No sábado retrasado, vários grupos de jovens vestidos de branco da cabeça aos pés tomaram as calçadas e metrôs da cidade. Não era réveillon e não havia nenhuma justificativa aparente para o estado de animação em que se encontravam. Seria algum congresso nacional de enfermagem? Um processo de seleção para cabeleireiros da rede Soho? Em que planeta moravam? A explicação para tal cena - tratava-se de uma grande festa de música eletrônica, chamada Skol Sensation, que exigia traje 100% branco - só era conhecida por aqueles que estavam por dentro da noite e sabiam da existência do evento. Os rapazes e moças de branco, entretidos com a expectativa do Skol, destoavam da paisagem e pareciam viver num mundo paralelo, alheios ao que se passava ao seu redor.
É mais ou menos assim que eu vejo uma boa parcela da comunidade LGBT de hoje, ao final de mais uma semana de Parada Gay: cada vez mais voltada para dentro de seu próprio mundinho. Não me refiro especificamente à falta de engajamento político - o que, convenhamos, não é nem de longe exclusividade do meio gay - mas ao desinteresse em se mesclar com o resto da sociedade. Não quero cair na armadilha do saudosismo, mas, em anos anteriores, havia um diálogo bem maior com a cidade e a comunidade num sentido mais amplo. Queríamos ocupar espaços, marcar presença, dar o nosso recado. Depois de décadas marginalizados, queríamos dizer ao mundo que existíamos, e festejávamos nossa visibilidade. Nesse sentido, a presença nas ruas, que culminava com a Parada em si, era uma oportunidade única de congraçamento.
Agora, os desejos mudaram. Não queremos mais ser visíveis, mas sim nos esconder em um canto que seja só nosso, onde não sejamos incomodados por quem é diferente de nós. Debandamos em massa do desfile na Paulista, uma festa coletiva, de união, de mistura, em favor das nossas celebrações particulares. Aliás, a Parada em si virou um simples pretexto para a realização dessa maratona de festas, e são apenas elas que atraem a massa de visitantes à cidade. Por isso, se a Paulista recebeu um milhão a mais ou a menos, se os candidatos a prefeito incluíram o evento em suas agendas, nada disso importa para nós. Só queremos ser deixados em paz para encher a cara e beijar horrores, dentro do nosso mundinho cada vez mais homogêneo, ultrassegmentado, que exclui inclusive outras tribos do próprio espectro LGBT. Barbies festejam com barbies, ursos com ursos, meninas com meninas, uns não cruzam o caminho dos outros, héteros não precisam comparecer, e assim fica todo mundo satisfeito. Não precisamos conquistar mais nada: já temos o nosso Universo Perfeito, onde somos reis, e isso nos basta.
12 comentários:
Na mosca.Belíssimo post.Cada um no seu quadrado. O nosso anda cada vez mais restritivo para guetos gays. Boa parte dos nosssos amigos hoje em dia são heteros esclarecidos.Juro que não tem coisa melhor.A parada cumpriu seu papel. Hoje é uma micareta bizarra a servir de chacota para programas tipo Pânico.
Resumindo: deixou de ser ação afirmativa para virar "gay-to".
Vc tem o poder de colocar em um texto, bem escrito, alguns dos pensamentos que tenho soltos na mente.
"Debandamos" quem, cara pálida? Vc e a turminha das bonitas (rs rs tá, fica combinado então)? E usar "em si" num texto é master cafona, pior que foi mais de uma vez.
Talvez o 'modelo' de 'parada' não seja mais tão eficaz. Ou ela tenha perdido esse sentido para a classe. Quanto às tribos, às vezes me cansa essa ideia - pelo menos, foi o que ficou latende no texto - de que só pq é gay todo mundo tem que ser unido. Isso não existe!
Excelente texto, Thiago. Parabéns!!!
Daniel: Pois é, de afirmativa a ação não tem mais nada, mesmo.
Anônimo: oi?! e você, que escreve "master" no texto? kkkkkkkkkkkkkk
Caju: não dá mesmo pra querer que todas as tribos do vasto espectro LGBT sejam unidas. O que me parece problemático é cair no outro extremo, e reduzir seu círculo social a um punhado de clones uns dos outros. Isso é estreitar demais os horizontes de vida, na minha opinião.
Thi, acho que a Parada um dia foi um espaço que sinalizava para o congraçamento e para perder-se na diversidade da multidão em carne e osso. Por inúmeras razões, deixou de ser. Será que não é isso de que sentimos falta agora? Um espaço, um ritual, uma ocasião, nem que seja uma vez por ano, em que podemos andar todos juntos, meninos, meninas, ursos, travestis, bombados, drags, dykes, bis...? Acredito que é disso que fala seu texto, né? Sentimos falta de congraçamento, de pertencermos a uma comunidade onde caiba a diferença e mais ampla do que a boate. Mas não acredito que foram as pessoas que se fecharam, acredito que o contexto mudou.
Apesar da melancolia, ainda espero que algo ressurja e que possibilite isso. Não será mais a Parada, também não será a boate. É interessante que tenhamos espaços diversificados, com públicos diferentes, também é a graça de ter uma noite vibrante e divertida. Eles não podem ser tudo o que queremos e o que precisamos, por outro lado.
Como sair disso? Penso há anos e ainda não tenho ideia. Só sei que precisamos de alguma coisa que toque as pessoas tanto quanto o mercado, as boates, e tudo mais. Tudo isso pode ser bacana, mas ainda é pouco.
Beijo!
Lúcido, certeiro e na medida! As usual... Bjus!!!
Por onde anda o uómini???
muito boa sua reflexão, thiago. acho que isso também é uma consequência da cidade grande, onde há uma grande mistura de gente de todas as tribos mas que nunca se misturam. estranho, mas é o que acontece.
Não vejo nada demais em criar seu próprio mundinho.É melhor do que esperar o mundo em geral se tornar um lugar ótimo para vivermos.Acho que cada um ter o direito de viver da maneira que quiser.Se a pessoa quer diversidade, bom para ela, mas se ela quiser algo mais homogêneo e exclusivo também tem o direito.Sério, esse discurso que fala sobre nossa busca por liberdade e ao mesmo tempo tenta impor a diversidade como algo correto, mais saudável ,mais desejável enche.
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