Hétero pode dar conselho amoroso para gay? Diz a lenda que amigo gay é item de primeira necessidade para toda mulher moderna: além de parceirão na hora das compras, é um ombro fiel e ótimo conselheiro. Para o homem, o olhar sensível de um amigo do babado poderia ajudá-lo a entender a ‘alma feminina' de sua namorada. Mas e a via oposta: os héteros têm coisas a nos ensinar sobre relacionamentos? Muitos de nós acham que não: que construímos nossas relações dentro de valores muito peculiares e não temos nada a ver com "os caretas". Os militantes de plantão já têm até o discurso pronto: os homossexuais precisam parar de tentar se encaixar nos padrões sociais e morais da tal "sociedade heteronormativizada" e assumir que são diferentes.
Eu já vejo a coisa de outro modo. Acho que nós, homens gays, temos um pouco do homem e da mulher. Somos machos no melhor sentido da palavra: competimos entre si e exercitamos a conquista como machos, cortejando, cercando e abatendo nossas presas. Temos um tesão igualmente visual (só que torcemos nossos pescoços por braços fortes e braguilhas volumosas, não por seios e bumbuns roliços). E nossa necessidade de sexo nos leva a traçar, dispensar e rodar – igual a todos os homens. Por outro lado, também temos ideais românticos, fazemos projeções e criamos expectativas; queremos nos entregar nos braços de um macho que nos dê estabilidade emocional, e dirigimos a ele uma série de cobranças – como fazem as mulheres. Claro que nosso universo é permeado pelas referências da tal 'cultura gay' (que está cada vez mais pop; tem até personagem da Turma da Mônica falando pajubá!), mas ainda acho que, no fim das contas, as diferenças não são maiores do que as semelhanças. Como carregamos dentro de nós essa ambivalência, podemos nos identificar com eles e com elas.
Esse intróito nos leva a um blog que venho visitando já há algum tempo e vou recomendar hoje. Com dois anos de blogosfera, o Manual do Cafajeste é escrito por um rapaz hétero paulistano (não se sabe a idade dele, que preserva muito a própria identidade) e dirigido às mulheres. Ele se propõe a “ajudar as leitoras a compreender o universo masculino e ter mais sorte em futuros relacionamentos”, a partir de relatos de suas experiências pessoais (mas sem a pretensão de ser um guru). Com o crescente interesse das leitoras, surgiu a coluna “Pergunte ao Cafa”, que fornece matéria-prima para novos posts. Nada ali é voltado a nós – as poucas menções que ele faz aos gays não chegam a ser homofóbicas, mas demonstram que ele tem uma visão estereotipada do nosso universo e se basta com ela, não faz a menor questão de ir além.
Isso não significa que o universo do Cafa não tenha nada a nos oferecer. Os textos do blog são afiados, objetivos, diretos e, às vezes, bastante reveladores. Algumas histórias descrevem manias, creicices e vacilos tipicamente femininos (quando uma mulher resolve ser sem-noção, ninguém tira o troféu dela!), mas outras tratam de questões que são universais e também nos cercam. O eterno dilema entre se valorizar e se jogar no colo do outro. Maneiras sutis de sinalizar interesse sem ser over – ou dispensar o outro sem fazer sujeira. Os subterfúgios masculinos para conseguir sexo (e os femininos para conseguir atenção). O real significado de frases como “eu te ligo” e suas mensagens subliminares. Como se soltar na primeira transa, com alguém com quem você ainda não tem intimidade. Subsídios para ajudar a definir uma situação (sem ter que perguntar). O peso da química sexual e da afinidade no desenrolar de uma história. Como interpretar um sumiço, mesmo se a foda foi boa. A maneira como uma pessoa é remanejada no ranking pessoal da outra, conforme as oscilações da safra. A ansiedade que cria atitudes de cobrança e sabota as chances de dar certo. E por aí vai.
O grande trunfo do Cafa é falar sem rodeios ou hipocrisia. Muito franco, ele não tem papas na língua – afinal, a proposta é mostrar, sem disfarces, como os homens realmente pensam e agem. “Se a mulher é linda e inteligente, vira lanchinho (com possibilidade de virar namorada); se é linda e burra, vira piriguete; se é feia e inteligente, vira amiga; e se é feia e burra, melhor sumir”. Ficou perdido com os conceitos de lanchinho e piriguete? “A primeira é aquela pizza gostosa que você saboreia na hora e depois coloca na geladeira para quebrar seu galho nos outros dias, a segunda é uma batata frita do McDonald’s, tem que ser comida na hora, do contrário fica chocha e intragável”. Mais claro, impossível.
Como era de se esperar, os textos sinceros do Cafa provocam tudo, menos indiferença. É comum que um post receba mais de 200 comentários. Algumas leitoras se revoltam com o jeito "machista" como a mulher é retratada, mas a maioria aprova e saboreia o blog, porque enxerga nele a mais pura realidade, com bom humor. A explicação pode estar numa frase de Clarice Lispector citada pelo próprio blogueiro: "O que obviamente não presta sempre me interessou muito". Além de franco, o Cafa é politicamente incorreto e é isso que deixa seus posts mais saborosos. O sucesso é tanto que o Manual acaba de receber o prêmio Best Blogs Brazil nas categorias Universo Masculino e Sexo.
A leitura do Manual tem sido divertida e proveitosa para mim. Não sou adepto de fórmulas prontas, mas confesso que tive alguns insights que jogaram luz e deram novo sentido a situações que vivi no passado. Algumas das 'lições' são até bastante simples, o que mostra que às vezes acertar é bem mais fácil do que a gente pensa (é questão de bom senso, afinal). Mas o que eu achei mais positivo no blog foi a maneira como ele desconstrói o mito maniqueísta que a própria figura do cafajeste representa. O cafajeste não é uma pessoa má, mas um sujeito prático, que tem objetivos bem claros e os persegue em suas relações. Se é odiado por algumas pessoas que cruzam seu caminho, isso não acontece porque ele foi um mau caráter (esse é o canalha, não o cafajeste), mas porque não correspondeu às expectativas nele depositadas: de que o sexo tivesse uma continuidade, evoluísse para um namoro, enfim, virasse "história de amor". O cafajeste é uma projeção nossa; quando entendemos que somos nós que colocamos nele esse manto de vilão, podemos desmistificá-lo e passamos a nos ver livres da condição de vítimas.
11 comentários:
Só há uma questão que deve ter em consideração em todo o seu post. Uma coisa é género (masculino ou feminino) e que remete para a dimensão social e psicológica individual a cada um de nós, outra coisa é a questão de sexo (o sexo biológico com que cada um de nós nasceu).
Sexo à partida, excluindo os hermafroditas, todos temos ou um ou outro.
Género, bem género é algo de mais plástico e se a maioria de nós se situa predominantemente num género, não podemos dizer que tudo o que somos é exclusivamente característico do que socialmente foi atribuído como a esse género.
Todo o seu post é acerca de género ou melhor é uma reflexão acerca dos papéis de género, e que é “o que os outros esperam de nós quando nós somos de determinado sexo”.
Pensar que os homens são exclusivamente género masculino ou pensar que os homens têm crenças, atitudes e comportamentos de um tipo e as mulheres crenças, atitudes e comportamentos de outro tipo é uma falácia completa e apenas desenvolver uma linha de pensamento baseada em estereótipos.
Para complicar ainda mais, existe ainda a orientação sexual (que igualmente não é dicotómica) e mais uma vez não existe nenhum estudo, que mostre existir uma correlação entre orientação sexual e género. Existem homossexuais “saturados de comportamentos, atitudes e crenças saturados de género masculino” e que adotam o papel de género que socialmente lhe é atribuído de acordo com o seu sexo biológico e existem heterossexuais “saturados de comportamentos, atitudes e crenças saturados de género masculino” e que adotam o papel de género que socialmente lhe é atribuído de acordo com o seu sexo biológico e existem homens que simplesmente não se identificam ao género “normalmente” associado ao seu sexo biológicos (trangender) e existe a variação de tudo isto, o que não quer dizer que os heteros não tenham um lado feminino exactamente como os gay.
A única diferença é que uns vestem melhor o colete de forças do “papel de género” que lhe foi imposto socialmente ao ponto de o confundirem com a própria pele e outros não. Todo o resto são esteriótipos.
Bom adoro este tema, mas prefiro reflectir acerca da forma como a Prada ( e outros criadores não só designers de moda) reflectem acerca dele.
Leia o que escrevi acerca da colecção para o próximo verão aqui na Europa da Prada, da Burberry e da Dsquared (aqui mesmo ao lado)
O "aqui mesmo ao lado", é lateralmente do lado direito no meu blog. LOL
Oi, descobri seu blog há pouco tempo e estou gostando muito (estou lendo os posts antigos, de 2008). Parabéns!
Sei lá... Li com cuidado o blog do "Cafa" e achei com cara de coisa montada (seria escrito por uma mulher?). Muito estranho o concurso de fotos com as leitoras em que é oferecido um "creme da Vitória Secrets" (hehehe)! De mais a mais: ri horrores! ;-)
A questão para mim é bem mais simples: queremos o que querem todos, na exacta medida, sem mais nem menos. Queremos a tusa de um engate. Precisamos da tusa de um engate. Assim como queremos um relacionamento, uma estabilidade emocional. Porque precisamos disso, todo precisamos de afecto. Dar e receber.
E nem na forma de se viver as relações somos assim tão diferentes como se diz (como dizemos?): basta ver nas diferentes formas de os heteros viverem as suas relações. E mesmo aqueles que padronizam tudo e todos na vida praticam, verdadeiramente, essa padronização que defendem. A questão, aí, está entre uma atitude tranparente e uma atitude hipócrita. Entre os que são como são e estão muito bem com consigo e entre os que praticam a máxima de «públicas virtudes, vícios privados».
E já como o outro «Freud explica tanta coisa"...
Olha, já conhecia o cafajeste há um tempo e sempre gostei do blog. Acho que independente de qualquer coisa, relacionamento é relacionamento. E acho que não só nesse, mas em outros blogs, o conselho é válido. Já li um "concorrente" do cafajeste. Até gostava, mas aí eles colocaram um post homofóbico enviado por um leitor como um dos melhores de 2007. Além de preconceituoso em demasia, o texto era mal escrito. Não li mais.
Recebo conselhos de amigos hetéros e eles são tão procedentes quanto dos gays.
Abraço.
Sucesso.
Thiago, não sou do tipo 'politicamente correta', mas não gostei muito do blog do cafa, não. Achei lugar comum demais! Mas tenho que concordar contigo que, como personagem, tem lá sua graça.
Sobre gays x heteros, homens x mulheres... Acho que a gente vê mais semelhança ou diferença dependendo da perspectiva. Sempre lembro de um autor, Thomas Laqueur, um historiador de Berkeley, que tem um livro genial, chamado 'inventando o sexo'. Nele, descreve e demonstra com cuidado como o dimorfismo sexual (ou seja, a idéia de que há 2 sexos) é relativamente recente. Ele trabalha historicamente a leitura sobre o corpo feminino e localiza uma leitura de que o aparelho reprodutivo feminino era como o masculino invertido, isso a despeito dos cortes anatômicos, já comuns na época. Nessa leitura, a mulher era tida como um 'homem inferior', a grosso modo. Inferior, mas um homem. Só no século XVII começa a tomar vulto a idéia da existência de dois sexos.
Nesse caso, as diferenças são relativas mesmo em relação a corpo, matéria física... Quem dirá então em relação a comportamentos?
Beijão!
oi Thi, fui la dar uma conferida e achei "Hilario de Gouveia" hahahha
sempre to por aqui, mas quase nunca deixo post...
adoro seus textos.
saudade de Thi...
bj bj
Olá!
Bem, só cheguei até aqui por que vi um comentário seu no Manual do Cafajeste.
Não farei nenhum comentário expondo minhas opiniões em cima do seu post. Mas só farei isso por que já li os excelentes comentários tecidos aqui e também por achar o suficiente dizer que vc escreve muitíssimo bem e sua colocação a respeito do Cafa foi excepcional e condicente ao que penso sobre ele e o blog, claro!
Parabéns pelo seu blog!
Fera... Adorei como vc descreveu o blog do cafa... a partir de hj sou sua leitora tbm...
=)
Beijo e Parabéns pelo texto...
Oi!!! Me desculpe, só hj pude dar uma passada aqui pra ler o post, não me arrependi! O texto é ótimo e você me pareceu ser uma pessoa muito inteligente e sensível.
Olha, nem sei por onde começar! Na verdade, acabei de escrever aqui um comentário enooooooorme sobre o seu post, mas ficou tão grande que resolvi não postar porq não dou tanta importância assim para o que penso.
Então resolvi falar de um ponto só. Gostei especialmente da contextualização q vc fez no início, não só porq ela enriqueceu muito a sua crítica, mas tb porq nela vc demonstrou grande lucidez e sensibilidade.
Olha, não se assuste com as expectativas, mas vou continaur acompanhando seu blog certa de que terei muito a aprender com vc!
Gostei até do nome do seu blog rsrsrsrs
Gosto muito de uma frase que diz: "um texto fora de contexto não passa de um pretexto." Não sei onde ouvi, e não sei se foi daí q vc tirou o nome, mas seja como for se fosse pra julgar o livro pela capa, por assim dizer, seu blog tb teria me agradado.
Voltarei mais por aqui!!! =)
E agora partirei para a leitura de outros posts seus!
Um beijo!
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