
::: Nos bairros mais nobres,
Porto Alegre é bem parecida com Curitiba: Montserrat
feels like Bigorrilho, Três Figueiras e Barigüi devem ter sido separados no nascimento e a hypada Rua Padre Chagas poderia muito bem fazer esquina com a Alameda Dom Pedro.
::: Por outro lado, enquanto a capital do Paraná é toda limpinha, certinha e planejada, Porto Alegre é mais suja e tem um
traçado dificílimo, quase ininteligível. As avenidas são quase tão tortas e confusas quanto as de Salvador. Depois de quatro dias, eu, que tenho um ótimo senso espacial, continuava absolutamente perdido, sem a menor idéia de qual direção tomar (ainda bem que as distâncias são pequenas e o táxi é barato).
::: Para compensar a comparação,
os gaúchos são mil vezes mais receptivos, amigáveis e simpáticos do que os curitibanos, cuja frieza é reconhecida Brasil afora [
é claro que há exceções, como a Dana, o Leo, o Raul, o Dani e o Pupo, os curitibanos mais fofos do mundo]. Gaúchos são muito educados, conversam com gosto
se você der trela (ou seja, não são invasivos) e atendem muito bem. Ah, e em geral detestam qualquer tipo de comparação com Curitiba ou os curitibanos.
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O clima ali é mais do que temperado: é temperamental. O verão gaúcho é muito mais quente do que o do Rio de Janeiro, quase não dá para sair na rua nos dias de sol. Já no inverno, não é raro ter geadas e até neve no interior. Eu, por exemplo, fui recebido por São Pedro com um temporal e ventos de até 100km/h, que tal?
::: Porto Alegre é banhada a oeste pelo Rio Guaíba. E é sobre ele que o sol se põe, no que é considerado
um dos mais bonitos sunsets do Brasil. Há vários lugares de onde é possível admirar esse espetáculo: do calçadão que percorre a beira do rio, da Usina do Gasômetro, do terraço da Casa de Cultura Mário Quintana ou de uma das janelas da Fundação Iberê Camargo.
::: Aliás, a
Casa de Cultura Mário Quintana (Rua dos Andradas, 736, Centro) é um dos espaços culturais mais importantes da cidade. E a nova sede da
Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2000), com sua arquitetura arrojada, premiada na Bienal de Veneza, tem tudo para se tornar o novo símbolo de Porto Alegre, como um "Guggenheim gaúcho" - guardadas as proporções devidas, é claro. Por enquanto, só há obras do próprio Iberê, mas o acervo também deve receber trabalhos de outros artistas.
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O bairro bacanudo da cidade é o Moinhos de Vento, que faz as vezes de Jardins local, com lojas multimarcas descoladas, bares e restaurantes, concentrados sobretudo nas ruas
Padre Chagas e
Fernando Gomes (que recebeu a alcunha de "Calçada da Fama", num arroubo de pretensão descarada, já que são apenas dois minúsculos quarteirões, com pouquíssimos estabelecimentos). Há ainda um parque bem-cuidado para as finas desfilarem (o Parque Moinhos de Vento, ou "
Parcão"). Morar lá é para poucos: um apartamento de dois quartos bem modesto custa R$ 350 mil, mais do que um similar nos Jardins ou em Ipanema.
::: Por falar em Ipanema, não é que
Porto Alegre também tem uma Praia de Ipanema? É sério, com direito a calçadão e tudo o mais. Fica no caminho para a Zona Sul, meio afastado do burburinho central. O visual não é lá essas coisas, vale dizer. E minhas fontes gaúchas me disseram que nem no verão a coisa ferve por lá.
::: E já que o assunto é fervo, Porto Alegre também tem sua versão da feira da Benedito Calixto: é o
Brique da Redenção, que rola aos domingos, entre 9h e 18h, no Parque Farroupilha. As bees marcam presença e costumam chegar do meio da tarde em diante, depois de terem acordado tarde da balada de sábado.
::: Se o trânsito de São Paulo é infestado pelos motoboys,
nas ruas de Porto Alegre quem dá o tom são as carroças. Sim, aqueles veículos de madeira toscos e improvisados, que carregam papelão e são puxados por carroceiros. Há milhares delas, disputando espaço com os carros e até ultrapassando umas às outras. Elas são até emplacadas pela Prefeitura, tamanho o reconhecimento de que gozam, vejam só.
::: Quem é de fora tem uma certa dificuldade em assimilar
o papel que o chimarrão tem na vida dos gaúchos. É algo que está tão enraizado na cultura deles que eles nem se dão conta do absurdo que é estar sentado numa praia em Floripa, em pleno verão escaldante, tomando mate quente (OK, isso é absurdo para um paulista como eu). Como era de se esperar, em Porto as pessoas levam sua cuia pra cima e para baixo, como se fosse um iPod ou um bicho de estimação: no supermercado, na fila do banco, lá está o fiel companheiro. [
Para saber mais, leia os 10 mandamentos do chimarrão aqui].
::: Porto Alegre tem uma gastronomia bem interessante. Alguns destaques são o
Koh Pee Pee, considerado o melhor restaurante tailandês do Brasil, o
Tutto Riso, que serve 24 tipos de risoto, o japa-contemporâneo
Hashi, a churrascaria top
Na Brasa, os bistrôs
Sanduíche Voador e
Le Bistrot, os pães especiais da
Barbarella Bakery (uma delícia o sanduíche de iscas de filé, queijo gruyère e cebola caramelada) e a famosa torta de sorvete com calda quente da (adivinhe)
Torta de Sorvete.
::: Mas a experiência gastronômica transcendental da minha viagem, aquela que mereceria um post de no mínimo seis parágrafos (que eu
não vou escrever, fiquem tranqüilos) é a
Usina de Massas, possivelmente a melhor casa de
pasta que eu já conheci até hoje. As massas vêm à mesa em panelinhas de ferro, para uma ou duas pessoas. O
gnocchi com molho de carne de panela cremoso é simplesmente *
indescritível*, *
inigualável*, *
inesquecível* - fui obrigado a voltar lá e comê-lo mais uma vez antes de ir embora. Outra boa pedida é o fettucine ao molho quatro queijos com iscas de filé, muito saboroso e equilibrado (sem gosto de gorgonzola). Já estou com saudade.
::: Já quem quer ver e ser visto tem como destino certo o
Press Café da Hilário Ribeiro, no coração do Moinhos de Vento. O lugar serve tanto para um café no meio da tarde quanto para aquele jantar-balada com os amigos, ou mesmo os primeiros drinks antes da noite. O ambiente é lindo e acaba funcionando como um "Spot de Porto Alegre", onde as finas vão dar pinta.
::: Eu já fui fofo com a cidade e agora vou mandar a real:
as baladas são um pavor! O
Ocidente, ponto de encontro das sextas, é tipo uma festa na laje dentro de uma construção inacabada (mas todo mundo vai lá; eu mesmo cheguei sozinho e encontrei
três rodinhas amigas). O
Cine Theatro Ypiranga (ou "CTI") é uma Danger retangular, ainda mais escura e com um povo bem varzeano (e é
the place to be aos sábados, g-zuiz!). O
Refugius (atenção para o nome cafona) parece uma mistura de Bubu com um daqueles bufês de festa do subúrbio. Do tradicional bar
Venezianos eu não tenho coragem de falar mal, porque o
staff foi muito fofo comigo e a comida é superboa, mas... é um sobrado escurinho com uma pistinha micro embaixo e quatro mesas apertadas em cima. E só. Amanhã será a inauguração de um tal
Espaço Closed, com a DJ Ana Paula como convidada; tomara que ele consiga dar um
up na cena. (Só falei das baladas gays, mas fui informado de que até o endereço eletrônico/under da cidade - o
Neo - também é caído e freqüentado basicamente por emos).
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Ri melhor quem ri por último: Porto Alegre tem uma noite medonha, mas
os gaúchos podem ir à forra se jogando em Buenos Aires. E é justamente isso que fazem: afinal, para eles o passeio sai a módicos 200 reais. Convenhamos, a dobradinha Pacha + Caix coloca no chinelo qualquer clubinho de bate-cabelo cafona com queijinho central na pista. Outro destino de que eles são
habitués é o Uruguai - não só Punta del Este, mas também outros balneários de que nunca ouvimos falar, onde eles vão passear desde moleques (enquanto a gente se contentava com o Guarujá).
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Quando os gaúchos resolvem ser bonitos, eles arrasam. Isso vale para homens e mulheres. E falo aqui de beleza verdadeira, a de nascença, não aquelas transformações paliativas que se conseguem com academia, bronzeamento, escovas, tinturas, bombas. Infelizmente, porém,
os gays bonitos vivem escondidos em suas tocas e não saem de jeito nenhum. O máximo que fazem é reunir meia dúzia em festinhas
private reservadíssimas. Dar pinta por aí, só em Floripa, Buenos Aires, São Paulo ou no Rio. Nos clubes, a situação é tão desoladora que você reza para ninguém tirar a camisa. No CTI, as duas descamisadas que vi na pista mais pareciam o Dengue e o Praga do
Xou da Xuxa.
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O gauchês tem várias expressões curiosas ou engraçadas. "Telentrega" é a resposta local, genuinamente brazuca, ao afetado
delivery do eixo Rio-SP. "Bicha fazida", ao contrário do que o nome sugere, não é aquela que faz, mas a que
não faz, e fica só no carão a noite toda (mas na hora da xepa pega o primeiro bagulho que aparecer). Diante do trânsito carregado, os gaúchos exclamam: "bem capaz, está tudo trancado!". E não falam "se joga!", mas "te atira!". À mesa, enquanto nós perguntamos "está servido?" antes de comer ("quer provar da minha comida?"), eles falam isso depois de acabarem, com o sentido de "está satisfeito, posso retirar seu prato?". Mas o mais impagável foi ver uma senhora se dirigir ao padeiro do hipermercado Zaffari:
"Me dá três cacetinhos!", para em seguida completar, convicta:
"E bem morenos!".
::: Podem dizer que o roto está falando do rasgado, mas
a falta de segurança é uma das maiores queixas dos porto-alegrenses. Pelo que meus amigos explicaram, a cidade não conseguiu oferecer oportunidades suficientes para o grande contingente de migrantes. Os gaúchos dirigem com vidros fechados e furam as "sinaleiras" vermelhas, como em São Paulo. A expressão mais comum dessa violência são os seqüestros-relâmpago, que andam bastante em voga por lá.
::: Em resumo: Porto Alegre não tem os predicados turísticos de um Rio de Janeiro, não segura sozinha um pacote de sete dias, mas
tem atrações suficientes para preencher um bom fim-de-semana. A cidade é pequena; no Moinhos de Vento, por exemplo, é gostoso passear, mas há pouca coisa para se ver. Se você tiver amigos locais, melhor: eles te apresentam a outros gaúchos (com sorte, aqueles filés que não saem na noite), e vocês ainda podem pegar o carro e ir até Gramado, que está a apenas 133 km de distância.
Para terminar, deixo aqui meu agradecimento e meu carinho para os novos e velhos amigos gaúchos que tornaram minha estadia muito mais legal: Vanessa, Rodrigo 1, Rodrigo 2, Júlio, os vizinhos fofos da cobertura da frente, Nanda Pomba, Mau, José,
Rodrigo 3,
Dan, Valter e Marco. Vocês são a melhor razão que eu tenho para voltar!