sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Férias cor-de-rosa

Quando eu troquei a esfiha pelo kibe, no final da década passada, a ideia de "turismo gay" no Brasil se resumia a uma única palavra: Rio. Rapazes do país inteiro se encontravam na Cidade Maravilhosa para o Réveillon, o Carnaval e as tão aguardadas festas X-Demente, em torno das quais o povo agendava viagens e programava a própria vida. Alguns anos depois, as cidades de Florianópolis e São Paulo também entraram no páreo, a primeira como destino alternativo de verão e a segunda por conta da Parada Gay, com visibilidade crescente e uma programação paralela de festas e eventos. O Brasil começava a descobrir que esse público exigente, consumista, hedonista e sem filhos tinha um potencial de consumo formidável: ganharia um bom dinheiro quem aprendesse a respeitá-lo e entender suas necessidades. Mas, tirando uma festa aqui e uma pousadinha acolá, não havia ainda sinal de produtos pensados especificamente para os LGBT.

Nos dias de hoje, parece que o mercado está finalmente dando um passo nesse sentido. Enquanto prefeituras de grandes centros como Recife, Rio e Salvador investem em capacitação - do setor turístico/hoteleiro aos policiais militares - para lidar com o público gay, a iniciativa privada vai ensaiando uma profissionalização e criando produtos específicos para esse nicho, nos moldes do que se vê no Exterior, onde a segmentação é tanta que há empresas diferentes para organizar cruzeiros para homens e mulheres. O Brasil começou a navegar por esses mares neste ano: em fevereiro zarpou de Santos o primeiro cruzeiro gay nacional, chamado Freedom on Board, que levou um grupo bem animado até Florianópolis. A experiência deu certo e a segunda edição já tem data marcada: 05/02/2010, desta vez com destino a Búzios.

Agora a mídia começa a divulgar um novo projeto que vai acontecer em novembro, na Costa do Sauípe (BA), chamado Heaven & Hell. O formato vem da América do Norte: um resort é fechado por alguns dias para uma programação direcionada ao público gay. No caso do H&H, o mote do evento são festas eletrônicas que acontecerão durante três dias, com produção a cargo de selos brasileiros, argentinos e norte-americanos. No lugar de famílias com crianças pentelhas, as piscinas serão tomada por marmanjos interessados em travessuras bem mais adultas. Se houver tempo hábil para que o evento seja promovido satisfatoriamente (não entendo por que demoraram tanto para começar a divulgação, se eu já estava sabendo do H&H desde abril!), o resultado pode ser bem interessante.

Ao mesmo tempo em que vejo essas novas iniciativas com entusiasmo, não deixo de pensar se realmente faz sentido a ideia de um turismo gay altamente segmentado. No fundo, isso se insere naquela discussão mais ampla, sobre se há ou não uma "cultura gay". Concordo que temos alguns gostos peculiares, mas será que realmente precisamos transportar nosso gueto para onde quer que viajemos? Será que somos tão diferentes e temos necessidades tão especiais assim? Talvez não seja essa a questão. No fundo, não precisaríamos de nada disso se pudéssemos nos divertir, brincar e trocar carinhos em qualquer lugar, sem nos preocuparmos com a reação de terceiros, sem sermos recriminados e perseguidos. Como não nos é dado esse direito, o jeito é permanecer na redoma, e prestigiar lugares onde sabemos que seremos bem tratados. Afinal, férias não rimam com frustração e constrangimento.

13 comentários:

André Mans disse...

Eu acho super válida a iniciativa dessa nova demanda. Gueto ou não gueto, um passo para a civilidade. Ou não?

Rafael disse...

concordo com essa sua ideia, mas vejo o crescimento do mercado como um primeiro passo.

Aos poucos a sociedade como um todo vai se acostumando a nos receber para uma visitinha. Começa com o lance segmentado e caminha pro friendly até chegar ao equilibrio e civilidade (como disse o Mans aí em cima)

Diego Rebouças disse...

É, gente, eu acho que também concordo. É o tal passo para trás para depois andar dois passos para frente. Primeiro segmenta, a coisa toda faz barulho, ganha visibilidade e quem sabe um dia a gente consegue des-segmentar? Ou não?

nome disse...

Olá, David®! Achei seu blog ótimo!! Parabéns!
abç.

Juliano disse...

Já eu acho frustrante não podermos brincar, nos divertir e trocar carinhos em qualquer lugar...

Por vivermos nesse mundo, redomas podem até tentar preservar a nossa segurança. Mas ainda assim, são redomas. Elas ainda me remetem à prisão.

E isso é muito triste...

Parabéns pelo blog, você escreve muito bem, viu? Já adicionei à minha lista pra não perder nenhuma atualização tua!

nome disse...

Nossa, que gafe a minha!!! Desculpe, Introspective, é certeza que eu estava com dois blogs abertos quando comentei aqui e troquei as bolas... Sorry! :)
Adorei sua visita no meu blog! Obrigado. Ah, vou voltar aqui sempre, posso? :)
abç.

beto disse...

vc conhece minha posicao: acho que tem hora pra tudo.

Tem hora que quero visitar museu, castelo, igreja, natureza, lugares exoticos, praias etc. Ai faco o turismo tradicional.

Tem hora que quero me jogar. E isso nao e para ser feito ao lado de familias com criancas. Para o meu bem e para o bem deles/delas. Ai quero o turismo gay segmentado.

Nao quero viver numa redoma 100% do tempo, mas de vez em quando ponho o pe dentro dela e me divirto muito.

Minhas melhores viagens sao as que consigo combinar um tempo no turismo tradicional e outro no turismo gay. E estarei no Sauipe e no Freedom...

Camille disse...

Nisso que eu vinha pensando enquanto lia o texto: é um nicho de mercado espetacular- caras com grana,sem filhos, a fim de gastar consigo para se divertir. mUIIIIIIITO BOM PUBLICO.
Mas aviso que a Costa do Sauipe nao é nenhum brastemp nao viu? AS praias sao uma droga. So se voce for para praias mais distantes. Mas ninguem merece acordar em frente ao mar e ter que pegar um carro. Eu sugeriria uma excursão para o Ceara. Aquela praia onde fica o Beach Park é linda e em epocas que nao de ferias escolares fica bem vazia.
Beijos da Cam ( estrangeira aqui nesse blog, mas voces nao vao me banir por que sou menina, vão?)

uomini disse...

Thi, não acho que nosso estilo de vida caiba na sociedade em que vivemos. Teríamos que fazer concessões imensas e, ainda assim, seria uma aceitação meio manca. Se o gueto soa estranho, a ausência dele seria viver em ostracismo. Bjus.

Don Diego De La Vega disse...

Oi cara, tb adorei a sua visita ao Rio e todos os papos que tivemos. Obrigado por tudo tb, inclusive por me apresentar lugares ótimos pra comer que, mesmo morando ao lado, eu não conhecia. :)
Nos vemos de novo quando vc voltar no próximo feriado! (enquanto isso tb vou comentando nos seus posts....rs rs rs)
beijos!!

Fernando disse...

Claro que num mundo ideal os guetos não existiriam. Cada um procuraria ser feliz a sua maneira e todos, de uma maneira geral, fariam concessões para o bem comum. Como isso não existe, é preciso e saudável termos nossos guetos, ou alguém aqui curte viver a vida inteira num mundo feito pelos e para os heteros? Ficar alerta cada minuto do dia 365 dias por ano, nem escoteiro aguenta. 

sarcastonico disse...

Os guetos existem em qualquer sociedade, a diversificação ou extinção deles é utópica. Cada um tem seu gosto, sua maneira de ser, e procura relacionar-se com outras pessoas que encaixem-se em seu perfil, ninguém chega em um banco e fala com todos que estão na fila, se a pessoa que estiver a seu lado não lhe for simpática você nem bom dia dá!
Lógico que entendo o ponto de vista explanado, mas ao mesmo tempo acredito que como li em outro comentário, não cabe sair em um cruzeiro "normal" se o teu objetivo é conhecer pessoas ou ter momentos mais quentes, até pelo fato de os gays mesmos darem motivos para que ocorra um certo asco em relação a eles, afinal, não tem necessidade de exibições públicas sexuais como vemos em boates gls! e digo mais: as mesmas pessoas que fazem isso, tem sim coragem de se expor a este nível em ambientes públicos sem respeitar gerações anteriores que veem a idéia do homossexualismo como algo incocebivel. enfim, gostei do blog, gostei da idéia do 30 ideias, gostei de teu texto. té mais.

railer disse...

tou gostando dos teus textos. você escreve bem. parabéns.

quanto ao post, realmente ser bem tratado é fundamental e não deveria ser só em festas/lugares direcionados.