quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ensaio sobre a cegueira

(Eu ia falar do blecaute de ontem em um post cheio de personagens, na linha deste e deste que fiz na época da Parada Gay de 2008, mas o Celso acabou fazendo primeiro, então desisti da ideia). Querem saber? O apagão pode ter causado diversos transtornos em pelo menos sete Estados (diz que os cariocas nunca foram ensinados a dormir sem ar condicionado), mas eu me diverti bastante.

Quando as luzes se apagaram, eu estava no meio de uma aula-seminário desgastante, com alunos e professora trocando farpas; num passe de mágica, o blecaute desfez o climão imediatamente. Nos corredores do prédio, meninas davam gritinhos, e imagino que alguns casais mais espertos aproveitaram para engrenar um gato-mia erótico de ocasião. Afinal, um blecaute pode encerrar em si uma grande tensão sexual, especialmente em um prédio cheio de cantinhos e gente de várias orientações sexuais com os hormônios à flor da pele.

Na Paulista, estranhamente, senti um clima de inquietação e euforia (?) parecido com a semana do Natal (só que sem as luzes). Claro que alguns deveriam estar cansados e preocupados com a volta para casa, mas outros tantos aproveitaram a contingência para reunir a galera, beber e comemorar (!). Trezentos mil celulares faziam ligações incessantemente, e o inusitado entusiasmo só crescia quando se descobria que o mesmo apagão estava acontecendo no Rio, em Vitória, Minas e até no Centro-Oeste. "Nossa, que irado, é no Brasil inteiro, véi!", exclamou um rapaz de boné.

Desisti de ir para casa e tomei o rumo do Conjunto Nacional, atrás de um lanche. Por uma casualidade do destino, descobri que dois dos meus melhores amigos também estavam perdidos pela Paulista. Nós nos abraçamos felizes com a coincidência, e achamos graça de tudo aquilo, como três adolescentes. Difícil foi achar um lugar que nos recebesse para comer e beber, ou mesmo que vendesse algo para consumirmos na rua: temendo confusões e assaltos, os estabelecimentos só serviam quem já estava lá dentro. Aliás, um desses meus amigos estava prestes a entrar na 269 quando a luz acabou, e foi barrado; se tivesse chegado cinco minutos antes, sua noite teria sido no mínimo engraçada.

Depois de uma romaria danada, acabamos num boteco bem pé-sujo, onde churrasquinhos eram as opções mais dignas disponíveis. Comemos, bebemos e rimos muito, enquanto víamos o movimento e apreciávamos o clima de festa ao nosso redor. A escuridão nos instigava: o papo na mesa girava em torno dos temas e causos mais baixos, sórdidos e absurdos possíveis, enquanto imaginávamos o que não estaria acontecendo em certos lugares e regiões - no calor das elucubrações, houve até quem sugerisse uma expedição trash pelo Centrão ou pelo Autorama. Mas o fogo-de-palha acabou logo, e os três amigos por fim se separaram. Eu pelo menos voltei bonitinho para casa...

5 comentários:

Isadora disse...

Fiquei tensa, no começo.

Depois, comecei a pensar: 'hum, se ficar assim mais 2 dias, não vou ter que trabalhar feito camelo pra entregar aquele texto!; oba, vou ter uma boa desculpa pra faltar naquela consulta mala de amanhã!; puxa, poderíamos esvaziar a geladeira e cozinhar tudo que está lá dentro de uma vez!; vou dormir e comer por 2 dias! e quem sabe algo mais?'.

No final, já estava achando o máximo a perspectiva de feriado nacional no escuro!
[evitando pensar em todos os transtornos colaterais, claro]

Adorei o post!
Beijos!

Ludur disse...

Coitada da Madonna no Sushi Leblon !

http://madeinbrazil.typepad.com/madeinbrazil/2009/11/madonna-and-jesus-go-for-dinner-at-sushi-lebon.html

Baiano disse...

Só faltou o apagão em Salvador! rsrsrs

Junior disse...

Eu tinha saído há instantes de minha aula, caminhava na Consolação, estava bem de frente para o Elevado quando vi a queda de energia. Coisa de cinema o esmaecer definitivo das luzes, antecedido pelo indeciso acende-apaga por toda parte.
[irônico] Senti leve euforia por participar de uma completa e autêntica Hora do Planeta/Earth Hour. Engraçado como são as coisas: o falso espontâneo é divertido, o real irrestrito é aterrorizante.
Talvez por falta de noção achei gostoso continuar a caminhar pela rua em meio a uma situação inusitada.
Melhor que isso, só a felicidade de se revelar novamente sensata minha escolha por mp3 player da Sony em vez do iPod: pude sintonizar a CBN, uma das poucas emissoras capazes de manter as transmissões.
Como sempre, post para ler e reler. Ou ler somente uma vez, apreciando a multiplicidade a cada linha e entrelinha.

Thiago Lasco disse...

Isadora: Vc deveria ter transformado esses seus pensamentos imaginários em um post! Ia ficar bem bonitinho, não acha? :)

Ludur: Coitada pq? Ela vai escolher logo o restaurante mais buxixado ever da cidade, e acha que vai passar despercebida? E outra: ela foi a ÚNICA no Rio que não sofreu os efeitos do blecaute - não pq estivesse com Jesus Luz (dã), mas pq o Hotel Fasano tinha um gerador luxo e ficou só 5 segundos apagado. Saíram fotos na imprensa da Vieira Souto inteira apagada e o hotel aceso.

Baiano: Nossa, apagão em Salvador ia ser "o" perigón, né? Com esse monte de brau à solta pela cidade, emoções extremas iriam rolar! Nem sei, melhor não!

Junior: Obrigado pelo confete! Acho que vc pegou a coisa: foi belo pq foi inusitado :)