Quando se fala em animais de estimação, cachorros e gatos são as opções mais lembradas. Para tomar a decisão certa, não basta escolher o mais bonitinho. Conforme o temperamento e as expectativas de cada dono, um ou o outro será mais adequado. Cachorros são carinhosos: fazem festa quando você chega, cobram atenção, querem estar sempre junto, têm prazer em participar da sua vida. Por isso, acabam sendo ótimas companhias para pessoas solitárias, carentes ou simplesmente cheias de amor para dar.
Os felinos, por sua vez, são desapegados, práticos e individualistas. Um gato chega junto, marca presença ou pede colo se e quando quiser. Quando não está a fim, ou quando não está precisando de nada, sai à francesa, vai pro canto dele e nem confiança para o dono. Às vezes, aparece só para comer e em seguida some novamente. Independente por natureza, adapta-se bem àquele perfil de dono que passa o dia fora, não tem saco ou disponibilidade para viver grudado e não poderia bancar um pet que fizesse chantagem emocional diária, a cada nova separação.
Essa mesma dicotomia, eu projeto nas minhas amizades. Costumo dizer que existem amigos-cão e amigos-gato. Os amigos-cão são aqueles com quem você fala o tempo todo; vocês se telefonam e se veem a qualquer hora, mesmo sem ter um grande motivo para isso - o desejo de estar junto e dividir as bobagens do dia-a-dia já é suficiente. São pessoas que estão sempre por dentro da sua vida, porque os caminhos andam juntos naturalmente (ainda que com eventuais desencontros ao longo do tempo). Com eles, você sabe que pode contar sempre, nos bons e maus momentos, sem pudores, frescuras ou cerimônias. São grandes companheiros e os abraços e carinhos só não são mais especiais porque acontecem sempre e a todo momento.
Já os amigos-gato dão as caras apenas quando querem. Vocês se encontram, conversam, se divertem e é ótimo. Depois, eles podem desaparecer por semanas ou até meses, e nem mesmo uma ligação ou e-mail seus podem abreviar o sumiço: eles não vão retornar seu contato, e só voltarão a procurar você dentro do timing muito peculiar deles. Por isso, se a questão for urgente, não peça socorro para eles - você corre um sério risco de ficar na mão. Isso não quer dizer, porém, que eles não se importem ou não gostem de você. Ou que as atenções deles sejam insinceras e movidas por interesse. Como os felinos, eles prezam demais a própria liberdade, o direito de ir e vir como bem entenderem, e não toleram pegação no pé.
Se o segredo da boa convivência passa pela aceitação das diferenças do outro, entender a natureza dos seus amigos é fundamental para evitar desgastes. A combinação mais delicada e sujeita a instabilidades climáticas é aquela em que alguém com perfil de cachorro se relaciona com um amigo-gato. O temperamento afetuoso e, em certa medida, emocionalmente dependente do sujeito acaba exigindo da amizade uma presença e um nível de troca que o amigo-gato não está disposto a dar, porque não é do seu feitio, é contra a sua natureza.
Antes de onerar a relação com cobranças que só farão entornar o caldo, convém fazer um esforço extra para enxergar o outro como é, resistir ao impulso de moldá-lo aos nossos valores e compreender que certos gestos e atenções devem ser espontâneos. Nem todo mundo é capaz de preencher todas as nossas necessidades; para algumas delas, é melhor poupar frustrações e contar logo com um amigo-cachorro. Uma atitude muito mais sábia do que passar dias e noites a fio tentando ensinar um gato a sentar e dar a pata.
domingo, 30 de maio de 2010
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Mais Café e menos Red Bull?
Mais uma Semana da Parada está chegando e os principais clubes paulistanos já anunciaram sua programação. No geral, tudo será parecido com os anos anteriores: são festas pensadas para receber o grande número de turistas que desembarcam na cidade. É o nosso Carnaval gay fora de época. Tudo é mega por definição, e não dá para ser de outro jeito. Nas noites cotidianas, porém, vem se esboçando uma mudança de comportamento. O formato de megaclube, que deu o tom da cena dos últimos anos, ainda dá um bom caldo, mas está crescendo uma demanda por algo diferente.
Quem encarna o paradigma vigente e o representa da melhor maneira é a The Week, que segue firme como o maior clube do país. André Almada e seus sócios não tiveram uma ideia nova - o padrão foi apropriado da finada festa carioca X-Demente, que, por sua vez, bebeu na fonte das circuit parties norte-americanas - mas lapidaram o conceito, incorporando um nível de conforto e profissionalismo que deram grande visibilidade à marca, fazendo dela uma referência em todo o Brasil e até mesmo lá fora. Não é exagero dizer que todas as casas gays do Brasil hoje querem ser a The Week, da Black Box de Curitiba à Vogue de Natal.
O espaço da rua Guaicurus continua a todo vapor, e nem mesmo a abertura de outros dois clubes - de porte similar, na mesma região e teoricamente voltados ao mesmo nicho - abalou o movimento da casa. Mas, se o sucesso da TW atraiu rostos novos e até tribos novas (os héteros chegaram como paraquedistas eventuais e hoje são uma realidade, muitos são clientes cativos), há frequentadores da "velha guarda" que deixaram de dar as caras por lá. É que, com tudo de bom e mágico que existe no autodeclarado Universo Perfeito, divertir-se nele pode dar um trabalho danado.
O ritual começa com a preparação do corpo, que deve estar esculpido dentro de rígidos padrões impostos e descansado para enfrentar uma verdadeira maratona, para a qual toda ajudinha etílica ou sintética será válida. Depois, é preciso ter paciência e espírito esportivo para enfrentar a fila do estacionamento, do bar e do banheiro, assim como a lotação da pista, em meio a pessoas nos mais variados estados de espírito e consciência. E sempre correndo o risco de ter pertences subtraídos sorrateiramente, prática difícil de coibir na multidão.
Por essas e outras, algumas pessoas não chegaram a pendurar as chuteiras, mas sentiram que aquele modelo de jogação já não as satisfazia completamente. Até porque lá se vão mais de cinco anos repetindo a mesma brincadeira. Para elas, ainda pode ser legal ir a um clube grande e ter uma noite grande, pesada, superlativa, mas às vezes tudo o que querem é algo menor, mais simples, mais intimista. Um lugar para ver gente, encontrar os amigos e conhecer pessoas - tendo espaço para conversar, fazer contato visual, flertar. Como antigamente. Como às vezes se torna difícil fazer nos megaclubes.
Nesse contexto, meio que por acidente, um novo player da cena atirou onde viu e acertou onde não viu. Sim, estou falando do Duda Hering e seu Café Com Vodka que, à sua maneira, tornou-se um case de sucesso na noite gay paulistana. No espaço reduzido do Sonique, o CCV consegue entregar justamente o que falta num clube grande: a possibilidade de conversar e interagir (ainda que não dê pra chamar o projeto de "descontraído" nem "despretensioso"), sem ter que afundar os dois pés na jaca. Não é preciso nem perder a noite de sono.
Uma outra questão importante é a própria segregação interna do meio gay, muito mais imerso em preconceitos do que deveria. As bunitas buscam a sensação de exclusividade, querem um microcosmo irreal e sem diferenças, e o sucesso de um megaclube de predicados estelares leva inevitavelmente à popularização. Hoje, a TW é uma atração turística de São Paulo. Para ela, todo dinheiro que entra é dinheiro (e devem ser rios de dinheiro), mas, para quem aspira ao público dito "AAA", o risco de ver o "nível" da pista cair é um verdadeiro fantasma. Que Deus livre a TW de um dia se tornar uma Flexx: um clube aberto por uma bunita, que vive lotado, mas não é prestigiado justamente pelas bunitas amigas do dono.
Como o Café com Vodka é pequeno, nasceu e se organizou em torno de uma panelinha, é muito mais fácil controlar a procedência das mercadorias expostas na prateleira. Duda é esperto, bem relacionado e aciona a colaboração dos seus amigos mais próximos para que estes emprestem sua estampa ao Café e confiram uma cara própria ao projeto. As recentes brincadeiras de recrutar os fiéis soldados da casa para brincarem de garçons ou se apresentarem vestidos de mulher são exemplos totalmentes ilustrativos, e muito menos ingênuos e desinteressados do que podem parecer. Gerou-se um frisson, um marketing direcionado e eficiente, que circulou apenas nos Facebooks de quem interessa, reforçando a imagem de reduto de bunitas. Talvez um dia essa fama atraia paraquedistas e dilua a tão perseguida sensação de exclusividade - mas o apelo do Sonique à massa é muito menor do que o das instalações espetaculares da TW.
No frigir dos ovos, não se trata de anunciar a superação do paradigma do grande clube. A TW continua imbatível dentro da proposta dela. Recentemente, depois de repaginar a pista 2, colocou deliciosos sofás em volta da piscina, deslocou o fumódromo e conseguiu melhorar o que já era incrível. Mas já cresceu e inventou tanto, que vai ficando cada vez mais difícil surpreender o público. Por outro lado, a demanda por outros perfis e formatos de diversão é uma realidade, e explica o sucesso de iniciativas como o TV Bar no Rio e o próprio Café Com Vodka em SP. É ótimo que haja opções para todos os gostos e vontades e, por mais que a cena gay paulistana seja a maior do Brasil, ainda existem lacunas a se explorar. Temos três (!) megaclubes e pelo menos outra meia dúzia de boates médias, mas nem mesmo um único bar gay bacana. O Piaf veio cheio de boas intenções, mas não decolou. Quem vai ter essa ideia?
Quem encarna o paradigma vigente e o representa da melhor maneira é a The Week, que segue firme como o maior clube do país. André Almada e seus sócios não tiveram uma ideia nova - o padrão foi apropriado da finada festa carioca X-Demente, que, por sua vez, bebeu na fonte das circuit parties norte-americanas - mas lapidaram o conceito, incorporando um nível de conforto e profissionalismo que deram grande visibilidade à marca, fazendo dela uma referência em todo o Brasil e até mesmo lá fora. Não é exagero dizer que todas as casas gays do Brasil hoje querem ser a The Week, da Black Box de Curitiba à Vogue de Natal.
O espaço da rua Guaicurus continua a todo vapor, e nem mesmo a abertura de outros dois clubes - de porte similar, na mesma região e teoricamente voltados ao mesmo nicho - abalou o movimento da casa. Mas, se o sucesso da TW atraiu rostos novos e até tribos novas (os héteros chegaram como paraquedistas eventuais e hoje são uma realidade, muitos são clientes cativos), há frequentadores da "velha guarda" que deixaram de dar as caras por lá. É que, com tudo de bom e mágico que existe no autodeclarado Universo Perfeito, divertir-se nele pode dar um trabalho danado.
O ritual começa com a preparação do corpo, que deve estar esculpido dentro de rígidos padrões impostos e descansado para enfrentar uma verdadeira maratona, para a qual toda ajudinha etílica ou sintética será válida. Depois, é preciso ter paciência e espírito esportivo para enfrentar a fila do estacionamento, do bar e do banheiro, assim como a lotação da pista, em meio a pessoas nos mais variados estados de espírito e consciência. E sempre correndo o risco de ter pertences subtraídos sorrateiramente, prática difícil de coibir na multidão.
Por essas e outras, algumas pessoas não chegaram a pendurar as chuteiras, mas sentiram que aquele modelo de jogação já não as satisfazia completamente. Até porque lá se vão mais de cinco anos repetindo a mesma brincadeira. Para elas, ainda pode ser legal ir a um clube grande e ter uma noite grande, pesada, superlativa, mas às vezes tudo o que querem é algo menor, mais simples, mais intimista. Um lugar para ver gente, encontrar os amigos e conhecer pessoas - tendo espaço para conversar, fazer contato visual, flertar. Como antigamente. Como às vezes se torna difícil fazer nos megaclubes.
Nesse contexto, meio que por acidente, um novo player da cena atirou onde viu e acertou onde não viu. Sim, estou falando do Duda Hering e seu Café Com Vodka que, à sua maneira, tornou-se um case de sucesso na noite gay paulistana. No espaço reduzido do Sonique, o CCV consegue entregar justamente o que falta num clube grande: a possibilidade de conversar e interagir (ainda que não dê pra chamar o projeto de "descontraído" nem "despretensioso"), sem ter que afundar os dois pés na jaca. Não é preciso nem perder a noite de sono.
Uma outra questão importante é a própria segregação interna do meio gay, muito mais imerso em preconceitos do que deveria. As bunitas buscam a sensação de exclusividade, querem um microcosmo irreal e sem diferenças, e o sucesso de um megaclube de predicados estelares leva inevitavelmente à popularização. Hoje, a TW é uma atração turística de São Paulo. Para ela, todo dinheiro que entra é dinheiro (e devem ser rios de dinheiro), mas, para quem aspira ao público dito "AAA", o risco de ver o "nível" da pista cair é um verdadeiro fantasma. Que Deus livre a TW de um dia se tornar uma Flexx: um clube aberto por uma bunita, que vive lotado, mas não é prestigiado justamente pelas bunitas amigas do dono.
Como o Café com Vodka é pequeno, nasceu e se organizou em torno de uma panelinha, é muito mais fácil controlar a procedência das mercadorias expostas na prateleira. Duda é esperto, bem relacionado e aciona a colaboração dos seus amigos mais próximos para que estes emprestem sua estampa ao Café e confiram uma cara própria ao projeto. As recentes brincadeiras de recrutar os fiéis soldados da casa para brincarem de garçons ou se apresentarem vestidos de mulher são exemplos totalmentes ilustrativos, e muito menos ingênuos e desinteressados do que podem parecer. Gerou-se um frisson, um marketing direcionado e eficiente, que circulou apenas nos Facebooks de quem interessa, reforçando a imagem de reduto de bunitas. Talvez um dia essa fama atraia paraquedistas e dilua a tão perseguida sensação de exclusividade - mas o apelo do Sonique à massa é muito menor do que o das instalações espetaculares da TW.
No frigir dos ovos, não se trata de anunciar a superação do paradigma do grande clube. A TW continua imbatível dentro da proposta dela. Recentemente, depois de repaginar a pista 2, colocou deliciosos sofás em volta da piscina, deslocou o fumódromo e conseguiu melhorar o que já era incrível. Mas já cresceu e inventou tanto, que vai ficando cada vez mais difícil surpreender o público. Por outro lado, a demanda por outros perfis e formatos de diversão é uma realidade, e explica o sucesso de iniciativas como o TV Bar no Rio e o próprio Café Com Vodka em SP. É ótimo que haja opções para todos os gostos e vontades e, por mais que a cena gay paulistana seja a maior do Brasil, ainda existem lacunas a se explorar. Temos três (!) megaclubes e pelo menos outra meia dúzia de boates médias, mas nem mesmo um único bar gay bacana. O Piaf veio cheio de boas intenções, mas não decolou. Quem vai ter essa ideia?
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Meu guia gastronômico do Rio 2010 - parte 2
A parte 1, você encontra aqui.
BELISCOS E GULOSEIMAS
O Cafeína (de novo ele!) é uma espécie de coringa: tem cafeteria, salgados, doces, sanduíches e até refeições mais substanciosas. Cada vez mais pop, tornou-se a primeira lembrança de muitos quando bate aquela fome da tarde - afinal, é prático encontrar tudo num lugar só. Mas meus preferidos são outros. Os melhores salgados são os da delicatessen The Bakers, em Copacabana - a quiche Provol'onionz, de queijo provolone com cebola, é um arraso. Para sanduíches, difícil superar o Talho Capixaba, no Leblon: com algum talento, você monta um lanche incrível, escolhendo pães, frios, pastas e outros recheios em uma lista gigantesca de ingredientes. No Centro da cidade, sou louco pelo Ateliê Culinário, anexo ao Cine Odeon, que manda bem tanto nas quiches e salgados como em pratos quentes. E se para você comida é uma preocupação secundária, sente-se em uma das mesas externas da Confeitaria Colombo do Forte de Copacabana e admire a vista espetacular - é ela que ficará em sua memória, não os quitutes de lá.
Bateu aquela vontade de comer doce? A tentadora mesa do quilo Fellini tem uma torta alemã com calda de chocolate morno que é de comer de joelhos. Para rivalizar com ela, só mesmo a torta maravilha (de morango ou banana) da Torta & Cia., no Humaitá e no Leblon. Os bolos da Doce Delícia também não decepcionam. Em termos de sorvete, o Rio me agrada até mais do que São Paulo. Fãs de sabores cremosos na linha La Basque têm orgasmos na rede Itália - o sorvete de torta alemã é algo! Para paladares mais refinados, a Mil Frutas é um programa imperdível: entre sabores de fruta e cremosos, há mais de 180 opções, e a casa não cansa de surpreender com novidades. É cara como Haagen-Dazs, mas vale cada centavo.
Ipanema lança novos modismos a cada verão, e isso também vale para comidinhas. Primeiro vieram as temakerias; depois, as lojinhas de frozen yogurt; no verão passado, surgiu ali uma estranha mania de comer kebab, o famoso churrasco grego, em versão desestigmatizada. Em todos os casos, uma casa lança a ideia, faz sucesso e, na semana seguinte, dezenas de imitações já se espalharam pelos quarteirões. Melhor ficar com os pioneiros: os temakis da Koni Store e o frozen yogurt da Yogoberry. Confesso que não tenho a menor vontade de provar um kebab carioca: se a ideia é um petisco étnico, me apetecem mais as tapas espanholas do Venga!, ou as bruschettas da Prima Bruschetteria.
JANTAR
Comer fora também é programa de carioca, como não? Com direito às mesmas esperas intermináveis que eles acham ruins quando vêm passear em São Paulo, é bom dizer. Nos restaurantes mais buxixados, como o japonês Sushi Leblon, a distração de quem fica plantado esperando mesa é ver e ser visto (alguém pensou no Spot?) e dar de cara com alguma celebridade. Outros japas de responsa são o Ten Kai, em Ipanema, o Manekineko, para quem curte invencionismos ocidentais, e o Azumi, que é o extremo oposto de todos os anteriores: tradicional, purista e frequentado por "japoneses de verdade". Agora eu quero conhecer o Nao, no Fashion Mall, que serve esqueminhas (menus-degustação) criados por Nao Hara, o sushiman do elogiado Shin Miura.
A cozinha contemporânea tem vários representantes dignos na cidade. Meu favorito é o Zazá Bistrô Tropical, um sobrado colorido, de cardápio bem criativo - o curry de frango e o rosbife de cordeiro são simplesmente matadores. No andar superior, você tira os sapatos e come em mesas baixas, jogado em almofadões, à luz de velas. O Bar d'Hôtel, no primeiro andar do Marina All Suites, serve pratos de inspiração francesa, na linha do nosso Ruella (cuja chef já foi sócia do BDH). No Miam Miam [foto], a proposta é comfort food: receitas caseiras, que tragam conforto e lembranças de infância, relidas de forma moderna. O lugar é charmoso e bem retrô, como uma casa de avó. Vários amigos meus adoram o Zuka, mas o cardápio de lá não me atrai tanto; o Bazzar, por outro lado, tem um menu bem amplo e versátil. Uma dica que muitos me deram e ainda não conferi é o restaurante da Roberta Sudbrack, primeira mulher a comandar a cozinha no Palácio do Planalto. Não há cardápio: você embarca numa viagem de vários pratos servidos em esquema degustação pela chef.
Para um jantarzinho a dois, algumas sugestões são o Copa Café, super intimista, que prepara hambúrgueres sofisticados no prato (criados pelo chef do nosso B&B Burger Bistrot), o Juice & Co., que faz a linha saudável, com receitas mais leves e uma carta de 60 sucos, e o Nam Thai, um tailandês fantástico - melhor até que o Sawasdee, o thai da moda. Os paulistanos Carlota e Le Vin também têm filiais no Rio. Se, por outro lado, a ideia é badalar, boas pedidas são os já citados Sushi Leblon e Bar d'Hôtel, além do despretensioso Via Sete e do Felice, unanimidade absoluta entre o público gay.
E, para desfazer certos mitos, vale avisar que no Rio também se comem ótimas pizzas. É verdade que a pizzaria da moda é a paulistaníssima Bráz, que já tem duas filiais cariocas. Mas há outras boas opções, como a Stravaganze, de ambiente moderno, a Capricciosa, pizzaria de grife, considerada por muitos como a melhor da cidade, e, numa linha mais informal, os discos fininhos e crocantes da Pizza Park (Cobal do Humaitá e Cobal do Leblon) e da pizzaria do supermercado Zona Sul. Carioca colocando catchup na pizza, eu só vi mesmo no Pizza Park, que tem cara de bar...
FOME DA MADRUGADA
Até aqui eu vinha dizendo que o Rio não ficava devendo a SP em nenhum aspecto. Pensando melhor, fica sim: a oferta de comida na madrugada é bastante inferior. Mesmo sem bons restaurantes ou padarias 24 horas, porém, há vários lugares que podem quebrar o galho. Dá para tomar um bom lanche em lojas de suco como Kicê (até 2h; até 3h no fds), Bibi (até 2h; até 3h no fds) e BB Lanches (até 3h; 5h no fds), ou comer um temaki na Koni Store da Farme (até 3h; qui./sáb., até 6h). Se um salgado for suficiente, a Fornalha tem três lojas que funcionam 24h.
No clássico Cervantes (até 4h; até 6h no fds), os sanduíches de pernil ou filé com abacaxi (equivalentes em fama ao nosso sanduíche de pernil do Estadão) abastecem a eclética fauna noturna de Copacabana há 55 anos. No Jobi, um dos mais importantes botequins do Rio, a saideira vai até 4h (5h no finde) e pode incluir pratos quentes. Se estiver pela Lapa, o também tradicional restaurante Nova Capela fecha às 5h todos os dias - mas não é qualquer um que consegue traçar um cabrito com arroz de brócolis de madrugada. Só não me peça para recomendar a Pizzaria Guanabara (até 7h): o lugar pode ser fervido e cheio de histórias (Cazuza e seus amigos sempre terminavam a noite ali), mas a pizza é intragável.
BELISCOS E GULOSEIMAS
O Cafeína (de novo ele!) é uma espécie de coringa: tem cafeteria, salgados, doces, sanduíches e até refeições mais substanciosas. Cada vez mais pop, tornou-se a primeira lembrança de muitos quando bate aquela fome da tarde - afinal, é prático encontrar tudo num lugar só. Mas meus preferidos são outros. Os melhores salgados são os da delicatessen The Bakers, em Copacabana - a quiche Provol'onionz, de queijo provolone com cebola, é um arraso. Para sanduíches, difícil superar o Talho Capixaba, no Leblon: com algum talento, você monta um lanche incrível, escolhendo pães, frios, pastas e outros recheios em uma lista gigantesca de ingredientes. No Centro da cidade, sou louco pelo Ateliê Culinário, anexo ao Cine Odeon, que manda bem tanto nas quiches e salgados como em pratos quentes. E se para você comida é uma preocupação secundária, sente-se em uma das mesas externas da Confeitaria Colombo do Forte de Copacabana e admire a vista espetacular - é ela que ficará em sua memória, não os quitutes de lá.
Bateu aquela vontade de comer doce? A tentadora mesa do quilo Fellini tem uma torta alemã com calda de chocolate morno que é de comer de joelhos. Para rivalizar com ela, só mesmo a torta maravilha (de morango ou banana) da Torta & Cia., no Humaitá e no Leblon. Os bolos da Doce Delícia também não decepcionam. Em termos de sorvete, o Rio me agrada até mais do que São Paulo. Fãs de sabores cremosos na linha La Basque têm orgasmos na rede Itália - o sorvete de torta alemã é algo! Para paladares mais refinados, a Mil Frutas é um programa imperdível: entre sabores de fruta e cremosos, há mais de 180 opções, e a casa não cansa de surpreender com novidades. É cara como Haagen-Dazs, mas vale cada centavo.
Ipanema lança novos modismos a cada verão, e isso também vale para comidinhas. Primeiro vieram as temakerias; depois, as lojinhas de frozen yogurt; no verão passado, surgiu ali uma estranha mania de comer kebab, o famoso churrasco grego, em versão desestigmatizada. Em todos os casos, uma casa lança a ideia, faz sucesso e, na semana seguinte, dezenas de imitações já se espalharam pelos quarteirões. Melhor ficar com os pioneiros: os temakis da Koni Store e o frozen yogurt da Yogoberry. Confesso que não tenho a menor vontade de provar um kebab carioca: se a ideia é um petisco étnico, me apetecem mais as tapas espanholas do Venga!, ou as bruschettas da Prima Bruschetteria.
JANTAR
Comer fora também é programa de carioca, como não? Com direito às mesmas esperas intermináveis que eles acham ruins quando vêm passear em São Paulo, é bom dizer. Nos restaurantes mais buxixados, como o japonês Sushi Leblon, a distração de quem fica plantado esperando mesa é ver e ser visto (alguém pensou no Spot?) e dar de cara com alguma celebridade. Outros japas de responsa são o Ten Kai, em Ipanema, o Manekineko, para quem curte invencionismos ocidentais, e o Azumi, que é o extremo oposto de todos os anteriores: tradicional, purista e frequentado por "japoneses de verdade". Agora eu quero conhecer o Nao, no Fashion Mall, que serve esqueminhas (menus-degustação) criados por Nao Hara, o sushiman do elogiado Shin Miura.
A cozinha contemporânea tem vários representantes dignos na cidade. Meu favorito é o Zazá Bistrô Tropical, um sobrado colorido, de cardápio bem criativo - o curry de frango e o rosbife de cordeiro são simplesmente matadores. No andar superior, você tira os sapatos e come em mesas baixas, jogado em almofadões, à luz de velas. O Bar d'Hôtel, no primeiro andar do Marina All Suites, serve pratos de inspiração francesa, na linha do nosso Ruella (cuja chef já foi sócia do BDH). No Miam Miam [foto], a proposta é comfort food: receitas caseiras, que tragam conforto e lembranças de infância, relidas de forma moderna. O lugar é charmoso e bem retrô, como uma casa de avó. Vários amigos meus adoram o Zuka, mas o cardápio de lá não me atrai tanto; o Bazzar, por outro lado, tem um menu bem amplo e versátil. Uma dica que muitos me deram e ainda não conferi é o restaurante da Roberta Sudbrack, primeira mulher a comandar a cozinha no Palácio do Planalto. Não há cardápio: você embarca numa viagem de vários pratos servidos em esquema degustação pela chef.
Para um jantarzinho a dois, algumas sugestões são o Copa Café, super intimista, que prepara hambúrgueres sofisticados no prato (criados pelo chef do nosso B&B Burger Bistrot), o Juice & Co., que faz a linha saudável, com receitas mais leves e uma carta de 60 sucos, e o Nam Thai, um tailandês fantástico - melhor até que o Sawasdee, o thai da moda. Os paulistanos Carlota e Le Vin também têm filiais no Rio. Se, por outro lado, a ideia é badalar, boas pedidas são os já citados Sushi Leblon e Bar d'Hôtel, além do despretensioso Via Sete e do Felice, unanimidade absoluta entre o público gay.
E, para desfazer certos mitos, vale avisar que no Rio também se comem ótimas pizzas. É verdade que a pizzaria da moda é a paulistaníssima Bráz, que já tem duas filiais cariocas. Mas há outras boas opções, como a Stravaganze, de ambiente moderno, a Capricciosa, pizzaria de grife, considerada por muitos como a melhor da cidade, e, numa linha mais informal, os discos fininhos e crocantes da Pizza Park (Cobal do Humaitá e Cobal do Leblon) e da pizzaria do supermercado Zona Sul. Carioca colocando catchup na pizza, eu só vi mesmo no Pizza Park, que tem cara de bar...
FOME DA MADRUGADA
Até aqui eu vinha dizendo que o Rio não ficava devendo a SP em nenhum aspecto. Pensando melhor, fica sim: a oferta de comida na madrugada é bastante inferior. Mesmo sem bons restaurantes ou padarias 24 horas, porém, há vários lugares que podem quebrar o galho. Dá para tomar um bom lanche em lojas de suco como Kicê (até 2h; até 3h no fds), Bibi (até 2h; até 3h no fds) e BB Lanches (até 3h; 5h no fds), ou comer um temaki na Koni Store da Farme (até 3h; qui./sáb., até 6h). Se um salgado for suficiente, a Fornalha tem três lojas que funcionam 24h.
No clássico Cervantes (até 4h; até 6h no fds), os sanduíches de pernil ou filé com abacaxi (equivalentes em fama ao nosso sanduíche de pernil do Estadão) abastecem a eclética fauna noturna de Copacabana há 55 anos. No Jobi, um dos mais importantes botequins do Rio, a saideira vai até 4h (5h no finde) e pode incluir pratos quentes. Se estiver pela Lapa, o também tradicional restaurante Nova Capela fecha às 5h todos os dias - mas não é qualquer um que consegue traçar um cabrito com arroz de brócolis de madrugada. Só não me peça para recomendar a Pizzaria Guanabara (até 7h): o lugar pode ser fervido e cheio de histórias (Cazuza e seus amigos sempre terminavam a noite ali), mas a pizza é intragável.
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Mobilidade social
Quem gosta de ler Valor Econômico e cadernos de finanças em geral (não é o meu caso) sabe que o valor das ações de uma companhia na Bolsa sobe e desce ao sabor de diversos acontecimentos nos quais a empresa se envolve. Lançamento de produtos, notícias de fusões e aquisições, escândalos envolvendo sócios e até mesmo meros temores, boatos e especulações são capazes de fazer a cotação daquela empresa escalar degraus ou despencar no mercado.
Algo parecido acontece na vida social. Nossa cotação nos meios em que transitamos também flutua ao longo do tempo. E tudo pode ser motivo. Construímos um corpão. Ganhamos destaque por conta de nossa atuação profissional. Compramos um belo carro. Passamos a frequentar o círculo social de alguém tido como importante. Vestimos as roupas certas. Começamos a sair com um tipão, desses bem cobiçados. Fazemos uma determinada viagem. Moramos numa casa ótima para festas. Pelos nossos feitos ou nossas ideias, conquistamos visibilidade. Ou então descuidamos da forma física. Cometemos uma gafe pública. Enfrentamos um problema de saúde. Levamos aquele fora. Entramos no vermelho. Perdemos o emprego. Ou o trono.
Se as causas são muitas, as conseqüências também são diversas, e bem claras: conforme a maré esteja ou não ao seu favor, todas as portas se abrem - ou se fecham. Quando tudo vai bem, todos querem saber como você está. Querem sua companhia, sua presença e sua participação. O telefone não pára de tocar; convites chegam ao seu e-mail e à soleira da sua porta. Chovem gentilezas, scraps, twits, comments, beijos e abraços, de dia e à noite. E propostas indecorosas, é claro - de sexo e até namoro. Mas o mercado é instável, e a mesma fonte que jorra dólares pode estar seca depois de dobrada a esquina. É um jogo: lance os dados, ande quatro casas, volte três casas. De mandachuva a pária, de Gisele a Geni, de instant hit a epic fail, esses emocionantes fluxos e oscilações são a verdadeira expressão da mobilidade social em nosso meio.
Como as fases de bonança e revés se alternam, as mesmas pessoas que um dia abriram as portas para você poderão fechá-las e - o que é mais engraçado - depois voltar a abri-las, com um sorriso sempre impecável. O que nos faz lembrar que não dá para levar nada disso muito a sério. E que quem aposta em você em um dia e abandona o barco no outro não é seu amigo, mas apenas um especulador barato. Que é o que mais tem por aí.
Algo parecido acontece na vida social. Nossa cotação nos meios em que transitamos também flutua ao longo do tempo. E tudo pode ser motivo. Construímos um corpão. Ganhamos destaque por conta de nossa atuação profissional. Compramos um belo carro. Passamos a frequentar o círculo social de alguém tido como importante. Vestimos as roupas certas. Começamos a sair com um tipão, desses bem cobiçados. Fazemos uma determinada viagem. Moramos numa casa ótima para festas. Pelos nossos feitos ou nossas ideias, conquistamos visibilidade. Ou então descuidamos da forma física. Cometemos uma gafe pública. Enfrentamos um problema de saúde. Levamos aquele fora. Entramos no vermelho. Perdemos o emprego. Ou o trono.
Se as causas são muitas, as conseqüências também são diversas, e bem claras: conforme a maré esteja ou não ao seu favor, todas as portas se abrem - ou se fecham. Quando tudo vai bem, todos querem saber como você está. Querem sua companhia, sua presença e sua participação. O telefone não pára de tocar; convites chegam ao seu e-mail e à soleira da sua porta. Chovem gentilezas, scraps, twits, comments, beijos e abraços, de dia e à noite. E propostas indecorosas, é claro - de sexo e até namoro. Mas o mercado é instável, e a mesma fonte que jorra dólares pode estar seca depois de dobrada a esquina. É um jogo: lance os dados, ande quatro casas, volte três casas. De mandachuva a pária, de Gisele a Geni, de instant hit a epic fail, esses emocionantes fluxos e oscilações são a verdadeira expressão da mobilidade social em nosso meio.
Como as fases de bonança e revés se alternam, as mesmas pessoas que um dia abriram as portas para você poderão fechá-las e - o que é mais engraçado - depois voltar a abri-las, com um sorriso sempre impecável. O que nos faz lembrar que não dá para levar nada disso muito a sério. E que quem aposta em você em um dia e abandona o barco no outro não é seu amigo, mas apenas um especulador barato. Que é o que mais tem por aí.
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Meu guia gastronômico do Rio - parte 1
Por incrível que pareça, ainda há gente desinformada que imagina que no Rio de Janeiro se come mal, pode? Os cariocas podem até não ter a mesma devoção pela boa mesa dos paulistanos (até porque ali a devoção pelo corpo fala mais alto), mas seu circuito gastronômico é riquíssimo e capaz de satisfazer qualquer tipo de paladar - e surpreender. Sempre chego ao Rio com uma lista de lugares para conhecer, e volto para casa sem ter conseguido conferir nem metade.
Numa cultura que preza a informalidade, quem dá o colorido local são os célebres botequins, imitados Brasil afora, e as casas de suco, que não existem em nenhum outro lugar. Mas nem só de baixa gastronomia vive o Rio: há excelentes restaurantes por lá. Em comparação com São Paulo, há bem menos franceses e italianos; por outro lado, há mais casas de frutos do mar, portugueses e, se bobear, até japoneses (a disputa é dura). Às vezes, tenho também a impressão de que há mais cafés por lá (ainda que isso combine mais com o nosso clima que com o deles).
Já fazia tempo que eu estava devendo uma re-edição do meu roteiro carioca: vira e mexe dou alguma dica solta em Rapidinhas, mas um miniguia de verdade eu só postei em 2006. O gancho que me levou a atualizá-lo agora é a segunda edição da Rio Restaurant Week, que está acontecendo por lá até o dia 23/5 (mas a seleção deste guia não necessariamente coincide com as casas participantes). Desta vez, optei por indicar mais lugares e fazer descrições menos detalhadas. Os endereços, vocês conferem nos links.
CAFÉ DA MANHÃ
Para ver e ser visto já no começo do dia, não há lugar melhor que o Cafeína da Rua Farme de Amoedo, em Ipanema. Sentado em uma das disputadas mesas externas, você poderá assistir de camarote ao vaivém de cariocas e turistas indo e vindo da praia. Como os preços não são lá muito camaradas, há quem consiga fazer um simples espresso render por horas... Se a varanda estiver lotada, o vizinho Colher de Pau é uma alternativa. O cardápio não faz feio, e os valores são mais justos: dá para tomar um café da manhã digníssimo, com bebida quente, suco de laranja, cestinha de pães, manteiga ou requeijão, peito de peru e um delicioso queijo fresco caseiro, por apenas R$12.
Se quiser tirar onda de carioca da gema, vá fazer seu desjejum no supermercado Zona Sul. O café da manhã é servido até as 11h em um bufê por peso, com grande variedade de pães, frios, bolos, geléias e uma ótima relação custo-benefício. Atente que nem todos os endereços da rede servem café: nos arredores do fervo de Ipanema, as filiais mais próximas são a da Praça General Osório e a da Rua Francisco Sá (já em Copacabana, no Posto 6).
Se o dia nublou ou sua fissura de praia passou, dirija-se ao Parque Lage, nas imediações do Jardim Botânico, e renda-se ao charme do Café du Lage. O café é servido no pátio interno da casa que abriga a Escola de Artes Visuais do parque, à beira da piscina e aos pés do Cristo Redentor, num cenário encantador. Não muito longe dali, a Escola do Pão pilota, aos sábados e domingos, uma verdadeira orgia alimentar, daquelas que inviabilizam não só o almoço como a praia do dia.
ALMOÇO
A praia deixou você faminto? A Zona Sul tem ótimos restaurantes por quilo (no Rio se diz "a" quilo), alguns deles com receitas elaboradas, dignas dos melhores cardápios. É o caso do disputado Couve-Flor, no Jardim Botânico, do Fellini (meu predileto, no Leblon; o que é aquela torta alemã com calda?) e do Da Silva, dentro do Rio Design - esse é a versão quilo do estrelado português Antiquarius, ou seja, vá preparado para comer bacalhau da silva, arroz de pato e siricaia de sobremesa (hummm!). Se não quiser sair de Ipanema, nem andar muito, tente o Fazendola (os pratos quentes decaíram muito, mas os sushis continuam bem corretos), o Frontera (para encontrar o viadeiro em peso e se esbaldar no brigadeirão) ou o Papa Fina, mais low profile, na Vinícius. Ou se jogue no rodízio japonês do Nik Sushi, um dos melhores da cidade.
Para quem prefere almoço à la carte, há restaurantes agradáveis e bem versáteis. O Gula Gula é um clássico carioca - as saladas estilo salpicão e os picadinhos do dia são marca registrada da casa - mas a espera por uma mesa pode ser cruel. O Doce Delícia tem saladas, tortas doces e pratos quentes excelentes (indico o Frango Delícia e o Filé Normandie) e foi inteiro repaginado, ficou uma graça. No Alessandro & Frederico, todo mundo quer sentar na varanda e acompanhar o movimento da Rua Garcia D'Ávila. Dentro da übercool Livraria da Travessa de Ipanema, o Bazzar Café é o restaurante onde Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda almoçariam se o seriado Sex & The City se passasse no Rio.
Numa linha mais saudável, casas de suco como Bibi, BB Lanches e Polis Sucos preparam boas vitaminas e sanduíches (por que não existe um lugar em SP que faça uma pasta de ricota decente, meu Deus?); o Bibi ainda serve crepes substanciais e um ótimo strogonoff. Marombeiros radicais não arredam pé do New Natural, um quilo excessivamente natureba, que era unanimidade entre as barbies até que o Frontera abocanhasse parte desse público. Os moderninhos adoram o Market [eu escrevi recentemente sobre ele, aqui] e o Líquido, na Praça N. Sra. da Paz. Nesse último, os carros-chefe são as dosas, levíssimas crepes de massa de farinhas de arroz e lentilha, com recheios e chutneys a combinar, mas ali eu prefiro pedir o Sesame Líquido (atum semicru com molho teriaki, risoto de parmesão e macadâmia, tomate confit e azeite trufado).
Mas o Rio não é só a Zona Sul. O bairro "alternativo" de Santa Teresa tem um charme pitoresco e bons restaurantes, como o Aprazível, que serve comida brasileira atualizada em gostosas mesas ao ar livre, algumas com direito a uma vista fantástica da cidade. No Centro, minha dica é o Cais do Oriente, casarão histórico escondido numa ruela atrás do Centro Cultural Banco do Brasil, com menu que mescla ocidente e oriente. E para quem está pelos lados da Zona Oeste, a região de Guaratiba, bem depois da Barra e Recreio, tem alguns dos melhores restaurantes de frutos do mar da cidade, como o Tia Palmira (o pioneiro), o Bira (do filho dela) e o 476. Mas não posso recomendá-los, porque nunca me atrevi a ir tão longe...
Numa cultura que preza a informalidade, quem dá o colorido local são os célebres botequins, imitados Brasil afora, e as casas de suco, que não existem em nenhum outro lugar. Mas nem só de baixa gastronomia vive o Rio: há excelentes restaurantes por lá. Em comparação com São Paulo, há bem menos franceses e italianos; por outro lado, há mais casas de frutos do mar, portugueses e, se bobear, até japoneses (a disputa é dura). Às vezes, tenho também a impressão de que há mais cafés por lá (ainda que isso combine mais com o nosso clima que com o deles).
Já fazia tempo que eu estava devendo uma re-edição do meu roteiro carioca: vira e mexe dou alguma dica solta em Rapidinhas, mas um miniguia de verdade eu só postei em 2006. O gancho que me levou a atualizá-lo agora é a segunda edição da Rio Restaurant Week, que está acontecendo por lá até o dia 23/5 (mas a seleção deste guia não necessariamente coincide com as casas participantes). Desta vez, optei por indicar mais lugares e fazer descrições menos detalhadas. Os endereços, vocês conferem nos links.
CAFÉ DA MANHÃ
Para ver e ser visto já no começo do dia, não há lugar melhor que o Cafeína da Rua Farme de Amoedo, em Ipanema. Sentado em uma das disputadas mesas externas, você poderá assistir de camarote ao vaivém de cariocas e turistas indo e vindo da praia. Como os preços não são lá muito camaradas, há quem consiga fazer um simples espresso render por horas... Se a varanda estiver lotada, o vizinho Colher de Pau é uma alternativa. O cardápio não faz feio, e os valores são mais justos: dá para tomar um café da manhã digníssimo, com bebida quente, suco de laranja, cestinha de pães, manteiga ou requeijão, peito de peru e um delicioso queijo fresco caseiro, por apenas R$12.
Se quiser tirar onda de carioca da gema, vá fazer seu desjejum no supermercado Zona Sul. O café da manhã é servido até as 11h em um bufê por peso, com grande variedade de pães, frios, bolos, geléias e uma ótima relação custo-benefício. Atente que nem todos os endereços da rede servem café: nos arredores do fervo de Ipanema, as filiais mais próximas são a da Praça General Osório e a da Rua Francisco Sá (já em Copacabana, no Posto 6).
Se o dia nublou ou sua fissura de praia passou, dirija-se ao Parque Lage, nas imediações do Jardim Botânico, e renda-se ao charme do Café du Lage. O café é servido no pátio interno da casa que abriga a Escola de Artes Visuais do parque, à beira da piscina e aos pés do Cristo Redentor, num cenário encantador. Não muito longe dali, a Escola do Pão pilota, aos sábados e domingos, uma verdadeira orgia alimentar, daquelas que inviabilizam não só o almoço como a praia do dia.
ALMOÇO
A praia deixou você faminto? A Zona Sul tem ótimos restaurantes por quilo (no Rio se diz "a" quilo), alguns deles com receitas elaboradas, dignas dos melhores cardápios. É o caso do disputado Couve-Flor, no Jardim Botânico, do Fellini (meu predileto, no Leblon; o que é aquela torta alemã com calda?) e do Da Silva, dentro do Rio Design - esse é a versão quilo do estrelado português Antiquarius, ou seja, vá preparado para comer bacalhau da silva, arroz de pato e siricaia de sobremesa (hummm!). Se não quiser sair de Ipanema, nem andar muito, tente o Fazendola (os pratos quentes decaíram muito, mas os sushis continuam bem corretos), o Frontera (para encontrar o viadeiro em peso e se esbaldar no brigadeirão) ou o Papa Fina, mais low profile, na Vinícius. Ou se jogue no rodízio japonês do Nik Sushi, um dos melhores da cidade.
Para quem prefere almoço à la carte, há restaurantes agradáveis e bem versáteis. O Gula Gula é um clássico carioca - as saladas estilo salpicão e os picadinhos do dia são marca registrada da casa - mas a espera por uma mesa pode ser cruel. O Doce Delícia tem saladas, tortas doces e pratos quentes excelentes (indico o Frango Delícia e o Filé Normandie) e foi inteiro repaginado, ficou uma graça. No Alessandro & Frederico, todo mundo quer sentar na varanda e acompanhar o movimento da Rua Garcia D'Ávila. Dentro da übercool Livraria da Travessa de Ipanema, o Bazzar Café é o restaurante onde Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda almoçariam se o seriado Sex & The City se passasse no Rio.
Numa linha mais saudável, casas de suco como Bibi, BB Lanches e Polis Sucos preparam boas vitaminas e sanduíches (por que não existe um lugar em SP que faça uma pasta de ricota decente, meu Deus?); o Bibi ainda serve crepes substanciais e um ótimo strogonoff. Marombeiros radicais não arredam pé do New Natural, um quilo excessivamente natureba, que era unanimidade entre as barbies até que o Frontera abocanhasse parte desse público. Os moderninhos adoram o Market [eu escrevi recentemente sobre ele, aqui] e o Líquido, na Praça N. Sra. da Paz. Nesse último, os carros-chefe são as dosas, levíssimas crepes de massa de farinhas de arroz e lentilha, com recheios e chutneys a combinar, mas ali eu prefiro pedir o Sesame Líquido (atum semicru com molho teriaki, risoto de parmesão e macadâmia, tomate confit e azeite trufado).
Mas o Rio não é só a Zona Sul. O bairro "alternativo" de Santa Teresa tem um charme pitoresco e bons restaurantes, como o Aprazível, que serve comida brasileira atualizada em gostosas mesas ao ar livre, algumas com direito a uma vista fantástica da cidade. No Centro, minha dica é o Cais do Oriente, casarão histórico escondido numa ruela atrás do Centro Cultural Banco do Brasil, com menu que mescla ocidente e oriente. E para quem está pelos lados da Zona Oeste, a região de Guaratiba, bem depois da Barra e Recreio, tem alguns dos melhores restaurantes de frutos do mar da cidade, como o Tia Palmira (o pioneiro), o Bira (do filho dela) e o 476. Mas não posso recomendá-los, porque nunca me atrevi a ir tão longe...
[Foto: Confeitaria Colombo @ Forte de Copacabana]
domingo, 9 de maio de 2010
Artilharia colorida
Ando meio sumido da blogosfera gay, mas não preciso ter bola de cristal para adivinhar que o assunto da semana será a reportagem de capa da Veja de hoje, que acabo de ler. Intitulada "Geração tolerância", a matéria afirma que a "rapaziada" que está vivendo a adolescência nos dias de hoje lida com a homossexualidade de forma bem mais natural. Os fofos e fofas se percebem gays com serenidade, o meio social já não os trata com diferença e, se o outing para os pais ainda causa um choque inicial, a transição para a aceitação tornou-se rápida e tranqüila. Por trás disso, estaria o desapego dessa geração a rótulos e tribos: a sexualidade deixa de ter um peso crucial na definição da identidade, dizendo tudo sobre a pessoa, e passa a ser apenas mais uma característica. Tudo do jeito que nós sempre achamos que tinha que ser.
À primeira vista, o tom otimista empolga e reconforta, mas nós sabemos que a vida ainda não é tão cor-de-rosa assim, nem mesmo nos grandes centros urbanos. Antes de sair por aí detonando o artigo, porém, é preciso considerar o tipo de veículo que o produziu. A função de revistas semanais como Veja e Época (que reproduzem o modelo consagrado pela norte-americana Time) é condensar os acontecimentos mais relevantes em um resumão que possa ser consumido por toda a família, do vestibulando ao casal idoso. Numa sociedade em que é preciso se atualizar o tempo todo, a ideia é suprir o homem moderno com o máximo de informação no mínimo tempo possível - como num fast food.
Se o desafio da Veja não é tão grande quanto o do Jornal Nacional - que, nas palavras politicamente incorretas do editor William Bonner, precisa falar com o "Homer Simpson do Brasil" - a revista tem que saber se comunicar com todo o vasto espectro da classe média brasileira, sua principal consumidora. E isso não é pouco. Na prática, para dar conta do recado, as matérias produzidas devem ser concisas, pasteurizadas e, em tese, neutras. Veja não é uma publicação segmentada, especializada, mas uma revista generalista, que atira para todos os lados, fala com todos os públicos, e portanto não tem espaço para se aprofundar, nem escrever com grande propriedade sobre os temas: ela é apenas uma porta de entrada.
Disso decorrem os furos e derrapadas que Veja dá aos olhos de quem busca nela uma visão de especialista. Para equacionar o binômio "concisão + público amplo", é preciso lançar mão de simplificações muitas vezes grosseiras. No caso específico da homossexualidade, isso redunda em visões e estereótipos que são palatáveis para o consumo da grande massa de leitores, mas não satisfazem quem já está mais familiarizado com o tema. Chamar os teens assumidos de "turma colorida" (argh, o Big Brother Brasil voltou!) ou colocar o casalzinho numa montagem fotográfica cafonérrima pintando um arco-íris na parede (tipo novela das seis com heroína infantil) são exemplos bastante ilustrativos. Dizer que "o objetivo número 1" dos participantes da parada gay de São Paulo na faixa dos 30 anos é "militar" (oi???) evidencia que quem escreveu o texto não só não tinha a menor intimidade com o assunto, como nem mesmo checou tal bobagem com algum colega gay da redação antes de publicar.
Isso não significa que a matéria da Veja seja um desastre. O simples fato de o assunto homossexualidade ganhar espaço de capa - de forma positiva - numa das publicações impressas mais influentes e vendidas do mundo já é digno de comemoração. Mais ainda: o amplo trânsito da revista junto às classes médias faz da reportagem uma grande aliada justamente onde o calo mais nos aperta. Veja pode não ser uma unanimidade absoluta, mas não há como questionar ou desprezar sua enorme capacidade de balizar mentalidades e formar opiniões. Ela pode determinar a escolha do presidente do país. Não é exagero dizer que a classe média vai aprovar o que a revista endossar.
Assim, embora a tchurminha suuuperfervida que estampou as páginas da reportagem com tanta dignidade ainda seja exceção, embora o preconceito ainda seja muito mais forte do que a revista está pintando, o Brasil precisa acreditar que ele está sendo superado, que ele deve ser encarado como coisa do passado, que as coisas já mudaram. Isso ainda é uma meia-verdade, mas Veja está ajudando a transformá-la em verdade. Tenho certeza que o efeito-dominó da reportagem será formidável, com a homossexualidade sendo discutida onde não tinha espaço, e pessoas intransigentes pensando melhor sobre suas convicções. Na pior das hipóteses, na meia dúzia de famílias brasileiras em que o filho gay escolheu o dia das mães para sair do armário, essa reportagem não poderia ter vindo em melhor hora.
À primeira vista, o tom otimista empolga e reconforta, mas nós sabemos que a vida ainda não é tão cor-de-rosa assim, nem mesmo nos grandes centros urbanos. Antes de sair por aí detonando o artigo, porém, é preciso considerar o tipo de veículo que o produziu. A função de revistas semanais como Veja e Época (que reproduzem o modelo consagrado pela norte-americana Time) é condensar os acontecimentos mais relevantes em um resumão que possa ser consumido por toda a família, do vestibulando ao casal idoso. Numa sociedade em que é preciso se atualizar o tempo todo, a ideia é suprir o homem moderno com o máximo de informação no mínimo tempo possível - como num fast food.
Se o desafio da Veja não é tão grande quanto o do Jornal Nacional - que, nas palavras politicamente incorretas do editor William Bonner, precisa falar com o "Homer Simpson do Brasil" - a revista tem que saber se comunicar com todo o vasto espectro da classe média brasileira, sua principal consumidora. E isso não é pouco. Na prática, para dar conta do recado, as matérias produzidas devem ser concisas, pasteurizadas e, em tese, neutras. Veja não é uma publicação segmentada, especializada, mas uma revista generalista, que atira para todos os lados, fala com todos os públicos, e portanto não tem espaço para se aprofundar, nem escrever com grande propriedade sobre os temas: ela é apenas uma porta de entrada.
Disso decorrem os furos e derrapadas que Veja dá aos olhos de quem busca nela uma visão de especialista. Para equacionar o binômio "concisão + público amplo", é preciso lançar mão de simplificações muitas vezes grosseiras. No caso específico da homossexualidade, isso redunda em visões e estereótipos que são palatáveis para o consumo da grande massa de leitores, mas não satisfazem quem já está mais familiarizado com o tema. Chamar os teens assumidos de "turma colorida" (argh, o Big Brother Brasil voltou!) ou colocar o casalzinho numa montagem fotográfica cafonérrima pintando um arco-íris na parede (tipo novela das seis com heroína infantil) são exemplos bastante ilustrativos. Dizer que "o objetivo número 1" dos participantes da parada gay de São Paulo na faixa dos 30 anos é "militar" (oi???) evidencia que quem escreveu o texto não só não tinha a menor intimidade com o assunto, como nem mesmo checou tal bobagem com algum colega gay da redação antes de publicar.
Isso não significa que a matéria da Veja seja um desastre. O simples fato de o assunto homossexualidade ganhar espaço de capa - de forma positiva - numa das publicações impressas mais influentes e vendidas do mundo já é digno de comemoração. Mais ainda: o amplo trânsito da revista junto às classes médias faz da reportagem uma grande aliada justamente onde o calo mais nos aperta. Veja pode não ser uma unanimidade absoluta, mas não há como questionar ou desprezar sua enorme capacidade de balizar mentalidades e formar opiniões. Ela pode determinar a escolha do presidente do país. Não é exagero dizer que a classe média vai aprovar o que a revista endossar.
Assim, embora a tchurminha suuuperfervida que estampou as páginas da reportagem com tanta dignidade ainda seja exceção, embora o preconceito ainda seja muito mais forte do que a revista está pintando, o Brasil precisa acreditar que ele está sendo superado, que ele deve ser encarado como coisa do passado, que as coisas já mudaram. Isso ainda é uma meia-verdade, mas Veja está ajudando a transformá-la em verdade. Tenho certeza que o efeito-dominó da reportagem será formidável, com a homossexualidade sendo discutida onde não tinha espaço, e pessoas intransigentes pensando melhor sobre suas convicções. Na pior das hipóteses, na meia dúzia de famílias brasileiras em que o filho gay escolheu o dia das mães para sair do armário, essa reportagem não poderia ter vindo em melhor hora.
sexta-feira, 7 de maio de 2010
O último dos moicanos
O sócio majoritário entrou na sala em que eu estava e fechou a porta atrás de si, sério. "Você precisa parar com isso. Você não tem mais 18 anos. Você é um advogado, não um artista plástico, isso não fica nada bem. Está feio. Tô te dizendo isso como um conselho de amigo, as pessoas vão apontar, porque é ridículo. Pensa nisso. Eu só queria entender POR QUE você sai na rua assim. Por que, tem alguma razão, alguma explicação?"
Se alguém ouvisse nossa conversa do lado de fora da sala (o que não seria de se estranhar, dado que algumas pessoas ali vivem para cuidar da vida dos outros), certamente pensaria que eu estava andando por aí usando um nariz de palhaço, no mínimo. Que nada. O causador da celeuma era um inocente moicano que eu vinha cultivando desde o começo do ano - e adorava. Não era nada exagerado (até porque me falta a matéria-prima); estava mais para Tin-Tin do que para Supla. Mas era algo que fazia toda a diferença pra mim, era um arremate estiloso que eu achava o máximo. E todo mundo que me encontrava saudava com entusiasmo a "versão 2010".
Tentei defender meu penacho com toda a dignidade possível, expliquei ao chefe que aquilo não era para chocar ninguém, e sim uma mera questão de individualidade, que eu estava feliz daquela maneira. Mas não havia espaço. Minhas explicações eram sumariamente rejeitadas com um balançar de cabeça. Quando ele disse que tinha ouvido "comentários", e fez questão de proteger a fonte, logo percebi de onde tinha vindo a intriga, e concluí que insistir naquilo traria um desgaste muito maior do que o prazer de ostentar o moicano. Frustrado, capitulei e, no dia seguinte, meu penacho de transgressão havia sido suprimido. Afinal, para bom entendedor, "conselho de amigo" é apenas uma maneira sutil que o dono do pedaço encontra para impor sua vontade, que é soberana. E eu não estava disposto a colocar meu emprego a perder em nome da minha "individualidade".
O meio jurídico tem dessas. Se fosse só proibido usar piercing ou microssaia de piriguete da Uniban, não era nada. Os códigos internos dos escritórios de advocacia contêm regras de estilo e vestimenta às vezes surpreendentes: alguns incluem até chapinha obrigatória para as mulheres. Isso mesmo, cabelos crespos não são permitidos! É um rolo compressor que anula diferenças e nivela todos a um mesmo padrão, fazendo com que sumam na multidão. Individualidade, nem pensar: ser diferente é ameaçador, incomoda. Dizem que uma aparência "limpa" e "correta" conquista o respeito dos clientes e também dos juízes. A preocupação em se enquadrar é tamanha que tem advogada solteira andando por aí com aliança de mentirinha, porque a imagem de casada passa a ideia de uma pessoa estável, centrada, responsável. A que ponto se chega...
Não cuspo no prato em que venho comendo há doze anos, e de onde eu tiro não só o sustento, como também os jantares, as viagens, os pequenos luxos e prazeres. Sou muito grato aos meus chefes por tudo o que eles sempre fizeram por mim, e ainda acho que o escritório onde trabalho é um dos mais agradáveis da categoria, ainda que nem todos ali façam sua parte para isso. Mas são coisinhas aparentemente pequenas, como esse episódio do moicano, que não me deixam jamais esquecer que eu não posso me acomodar ali. Que eu mereço e preciso encontrar um trabalho que realmente tenha a ver comigo. Que aproveite as minhas habilidades e deixe aflorar o meu talento. Que valorize as minhas ideias e respeite o meu jeito de ser. Uma carreira em que, afinal de contas, eu possa ser exatamente quem eu sou. Mas não há de ser nada: eu sei que minha hora vai chegar.
Se alguém ouvisse nossa conversa do lado de fora da sala (o que não seria de se estranhar, dado que algumas pessoas ali vivem para cuidar da vida dos outros), certamente pensaria que eu estava andando por aí usando um nariz de palhaço, no mínimo. Que nada. O causador da celeuma era um inocente moicano que eu vinha cultivando desde o começo do ano - e adorava. Não era nada exagerado (até porque me falta a matéria-prima); estava mais para Tin-Tin do que para Supla. Mas era algo que fazia toda a diferença pra mim, era um arremate estiloso que eu achava o máximo. E todo mundo que me encontrava saudava com entusiasmo a "versão 2010".
Tentei defender meu penacho com toda a dignidade possível, expliquei ao chefe que aquilo não era para chocar ninguém, e sim uma mera questão de individualidade, que eu estava feliz daquela maneira. Mas não havia espaço. Minhas explicações eram sumariamente rejeitadas com um balançar de cabeça. Quando ele disse que tinha ouvido "comentários", e fez questão de proteger a fonte, logo percebi de onde tinha vindo a intriga, e concluí que insistir naquilo traria um desgaste muito maior do que o prazer de ostentar o moicano. Frustrado, capitulei e, no dia seguinte, meu penacho de transgressão havia sido suprimido. Afinal, para bom entendedor, "conselho de amigo" é apenas uma maneira sutil que o dono do pedaço encontra para impor sua vontade, que é soberana. E eu não estava disposto a colocar meu emprego a perder em nome da minha "individualidade".
O meio jurídico tem dessas. Se fosse só proibido usar piercing ou microssaia de piriguete da Uniban, não era nada. Os códigos internos dos escritórios de advocacia contêm regras de estilo e vestimenta às vezes surpreendentes: alguns incluem até chapinha obrigatória para as mulheres. Isso mesmo, cabelos crespos não são permitidos! É um rolo compressor que anula diferenças e nivela todos a um mesmo padrão, fazendo com que sumam na multidão. Individualidade, nem pensar: ser diferente é ameaçador, incomoda. Dizem que uma aparência "limpa" e "correta" conquista o respeito dos clientes e também dos juízes. A preocupação em se enquadrar é tamanha que tem advogada solteira andando por aí com aliança de mentirinha, porque a imagem de casada passa a ideia de uma pessoa estável, centrada, responsável. A que ponto se chega...
Não cuspo no prato em que venho comendo há doze anos, e de onde eu tiro não só o sustento, como também os jantares, as viagens, os pequenos luxos e prazeres. Sou muito grato aos meus chefes por tudo o que eles sempre fizeram por mim, e ainda acho que o escritório onde trabalho é um dos mais agradáveis da categoria, ainda que nem todos ali façam sua parte para isso. Mas são coisinhas aparentemente pequenas, como esse episódio do moicano, que não me deixam jamais esquecer que eu não posso me acomodar ali. Que eu mereço e preciso encontrar um trabalho que realmente tenha a ver comigo. Que aproveite as minhas habilidades e deixe aflorar o meu talento. Que valorize as minhas ideias e respeite o meu jeito de ser. Uma carreira em que, afinal de contas, eu possa ser exatamente quem eu sou. Mas não há de ser nada: eu sei que minha hora vai chegar.
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