terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A fênix de Santa Teresa

Minha primeira visita ao Rio de Janeiro aconteceu às vésperas da virada do ano 2000, o tão falado "Réveillon do Milênio", que mereceu comemorações extraordinárias na orla de Copacabana e em vários outros lugares do mundo. Na época, a pista da Le Boy, líder da noite gay da cidade, era embalada pelo remix de "Bills Bills Bills", do finado Destiny's Child; a cultura barbie estava em latência e havia muito menos drogas disponíveis. Meus cicerones foram dois amigos arquitetos, um paulista e um português. Longe de ir correndo para o açougue da Farme, eles estavam mais interessados em fazer um tour urbanístico pelo Centro da cidade.

O caminho natural de toda biba principiante seria garimpar alguma biboca na Nossa Senhora de Copacabana, mas meus amigos decidiram que ficaríamos hospedados em um bairro pitoresco, freqüentado por intelectuais e com um astral peculiar: Santa Teresa. O lugar tinha seu charme, parecia uma "Vila Madalena alpina", com ladeiras íngremes de paralelepípedos, casarões antigos, muito verde e o tal bondinho. Mas eu também queria flanar por Ipanema e ir à praia, o que transformou nossos traslados diários em uma verdadeira via-crúcis: bondinho até a Carioca (no terceiro dia, isso não tinha mais a menor graça), depois metrô até (a novíssima estação) Cardeal Arcoverde e ônibus até a Prudente. Zzzzz.

Nossa morada carioca era o Hotel Santa Teresa, um casarão de 1850 que havia sido a antiga sede de uma fazenda, a uns 200m do Largo dos Guimarães. O preço do pacote de réveillon estava bastante camarada. Como a construção era antiga, os quartos eram espaçosos, mas havia uma sensação de total abandono. Tudo rangia, tudo urgia por um toque de tinta, algum adorno que desse vida àquele gigantesco casarão de bisavó. Ao mesmo tempo, a área externa era muito agradável, com piscina e uma vista panorâmica sensacional, para a zona norte (um ângulo diferente do que estamos acostumados a ver no Cristo, no Pão de Açúcar, nas Paineiras). E o pôr-do-sol era lindo. Eu via ali um enorme potencial sendo muito mal-aproveitado, desperdiçado mesmo. Com um "banho de loja" criterioso, que não desvirtuasse a essência do lugar, o Santa Teresa poderia se tornar um endereço bem bacana.

Nove anos depois, parece que alguém finalmente leu meus pensamentos. O Santa Teresa passou por uma senhora repaginada e ficou quase irreconhecível, com cara de hotel-boutique. Ao mesmo tempo, seu charme rústico-colonial parece ter sido preservado, com o uso de matérias-primas naturais e recicladas, criando um resultado bastante sóbrio e brasileiro. A piscina ficou linda, há um lounge ao ar livre (com o estranho nome de Bar dos Descasados), e até um spa aberto ao público. Como estou há seis meses sem dar as caras no Rio, tudo o que vi foi pelo site do hotel e pela entusiasmada resenha da Alexandra Forbes, uma dessas espertinhas que conseguiram transformar em ganha-pão o prazer de ser bon vivant. Achei tudo de muito bom gosto e fiquei mais curioso em conferir quando li sobre o Térèze, o restaurante do hotel, que faz a linha brasileira-contemporânea. As fotos da Alexandra me deixaram com água na boca!

Santa Teresa sempre teve uma vocação bicho-grilo muito bem-resolvida. Mas o bairro tem fôlego para ir além. Fiquei feliz com a notícia da reinauguração do hotel, acho que ele tem tudo para conquistar uma fatia de turistas que já ficou trocentas vezes em Ipanema e quer sair do lugar-comum, ver outros ares. Não duvido que os estrangeiros se encantem com ele, e que logo surja um novo movimento de valorização do bairro, com mais lugares novos e charmosos abrindo nesse embalo. O lado ruim é que esse hype certamente inflacionará os preços da região (que, até então, de salgado só tinha o restaurante Aprazível). Mas sempre haverá os lugares mais tradicionais, como o Bar do Arnaudo, para quem quiser algo mais roots e honesto. E é essa mistura que deixa a cena toda mais interessante.

Como terei apenas quatro dias no Rio, uma porção de gente para rever e pelo menos duas festas que pretendo conferir, talvez a minha ida a Santa fique para a próxima visita. Eu me conheço e sei que não vou querer abrir mão de ferver com os amigos e curtir o buxixo de Ipanema. Mas, se o tempo estiver fechado (vamos bater na madeira, toc toc toc, mas, se o verão passado foi abençoado, o retrasado foi um desastre), um pulinho em Santa Teresa será uma ótima opção para um dia sem praia. [Fotos: divulgação/Hotel Santa Teresa e Alexandra Forbes]

5 comentários:

Daniel disse...

Santa Teresa é o Montmartre do Rio. (hahaha, exagerei?)
o problema, infelizmente, é a favelização crescente vizinha ao bairro. Entre numa rua errada e você vai parar no Morro da Coroa.

numa das subidas para Santa Teresa, há o restaurante Casa da Suíça (funciona no mesmo prédio do consulado suíço), na Rua Cândido Mendes. é uma opção gastronômica finíssima que eu recomendo.

amigo arquiteto paulista disse...

E não é que finalmente nossa viagem pintou por aqui? Quanto orgulho! E pensar que hoje você faz esse blog incrível e eu assino a coluna de turismo da G... Vamos nos hospedar no novo Hotel Santa Tereza? Eu topo, mas desde que voltemos de primeira classe, nos esbaldando em champã.
Beijos.

Pegante disse...

o primeiro post aí já tocou no assunto.
tenho trauma alheio de Santa Teresa. Não recomendo pra ninguém.
Um carioca nativo foi rendido ao deixar a namô no bairro por 2 caras com escopetas. Escapou com vida por milagre.
Um amigo europeu foi visitar o bairro num sábado de manhã. Não deu outra: ele e sua amiga foram agarrados pelo pescoço, jogados no chão, roupas rasgadas para roubar carteira, câmera etc.
Fico por Ipanema mesmo, menos chance de rolar essas coisas. Não há charme no mundo que valha a pena passar por isso.

Jack disse...

Da última vez no Rio, fui num restaurante em Santa Teresa bem legal, chamado Ásia (um dos donos é malaio). Fomos jantar e realmente na volta ficamos um pouco tensos: na descida, passamos por uma favelinha onde rolava um funk e a rua estava praticamente tomada, os carros passando bem devagarinho. Mas nem por isso deixo de recomendar o programa; basta tomar um pouco de cuidado, claro.

Gui disse...

Eu ia falar do Asia, ainda não fui mas todo mundo elogiou. Joga em www.asiario.com.br
Vamos quando vc voltar aqui, heeeeeein.