quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O panda dos trópicos

Se o bom jornalista é aquele movido pela curiosidade, nosso personagem já tem a bagagem necessária para se dar bem. Com o frescor de quem acabou de sair do banho, ele é um rapaz aberto para o diferente e pronto para o que der e vier. Quer conhecer o mundo – e todo mundo. Aterrissa em um círculo social novo e logo trata de colocar suas asas para fora. Faz contatos, dispara flechadas, mostra seu lado brincalhão e conquista a simpatia de todos.

Ele não tem tempo para perder com sentimentos ruins. Passa por cima dos defeitos alheios; prefere tentar descobrir o que cada um tem de melhor. Talvez seja esse o segredo da sua expressão quase plácida, capaz de neutralizar o tédio, o cansaço, a irritação e mesmo a indiferença. Em qualquer situação, está sempre se divertindo. Quando o assunto lhe agrada, seu rosto se acende e ele abre um sorriso cheio de dentes muito alvos, numa explosão de entusiasmo à qual é difícil resistir.

O rosto arredondado sugere pureza e bondade. A pele em tom de cappuccino é coberta por uma barba malfeita, que confere um toque rústico ao que seria um semblante quase infantil. Esse urso panda dos trópicos tem uma cabeça esperta, inquieta, que funciona a mil por hora. Nela, real e virtual se cruzam, rendendo mil referências, pontes e conexões. De fora do cardápio, ficam apenas as velhas verdades e o senso comum.

Enquanto pensa onde quer chegar, vai vivendo com a liberdade e o desprendimento que tanto preza. Tudo é permitido e nenhuma possibilidade precisa ser descartada. A mochila vai sempre nas costas e contém todo o necessário para uma mudança inesperada de rota. Dentro de si, ele carrega uma doçura sem par. Fala baixinho, semeia gentileza, preocupa-se com o próximo, ajuda os colegas a ficarem bem. Quando conversa comigo, ele elogia o meu bom gosto, ri das minhas tiradas e faz com que eu me sinta uma pessoa especial. Não é de se admirar. Visto pelos seus olhos brilhantes, o mundo inteiro se torna um pouquinho menos ordinário.

*Atendendo ao pedido de um leitor, publico aqui o retrato que fiz de Davi Lira, meu amigo pernambucano do Curso do Estadão. A proposta era que cada aluno descrevesse um colega, sem identificá-lo.

domingo, 23 de outubro de 2011

Fumaça boa e fumaça ruim

Eu e meus colegas do Estadão passamos a semana no interior do Rio Grande do Sul. Um dos patrocinadores do nosso curso é uma multinacional do ramo fumageiro e mantém ali seu parque industrial, que fomos visitar. Tivemos a oportunidade de conhecer de perto todas as etapas do processo de produção de cigarros e pudemos conversar com representantes dos diversos elos da cadeia, desde a família de agricultores de olhos azuis que mantém uma plantação de fumo até os sindicatos e associações que cuidam dos interesses do setor.

Como era de se esperar, fomos bombardeados com argumentos em defesa do cigarro e de sua indústria. Chamaram nossa atenção para a função social da atividade, que dá trabalho e garante a subsistência de milhares de pessoas. Garante a compra do tabaco produzido, remunera muito bem e dá um bom padrão de vida aos agricultores. Propicia a inserção social, exigindo que eles e seus filhos frequentem a escola. Coíbe o trabalho infantil. Zela pelo meio-ambiente e estimula a produção sustentável. Direciona seu produto apenas a adultos, maiores de 18 anos. Gera uma receita tributária formidável para os cofres do País. Tudo isso, nós ouvimos da boca daqueles orgulhosos defensores do tabaco (a maior parte deles não fumante, mas ok, abafa o caso).

Tento não ser maniqueísta em relação ao tema. Não ignoro que existe uma boa parcela de demagogia naquele discurso pronto, que tem preocupações muito mais econômicas do que sociais. Mas também reconheço que ninguém é obrigado a aderir ao cigarro - quem começou a fumar o fez porque quis, sabendo do perigo do vício, sobretudo de 30 anos para cá, quando já havia informação suficiente nesse sentido. São escolhas que não me cabe julgar. Além disso, ao proibir o fumo em lugares públicos fechados, a nova legislação tende a reduzir os malefícios à esfera individual, protegendo a saúde daqueles que fazem parte do convívio do fumante.

O que me intrigou foi outra coisa. Todos os argumentos do segundo parágrafo, usados para mostrar por A+B que o cigarro era socialmente defensável, também poderiam ser perfeitamente aplicados à exploração do cultivo da maconha - da geração de empregos à coleta de impostos. No entanto, a maconha ainda é proibida. Questão de saúde? Ora, a letalidade do cigarro é bem maior, e isso não detém o governo, para quem a arrecadação fiscal justifica até os gastos com a saúde dos fumantes. Por que a mesma lógica não vale para a maconha, inclusive com a possibilidade de empregar as receitas obtidas com a tributação em políticas públicas de saúde? Dois pesos e duas medidas? Por uma questão de coerência, ou se legaliza a maconha, ou se proíbe o cigarro. Esse é um exemplo claro de como decisões políticas podem ser pouco racionais e absolutamente incongruentes.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Thiago Lasco, por Talita Duvanel*

Já parecia um veterano naquela quinta-feira, quando o vi pela primeira vez. Ele explicava a outra candidata como chegar aqui no Estadão. A moça não virou Foca, mas descobriu o melhor trajeto para o jornal. Quem sabe ano que vem eles se encontrem de novo; veteranos sempre recebem novatos.

Notei 33 anos naquele rosto maduro com uma barba desenhada, cabeça quase nua, com apenas poucos cabelos claros. Ingenuamente, achei que se tratava de alguém que participaria da seleção junto com o coordenador do curso. Preconceito achar que é preciso ter 20 anos para arriscar.

Duas semanas depois, estávamos juntos de novo. Entre neo-adultos de vinte e poucos anos, ele trouxe na mochila duas faculdades, um registro na OAB, um conhecimento incrível sobre meios de transporte de São Paulo (e do meu Rio de Janeiro também), além de um guia mental de restaurantes das duas cidades. Para mim, muita sorte. Ganhei um professor.

- É só pegar o ônibus X, descer no ponto Y e andar até Z. Talita, eu entendi o que você quis dizer, mas essa gíria não é usada aqui. Aquela sorveteria perto da sua casa tem um dos melhores sorvetes da cidade, viu?

Morro de saudade quando ele fala com carinho (e propriedade!) da minha terra. Nunca esquecerei o dia de uma palestra sonolenta em que me cutucou e mostrou um papel recheado de bairros do Rio, aqueles que a gente costuma desconfiar que nem Deus lembra. A sua carioquice latente me disse, naquele momento, que no fundo eu estava perto de casa e dos amigos que deixei.

Ele prova a mim e aos outros 28 que aquela história contada no primeiro dia sobre direito, atropelamento, mudança e jornalismo dá lide.

E o resto da matéria, ele vem nos contando a cada dia.

Talita Duvanel, 25 anos, jornalista carioca, veio a São Paulo para o 22º Curso Estado de Jornalismo. Quando tivemos que fazer o retrato de um colega de classe, ela me escolheu. Fiquei honrado!

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Mustang (e o novo cada vez mais menos novo)

Os rapazes da foto são a dupla belga Mustang, minha paixão eletrônica do momento. O caldeirão deles mistura house music com disco, italo house e electropop. [No Soundcloud, dá para ouvir e baixar várias mixtapes deles - minhas favoritas são as de maio, julho e agosto deste ano]. E eles não estão sozinhos nessa onda. De uns 2 anos pra cá, depois de uma época fria e minimalista, tem sido forte nas pistas o resgate de elementos da disco music, bases à la Giorgio Moroder, linhas de baixo e vocais, deixando o resultado mais "orgânico" e, por que não, acessível. Na mesma linha vai o produtor Aeroplane, outro belga que também frequenta o meu iPod.

Quando compartilhei o som do Mustang no Facebook, um grande amigo meu ouviu e não gostou. "Não vi nada de novidade ou inusitado. Parece um revival do que eu ouvia em Miami, Nova York e até mesmo no Rio de Janeiro nos anos 90! O som é datado". Respeitei a opinião dele, mas argumentei que a música, assim como a moda, passa por ciclos, em que são explorados elementos de períodos específicos. Com esse resgate da disco, o resultado inevitavelmente soa familiar e até meio datado, mas isso não precisa ser um demérito. Mesmo fora da eletrônica, o pop relê o passado e requenta referências o tempo todo. "One Night Stand", do Hot Chip, lembra Devo. "Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)" do Arcade Fire é "Heart of Glass" do Blondie, sem tirar nem pôr. E o que dizer de Amy Winehouse, Adele e Duffy? Poderiam ter sido lançadas 50 anos atrás!

Sobre esse assunto, vale a pena ler uma matéria escrita pelo André Barcinski na Folha, há algumas semanas. Ele conversou com o crítico musical britânico Simon Reynolds, autor do livro Retromania - Pop Culture's Addiction to its Own Past, que examina por que tanta música nova parece cópia de música mais antiga. Reynolds constata que todo grande movimento cultural se inspira em alguma manifestação do passado, mas os artistas atuais estão buscando suas referências num passado cada vez mais próximo. Ele acha que isso é um sinal dos novos tempos, em que a música passou a ter uma importância secundária na vida das pessoas. Antigamente, ela era mais valorizada; hoje, com o acesso gratuito pela internet, ela virou mero pano de fundo para as atividades do cotidiano. Isso teria dado origem a uma vivência musical mais dispersa e bem menos criativa.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Webjet: o pau-de-arara dos ares

Com a aprovação da Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC), a compra da Webjet pela Gol está próxima de se concretizar. Falta apenas o aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que deve ser dado nos próximos dias (o acordo deveria ter saído no dia 5, mas foi adiado). Com isso, espera-se que a Gol ocupe os slots (posições) da Webjet nos aeroportos e tire a marca de circulação.

Quando o anúncio da aquisição foi feito, no dia último 8 de julho, minha primeira reação foi lamentar. Afinal, com uma rival a menos no jogo, a competição de preços diminui e quem perde é o consumidor. Mas depois disso usei a Webjet algumas vezes, e fui obrigado a mudar de opinião.

Lembram da Webjet que eu descrevi aqui? Com pontualidade, poltronas confortáveis e até brownie com calda de chocolate? Esqueçam tudo o que eu disse: a empresa está irreconhecível. Para começar, nas transações feitas pelo site, eles tentam fazer venda casada de seguro com a passagem, prática proibida por lei. Se quiser escolher seu assento, terá de pagar uma taxa extra (!).

No aeroporto, a impressão é ainda pior. O atraso nos voos é recorrente e pode passar de uma hora e meia, sem que seja dada qualquer satisfação aos passageiros. Dentro do avião, eles espremeram mais fileiras de assentos, então não há mais espaço para os joelhos. E, horror dos horrores: eles removeram o sistema de inclinação de todas as poltronas de todas as aeronaves! Ou seja, você passa o voo inteiro apertado e com o tronco reto. Ah, até água e refrigerante são cobrados à parte.

Minhas últimas experiências foram tão traumáticas que prometi a mim mesmo que só voltaria a voar de Webjet em caso de emergência. Por isso, espero mesmo que a Gol engula logo a Webjet e tire de circulação esses paus-de-arara alados. A única coisa que não pode acontecer é a Gol nivelar a qualidade por baixo. O encosto das poltronas da classe econômica nunca reclinou grande coisa, mas sem poder deitar 15 graus que sejam a viagem fica muito, muito pior. Não pretendo passar por isso nunca mais.