cena gay. A cidade fica em polvorosa, o clima ajuda (por incrível que pareça, é nessa época que se registram as maiores temperaturas, e não no verão, num fenômeno conhecido como indian summer) e pipocam festas e fervos, embalados pelo espírito de confraternização trazido pelo pessoal de fora. Se você sonha com uma experiência mais picante, anote essa data na agenda. Fora disso, renda-se aos encantos infinitos da cidade (infinitos!), mas não vá com muita sede ao pote. São Paulo tem uma noite bem mais agitada.